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PL nº 4.209/2001: a (tímida) reforma da investigação criminal

PL nº 4.209/2001: a (tímida) reforma da investigação criminal

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Introdução

Em 11 de dezembro de 2008 o Plenário da Câmara dos Deputados aprovou o PL n. 4.209/2001, que trata da reforma da investigação criminal. Agora o projeto vai ao Senado para apreciação. O presente artigo visa analisar as alterações que essa reforma visa implementar no processo penal brasileiro.

O referido projeto de lei foi originalmente elaborado por uma comissão de juristas vinculada ao Ministério da Justiça. Na versão original do Projeto de Lei, bem mais moderna que a aprovada, constava a tramitação direta do inquérito policial entre polícia e Ministério Público; estabelecia-se a limitação qualitativa da investigação ao estritamente necessário ao oferecimento da denúncia; após o término do prazo de conclusão do inquérito, a Polícia remeteria os autos ao diretamente Ministério Público, devendo continuar a realização das diligências restantes e este, se entendesse que estas diligências seriam essenciais ao oferecimento da denúncia, poderia aguardá-las, ou ainda requisitar a realização de outras diligências, que seriam encaminhadas pela polícia em autos suplementares, de sorte que a investigação nunca ficasse paralisada; estabelecia-se um prazo final de 60 dias para conclusão das investigações, findo o qual o investigado poderia recorrer ao juiz ou ao Ministério Público; estabelecia cautelas especiais quanto à publicidade das informações do inquérito para evitar exposição indevida à mídia; o arquivamento do inquérito ocorreria internamente no Ministério Público, através de homologação da promoção do Promotor de Justiça por uma das Câmaras de Coordenação e Revisão do Ministério Público, sem necessidade de revisão judicial; estabelecia a possibilidade de o órgão superior do Ministério Público avocar processo no qual o Promotor de Justiça dilatasse indevidamente os prazos.

Apesar do avanço dessas propostas iniciais, o lobby político de instituições envolvidas na persecução penal desfigurou a proposta original e impediu que reformas realmente profundas para a agilização da investigação fossem implementadas.


Análise das principais inovações legislativas do Projeto de Lei

Dentre as principais inovações da redação final do Projeto de Lei n. 4.209/2001, nos termos em que foi aprovado pela Câmara dos Deputados, estão:

1.O Código passa a utilizar a expressão "registrar ocorrência" para as comunicações feitas pelas pessoas em geral, diferenciando esta fase inicial da instauração do inquérito policial propriamente dito (art. 4º, §§ 4º e 7º).

2.Esclarece que o requerimento do interessado para início da investigação pode ser formulado tanto diretamente à autoridade policial quanto também ao Ministério Público, que neste caso poderá requisitar a instauração da investigação (art. 4º, § 5º).

3.As ocorrências policiais poderão ser requisitadas de forma periódica ou especifica pelo Ministério Público (art. 4º, § 7º). Esta alteração é muito importante ao findar qualquer discussão sobre a possibilidade de o Ministério Público requisitar as ocorrências (que deriva do disposto na CF/1988, art. 129, VI, VII e LC 75/93, art. 8º, II, e art. 9º, II, mas que, infelizmente, eram um ponto de atrito entre Ministério Público e Polícia em alguns Estados), bem como ao incrementar a transparência sobre o trabalho policial. A alteração, em nosso ver, implicitamente incumbe ao Ministério Público a obrigação de fiscalizar o andamento dado às ocorrências policiais, como decorrência de sua obrigação constitucional de realizar o controle externo da atividade policial (CF/1988, art. 129, VII).

4.Há um tratamento diferenciado à apuração de crimes praticados por policiais, estabelecendo-se a obrigatoriedade de comunicação à corregedoria respectiva e ao Ministério Público (art. 4º, § 8º). A alteração visa assegurar que estes processos tenham uma investigação aprimorada, de sorte que eventual corporativismo (natural entre policiais) não comprometa o resultado das investigações. Também permite que a apuração da infração administrativa ocorra paralelamente à apuração criminal. Ademais, a disposição permite uma correção mais rápida de equívocos, caso um crime militar esteja sendo apurado na esfera cível. Tratando-se da apuração de crimes comuns praticados por policiais militares, a apuração será feita pela Polícia Civil; tratando-se de crimes praticados por policiais civis, é recomendável que a apuração seja feita diretamente pela Corregedoria-Geral de Polícia Civil.

