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O cumprimento de sentença que determina o pagamento de soma nos termos da Lei nº 11.232/05

O cumprimento de sentença que determina o pagamento de soma nos termos da Lei nº 11.232/05

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SUMÁRIO:1 INTRODUÇÃO. 2 TEORIA GERAL DA EXECUÇÃO. 2.1 CONCEITO. 2.2 PRINCÍPIOS 2.2.1 Princípio do Contraditório. 2.2.2 Princípio da Efetividade da Execução Forçada. 2.2.3 Princípio do Menor Sacrifício Possível do Executado. 2.2.4 Princípio do Desfecho Único. 3 O TÍTULO EXECUTIVO JUDICIAL. 3.1 O NOVO CONCEITO DE SENTENÇA CIVIL. 3.2 A NATUREZA DAS SENTENÇAS PREVISTAS NO ARTIGO 475 – J DO. CPC (CONDENATÓRIA E EXECUTIVA LATO SENSU). 3.3 CONDENAÇÃO, LIQUIDAÇÃO E EXECUÇÃO NO MESMO PROCESSO:DIVISÃO PROCEDIMENTAL EM MÓDULOS OU FASES DE UMA ÚNICA. RELAÇÃO JURÍDICO-PROCESSUAL. 4 O CUMPRIMENTO DE SENTENÇA QUE DETERMINA O PAGAMENTO. DE SOMA. 4.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS – OBJETIVO DA LEI 11.232/2005. 4.2 COMPETÊNCIA PARA O CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. 4.3 PROCEDIMENTO DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. 4.4 DEFESA DO EXECUTADO CONTRA O CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. 4.4.1 Exceção de Executividade. 4.4.2 Objeção de Executividade. 4.4.3 Impugnação ao Cumprimento de Sentença. 5 A MULTA DO ARTIGO 475 – J DO CPC.5.1 NATUREZA JURÍDICA. 5.2 O PROCEDIMENTO PARA CUMPRIMENTO VOLUNTÁRIO DA. SENTENÇA. 5.2.1 Da Divergência a Respeito da Necessidade de Intimação Pessoal do. Devedor ou de Intimação na Pessoa de seu Advogado. 5.2.2 O Termo a quo para a Contagem do Prazo de 15 dias e a sua Aplicação. pelo não Pagamento Voluntário. 5.2.2.1 A Primeira Decisão do STJ a Respeito do Tema. 6 CONCLUSÃO. BIBLIOGRAFIA


1 INTRODUÇÃO

O Código de Processo Civil vem sendo reformado constantemente, trazendo ao mundo jurídico inovações até então inexploradas. Em todos os casos, o principal objetivo das modificações é a busca do maior desafio contemporâneo do direito processual civil brasileiro: a celeridade na resolução dos conflitos levados ao Judiciário e a correspondente eficácia da tutela concedida.

Como não poderia ser diferente, toda novidade (ainda mais no ramo do direito) produz alta repercussão entre os seus operadores, que naturalmente se posicionam das mais diversificadas formas, o que embora cause uma irritável confusão na sua aplicação, indiscutivelmente é a máquina impulsionadora que fomenta a evolução desse ramo da ciência.

O afogamento do Poder Judiciário, mal do nosso tempo, sem dúvidas é o maior desafio do Estado de Direito. Isto porque, ao entregar ao Estado o poder-dever de solucionar os conflitos de interesses, clama-se por uma distribuição de justiça eficaz.

O exacerbado número de demandas levadas a Juízo, cumulada com a falta de material humano do Poder Judiciário para a sua resolução em tempo razoável, fez com que, ao longo do tempo, fosse pensado um novo procedimento capaz de facilitar a execução dos títulos executivos judiciais.

Com o presente trabalho objetiva-se apresentar o novo procedimento de cumprimento de sentença condenatória ao pagamento de quantia certa, trazido ao ordenamento jurídico pátrio através da Lei 11.232, de 22.12.2005, bem como delimitar suas implicações práticas e as divergências doutrinárias e jurisprudenciais sobre o tema.

A partir da definição de execução e dos seus princípios norteadores, explanamos sobre o procedimento da nova sistemática denominada cumprimento de sentença, expondo o seu desenvolvimento na forma de processo sincrético ou misto – dividido em módulos ou fases procedimentais – em substituição à superada sistemática de processos autônomos (de conhecimento, liquidação e execução), inclusive sem deixar de, ainda que sucintamente, discorrer acerca das interferências decorrentes do novo conceito de sentença adotado pelo Código de Processo Civil.

Por entendermos ser de fundamental importância para a compreensão completa do tema e especialmente para a apropriada aplicação prática dos seus conceitos inovadores, definimos a natureza da sentença prevista no artigo 475 – J, do CPC, ocasião em que, com base em entendimentos de doutrinadores consagrados, concluímos pela natureza híbrida da sentença: executiva lato sensu (com relação à multa de 10%) e meramente condenatória (com relação ao início dos atos executivos).

Após examinar passo a passo o procedimento do cumprimento de sentença que condena ao pagamento de soma, apresentamos conclusões sobre os aspectos que atualmente mais geram divergências entre os operadores do direito, entre eles sobre a necessidade ou desnecessidade de intimação prévia do devedor, seja pessoalmente ou na pessoa do seu advogado, bem como o modo de fluência do prazo de 15 (quinze) dias para o cumprimento voluntário da sentença.

Ao final, apresentamos a primeira decisão do Superior Tribunal de Justiça, que na condição de guardião das Leis Federais, fora provocado a decidir acerca do termo a quo para a contagem do prazo de 15 (quinze) dias, bem como os termos para incidência de sua respectiva multa de 10% (dez por cento).


2 TEORIA GERAL DA EXECUÇÃO

2.1 CONCEITO

Execução consiste na invasão do patrimônio do devedor com o objetivo de satisfazer o comando concreto fruto do direito objetivo, sendo realizada sempre através de atos de soberania estatal, atuando inclusive contra a vontade do executado.

O objetivo maior da execução é a realização do resultado prático contido no comando concreto a que as partes se submetem, decorra ele de uma sentença judicial ou de um título a que lei confira expressamente o status de executivo.

Assim, caracterizando-se como a promoção prática do comando concreto contido no direito substancial ou em uma sentença proferida, a execução tem o encargo de efetivar o direito garantido em favor do credor, entregando-lhe o "bem da vida" que lhe é devido.

Conceituando execução, o professor Alexandre Freitas Câmara afirma o seguinte:

A execução forçada tem por fim permitir a realização prática do comando concreto derivado do direito objetivo. Esta realização se dá, com ou sem a vontade do devedor (e, mesmo, contra tal vontade), através da invasão de seu patrimônio. Assim sendo, poderíamos definir a execução forçada como a atividade jurisdicional que tem por fim a satisfação concreta de um direito de crédito, através da invasão do patrimônio do executado [...]. [01]

A execução, como não poderia ser diferente, será exercida sempre através do Poder Jurisdicional do Estado, eis que notadamente atua promovendo a vontade concreta da lei, substituindo a vontade das partes e impondo as soluções estabelecidas em abstrato pelo sistema jurídico. Assim, o Estado-juiz substitui a vontade do executado a fim de materializar no plano concreto o direito do credor.

Sobre a finalidade do processo executivo, importante transcrever os ensinamentos do processualista Francesco Carnelutti:

A finalidade característica do processo executivo consiste, pois, em proporcionar ao titular do Direito subjetivo ou do interesse protegido, a satisfação sem ou contra a vontade do obrigado. [...]. Não nos encontramos mais perante duas partes que reciprocamente disputam entre si a razão e um juiz que busca qual das duas a tenha na verdade, e sim perante uma parte que quer ter uma coisa e outra que não a quer dar, enquanto que o órgão do processo retira a esta para ser dada àquela. [02]

Desta forma, podemos concluir que "a execução apresenta-se como um ato de força realizado pelo Estado, em benefício do credor e contra o patrimônio do devedor". [03]

Por outro lado, o modelo procedimental a ser observado na execução de sentença sempre foi objeto de calorosa discussão doutrinária.

Haviam aqueles que entendiam que a execução de sentença nada mais seria que um complemento da atividade jurisdicional, devendo portanto ser realizada como mero procedimento após o encerramento da fase cognitiva.

Liebman, líder da doutrina majoritária, defendia a autonomia da execução de sentença, entendendo que esta deveria ser realizada em processo autônomo e distinto do processo de conhecimento, onde para sua consumação seria necessária nova citação, com a formação de uma nova relação jurídico-processual. Sustentava que "processo de cognição e processo de execução são entre si independentes: de um lado o processo de cognição pode de fato não exigir a execução [...]. Por outro lado nem sempre à execução deve preceder a cognição". [04]

Nesta esteira, defendendo a autonomia do processo de execução com relação ao processo de conhecimento, Araken de Assis mencionava já no ano de 1998 que "Não mais se tolera, portanto, idéias de antanho, destinando à execução o papel coadjuvante de fecho de ´ciclo da ação ordinária`." [05]

O Código de Processo Civil brasileiro, por sua vez, inicialmente adotou a teoria majoritária, considerando a execução como um processo autônomo com relação ao processo de conhecimento.

Contudo, com o advento da Lei nº 10.444/2002, rompeu-se a idéia de processo autônomo para as execuções de fazer, não fazer ou entrega de coisa diversa de dinheiro. Referida lei passou a considerar a execução como um prolongamento do processo, criando a figura do processo sincrético (misto, composto de fases ou módulos processuais) e expurgando a idéia de processos autônomos para cognição e cumprimento do julgado.

Diante disso, podemos afirmar que com a nova lei a sentença não tem mais o condão de exaurir o processo, tendo em vista que nele ainda se desenvolverá o módulo ou fase executiva, sem necessidade de nova citação e, portanto, de formação de nova relação jurídico-processual, o que sem dúvidas simplifica, racionaliza e torna mais célere a completa e efetiva realização da tutela jurisdicional.

Entretanto, após a louvável inovação, as sentenças que condenavam ao pagamento em dinheiro não se encontravam sob o manto do novo processo sincrético ou misto, onde para elas ainda havia a necessidade do processo autônomo de execução após o desfecho do processo de conhecimento.

Com o advento da Lei nº 11.232/05, a modificação realizada pela Lei nº 10.444/02 foi estendida também à execução das sentenças que determinam o pagamento de soma. Com isso, o antigo modelo de processo de execução autônomo foi completamente abandonado pelo CPC, mantendo-se tão-somente com relação à execução contra a Fazenda Pública, conforme será exposto detalhadamente neste trabalho.

2.2 PRINCÍPIOS

O módulo de execução deve seguir os mesmos princípios básicos conferidos à fase de conhecimento. Contudo, por tratar-se de fase distinta e com objetos distintos, alguns dos princípios gerais se revestem, naturalmente, de características diversas.

2.2.1 Princípio do Contraditório

Sobre o contraditório, há autores que negam sua existência no módulo de execução. Pertencentes a um entendimento intermediário, há aqueles que o vislumbram de forma contida. Por derradeiro, em entendimento com o qual comungamos, há uma terceira corrente que entende haver contraditório pleno em tal momento processual.

Ora, embora seja inegável que a execução é voltada à satisfação dos interesses do credor, em nenhum momento a fase executiva deixa de conceder a garantia de dar conhecimento de todos os acontecimentos do processo às partes (credor e devedor), o que por si só configura o contraditório.

Por outro lado, não podemos nos esquecer que o princípio do contraditório é garantia fundamental prevista na Constituição Federal (inciso LX), sendo certo que sem contraditório não há processo.

Na execução, ao executado é dado o direito de se defender do cumprimento de sentença proposto pelo exeqüente, sendo referida defesa a essência do exercício do contraditório. Temos que, ao executado, portanto, é dada a oportunidade de influir na decisão judicial, eis que a ele é dada oportunidade para tanto.

O fato de ao executado ser dada a oportunidade de, em defesa, discutir somente algumas matérias na fase executiva (artigo 475 – L, CPC) decorre da autoridade da coisa julgada com relação às demais matérias, mas jamais da negativa do direito de se defender em juízo. Em apertada síntese, entendemos que o contraditório não é limitado ou contido, mas sim adequado com o momento processual em que é exercido.

Negar a existência do contraditório, ainda que na fase executiva, seria o mesmo que abolir conquistas históricas do direito processual civil. Não se pode confundir o objetivo único do módulo executivo que é dar ao credor o que o devedor se recusa a fazer voluntariamente, com a ausência de contraditório.

2.2.2 Princípio da Efetividade da Execução Forçada

Segundo o principio da efetividade, o processo deve permitir que se conceda exatamente o que deve ser concedido a quem deva ser concedido. Assim, o processo deve permitir que dele se extraia exatamente aquilo que dele se espera.

Somente é efetivo o processo que, no plano prático, proporcionar àquele quem tem o direito, exatamente o que lhe é garantido, eis que de nada adianta assegurar o direito se o processo não conceder ao seu detentor o resultado prático esperado.

Na execução esse princípio se mostra mais apurado, eis que trata-se do momento em que se define se o processo será capaz de trazer alguma efetividade no mundo concreto ou se não será capaz de fazê-lo.

Ora, lógico é o pensamento de que, caso na fase do cumprimento de sentença condenatória em dinheiro, não for dado ao credor exatamente aquilo que a sentença reconheceu, afastada estará a efetividade do processo.

Ocorre que muitas vezes a efetividade direta é inevitavelmente afastada, como, por exemplo, no caso das obrigações de fazer e não fazer, onde embora haja a figura da tutela específica, é sabido que ninguém poderá ser obrigado a praticar um fato. Nestes casos, necessário se faz substituir a insatisfação do detentor do direito no que diz respeito ao seu objetivo maior, por outra forma de prestação (conversão em perdas e danos). Assim, embora o detentor do direito não obtenha o seu resultado prático inicialmente perseguido, este recebe uma compensação convertida em dinheiro, devendo com esta se contentar.

2.2.3 Princípio do Menor Sacrifício Possível do Executado

O princípio do menor sacrifício possível do executado encontra-se previsto no Código de Processo Civil. Vejamos:

Art. 620. Quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor.

Nesta toada, embora o credor tenha o seu direito indiscutivelmente garantido pelo direito material ou por sentença proferida, referido direito sempre deverá ser exercido da forma menos gravosa possível ao executado. Caberá ao magistrado, no caso concreto e com os dados que lhe forem levados, direcionar a execução sempre de forma a garantir a satisfação do crédito do exeqüente em conjunção com o menor sacrifício possível do executado.

2.2.4 Princípio do Desfecho Único

Sobre o princípio do desfecho único, o doutrinador Alexandre Freitas Câmara, expõe com muita propriedade o seguinte:

Este princípio é, em verdade, corolário da própria finalidade da execução forçada, a satisfação do crédito exeqüendo, com a realização concreta da vontade do direito substancial. Assim é que o único fim normal do processo executivo (ou fase executiva de um processo misto) é a satisfação do crédito exeqüendo. Qualquer outro desfecho será considerado anômalo. [06]

Neste sentir, considerando que o escopo principal do processo executivo é a satisfação da obrigação dando o que deve ser dado a quem deve ser dado, naturalmente seu desfecho será único, ou seja, seu desfecho natural ou provável será a satisfação do direito exeqüendo. Em poucas palavras, haverá desfecho normal da execução quando este for favorável ao exeqüente.

Contudo, não havendo a referida satisfação, haverá a figura do desfecho anômalo (atípico, anormal) da execução. Logo, caso na execução figurem partes ilegítimas ou as mesmas sejam carentes de qualquer outra das condições da ação, haverá a ocorrência do desfecho atípico da execução, eis que esta não se encerrou com a satisfação do seu objeto.

A principal conseqüência prática do princípio em questão consiste na disponibilidade em que se encontra o exeqüente com relação ao seu pleito, eis que, se em princípio o desfecho da execução lhe será favorável, poderá dele dispor.

É que, diferentemente da fase cognitiva, onde caso queira o requerente desistir da demanda somente poderá fazê-lo com a anuência do requerido, na execução, por força do artigo 569 do CPC, referida anuência é dispensada, salvo quando a defesa da execução versar sobre matéria de mérito.

Referida disponibilidade é inclusive tratada como princípio fundamental do processo de execução pelo processualista Araken de Assis. Vale transcrever sua definição:

Fundando-se o processo executivo na idéia de satisfação plena do credor, parece lógico que ele, ao seu exclusivo líbito, disponha da ação. Diversamente do que sucede no processo de conhecimento, em que o réu possui interesse análogo na composição da lide e na extirpação da incerteza, excluindo ou não a razoabilidade da posição assumida no processo, a execução almeja o benefício exclusivo do credor. [07]


3 O TÍTULO EXECUTIVO JUDICIAL

Tendo em vista que o núcleo do presente trabalho repousa no cumprimento dos títulos executivos judiciais que determinam o pagamento de soma, necessário se faz tecer algumas considerações sobre os títulos executivos judiciais, bem como sobre o conceito de sentença e a natureza jurídica da sentença prevista no artigo 475 – J, do CPC.

3.1 O NOVO CONCEITO DE SENTENÇA CIVIL

O conceito de sentença foi modificado pela Lei nº 11232/05, ocasião em que foi adequado às profundas modificações trazidas através da instauração do novo modelo de processo sincrético.

Segundo o estatuto revogado, sentença era definida como o ato do juiz que, no primeiro grau de jurisdição, extingue o processo com ou sem julgamento de mérito.

Assim, temos que na superada conceituação de sentença considerava-se a finalidade do ato (sua conseqüência) e não o seu conteúdo, ou seja: se extinguir o processo é sentença; caso contrário não se trata de sentença.

Sobre o assunto, importante destacar o que preceituam os professores Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery:

Antes da L 11232, de 22.10.2005 (DOU 23.12.2005), que alterou numerosos artigos do CPC, a pedra de toque estabelecida pelo CPC para classificar os pronunciamentos do juiz de primeiro grau era somente a finalidade do ato, seu objetivo, seu sentido teleológico, sua conseqüência. Se a finalidade do ato fosse extinguir o processo, seria sentença; se o seu objetivo fosse decidir, no curso do processo, sem extingui-lo, questão incidente, seria decisão interlocutória; se sua finalidade fosse a de apenas dar andamento ao processo, sem nada decidir, seria despacho. Nenhum outro parâmetro anterior ao da lei, por mais importante e científico que seja, poderia ser utilizado para estabelecer a natureza e a espécie do pronunciamento judicial. O critério, fixado ex lege, tinha apenas a finalidade como parâmetro classificatório. Toda e qualquer outra tentativa de classificação do pronunciamento do juiz que não se utilizasse do elemento teleológico deveria ser interpretado como sendo lege ferenda. [08]

Com a nova concepção trazida pela Lei nº 11232/05, o ultrapassado conceito de sentença foi modificado com a finalidade de defini-la com relação ao seu conteúdo, adequando-a ao novo procedimento sincrético adotado pelo CPC, onde a sentença tão-somente exaure uma fase do procedimento, não encerrando o processo.

Segue o texto da nova lei:

Art. 162. Os atos do juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e despachos.

§1º Sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta lei.

Neste contexto, diante do novo conceito de sentença, percebe-se que a intenção crucial do legislador é concebê-la atento ao seu conteúdo e não mais pelo antigo critério da finalidade, sendo certo que, em suma, havendo em seu conteúdo uma das hipóteses dos artigos 267 e 269 do CPC, haverá sentença.