5.Para a realização do reconhecimento de pessoas, acareações e reproduções simulada dos fatos, deverão ser realizados com prévia intimação do Ministério Público, ofendido e investigado (art. 6º, § 1º). A alteração permite maior participação do Ministério Público na investigação, bem como dos interessados.

6.Seguindo a linha do projeto original, há estabelecimento expresso do caráter necessariamente conciso da investigação criminal, que deve limitar-se ao essencial para o oferecimento da denúncia ou ao requerimento das medidas cautelares na fase das investigações (art. 7º). Essa alteração visa mudar a cultura de uma investigação exauriente, dilatada e lenta, privilegiando-se o essencial à propositura da ação penal.

7.Recomenda-se a simplificação da forma de colheita das informações preliminares (art. 6º, § 4º), permitindo-se a colheita de depoimentos fora das dependências da delegacia de polícia, serem os depoimentos colhidos de forma informal e posteriormente resumidos nos autos através de um relatório de entrevista, bem como permitindo-se a colheita dos depoimentos através de gravação (auditiva ou audiovisual).

8.Estabelece a possibilidade excepcional de realização de oitiva do investigado por videoconferência na fase das investigações (art. 6º, § 7º). A inovação é positiva e reforça a celeridade na fase das investigações. Entendemos que este procedimento de interrogatório na fase inquisitorial por videoconferência é mesmo preferível ao sistema tradicional, pois permite sua gravação e, certamente, será virtualmente mínima a alegação de suposta tortura ou constrangimento durante um interrogatório por videoconferência. Por ser (ainda infelizmente) dispensada a participação obrigatória de advogado no interrogatório na fase inquisitorial, entendemos que fica dispensada a exigência do art. 185, § 5º, com a redação dada pela Lei n. 11.900/2009, de participação obrigatória de defensor tanto no presídio quanto na sede do juízo. Todavia, em respeito ao princípio da ampla defesa, se o investigado interrogado desejar que seu advogado esteja presente, obviamente ele poderá se fazer presente, tanto no presídio quanto na delegacia de polícia na qual se realizar a inquirição.

9.Reforça-se o caráter de informação preliminar e não de prova ao conteúdo do inquérito, que não poderá fundamentar decisão condenatória (art. 7º, parágrafo único), repetindo-se o que atualmente já consta do art. 155, caput, introduzido pela Lei n. 11.690/2008.

10.Estabelece-se que após receber a informação do indiciamento, o investigado passa a ter determinadas garantias (art. 8º, caput). Apesar de o texto não ser explícito, fica implícita a menção à garantia de receber expressamente informação de seu direito constitucional ao silêncio quando da realização de seu interrogatório, direito de seu advogado ter vista dos autos e de impugnar eventuais arbitrariedades, ainda que estes dois últimos possam ser exercidos ainda que não se trate formalmente de indiciado.

11.Há previsão que a autoridade policial deve advertir o indiciado sobre a importância de manter seu endereço atualizado (art. 8º, § 3º), ainda que não se preveja expressamente qual seria a eventual sanção decorrente da não-manutenção de seu endereço atualizado. Fica implícito que esta sanção seria a eventual decretação de sua prisão preventiva para garantia de aplicação da lei penal, se presentes os requisitos.