Em uma análise menos cuidadosa, poder-se-ia indagar qual a modificação anunciada com o novo conceito de sentença, pois implicando uma das situações dos artigos 267 e 269 do CPC, a sentença permaneceria, em sua essência, com o mesmo conceito antigo. Contudo, mister salientar novamente que, embora sentença seja considerada o ato que implica alguma das situações previstas nos artigos 267 e 269 do CPC, esta não coloca fim ao processo, mas tão-somente finaliza um módulo processual de conhecimento, de execução ou cautelar.

Nesta linha de entendimento, Alexandre Câmara preceitua:

Sentença é o ato do juiz que põe fim ao seu ofício de julgar, resolvendo ou não o mérito da causa. Se se preferir, adotando-se uma terminologia que nos parece adequada ao atual sistema do CPC, sentença é o ato do juiz que põe fim a um módulo processual, resolvendo ou não o mérito da causa. [09]

3.2 A NATUREZA DAS SENTENÇAS PREVISTAS NO ARTIGO 475 – J DO CPC (CONDENATÓRIA E EXECUTIVA LATO SENSU)

Segundo o entendimento doutrinário dominante, as sentenças se classificam em declaratória, condenatória, mandamental e executiva lato sensu. Há aqueles que preferem a classificação trinária, considerando-as como meramente declaratórias, condenatórias e constitutivas.

Fruto de árduo debate doutrinário, a grande distinção percebida na forma de classificação das sentenças funda-se em um ponto de partida: considerá-la a partir dos seus efeitos ou a partir do seu conteúdo. Para não fugir do tema, o presente trabalho não entrará no mérito do referido debate doutrinário, dada sua enorme complexidade e extensão, pois se assim não fosse, necessário seria a confecção de um novo trabalho somente para dissertar sobre o assunto.

Por outro lado, no que diz respeito especificamente à natureza da sentença prevista no artigo 475 – J do CPC, devem ser tecidas algumas considerações, ainda que breves, sobre a sentença condenatória e a sentença executiva lato sensu.

Como sentença executiva lato sensu, entendemos ser aquela em que a prestação jurisdicional não se encerra com a prolação da sentença, atuando o julgador também na promoção prática da decisão proferida, como é o caso da sentença que julga a ação de despejo, que além de reconhecer devido o despejo do locatário, atua promovendo a sua concreta realização através das determinações necessárias ao seu cumprimento.

Deste modo, temos que nas ações executivas lato sensu, há a cumulação de condenação com a imediata e subseqüente determinação de realização dos atos executivos necessários ao seu cumprimento. Em poucas palavras, podemos afirmar que neste particular a sentença se basta.

Por sua vez, a sentença condenatória limita-se tão-somente a dirigir ao réu o comando estatal para que este cumpra uma prestação de dar, fazer ou não-fazer.

Ao conceituar a sentença condenatória, o ilustre professor Alexandre Freitas Câmara discorre o seguinte:

A lei é norma abstrata, capaz, tão-somente, de afirmar que o devedor (abstratamente considerado), tem o dever de cumprir sua prestação. Apenas a sentença condenatória concretiza este comando legal, autuando a vontade concreta da norma e, por conseqüência, permitindo a produção do efeito executivo. Assim, é que, a nosso juízo, a sentença condenatória é aquela que impõe ao réu o cumprimento de uma prestação (de dar, fazer ou não fazer), correspondendo a este conteúdo o efeito de permitir a execução forçada do comando contido na decisão. [10]

Uma vez conceituadas as sentenças condenatórias e executivas lato sensu, cumpre examiná-las à luz do cumprimento de sentença previsto no artigo 475 – J do CPC.

Como já exposto alhures, no que tange ao cumprimento de sentença que determina o pagamento de soma em dinheiro, a nova sistemática processual civil promoveu a chamada unificação processual entre a ação condenatória e a ação de execução, criando o processo sincrético ou misto em substituição ao modelo de processo autônomo de conhecimento e o processo autônomo de execução.

Conforme se extrai da parte final do artigo 475 – J, caput, do CPC, embora unificadas procedimentalmente a ação condenatória e a ação de execução, a execução da sentença somente poderá ser iniciada se houver expresso requerimento do credor nesse sentido.

Vejamos:

Art. 475 – J. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de 15 (quinze) dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de 10% (dez por cento) e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação.

Diante disso, entendemos que a sentença objeto de cumprimento nos termos do artigo 475 – J, do CPC é sentença meramente condenatória, e não sentença executiva lato sensu, eis que sempre haverá a necessidade de provocação do credor para a realização dos atos executivos.

Já no que diz respeito à incidência da multa (medida coercitiva) prevista no artigo em questão, temos a configuração de sentença executiva lato sensu, pois neste particular a incidência da multa de 10% independe de requerimento do credor nesse sentido.

Com muita precisão, o processualista Luiz Rodrigues Wambier explana sobre o assunto:

A sentença prolatada ex vi do art. 475 – J do CPC, deste modo, é dotada de duas eficácias executivas distintas: é sentença imediatamente executiva no que diz respeito à incidência da medida coercitiva; é sentença meramente condenatória, logo, mediatamente executiva, em relação à realização da execução por expropriação. [11] (grifo nosso)

Portanto, seguindo a linha de pensamento do processualista Luiz Rodrigues Wambier, entendemos que o artigo 475 – J do CPC é híbrido com relação à natureza jurídica da sentença que enseja o cumprimento, pois se de um lado temos que para a realização da execução forçada necessário se faz o requerimento do credor (não possuindo a sentença carga executiva para tanto); por outro lado, a imposição de multa pelo não pagamento voluntário no prazo previsto de 15 (quinze) dias, por ser efeito diretamente decorrente da sentença e tratar-se de medida coercitiva, mostra-se como sentença executiva lato sensu.

3.3 CONDENAÇÃO, LIQUIDAÇÃO E EXECUÇÃO NO MESMO PROCESSO: DIVISÃO PROCEDIMENTAL EM MÓDULOS OU FASES DE UMA ÚNICA RELAÇÃO JURÍDICO-PROCESSUAL

Com o surgimento da idéia de processo sincrético realizado através das modificações legislativas objeto de estudo por este trabalho, extinguiu-se a realização de processos distintos entre si, que definiam primeiramente a condenação, posteriormente a liquidação e por derradeiro a execução, em relações jurídico-processuais autônomas.

Embora unificadas no mesmo processo, observe-se que nenhuma das fases que buscam, ao final, a completa satisfação do demandante, perdeu sua autonomia com relação aos seus objetivos que inegavelmente são distintos.

Antes da reforma, a liquidação tinha curso em processo de conhecimento autônomo, distinto do processo de conhecimento e do processo de execução, havendo inclusive citação e formação de nova relação jurídico-processual para tanto.

No caso específico da liquidação, preferiu o legislador contemporâneo que esta se inicie com o requerimento de liquidação realizado pelo credor, através do qual será o réu intimado tão-somente na pessoa de seu advogado (artigo 475 – A, parágrafo 1º do CPC). Ainda, segundo o CPC, artigo 475 – H, o pronunciamento que decide sobre a liquidação não é mais sentença passível de apelação, mas tão-somente decisão agravável.

Nesta toada, percebe-se claramente que os processos de conhecimento, de liquidação e de execução, embora processualmente unificados, possuem pretensões distintas e autônomas com relação aos seus objetivos, sendo que permanece inalterada a natureza de cada um deles, onde após exaurido seu respectivo objetivo, cada qual encerra um módulo do processo sincrético ou misto.

Nesta esteira, Luiz Rodrigues Wambier discorre brilhantemente:

Outro elemento fundamental para a caracterização da autonomia da liquidação de sentença reside na diversidade de objetos da ação condenatória genérica e da ação de liquidação. No caso, a ação condenatória terá como objetivo a obtenção de sentença que determine a responsabilidade do réu pelo dano causado (ou seja, o an debeatur); diferentemente, a liquidação terá por objeto a apuração do quantum debeatur. No primeiro caso, será proferida sentença condenatória; no segundo, sentença declaratória. [12]


4

Realizadas de forma mais breve possível as indispensáveis considerações para a melhor compreensão do instituto de cumprimento de sentença relativa à obrigação por quantia certa, passaremos a discorrer de forma específica sobre referido instituto processual fruto da Lei 11.232/2005.

4.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS – OBJETIVO DA LEI 11.232/2005

Com muita sensibilidade Marcio Thomas Bastos (então Ministro de Estado da Justiça) afirmou na exposição de motivos da Lei nº 11.232, de 22.12.2005, que nada mais difícil, com freqüência, do que impor no mundo dos fatos os preceitos abstratamente formulados no mundo do direito.

O CPC em seu formato original previa, ao nosso ver injustificavelmente, a instauração de processos distintos e completamente autônomos entre si para que se operasse a realização prática dos objetivos de quem demanda em juízo. De tal modo, era necessário que, após todo o transcurso do processo de conhecimento (vencidos todos prazos, recursos e demais garantias do devido processo legal), o vencedor provocasse uma nova relação jurídico-processual para somente então realizar, após nova citação do vencido, a execução daquilo anteriormente reconhecido por sentença judicial, fruto de um longo e complexo processo cognitivo inalterável.

Com o advento da nova sistemática, foi simplificada a concretização dos preceitos abstratos no mundo dos fatos através da criação do processo sincrético, onde execução e cognição, embora possuam pretensões distintas, processam-se nos mesmos autos, caracterizando-se como fases ou módulos processuais sem necessidade de formação de várias relações jurídico-processuais para realização do objetivo do demandante, que é único.

Não há dúvidas que, embora mais garantista sob a ótica do contraditório, a fórmula original do CPC não conferia aos demandantes uma prestação jurisdicional eficaz, eis que suas demasiadas formalidades procedimentais tornavam morosa a imposição dos conceitos abstratos no mundo dos fatos.

O afogamento do Poder Judiciário, mal do nosso tempo, sem dúvida é o maior desafio contemporâneo do Estado de Direito. Isto porque, ao entregar ao Estado o poder-dever de solucionar os conflitos de interesses, clama-se por uma distribuição de justiça realmente eficaz. Neste sentir, quanto à Justiça das decisões judiciais, tanto o procedimento moderno quanto o antigo se mostram suficientes; já no que concerne à eficácia, não há dúvidas que a nova sistemática mostra-se muito mais apta à sua promoção.

O exacerbado número de demandas levadas a Juízo, cumulada com a falta de material humano do Poder Judiciário para a sua resolução eficaz fez com que, ao longo do tempo, fosse pensada uma nova forma de facilitar a concretização dos títulos executivos judiciais. Isso de fato ocorreu com a criação da Lei 11.232, que busca uma forma mais célere, menos onerosa e mais eficiente de realizar o cumprimento de sentença que condena ao pagamento de quantia certa.

Por outro lado, com o surgimento de processo sincrético, além de possibilitar maior celeridade procedimental para a concretização dos preceitos abstratos, o legislador facilitou a concretização dos direitos judicialmente reconhecidos, eis que, conforme será demonstrado a seguir, claramente optou por inverter a imposição de atitude para a materialização do julgado no plano concreto.

Isso porque, na sistemática ultrapassada, havendo sentença judicial com trânsito em julgado, caberia ao credor ingressar com nova demanda de "Execução de Sentença" para impor o cumprimento do julgado. Diferentemente, a sistemática moderna aboliu a imposição de cumprimento, sugerindo o seu cumprimento voluntário e transferindo a responsabilidade para tanto inicialmente ao devedor.

Referida inversão do ônus de atitude para o cumprimento da obrigação decorrente de título executivo judicial está claramente estampada na primeira parte do caput do artigo 475 – J, do CPC, in verbis:

Art. 475 – J. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de 15 (quinze) dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de 10% (dez por cento) e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação.

Logo, concluímos que o propósito da Lei 11.232/05 que trouxe ao bojo a nova forma de cumprimento das sentenças que determinam pagamento em soma é o de inversão do ônus de atitude, tendo em vista que sugere o pagamento voluntário do julgado a ser realizado pelo devedor sob pena de multa (medida coercitiva) de 10% (dez por cento) e, somente após superado o prazo de 15 (quinze dias), e caso o mesmo não realize o cumprimento, é que o credor irá realizar o requerimento de execução do julgado.

Ora, ao impor o pagamento voluntário sob pena de multa, quer o legislador que o devedor de título líquido e certo decorrente de sentença judicial com trânsito em julgado (exigível) pague aquilo que é devido ao credor voluntariamente, ou seja, sem necessidade de procedimento executivo para tanto. A multa, por sua vez, nada mais é que um modo de coagir o devedor ao pagamento voluntário da obrigação, pois caso não o faça arcará com o ônus de sua desídia. Tanto é verdade que nos termos adotados pela nova sistemática não mais se fala em execução de sentença, mas sim em cumprimento de sentença.

4.2 COMPETÊNCIA PARA O CUMPRIMENTO DE SENTENÇA

A competência para o cumprimento de sentença que antigamente era regulada pelo artigo 575 do CPC foi modificada pela Lei 11.232/05, passando a ser regulada pelo artigo 475 – P do CPC. Contudo, mister salientar que a nova sistemática não revogou o artigo 575 do CPC com relação às execuções de sentença contra a Fazendo Pública (artigo 730, CPC), permanecendo inalteradas as regras de competência somente neste caso específico.

O artigo 475 – P do CPC, redigido de forma mais técnica, corrigiu algumas imprecisões anteriormente encontradas no artigo 575 do CPC. Isto porque excluiu a expressão "tribunais superiores" (que se não interpretado com os devidos cuidados poderia ser levado a entender apenas tribunais superiores e não qualquer tribunal), substituindo-a de forma mais precisa e indistinta pela expressão "tribunais". Por outro lado, o artigo 475 – P, III do CPC trouxe expressamente em seu bojo a previsão de competência para a execução de sentença estrangeira, fazendo-o de acordo com o artigo 109, X, da Constituição Federal.

Neste sentir, de acordo com o inciso I do artigo 475 – P, a competência para o cumprimento sentença nas causas de competência originária será do próprio tribunal originariamente competente (por expressa previsão legal) para processar e julgar a demanda. [13]

Trata-se de competência funcional, portanto absoluta. Deste modo, por se tratar de matéria de ordem pública, a incompetência para cumprimento de acórdão decidido por tribunal no exercício de sua competência absoluta, poderá ser reconhecida a qualquer momento de ofício, não operando-se neste caso o instituto de prorrogação de competência (onde aquele que inicialmente era incompetente torna-se competente por ausência de resistência da parte interessa nesse sentido).

Já o inciso II do aludido artigo, por sua vez, traz regra de competência relativa, portanto prorrogável. Segundo o inciso em comento, em regra será competente para o cumprimento de sentença o juízo que processou a causa no primeiro grau de jurisdição. Diz-se em regra, pois o parágrafo único do artigo 475 – P do CPC prevê a possibilidade de opção por parte do exeqüente entre o juízo do local onde se encontram bens sujeitos à expropriação ou pelo do atual domicílio do executado, casos em que a remessa dos autos do processo será solicitada ao juízo de origem.

Portanto, neste caso três são os juízos concorrentemente competentes para o cumprimento de sentença: juízo que processou e julgou a causa no primeiro grau de jurisdição; juízo do local onde se encontram os bens expropriáveis; ou, juízo do atual domicílio do executado.

Por derradeiro, o inciso III do artigo 475 – P traz mais três hipóteses de cumprimento de sentença e estabelece as suas respectivas regras de competência, estabelecendo o juízo cível competente quando se tratar de sentença penal condenatória, sentença arbitral ou sentença estrangeira.

No que concerne às duas primeiras, não são necessárias maiores considerações, tendo em vista que estabeleceu-se o juízo cível competente (o do local do domicílio do executado ou o local onde se encontram os bens expropriáveis) simplesmente por não haver juízo cível anterior em ambos os casos. Já no que diz respeito à sentença estrangeira, transcrevemos as lições dos ilustres doutrinadores Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery:

A competência para executar sentença estrangeira - civil ou penal -, depois de devidamente homologada pelo STJ, é da justiça federal (art. 109, X). Trata-se de exceção à regra geral do CPC 475-P I, que prevê como competente o tribunal do qual proveio o acórdão exeqüendo, nos casos de competência originária, como é o da hipótese de ação de homologação de sentença estrangeira (CF 105 I i – competência originária do STJ). [14]

4.3 PROCEDIMENTO DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA

Uma vez transitada em julgado a sentença condenatória ao pagamento de quantia certa, necessário se faz que se proceda a sua efetivação no plano concreto. O instrumento processual para tanto é o cumprimento de sentença, previsto no artigo 475 – J do CPC e seguintes.

Nunca é demais ressaltar que a Lei 11.232/05 unificou procedimentalmente a condenação e a execução, extinguindo a necessidade formação de nova relação jurídico-processual e dividindo o processo em módulos ou fases processuais, com a criação do chamado processo sincrético ou misto.

Conforme já exposto no decorrer do presente trabalho, entendemos que a sentença objeto de cumprimento de sentença possui dupla natureza jurídica, ou seja, executiva lato sensu e meramente condenatória, configurando esta com relação aos atos expropriatórios (indispensável o requerimento do credor) e aquela com relação à multa coercitiva prevista no artigo 475 – J do CPC (opera automaticamente, por força da lei).

Neste diapasão, encerrado o módulo cognitivo, deverá o devedor saldar voluntariamente o valor estabelecido no prazo de 15 (quinze) dias, sob pena de incorrer em multa de 10% (dez por cento). Não realizando o pagamento no prazo, a requerimento do credor, inicia-se a execução propriamente dita.

Para que inicie o cumprimento de sentença (execução), basta uma simples petição do credor nesse sentido, não sendo necessário sequer o pagamento de qualquer custa processual, tendo em vista que as atividades jurisdicionais prosseguirão nos mesmos autos, inclusive sem necessidade de nova citação, sendo o devedor intimado na pessoa de seu advogado (475 – J, caput, parte final e parágrafo 1º).

Cumpre ressaltar que para que se inicie a execução é imprescindível o requerimento do credor, operando no caso o princípio dispositivo por expressa previsão legal do artigo 475 – J, caput, parte final do CPC. Não pode o juiz, portanto, determinar de ofício a realização dos atos executivos, pois embora procedimentalmente unificadas as ações cognitiva e de execução, estas não tiveram descaracterizados os seus objetos ou pretensões que são completamente diversos entre si.

Diante da norma permissiva do parágrafo 3º do artigo 475 – J do CPC, o exeqüente poderá indicar no aludido requerimento os bens do executado que serão penhorados. Como bem lembra Luiz Rodrigues Wambier:

[...] do disposto no § 3º do art. 475-J decorre conseqüência processual importantíssima: a de que, na execução de sentença que determina o pagamento de soma em dinheiro, é o autor/exeqüente, e não o réu/executado, quem tem direito de indicar os bens à penhora. Assim, sabendo da existência de dinheiro em conta-corrente bancária do executado, poderá o exeqüente requerer que sobre este bem recaia a penhora. [15]

Entretanto, ressalte-se que o parágrafo 3º do artigo 475 – J deve ser aplicado com as devidas cautelas, pois poderá o executado, no exercício do contraditório - ao apresentar a sua impugnação ao cumprimento de sentença - manifestar-se contra os bens indicados pelo exeqüente, oferecendo outros que julgar suficientes. Diante da controvérsia, caberá ao magistrado decidir a questão com base na preferência de indicação conferida ao exeqüente (artigo 475 – J, parágrafo 3º), mas sem jamais atuar em detrimento do princípio do menor sacrifício possível do executado (artigo 620, CPC). Deverá, também, ser observada a ordem prevista no artigo 655 do CPC, que igualmente não é absoluta, devendo o magistrado definir no caso concreto qual solução se mostra mais eficaz, sempre da forma menos onerosa para o devedor.