12.É criada a figura da "verificação preliminar de procedência da notícia crime" (art. 9º). Trata-se de uma sindicância administrativa preliminar à instauração do inquérito policial, destinada a verificar a "procedência da notícia crime" ou "elementos indispensáveis à instauração do inquérito". A diferença dessa verificação preliminar para o inquérito propriamente dito é que ela não possui prazo de conclusão, não é remetida periodicamente ao Ministério Público (apesar deste poder requisitá-la) e pode ser arquivada diretamente pela própria autoridade policial. Apenas se verificada a procedência da notícia crime é que esta verificação preliminar será convertida em inquérito. O grande problema desta verificação preliminar é a ausência de regramento legal de qual seria o limite cognitivo da mesma. Em nosso entendimento, esta verificação preliminar deve se restringir tão somente aos requisitos que a doutrina estabelece como justa causa para a instauração do inquérito policial; assim, já havendo na notícia crime justa causa para instauração do inquérito policial, deve esse ser imediatamente instaurado; não havendo ainda justa causa para a instauração do inquérito policial, seria instaurada a verificação preliminar apenas para se confirmar a viabilidade de instauração do inquérito. Segundo a doutrina, seriam requisitos de justa causa para instauração do inquérito: tipicidade em tese, sinais da existência do fato, inexistência de causa extintiva da punibilidade, presença das condições de procedibilidade. Este seria o limite cognitivo da verificação preliminar que, confirmado, ensejaria obrigatoriamente a instauração de inquérito. Não pode ser admissível que a verificação preliminar tenha a finalidade, por exemplo, de esclarecer a autoria de um crime que já se tem confirmação de sua prática (certeza da materialidade): a investigação da autoria deve ser realizada no bojo de um inquérito policial, com todos os mecanismos de controle daí decorrentes (remessa obrigatória ao Ministério Público para formação de opinio delicti, documentação formal com a publicidade e controle daí decorrentes). O perigo desta omissão legislativa será possibilitar que para todas as investigações a Polícia instaure sempre a verificação preliminar, sem mecanismos de controle, e apenas quando plenamente concluída a investigação, se instaure o inquérito, já remetendo-o concluído ao Poder Judiciário e Ministério Público. Uma situação desta acabaria por retirar qualquer prazo de realização do inquérito, retiraria o controle sobre o eventual arquivamento administrativo interno na própria Polícia e seria um retrocesso em termos de controle dos atos de investigação criminal. Desta forma, seria recomendável que o texto legislativo explicitasse quais seriam os requisitos de justa causa para a instauração do inquérito policial.

13.É estabelecido que a autoridade policial deve instaurar o inquérito policial imediatamente após tomar conhecimento da infração penal, salvo se houver necessidade da verificação preliminar (art. 9º, caput).

14.A reforma ainda mantém o sistema de tramitação triangular do inquérito com a Polícia paralisando as atividades de investigação e remetendo os autos ao Poder Judiciário, que os remeterá ao Ministério Público (art. 9º, §§ 6º e 7º). Em nossa visão, essa forma de tramitação é excessivamente burocrática e não contribui para a celeridade da investigação. Melhor seria o sistema contido na proposta original do Ministério da Justiça, na qual a tramitação era direta entre Polícia e Ministério Público, e a Polícia não paralisava a investigação para encaminhar fisicamente os autos do inquérito, mas continuava investigando e remetia periodicamente as peças de investigação ao Ministério Público. Todavia, no sistema da reforma (art. 10, caput e § 1º), admite-se que o inquérito permaneça da delegacia de polícia até o prazo máximo de 90 dias, mediante sucessivas prorrogações de 30 dias (portanto, por três prorrogações sucessivas). Assim, a reforma não é clara, mas aparentemente adotou-se a proposta original durante os primeiros 90 dias de instauração do inquérito e, após, permanecerá o sistema antigo de remessa dos autos do inquérito ao Poder Judiciário. Melhor seria ter adotado o sistema durante todo o período da investigação.

15.Fica estabelecido que Ministério Público, autoridade policial, ofendido e investigado podem requerer ao juiz autorização judicial para a realização de diligências que necessitem desta autorização (art. 10, § 2º). Neste mesmo sentido, há alteração da redação do art. 13, IV, para estabelecer-se que a autoridade policial poderá requerer ao juízo competente a concessão de medida cautelar prevista em lei. Sobre a possibilidade de a vítima formular o requerimento, no tópico abaixo. Quanto à possibilidade de a autoridade policial formular requerimento, preferíamos a terminologia constante do CPP atual, segundo o qual a autoridade policial deve representar pela prisão preventiva (atual art. 13, IV), indicando que não se trata tecnicamente de um requerimento, pois apenas pode requerer quem é parte, e a autoridade policial não é parte, mas instituição que auxilia a parte acusadora a recolher os elementos de informação preliminar para o oferecimento da denúncia, sendo parte assim o Ministério Público.