Destarte, nos termos do aludido artigo 475 – J, parágrafo 3º, conclui-se que o legislador inverteu a ordem anteriormente estabelecida pelo CPC, artigo 652, onde o devedor era citado para nomear bens à penhora, transferindo o cargo dessa indicação ao credor.

Outra novidade trazida pela Lei 11.232/05 foi a possibilidade de o próprio oficial de justiça realizar a avaliação dos bens penhorados, desde que para tanto não sejam necessários conhecimentos técnicos dos quais o mesmo não é dotado, ocasião em que deverá informar o juiz para que este determine a avaliação, indicando um avaliador para a sua realização (artigo 475 – J, parágrafo 2º, CPC).

Após a realização da penhora, será o devedor intimado na pessoa de seu advogado ou, na falta deste, o seu representante legal, ou pessoalmente, por mandado ou pelo correio, para, querendo, apresentar impugnação ao cumprimento de sentença no prazo de 15 (quinze) dias. Somente poderá versar a impugnação sobre as matérias taxativamente elencadas no artigo 475 – L, do CPC.

A impugnação, diferentemente do substituído instituto dos embargos à execução não é mais ação autônoma e, em regra, não possui o condão de suspender a execução, salvo nas exceções previstas no artigo 475 – M, do CPC. Portanto, diante da nova sistemática da execução de sentença que determina pagamento em soma, aboliu-se a possibilidade de o devedor propor embargos à execução. Somente com relação à Fazenda Pública ficou preservada a referida faculdade por expressa previsão legal do artigo 741, do CPC.

4.4 DEFESA DO EXECUTADO CONTRA O CUMPRIMENTO DE SENTENÇA

Como não poderia ser diferente sob a ótica do novo cumprimento de sentença que determina o pagamento de soma, a defesa do executado contra o cumprimento de sentença também foi simplificada com o escopo de tornar mais célere e eficaz a prestação jurisdicional final.

Embora o artigo 475 – J, parágrafo 1º, estabeleça somente a impugnação como meio de defesa ao cumprimento de sentença, não está excluída a possibilidade de outros meios de defesa serem utilizados pelo executado quando estes se mostrarem sintonizados com o sistema processual.

Deste modo, de acordo com a nova sistemática, entendemos que ao executado foi dada a possibilidade de valer-se de três instrumentos para defender-se do cumprimento de sentença: impugnação à execução; objeção de executividade; e exceção de executividade. Importante observar que, conforme se demonstrará a seguir, na impugnação à execução a segurança do juízo é necessária; já no caso da objeção e exceção de executividade a segurança do juízo é desnecessária, tendo em vista a natureza da matéria a ser alegada nestas modalidades de defesa.

4.4.1 Exceção de Executividade

Conforme a lição dos doutrinadores Nelson Nery e Maria Rosa Nery "O primeiro meio de defesa de que dispõe o devedor na execução é a exceção de executividade." [16]

Diz-se ser o primeiro de defesa porque a exceção de executividade é uma modalidade de defesa contra o cumprimento de sentença que não necessita de segurança do juízo para sua propositura e também porque é cabível sempre quando o executado possui prova pré-constituída, ou seja, capaz de demonstrar de plano (sem qualquer dilação probatória), que a execução não pode prosseguir nos termos em que foi proposta por ser patente a existência de qualquer forma de extinção da obrigação (pagamento, novação, dação, confusão, etc).

Por não necessitar de segurança do juízo, é importantíssimo instrumento colocado à disposição do executado, pois possibilita que o mesmo, possuindo prova pré-constituída e indiscutível acerca do adimplemento da obrigação, faça extinguir a execução sem ter seu patrimônio invadido injustamente. Ao exeqüente e à própria execução também não há qualquer prejuízo, pois a exceção não interrompe ou suspende o prazo para impugnação ao cumprimento de sentença, não prejudicando inclusive o andamento da execução.

Observe-se, contudo, que por tratar-se de direito disponível, a causa extintiva da obrigação não poderá ser reconhecida de ofício pelo juiz, cabendo, portanto, ao executado a demonstração e comprovação da ocorrência de alguma causa capaz de extinguir a obrigação, realizando o seu respectivo requerimento.

A exceção de executividade é elaborada por simples petição que deverá demonstrar e comprovar de plano que a execução é incabível ou ilegal e poderá ser proposta a partir do momento em que tiver sido requerido o cumprimento de sentença pelo exeqüente, tendo o mesmo prazo final do previsto para a propositura da impugnação ao cumprimento de sentença.

Por outro lado, a exemplo da impugnação ao cumprimento de sentença, a exceção é mero incidente processual e será processada nos próprios autos. Cumpre ressaltar novamente que a exceção não suspende ou interrompe o prazo para a propositura da impugnação.

Caso seja necessária qualquer outra prova senão aquela juntada à exceção, o executado não poderá valer-se da exceção. Neste caso deverá primeiramente segurar o juízo e posteriormente opor o incidente de impugnação ao cumprimento de sentença, ocasião em que terá toda oportunidade de produzir a prova necessária.

Sobre os recursos possíveis e a natureza das decisões proferidas, segue o ensinamento dos processualistas Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery:

O ato do juiz que resolve a exceção é recorrível: a) se rejeitá-la é decisão interlocutória, impugnável por recurso de agravo (CPC 162 § 2.º e 522); b) se acolhê-la e extinguir a execução é sentença, impugnável por apelação (CPC 162 § 1.º, 475 – M § 3.º e 513; c) se acolhê-la mas não extinguir a execução é decisão interlocutória, impugnável pelo recurso de agravo (CPC 161 § 2.º e 522). [17]

4.4.2 Objeção de Executividade

A objeção de executividade é outro instrumento de defesa contra o cumprimento de sentença que igualmente não necessita de segurança do juízo para sua propositura.

Presta-se a alertar o juiz acerca da existência de alguma questão de ordem pública que impeça o prosseguimento regular da execução. Toda e qualquer matéria que poderá ser reconhecida de ofício pelo juiz (matéria de ordem pública – artigo 267, IV, V e VI; artigo 301, CPC, salvo inciso IX; artigo 219, parágrafo 5º CPC e artigo 210, CC), poderá ser levantada na objeção de executividade.

A exemplo da exceção de executividade, o termo inicial para a sua propositura é a intimação ou o conhecimento do requerimento de cumprimento de sentença realizado pelo exeqüente. Também idêntico é o procedimento, devendo ser processada nos próprios autos. Contudo, quanto ao termo final para a sua apresentação, a objeção de executividade difere da exceção, podendo ser proposta a qualquer tempo, tendo em vista que contra as matérias por ela alegáveis não há a incidência do instituto da preclusão.

4.4.3 Impugnação ao Cumprimento de Sentença

A impugnação à execução é o instrumento previsto nos artigos que regulam o procedimento do cumprimento de sentença para que o executado possa oferecer sua resistência à execução proposta. Assim, temos que o referido instituto é o substituto dos embargos à execução (antes previsto também para a execução de sentença de título executivo judicial), permanecendo este tão-somente com relação à execução contra a Fazenda Pública (artigo 741, CPC).

A natureza da impugnação, nos termos da Lei 11.232/05, é de mero incidente processual e não mais um processo autônomo incidental de embargos à execução como no regime superado.

Injustificavelmente, a sistemática superada previa o mesmo procedimento para a execução fundada em títulos executivos judiciais e a execução fundada em títulos executivos extrajudiciais. "A diferença fundamental entre as duas espécies de execução residia nas matérias que poderiam ser argüidas pelo executado, nos embargos à execução (cf. artigo 741 – em sua redação anterior – e 745 do CPC)". [18]

Diz-se injustificavelmente porque embora ambos sejam considerados "títulos executivos", é notável que o título executivo judicial (fruto de um longo trâmite cognitivo sob o manto do Poder Judiciário) não poderia ter o mesmo tratamento que o título executivo extrajudicial (mero documento que a lei confere o status de título executivo).

Nesta toada, a fim de tornar mais eficaz a prestação jurisdicional, agiu bem o legislador ao conferir tratamento diferenciado quanto à defesa do executado no cumprimento de sentença de título executivo judicial que condena o pagamento de soma (artigos 475 – L e 475 – M, do CPC).

O prazo para o oferecimento da impugnação, assim como ocorre na contestação da fase cognitiva, é de 15 (quinze dias), contados a partir da publicação do ato de intimação na imprensa oficial, salvo nos casos de intimação pelo correio ou por oficial em que a contagem iniciará de sua respectiva juntada.

Para propor a impugnação o Juízo deverá estar previamente garantido pela penhora. Isso porque a própria lei prevê a impugnação somente após a penhora, determinando, inclusive, que o prazo para sua propositura contar-se-á com base na penhora realizada.

As matérias argüíveis na impugnação estão previstas no artigo 475 – L, CPC, cujo rol é taxativo, são elas: falta ou nulidade da citação, se o processo correu à revelia; inexigibilidade do título; penhora incorreta ou avaliação errônea; ilegitimidade de partes; excesso de execução; qualquer causa impeditiva, modificativa ou extintiva da obrigação, como pagamento, novação, compensação, transação ou prescrição, desde que superveniente à sentença.

Coibindo a utilização de mecanismos com o intuito meramente protelatório e também para não permitir a chamada "negativa geral", o artigo 475 – L, parágrafo 2º prevê que caso o executado pretenda discutir os valores apurados pelo exeqüente, deverá desde logo indicar o valor que entende correto, sob pena de rejeição liminar da impugnação.

Inovação considerável e que certamente garante maior eficácia ao processo é a de que, diferentemente dos embargos à execução, em regra a impugnação não terá efeito suspensivo, salvo nos casos em que forem relevantes seus fundamentos e o prosseguimento da execução seja manifestamente suscetível de causar ao executado grave dano de difícil ou incerta reparação (artigo 475 – M, caput, CPC).

Assim, ao magistrado foi dada uma certa discricionariedade para a atribuição ou não do efeito suspensivo à defesa do executado, devendo analisar no caso concreto se estão preenchidos todos os requisitos do artigo 475 – M, CPC, que são cumulativos.

Embora tenha sido concedida uma considerável discricionariedade ao magistrado para a concessão do aludido efeito suspensivo, cumpre ressaltar que, além dos requisitos supra mencionados, em obediência ao princípio dispositivo, não poderá o magistrado conceder a suspensão da execução ex officio, sendo indispensável que o executado realize requerimento expresso nesse sentido, demonstrando o preenchimento de todos os requisitos previstos no artigo 475 – M, caput, CPC.

Já no que concerne à revogação do efeito suspensivo, poderá o magistrado a qualquer tempo atuar a requerimento do interessado ou até mesmo sem que exista qualquer provocação, bastando que os fundamentos levantados pelo executado ou o risco de dano irreparável ou de difícil reparação deixem de existir.

Caso seja deferida a suspensão da execução, a impugnação será instruída e decidida normalmente nos autos principais e, caso contrário (impugnação sem efeito suspensivo), em autos apartados.

Outra inovação é a previsão da possibilidade de o credor oferecer caução suficiente e idônea para impedir o efeito suspensivo, ainda que preenchidos todos os requisitos do artigo 475 – M, caput, CPC. Deste modo, possibilitado está o prosseguimento da execução sem risco de prejuízo às partes, eis que garantido ao devedor eventual reparação de dano sofrido pela não suspensão da execução. A caução será arbitrada pelo juiz e prestada nos próprios autos (artigo 475 – M, parágrafo 1º).

Sobre a inovação, Rodrigo Barioni assevera o seguinte:

De maneira criativa, o legislador assegurou a reposição das partes ao status quo ante, no caso de acolhimento da impugnação, evitando, conseqüentemente, o risco de dano irreparável ao executado, decorrente do seguimento da execução, especialmente por se mostrarem ‘relevantes’ (sic: plausíveis) os argumentos constantes na impugnação. Viabilizou-se, assim, o prosseguimento da execução, ainda que a impugnação contenha fundamento relevante e haja risco de dano irreparável ou de difícil reparação ao executado. [19]

O recurso cabível contra a decisão da impugnação será o recurso de apelação quando a decisão importar extinção da execução e, agravo de instrumento quando não extinguí-la (artigo 475 – M, parágrafo 3º, CPC).


5 A MULTA DO ARTIGO 475 – J DO CPC

Prevê o artigo 475 – J, caput, do CPC, incidência de multa de 10% (dez por cento) sobre o valor total de condenação caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não efetue o pagamento no prazo de 15 (quinze) dias.

A aplicação prática da multa de 10% (dez por cento) prevista no aludido artigo vem sendo objeto de muita discussão doutrinária e jurisprudencial sobre vários ângulos de interpretação, tais como: o termo a quo da contagem do referido prazo de 15 (quinze) dias; a necessidade de existir ou não requerimento do credor para o cumprimento voluntário da sentença; a necessidade ou desnecessidade de intimação do devedor, bem como se suficiente a intimação na pessoa do advogado ou se deverá ser feita pessoalmente ao devedor, entre outros.

5.1 NATUREZA JURÍDICA

Inicialmente, para que possamos entender todos esses aspectos que repercutem calorosa discussão sobre o tema, necessário se faz determinar a natureza jurídica da multa do artigo 475 – J, CPC.

Consoante demonstrado em todo o decorrer deste trabalho, não há dúvidas que o principal objetivo da Lei 11.232/05 é conceder maior celeridade e eficácia ao cumprimento das obrigações de pagamento de quantia em dinheiro reconhecidas por sentença judicial imutável.

Para tanto, preferiu o legislador conferir ao devedor primeiramente a possibilidade de cumprir com a obrigação de forma espontânea, ou seja, independentemente de requerimento do credor nesse sentido. Contudo, para tornar realmente eficaz esse desejo de cumprimento voluntário da obrigação, não poderia ter tomado outra providência a não ser vincular o seu não cumprimento a alguma espécie de prejuízo econômico a ser suportado pelo devedor inerte.

O caput do artigo 475 – J assumiu esse encargo, estabelecendo que caso o devedor não cumpra o julgado em 15 (quinze) dias, terá à sua dívida um acréscimo no valor de 10% (dez por cento).

Diante disso, não há dúvidas que trata-se de medida de natureza jurídica coercitiva, tendo em vista que a sua previsão nada mais é que uma forma de compelir o devedor a cumprir a obrigação voluntariamente, sob pena de, automaticamente (por expressa determinação legal), ver sua dívida crescer em 10% (dez por cento). Medida coercitiva semelhante e de tremenda eficácia em nosso ordenamento processual civil é aquela adotada na execução de alimentos, onde o devedor inadimplente com o dever alimentar está sujeito à prisão.

Portanto, considerando a multa de 10% (dez por cento) prevista no caput do artigo 475 – J, do CPC, como medida coercitiva com ímpeto de estimular o devedor a cumprir a obrigação voluntariamente, por ser a ele mais vantajoso agir de tal forma, nada impede que, cumulativamente com a multa coercitiva, seja aplicada também alguma multa pecuniária ao devedor de natureza punitiva (sanção), sendo o que ocorre por exemplo quando constatado que este litiga de má-fé.

5.2 O PROCEDIMENTO PARA CUMPRIMENTO VOLUNTÁRIO DA SENTENÇA

Com o trânsito em julgado da sentença que determina o pagamento de soma, esta se torna um título exigível, completando a formação dos três elementos para a caracterização de um título executivo judicial (liquidez, certeza e exigibilidade), o que o tornará passível de aplicação do procedimento previsto no artigo 475 – J, do CPC.

Dessa forma, transitada em julgado a sentença ao devedor é dado um prazo de 15 (quinze) dias para o cumprimento voluntário da obrigação, sob pena de multa de 10% (dez por cento). Caso não ocorra o cumprimento voluntário, a requerimento do credor, inicia-se a realização da execução propriamente dita.

5.2.1 Da Divergência a Respeito da Necessidade de Intimação Pessoal do Devedor ou de Intimação na Pessoa de seu Advogado

Sobre a necessidade de intimação pessoal do devedor ou de intimação na pessoa de seu advogado para o cumprimento da obrigação, repousam divergências doutrinárias relevantes, que exporemos nesta oportunidade.

Liderando o entendimento de que a intimação para o cumprimento da obrigação deve ser pessoal, tendo em vista tratar-se de ato de interesse da parte (pagamento) e não de seu advogado, os professores Luiz Rodrigues Wambier, Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina, preceituam o seguinte:

Nestas linhas, deixamos entrever que, segundo nosso entendimento, é necessária a intimação do executado para que este cumpra a sentença. Entendemos, além disso, que a intimação para o cumprimento da sentença deve se dar na pessoa do devedor, e não deve ser feita através de seu advogado.

São várias as razões que nos conduzem a esta conclusão.

De acordo com o art. 475-J, caput, ‘caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento [...]’. É importante notar que inexiste, na referida regra jurídica, qualquer disposição no sentido de que basta, para que tenha início o prazo de quinze dias, a intimação do advogado do réu. [20] (grifo nosso)

Expondo entendimento menos formalista, há também forte corrente, liderada pelos professores Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, no sentido de que basta a intimação na pessoa do advogado do devedor. Vejamos:

O devedor deve ser intimado para que, no prazo de quinze dias a contar da efetiva intimação, cumpra o julgado e efetue o pagamento da quantia devida. A intimação do devedor deve ser feita na pessoa de seu advogado, que é o modo determinado pela Reforma da L 11232/05 para a comunicação do devedor na liquidação de sentença e na execução para cumprimento da sentença. [21] (grifo nosso)

Em linha com o nosso entendimento, há uma terceira corrente que entende não haver sequer necessidade de intimação na pessoa do advogado do devedor, decorrendo o dever de cumprir a obrigação da própria sentença com trânsito em julgado, de forma imediata. Vejamos:

O montante da condenação será acrescido de multa de 10%, sempre que o devedor não proceder ao pagamento voluntário nos quinze dias subseqüentes à sentença que fixou o valor da dívida (isto é, a sentença condenatória líquida, ou a sentença de liquidação da condenação genérica). [22] (grifo nosso)

Ora, exigir a intimação pessoal do devedor ou na pessoa de seu advogado, com a devida vênia aos entendimentos em sentido contrário, seria um enorme contra-senso aos objetivos da Lei 11.232/05, tendo em vista que não há ordem de pagamento mais clara e garantista que uma sentença líquida com trânsito em julgado, mostrando-se esta plenamente apta a dar ciência ao devedor de que deve saldar o débito voluntariamente e na forma legalmente prevista (artigo 475 – J, primeira parte, do CPC).

Não há assim, intimação para pagar, devendo, portanto, o devedor cumprir voluntariamente a obrigação em 15 (quinze) dias do momento em que se forma o título executivo judicial em sua plenitude (certeza, liquidez e exigibilidade), ou seja, a partir do trânsito em julgado da sentença.

No mesmo sentido, Guilherme Amaral Rizzo:

Transitada em julgado a sentença (ou acórdão), cremos ser desnecessária a intimação do devedor para cumpri-la, bastando a simples ocorrência do trânsito em julgado para que se inicie o prazo de 15 (quinze) dias para o cumprimento voluntário. [23] (grifo nosso)

Araken de Assis:

Era idéia fixa do legislador dispensar nova citação, na fase de cumprimento, economizando tempo precioso e evitando percalços na sempre trabalhosa localização do devedor. Daí por que qualquer medida tendente a introduzir intimação pessoal, ou providência análoga, harmoniza-se mal com as finalidades da lei. [24] (grifo nosso)

Por outro lado, nunca é demais ressaltar que o objetivo maior da nova sistemática é exatamente excluir desnecessárias intimações e pronunciamentos processuais das partes e do juiz, abolindo a necessidade de nova citação do devedor em processo autônomo para o cumprimento do julgado, zelando assim pela celeridade e eficácia das decisões judiciais, ao passo que o término de uma fase processual inaugura a fase processual subseqüente, formando o processo sincrético.