16.Em geral, o ofendido passa a ter uma participação mais ativa na fase das investigações, permitindo-se-lhe mecanismos de controle da atividade da Polícia e do Ministério Público: a) no caso de indeferimento pela autoridade policial do requerimento de instauração de investigação, o interessado poderá recorrer tanto à autoridade policial superior como também ao Ministério Público, consagrando no texto legal, neste último caso, praxe já usual de se recorrer ao Ministério Público na hipótese (art. 4º, § 6º); b) receber intimação prévia para eventualmente acompanhar a realização de alguns atos de investigação (art. 6º, §1º); c) direito da parte interessada (aí englobando a vítima) de receber informações sobre o andamento da verificação preliminar (art. 9º, § 1º, III); d) iniciativa de requerimento de medidas que necessitam de prévia autorização judicial (art. 10, § 2º); e) direito de representar à autoridade policial superior ou ao Ministério Público caso a autoridade policial exceda qualquer de seus prazos (art. 10, § 3º): f) direito de formular à autoridade policial requerimento para realização de diligências, de cujo indeferimento caberá representação à autoridade policial superior ou ao Ministério Público (art. 14, caput e § 1º); g) direito de ser comunicado dos principais atos da investigação, tais quais prisão e soltura do indiciado, conclusão do inquérito, oferecimento de denúncia ou arquivamento dos autos da investigação, admitindo-se comunicação por e-mail (art.14, §§ 2º e 3º); h) estabelecimento de alguns direitos de tratamento especial (art. 14, § 4º); i) amplia-se a legitimidade para propositura da ação penal privada para as entidades de defesa de direitos difusos e coletivos, quando se trate de questão que as envolva (art. 30); j) caso o órgão do Ministério Público não cumpra o prazo de oferecimento de denúncia, o ofendido poderá representar ao órgão superior do Ministério Público para que este avoque o processo e dê seu andamento, bem como apure eventual responsabilidade do membro, sem prejuízo do direito de ajuizar a ação penal privada subsidiária da pública (art. 46, § 3º). De forma geral, é positiva esta possibilidade de maior participação da vítima na fase das investigações, dando maior transparência à atividade de investigação criminal, permitindo-se mais um instrumento de controle democrático e de accountability do serviço público prestado pela Polícia de Investigação e Ministério Público, reforçando-se a sensação de Justiça com o feedback obrigatório e permitindo-se maior eficiência ao público em geral. Fazemos apenas uma restrição quanto à previsão do art. 10, § 2º, que estabelece que Ministério Público, autoridade policial, ofendido e investigado podem requerer ao juiz autorização judicial para a realização de diligências que necessitem desta autorização. Inova-se ao se atribuir esta iniciativa de requerer diligências à vítima, sem se limitar às hipóteses de crime de ação penal privada, pois, no sistema antigo, a vítima apenas poderia formular requerimentos em juízo relativos a crimes de ação penal pública caso se habilitasse como assistente da acusação, que é admissível após o recebimento da denúncia. Nesse dispositivo, a iniciativa de requerimento de diligência de investigação pela vítima é limitada aos casos que exigem autorização judicial, como prisão preventiva, busca e apreensão domiciliar, interceptação telefônica, quebra de sigilos bancário, fiscal e telefônico e outras medidas restritivas de direitos fundamentais. Em nossa visão, a iniciativa de requerimentos de diligências de investigação deveria ficar restrita às autoridades que possuem poder de conduzir a investigação (autoridade policial e requisições do Ministério Público). Nessa situação, pensamos que o correto seria a vítima formular o requerimento à autoridade policial ou ao Ministério Público e estes, se entenderem pertinente e relevante, poderão formular o requerimento judicial, nos mesmos termos da regra que consta da nova redação do art. 14, § 2º. Esta previsão do art. 10, § 2º acaba tornando o ofendido titular de um direito de investigação autônoma mesmo em crimes de ação penal pública (ao menos para as hipóteses de medidas constritivas de direitos fundamentais), o que viola a lógica do sistema acusatório e também entra em contradição com o art. 14, § 2º, pois para diligências ordinárias a vítima deve solicitar à autoridade policial e recorrer ao superior hierárquico ou ao Ministério Público (responsáveis pela condução e acompanhamento das investigações), mas para requerer medidas de investigação que necessitam de prévia autorização judicial, aí apenas neste caso a vítima pode requerer diretamente ao juiz (que não é responsável pela condução das investigações, apenas defere ou não requerimentos de restrição de direitos fundamentais). Assim, seria recomendável que o texto esclarecesse que a legitimidade do ofendido prevista no art. 10, § 2º se limita aos casos de ação penal privada.