5.2.2 O Termo a quo para a Contagem do Prazo de 15 dias e a sua Aplicação pelo não Pagamento Voluntário

Sobre o termo inicial para a contagem do prazo de 15 (quinze) dias para a incidência da multa de 10% (dez por cento) prevista no artigo 475 – J, do CPC, há entendimentos doutrinários conflitantes, os quais merecem ser expostos a fim de possibilitar uma conclusão mais farta e compreensível.

Repousa a discussão basicamente sobre se o momento da contagem do prazo de 15 (quinze) dias deve ser realizado apenas e tão-somente quando se verifica o trânsito e julgado da sentença; se a partir da inércia da intimação feita na pessoa do advogado constituído; ou, ainda, se necessário se faz a intimação pessoal do devedor para, somente a partir de então, ter início a contagem do prazo para pagamento.

O entendimento majoritário encontrado é de que o momento adequado para aplicação da penalidade deve ser depois que o devedor, na pessoa de seu advogado, devidamente intimado para tal mister, deixa de efetuar o pagamento do montante devido.

Assim, segundo essa corrente, o início do prazo de 15 (quinze) dias previsto no artigo 475 – J, do CPC, somente se dá após a intimação do devedor na pessoa do seu advogado.

Há, por outro lado, uma segunda corrente mais conservadora, que entende ser imprescindível a intimação pessoal do devedor, dada a natureza personalíssima do pagamento, que se não cumprido, arcará o devedor com o ônus de sua inércia.

Entendem, portanto, que a multa de 10% (dez por cento) não é devida, ainda que haja intimação na pessoa do advogado do devedor, sob o fundamento de que a contagem do prazo de 15 (quinze) dias para o pagamento (artigo 475 – J do CPC) deve se iniciar a partir do momento em que o devedor é intimado pessoalmente para cumprir a obrigação, face a natureza personalíssima do pagamento.

Nessa esteira se posiciona Evaristo Aragão Santos:

[...] Não parece adequado permitir-se a fluência ´automática´ do prazo para cumprimento da obrigação sob pena de multa e penhora, sem prévia intimação do devedor. Tampouco para tanto serve, em nosso sentir, a mera intimação de seu advogado por meio de publicação na imprensa. Afirmamos isso com base na atual jurisprudência do STJ, formada a partir da apreciação de situações semelhantes. Pensamos que para o novo regime de cumprimento de sentença deva ser adotado o mesmo entendimento hoje prevalecente para as obrigações específicas: o devedor precisa ser intimado pessoalmente para cumprir a obrigação, sem o que não se lhe poderá imputar penalidade pelo inadimplemento.

Essa conclusão, respalda-se, como se disse, em jurisprudência de nossos Tribunais, especialmente do STJ, o qual, recentemente decidiu que ‘o cumprimento de sentença pressupõe ordem para fazer, o que arrasta a necessidade de comunicação in faciem, insubstituível pela publicação do diário oficial. É que na forma dos artigos 234 e 238 do CPC, as intimações são pessoais quanto ao destinatário, podendo à semelhança do art. 11 da lei do writ, operar-se pelo correio; tanto mais pela própria citação que consubstancia o contraditório, admite essa modalidade que a receptiva de vontade. (STJ – 1ª Turma – Resp 692386/PB, Relm Min. Luiz Fux, DJ 24/10/2005. [25] (grifo nosso)

Por derradeiro, há uma terceira corrente, a qual comungamos, onde o entendimento é de que o termo a quo para a contagem do prazo de 15 (quinze) dias para pagamento sob pena de multa de 10% (dez por cento) se dá a partir do trânsito em julgado da sentença, senão vejamos.

Inicialmente, cumpre lembrar que conforme exposto alhures, o artigo 475 – J, do CPC confere natureza híbrida à sentença objeto de cumprimento de sentença, possuindo esta natureza meramente condenatória com relação à realização dos atos executivos e executiva lato sensu com relação ao cumprimento voluntário da obrigação (prevê multa de 10%).

Assim, diferentemente da sistemática superada (onde cabia ao credor o encargo de requerer a execução através de um processo autônomo, provocando inclusive nova citação do devedor), o procedimento criado para cumprimento de sentença possui a clara intenção de evitar pronunciamentos desnecessários do magistrado e das partes, operando-se automaticamente o dever de cumprir a sentença em 15 (dias), a contar do seu trânsito em julgado. Isto tudo porque foi transferido ao devedor o dever de cumprir voluntariamente a sentença líquida, independentemente de execução iniciada pelo credor.

Com o devido respeito aos nobres professores que sustentam a necessidade de intimação prévia, seja na pessoa do advogado ou pessoalmente ao devedor, entendemos que nesse aspecto os mesmos equivocam-se, pois a dicção do artigo 475 – J, do CPC não é das mais difíceis de interpretar. Vejamos:

Art. 475 – J. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de 15 (quinze) dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de 10% (dez por cento) e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação.

Ora, se a intenção do artigo 475 – J ora interpretado é evitar a procrastinação injusta do pagamento, incentivando o adimplemento espontâneo do débito e o fiel cumprimento da sentença, não é admissível que se exija a intimação pessoal do executado ou até mesmo de seu advogado para que se inicie a contagem do prazo de 15 (quinze) dias, já que este prazo é para pagamento. A uma porque a sentença quanto a esse aspecto é executiva lato sensu; a duas porque a lei assim não exige; a três porque não há qualquer prejuízo justificável ao devedor pelo fato de não ser exigido requerimento por parte do credor; a quatro porque se posicionar de forma diversa seria um enorme contra-senso aos objetivos da lei e à forma como tal deve ser interpretada.

Sobre a forma como devem ser interpretadas as normas jurídicas, o doutrinador Franciso Prehn Zavascki preceitua com precisão qual o referencial axiológico da hermenêutica das normas executivas:

[...] as normas executivas têm como referencial axiológico a efetivação do direito do credor, e é com base nesse pressuposto que devemos interpretá-las. Dito referencial só pode ser afastado ou restringido em função de outra norma com igual ou superior conteúdo valorativo. [26]

Diante da imaturidade da lei, inicialmente tivemos entendimentos jurisprudenciais dos mais diversificados. O FONAJE (Fórum Nacional dos Juizados Especiais) em encontro realizado na cidade de Aracaju/SE firmou enunciado exatamente no mesmo sentido defendido neste trabalho. Vejamos:

Enunciado 105 - Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa, não o efetue no prazo de quinze dias, contados do trânsito em julgado, independentemente de nova intimação, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de 10% (aprovado no XIX Encontro – Aracaju/SE, grifo nosso)

Em linha com o brilhante entendimento expressado neste enunciado, entendemos que não há necessidade de prévia intimação do devedor para pagar o débito como condição de incidência da multa do artigo 475 – J do CPC, eis que o simples trânsito em julgado da sentença condenatória líquida já é uma ordem de pagamento apta a dar ciência do mesmo de que deve saldar o débito.

Também sobre o termo a quo para incidência da multa de 10% (dez por cento) prevista no artigo 475 – J do CPC, a melhor doutrina tem se manifestado que este se dá a partir do trânsito em julgado da sentença. Vejamos:

O montante da condenação será acrescido de multa de 10%, sempre que o devedor não proceder ao pagamento voluntário nos quinze dias subseqüentes à sentença que fixou o valor da dívida (isto é, a sentença condenatória líquida, ou a sentença de liquidação da condenação genérica).

[...]

Não tem cabimento a multa se o cumprimento da prestação se der dentro dos quinze dias estipulados pela lei. Vê-se, destarte, que o pagamento não estará na dependência de requerimento do credor. Para evitar a multa, tem o devedor que tomar a iniciativa de cumprir a condenação no prazo legal, que flui a partir do momento em que a sentença se torna exeqüível. [27] (grifo nosso)

5.2.2.1 A Primeira Decisão do STJ a Respeito do Tema

O Superior Tribunal de Justiça, em recente decisão que repousa exatamente sobre a multa do artigo 475 – J, CPC (dada sua competência para julgar questões que envolvam a interpretação de leis federais – no caso o Código de Processo Civil), pronunciou-se pela primeira vez sobre o tema, expondo o entendimento no sentido de que independe de citação pessoal ou intimação do advogado para o início da contagem do prazo de 15 (quinze) dias para pagamento de condenação por quantia certa, após o que será acrescida da multa prevista de 10% (dez por cento).

Seguem os termos da decisão, na íntegra:

RECURSO ESPECIAL Nº 954.859 - RS (2007⁄0119225-2)

LEI 11.232⁄2005. ARTIGO 475-J, CPC. CUMPRIMENTO DA SENTENÇA. MULTA. TERMO INICIAL. INTIMAÇÃO DA PARTE VENCIDA. DESNECESSIDADE.

1. A intimação da sentença que condena ao pagamento de quantia certa consuma-se mediante publicação, pelos meios ordinários, a fim de que tenha início o prazo recursal. Desnecessária a intimação pessoal do devedor.

2. Transitada em julgado a sentença condenatória, não é necessário que a parte vencida, pessoalmente ou por seu advogado, seja intimada para cumpri-la.

3. Cabe ao vencido cumprir espontaneamente a obrigação, em quinze dias, sob pena de ver sua dívida automaticamente acrescida de 10%.

VOTO

MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS (Relator): A questão é nova e interessantíssima. Merece exame célere do Superior Tribunal de Justiça porque tem suscitado dúvidas e interpretações as mais controversas.

Há algo que não pode ser ignorado: a reforma da Lei teve como escopo imediato tirar o devedor da passividade em relação ao cumprimento da sentença condenatória. Foi-lhe imposto o ônus de tomar a iniciativa de cumprir a sentença de forma voluntária e rapidamente. O objetivo estratégico da inovação é emprestar eficácia às decisões judiciais, tornando a prestação judicial menos onerosa para o vitorioso.