17.O sistema da reforma deixa implícito que apenas o magistrado poderá determinar a restituição de coisas apreendidas. Isso porque o art. 6º, §§ 2º e 3º, estabelece que os objetos apreendidos ficarão sob a guarda dos peritos, concluídos os exames serão devolvidos à autoridade policial, e concluído o inquérito serão encaminhados ao juízo, sem se ressalvar a possibilidade de restituição imediata pela autoridade policial. No mesmo sentido o art. 11 estabelece que, concluída a investigação a autoridade policial deverá encaminhar ao juiz os materiais apreendidos e este deverá decidir sobre sua restituição, destruição ou doação. Fica implícito da leitura destes dois novos dispositivos que apenas o juiz poderá determinar a restituição dos objetos apreendidos, apesar não haver revogação formal do art. 120, que permite à autoridade policial realizar a restituição de bens apreendidos. Em nossa visão, é melhor que a restituição seja realizada em juízo, pois nessa situação haverá prévia oitiva do Ministério Público, que se manifestará quanto a eventual necessidade ou não de manutenção da apreensão do objeto para a viabilidade da ação penal. Uma inovação positiva do art. 11 é prever que o magistrado pode determinar a destruição ou a doação dos bens apreendidos a instituições públicas ou particulares sem fins lucrativos, ao invés de determinar a perda dos bens em favor da União ou o encaminhamento ao juízo de ausentes, conforme prevê o art. 122 e 123. Assim, os bens apreendidos poderão ter uma destinação útil à sociedade ao invés de ficarem desperdiçados em depósitos públicos.

18.Estabelece-se a obrigatoriedade de motivação dos atos da autoridade policial e do Ministério Público, exceto os de mero expediente (art. 16). Quanto à obrigatoriedade de o Ministério Público motivar suas manifestações, essa regra já emana diretamente da CF/1988, art. 129, VIII. A inovação legislativa é a extensão da regra à autoridade policial, apesar desta regra também poder ser extraída do princípio da motivação dos atos administrativos em geral. A inovação é positiva ao incrementar a transparência e o controle das investigações.

19.Explicita-se que a obrigatoriedade de manutenção de sigilo durante o curso das investigações estende-se para a "autoridade policial, juiz e Ministério Público" (art. 20). Também se esclarece que estes devem tomar as medidas necessárias para evitar a exposição aos meios de comunicação tanto do investigado quanto da vítima e testemunhas. A forma concreta em que consistiria essa preservação não é regulamentada, de sorte que a colisão entre o princípio da liberdade de imprensa e da intimidade dos envolvidos ainda fica sem parâmetros mais concretos de apreciação, restando apenas um princípio genérico a ser seguido. De qualquer sorte, seria possível extrair a força normativa deste princípio de que estaria proibida, por exemplo, a exposição à mídia do preso algemado em sala da delegacia de polícia.

20.Revoga-se a redação antiga do art. 21, considerada já não recepcionada pela CF/1988, explicitando-se que é vedada a incomunicabilidade do preso.

21.Estabelece-se a possibilidade de a autoridade policial realizar diligências em outra circunscrição, mediante prévia comunicação à autoridade (art. 22) e sem necessidade de carta precatória, situação que no CPP era permitida apenas quando se tratasse de circunscrições policiais dentro da mesma comarca.

22.É revogado o prazo de três dias para o Ministério Público aditar à queixa, previsto no art. 46, § 3º. A alteração é mais condizendo com o sistema acusatório, pois se a iniciativa da ação penal é privada então apenas a vítima pode dar início à persecução penal e, portanto, pode delimitar a imputação penal. Assim, caberá ao Ministério Público tão somente indicar à vítima a necessidade de eventuais correções na queixa, se ainda forem possíveis.

23.Há possibilidade de o órgão superior do Ministério Público avocar o processo caso o membro exceda seu prazo de oferecimento da denúncia (art. 46, § 3º), de ofício ou mediante requerimento da vítima ou investigado. Nesse caso, há uma restrição ao princípio do Promotor Natural, mas entendemos que a restrição é justificada pela necessidade de se conferir efetividade à persecução penal, bem como se respeitar o princípio constitucional da duração do processo em prazo razoável. Assim, se um membro do Ministério Público fica indefinidamente com um processo parado em seu gabinete, não é razoável que a vítima ou o investigado fiquem também indefinidamente à mercê da boa vontade de trabalho do membro desidioso ou sobrecarregado de trabalho. É importante a criação de mecanismos de controle também para a atuação do membro do Ministério Público, assim como devem existir para todos os agentes públicos. Lamenta-se, tão somente, não existir também um mecanismo de impugnação da inércia do magistrado ao julgar.


Considerações finais

Com estas considerações, conclui-se que a reforma da investigação criminal avança em algumas áreas tópicas, mas ainda se ressente de coragem legislativa para alterar os pontos importantes para imprimir maior celeridade. Há avanços com a previsão expressa da possibilidade de requisição periódica das ocorrências policiais pelo Ministério Público, no tratamento diferenciado de crimes praticados por policiais, na maior participação do ofendido, do investigado e do Ministério Público na fase das investigações, especialmente criando mecanismos de controle da atividade policial e do Ministério Público pelo ofendido, na simplificação da forma de colheita das informações preliminares, na possibilidade excepcional de realização de interrogatório policial por videoconferência, na obrigatoriedade de se instaurar o inquérito imediatamente (salvo se não for o caso da verificação preliminar), na restrição à publicidade abusiva, na vedação expressa à incomunicabilidade, na permissão de se realizar diretamente atos de investigação em outra circunscrição policial, e na criação de mecanismos de controle para a inércia ministerial ao se manifestar com a remessa dos autos do inquérito.

Quanto à verificação preliminar de procedência da notícia crime, causa-nos preocupação a ausência de critérios legais mais fechados para se instaurar este procedimento, cuja utilização indiscriminada poderá levar a que a maioria das investigações sejam conduzidas à sobra de qualquer mecanismo de controle, especialmente por parte do Ministério Público.

Finalmente, lamenta-se a manutenção do burocrático sistema de tramitação triangular do inquérito policial, ainda com a paralisação das investigações e a remessa física dos autos ao Poder Judiciário e Ministério Público. A tramitação direta sem paralisação das investigações poderia ser uma das reformas mais importantes para se agilizar efetivamente a investigação policial, mas o jogo de lobbies políticos das instituições envolvidas na fase das investigações infelizmente não permitiu o avanço da reforma legislativa.


APÊNDICE

(Redação aprovada pela Câmara dos Deputados em 11/12/2008)

Altera dispositivos e revoga o art. 15 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal.

O CONGRESSO NACIONAL decreta:

Art. 1º Os artigos 4º, 5 º, 6 º, 7º, 8º, 9º, 10, 11, 12, 13, 14, 16, 17, 18, 19 20, 21, 22, 23, 30 e 46 do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941, Código de Processo Penal, passam a vigorar com a seguinte redação:

"TÍTULO II

DO INQUÉRITO POLICIAL

"Art. 4º .....................................................................................

§1º ...........................................................................................

§2º Quando a ação penal pública depender de representação ou de requisição do Ministro da Justiça, sem ela o inquérito policial não poderá ser instaurado.’

§3º Nos casos de ação penal de iniciativa privada, a autoridade policial procederá à investigação somente mediante requerimento de quem tiver qualidade para ajuizá-la, cabendo à autoridade policial indagar sobre:

I - narração do fato, com todas as suas circunstâncias;

II - individualização do autor ou determinação de seus sinais característicos, ou explicação dos motivos que as impossibilitam;

III - dados demonstrativos da afirmação da autoria;

IV - testemunhas do fato e de suas circunstâncias, quando possível com as respectivas qualificações e endereços, ou com anotação dos locais em que possam ser encontradas.

§4º Qualquer pessoa do povo que tiver conhecimento da prática de infração penal cuja ação seja de iniciativa pública, poderá comunicá-la, oralmente ou por escrito, à autoridade policial, que registrará a ocorrência e adotará as providências cabíveis.

§5º O ofendido ou quem tiver qualidade para representá-lo poderá requerer, oralmente ou por escrito, à autoridade policial o início da investigação ou dirigir-se ao Ministério Público para que este a requisite.

§6º Da decisão que indeferir o requerimento de investigação, ou quando esta não for instaurada no prazo, poderá o interessado recorrer em cinco dias para a autoridade policial superior, ou representar ao Ministério Público.

§7º Tomando conhecimento da ocorrência, a autoridade policial fará, imediatamente, o seu registro, que ficará à disposição do Ministério Público, podendo este requisitá-lo periódica ou especificamente.