Certamente, a necessidade de dar resposta rápida e efetiva aos interesses do credor não se sobrepõe ao imperativo de garantir ao devedor o devido processo legal.

Mas o devido processo legal visa, exatamente, o cumprimento exato do quanto disposto nas normas procedimentais. Vale dizer: o vencido deve ser executado de acordo com o que prevê o Código. Não é lícito subtrair-lhe garantias. Tampouco é permitido ampliar regalias, além do que concedeu o legislador.

O Art. 475-J do CPC, tem a seguinte redação:

Art. 475-J. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação.

A Lei não explicitou o termo inicial da contagem do prazo de quinze dias. Nem precisava fazê-lo. Tal prazo, evidentemente, inicia-se com a intimação. O Art. 475-J não previu, também, a intimação pessoal do devedor para cumprir a sentença.

A intimação - dirigida ao advogado - foi prevista no § 1º do Art. 475-J do CPC, relativamente ao auto de penhora e avaliação. Nesse momento, não pode haver dúvidas, a multa de 10% já incidiu (se foi necessário penhorar, não houve o cumprimento espontâneo da obrigação em quinze dias).

Alguns doutrinadores enxergam a exigência de intimação pessoal. Louvam-se no argumento de que não se pode presumir que a sentença publicada no Diário tenha chegado ao conhecimento da parte que deverá cumpri-la, pois quem acompanha as publicações é o advogado.

O argumento não convence. Primeiro, porque não há previsão legal para tal intimação, o que já deveria bastar. Os Arts. 236 e 237 do CPC são suficientemente claros neste sentido. Depois, porque o advogado não é, obviamente, um estranho a quem o constituiu. Cabe a ele comunicar seu cliente de que houve a condenação. Em verdade, o bom patrono deve adiantar-se à intimação formal, prevenindo seu constituinte para que se prepare e fique em condições de cumprir a condenação.

Se o causídico, por desleixo omite-se em informar seu constituinte e o expõe à multa, ele deve responder por tal prejuízo.

O excesso de formalidades estranhas à Lei não se compatibiliza com o escopo da reforma do processo de execução. Quem está em juízo sabe que, depois de condenado a pagar, tem quinze dias para cumprir a obrigação e que, se não o fizer tempestivamente, pagará com acréscimo de 10%.

Para espancar dúvidas: não se pode exigir da parte que cumpra a sentença condenatória antes do trânsito em julgado (ou, pelo menos, enquanto houver a possibilidade de interposição de recurso com efeito suspensivo).

O termo inicial dos quinze dias previstos no Art. 475-J do CPC, deve ser o trânsito em julgado da sentença. Passado o prazo da lei, independente de nova intimação do advogado ou da parte para cumprir a obrigação, incide a multa de 10% sobre o valor da condenação.

Se o credor precisar pedir ao juízo o cumprimento da sentença, já apresentará o cálculo, acrescido da multa.

Esse o procedimento estabelecido na Lei, em coerência com o escopo de tornar as decisões judiciais mais eficazes e confiáveis. Complicá-lo com filigranas é reduzir à inutilidade a reforma processual.

Nego provimento ao recurso especial ou, na terminologia da Turma, dele não conheço. [28] (grifo nosso)

Concordamos sem ressalvas com o acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça, que a nosso ver deverá servir de parâmetro para os julgamentos de casos análogos em todo país, sob pena de estar se espancando conceitos e objetivos inovadores trazidos pelo legislador através da Lei 11232/05 (demonstrados no decorrer deste trabalho), que se utilizados da forma como foram concebidos, certamente ajudarão sobremaneira a tornar mais célere e eficaz a prestação jurisdicional, que, se não possui recursos, material humano, estrutura e consciência para tanto, é mais uma vez salva pela criatividade e intelectualidade dos processualistas brasileiros.


6 CONCLUSÃO

Considerando que:

a) embora cognição, liquidação e execução possuam objetivos reconhecidamente distintos entre si, não há qualquer óbice para que sejam divididas tão-somente por módulos ou fases processuais, integrantes de uma única relação jurídico-processual que forma o chamado processo sincrético ou misto, o que certamente permite uma distribuição de justiça mais econômica, célere, eficaz e racional;

b) com louvor agiu o legislador ao inverter a ordem de atitude para o cumprimento do julgado, zelando assim pelo cumprimento voluntário da sentença, ao passo que criou mecanismos para que este se opere sem que seja necessária a instauração do módulo executivo;

c) a contagem do prazo de 15 (quinze) dias para pagamento tem seu início a partir do trânsito em julgado da sentença, momento em a mesma se torna exigível, completando os requisitos de liquidez e certeza formadores do título executivo;

d) dada a natureza de sentença executiva lato sensu quanto à medida coercitiva (multa), não é necessária intimação na pessoa do advogado ou na pessoa do devedor para se dar o inicio da contagem do prazo de 15 (quinze) dias para pagamento voluntário da sentença, bastando a sentença;

e) caso o devedor não efetue o pagamento no prazo de 15 (quinze) dias, a aplicação da multa de 10% (dez por cento) opera-se de pleno direito, tendo em vista decorrer de expressa disposição legal, a qual o magistrado não poderá afastar, pois a este não foi concedida discricionariedade para tanto;

f) o Superior Tribunal de Justiça, na condição de guardião das leis federais (portanto do CPC), proferiu majestosa decisão que deverá servir de paradigma em todos os Tribunais brasileiros.

Concluímos que a Lei 11232/05 trouxe um importantíssimo avanço para o direito processual civil brasileiro, principalmente no que diz respeito à eficácia, economia e celeridade das decisões judiciais, já que criou mecanismos capazes de simplificar o já muito longo caminho enfrentado pelo demandante, que bate às portas do Poder Judiciário para ver efetivados no plano prático, seus direitos abstratamente garantidos pelo Estado de Direito. Portanto, não temos dúvidas que as inovações provenientes da Lei 11.232/05, possibilitarão uma forma mais célere, menos onerosa e mais eficiente de realizar o cumprimento de sentença que condena ao pagamento de quantia certa.


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ZAVASCKI, Francisco Prehn. Considerações Sobre o Termo a quo para Cumprimento Espontâneo das Sentenças Condenatórias ao Pagamento de Quantia. Revista de Processo. São Paulo. n. 140, 2006.


Notas

  1. CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 13. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. v. II. p. 156.
  2. CARNELUTTI, Francesco. Sistema de Direito Processual Civil. São Paulo: ClassicBook, 2000. v. I. p. 294.
  3. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo de Execução. 19. ed. São Paulo: Leud, 1999. p. 51.
  4. LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil. Tocantins: Intelectos, 2003. v. I. p. 176.
  5. ASSIS, Araken de, Manual do Processo de Execução. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 96.
  6. CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 13. ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2006. v. II. p. 166-167.
  7. ASSIS, Araken de. Manual do Processo de Execução. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 99.
  8. NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 372.
  9. CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 15. ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2006. v. I. p. 441.
  10. CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 15. ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2006. v. I. p. 456.
  11. WAMBIER, Luiz Rodrigues. Sentença civil: liquidação e cumprimento. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 42.
  12. WAMBIER, Luiz Rodrigues. Sentença civil: liquidação e cumprimento. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 53.
  13. Ressalte-se que a competência originária não guarda qualquer relação com a competência recursal dos Tribunais, onde estes atuam reexaminando decisões proferidas em 1ª Instância.
  14. NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 662.
  15. WAMBIER, Luiz Rodrigues. Sentença civil: liquidação e cumprimento. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 423-424.
  16. NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 643.
  17. NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 644.
  18. WAMBIER, Luiz Rodrigues. Sentença civil: liquidação e cumprimento. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 426.
  19. BARIONI, Rodrigo. Cumprimento de sentença: primeiras impressões sobre o projeto de alteração da execução de títulos judiciais. Revista de Processo. São Paulo. n. 134, 2006. p. 59.
  20. WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. Sobre a necessidade de intimação pessoal do réu para o cumprimento da sentença, no caso do art. 475-J do CPC (inserido pela Lei 11.232/2005). Amapar Destaques, Curitiba, 2006. Disponível em: http://www.amapar.com.br/docs/19070601.doc. Acesso em 5 out. 2007.
  21. NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 641.
  22. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Processo Civil. Processo de execução e cumprimento de sentença, processo cautelar e tutela de urgência. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 53.
  23. AMARAL, Guilherme Rizzo. Sobre a desnecessidade de intimação pessoal do réu para o cumprimento da sentença, no caso do art. 475-J do CPC. Disponível em: http://www.tex.pro.br/wwwroot/00/060623guilherme_amaral.php. Acesso em 5 out. 2007.
  24. ASSIS, Araken de. Manual da Execução. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 193.
  25. SANTOS, Evaristo Aragão. Breves notas sobre o "novo" regime de cumprimento da sentença. In: ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa; FUX, Luiz; NERY JR., Nelson. Processo e Constituição: estudos em homenagem ao Professor José Carlos Barbosa Moreira. São Paulo: RT, 2006.
  26. ZAVASCKI, Francisco Prehn. Considerações Sobre o Termo a quo para Cumprimento Espontâneo das Sentenças Condenatórias ao Pagamento de Quantia. Revista de Processo. São Paulo. n. 140, 2006. p. 137.
  27. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Processo Civil. Processo de execução e cumprimento de sentença, processo cautelar e tutela de urgência. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 53.
  28. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 954.859 - RS (2007/0119225-2). Relator: Ministro Humberto Gomes De Barros. Recorrente: Companhia Estadual De Distribuição De Energia. Recorrido: José Francisco Nunes Moreira e Outros).

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PEREIRA, Bruno Januário. O cumprimento de sentença que determina o pagamento de soma nos termos da Lei nº 11.232/05. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1931, 14 out. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11833. Acesso em: 18 abr. 2024.