§8º Tratando-se de infração penal atribuída a policial, a autoridade comunicará imediatamente a ocorrência à respectiva corregedoria-geral de polícia e ao Ministério Público, para as providências cabíveis." (NR)

"Art. 5º. Se a infração for de menor potencial ofensivo, proceder-se-á nos termos da Lei nº 9.099, de 1995, aplicando-se subsidiariamente as prescrições deste Código de Processo Penal." (NR)

"Art. 6º. Não sendo a infração de menor potencial ofensivo, ao tomar conhecimento da prática da infração, a autoridade policial instaurará inquérito, devendo:

I - dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado e conservação das coisas, até a chegada de perito criminal, preservando-o durante o tempo necessário à realização dos exames periciais;

II - ..............................................................................................

III - .............................................................................................

IV - .............................................................................................

V - ouvir o investigado;

VI - .............................................................................................

VII - ............................................................................................

VIII - providenciar, quando necessária, a reprodução simulada dos fatos, desde que não contrarie a moralidade ou a ordem pública;

IX - ordenar a identificação datiloscópica do investigado que não fornecer os elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade e nas demais hipóteses previstas em lei especial.

§1º Instaurado inquérito, as diligências previstas nos incisos VI e VIII deverão ser realizadas com prévia ciência do Ministério Público e intimação do ofendido e do investigado.

§2º Os instrumentos, armas e objetos materiais que tiverem relação com o fato, necessários para exame pericial complementar, ficarão sob a guarda dos peritos oficiais até a conclusão dos trabalhos periciais.

§3º Ao término dos trabalhos periciais, os objetos periciados serão devolvidos à autoridade policial, que, concluído o inquérito, os encaminhará ao juízo competente.

§4º No inquérito, as informações serão colhidas de forma objetiva e, sempre que possível, celeremente, podendo os depoimentos ser tomados em qualquer local, cabendo à autoridade policial resumi-los nos autos, se colhidos de modo informal.

§5º O registro das declarações do investigado, indiciado, ofendido e o depoimento das testemunhas poderá ser feito pelos meios ou recursos de digitação ou técnica similar, gravação magnética, inclusive audiovisual, destinada a obter maior fidelidade das informações, neste último caso sem necessidade de transcrição.

§6º A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão imediatamente comunicados à autoridade judiciária competente, ao Ministério Público, ao advogado e à família do preso ou à pessoa por ele indicada e à Defensoria Pública, caso o autuado não informe o nome de seu advogado.

§7º O procedimento de que trata o inciso V deste artigo obedecerá, no que couber, o disposto no Capítulo III do Título VII deste Código, admitindo-se, excepcionalmente, sua realização por meio de videoconferência."(NR)

"Art. 7º. Os elementos informativos da investigação deverão ser colhidos na medida necessária à formação do convencimento do Ministério Público ou do querelante sobre a viabilidade da acusação, bem como à efetivação de medidas cautelares, pessoais ou reais, a serem autorizadas pelo juiz.

Parágrafo único. Esses elementos não poderão constituir fundamento exclusivo da sentença, ressalvadas as provas produzidas cautelarmente ou as não repetíveis."(NR)

"Art. 8º. Reunidos os elementos informativos tidos como suficientes, a autoridade policial cientificará o investigado, atribuindo-lhe, fundamentadamente, a situação jurídica de indiciado, com as garantias dela decorrentes.

§1º O indiciado, comparecendo, será interrogado com expressa observância das garantias constitucionais e legais.

§2º A autoridade policial deverá colher informações sobre a vida pregressa do indiciado, sob o ponto de vista individual, familiar e social, sua condição econômica, e outros dados que contribuam para a verificação de sua personalidade.

§3º A autoridade policial deverá informar ao indiciado a importância do endereço por ele fornecido, para efeito de citação e intimação, e sobre o dever de comunicação de mudança do local onde possa ser encontrado."(NR)

"Art. 9º O inquérito policial deverá ser instaurado imediatamente após a autoridade policial tomar conhecimento da infração penal de que trata o art. 4º, salvo quando a investigação depender de verificação preliminar de procedência da notícia crime.

§1º No caso de não haver os elementos indispensáveis à instauração do inquérito, a autoridade policial, além de adotar as providências arroladas no art. 6º, deverá:

I – tombar a notícia crime em livro próprio;

II – dar início à verificação preliminar de procedência da notícia crime; e

III – disponibilizar ao Ministério Público, quando requisitadas, e à parte interessada ou a quem tiver qualidade para representá-la, quando solicitadas, informações acerca do andamento da verificação preliminar de que trata o inciso anterior.

§2º Constatada a procedência da notícia crime, a verificação preliminar de que trata o caput converter-se-á em inquérito policial, caso contrário, será arquivada pela autoridade policial.

§3º É permitido o desmembramento dos autos em caso de investigado preso.

§4º Quando o inquérito policial não for concluído no prazo previsto no caput do art. 10 deste Código, sem prejuízo da continuidade e da realização de outras diligências tidas como necessárias, a autoridade policial comunicará, fundamentadamente, ao Ministério Público e ao juiz, os resultados obtidos e as razões que impediram a conclusão do procedimento no prazo legal.

§5º É admitida a renovação da comunicação de que trata o parágrafo anterior até o limite máximo de noventa dias.

§6º Recebidos os autos do inquérito, o juiz deverá remetê-lo ao Ministério Público no prazo de até três dias.

§7º Recebendo os autos, o Ministério Público poderá:

I - oferecer denúncia;

II- requerer arquivamento da investigação, consoante o art. 28;

III- requisitar, fundamentadamente, a realização de diligências complementares, indispensáveis ao oferecimento da denúncia."(NR)

"Art. 10. O inquérito policial deverá ser concluído no prazo de trinta dias, renovável por igual período, até o limite máximo de noventa dias, contados do conhecimento da infração penal pela autoridade policial ou da conversão de verificação preliminar em inquérito na forma do §2° do art. 9°, salvo se o investigado estiver preso, quando o prazo será de dez dias.

§ 1º Decorrido o prazo máximo de que trata o caput, o juiz poderá deferir requerimento da autoridade policial por novo prazo, após manifestação fundamentada do Ministério Público, determinando a devolução dos autos para que se realizem diligências complementares, fixando prazo para a conclusão.

"§ 2º As diligências que dependerem de autorização judicial serão requeridas ao juiz competente pelo Ministério Público, autoridade policial, ofendido, investigado ou indiciado.

§3º Excedido qualquer dos prazos assinados à polícia judiciária, o ofendido poderá representar à autoridade policial superior ou ao Ministério Público."(NR)

"Art. 11. Os instrumentos da infração penal, bem como os objetos que interessarem à prova, serão remetidos ao juízo competente, quando da conclusão do inquérito policial, cabendo ao juiz, por despacho fundamentado, determinar a sua restituição, destruição, ou doação para órgãos públicos ou entidades sem fins lucrativos, conforme o caso."(NR)

"Art. 12. Os autos da investigação instruirão a denúncia ou a queixa, sempre que lhe servirem de base."(NR)

"Art.13........................................................................................

I -................................................................................................

II - ..............................................................................................

III -..............................................................................................

IV - requerer, ao juiz competente, a concessão de medida cautelar prevista em lei."(NR)

"Art. 14. O ofendido, ou quem tenha qualidade para representá-lo, e o investigado ou indiciado poderão requerer à autoridade policial a realização de qualquer diligência, que será efetuada, se entendida necessária.

§1º Quando o pedido for indeferido, o interessado poderá representar à autoridade policial superior ou ao Ministério Público, objetivando a requisição da diligência.

§2º O ofendido será comunicado dos atos relativos à prisão e à soltura do indiciado, à conclusão do inquérito, ao oferecimento da denúncia ou ao arquivamento dos autos da investigação.

§3º As comunicações ao ofendido deverão ser feitas no endereço por ele indicado, admitindo-se o uso de meio eletrônico.

§4º A autoridade policial deverá, de ofício ou quando solicitado:

I - encaminhar o ofendido ao hospital ou posto de saúde e ao Instituto Médico Legal;

II - informar ao ofendido seus direitos e os serviços disponíveis;

III - encaminhar o ofendido para atendimento multidisciplinar, especialmente nas áreas psicossocial, de assistência jurídica e de saúde;

IV - reservar espaço separado para o ofendido, quando solicitado, para evitar o contato com o investigado."(NR)

"Art. 16. Os atos da autoridade policial e as manifestações do Ministério Público, ressalvados os de mero expediente, deverão ser expressamente motivados."(NR)

"Art. 17. A autoridade policial não poderá determinar o arquivamento dos autos da investigação."(NR)

"Art. 18. Arquivados os autos da investigação, por falta de base para a denúncia, havendo notícia de outras provas, a autoridade policial deverá proceder a novas diligências, de ofício, ou mediante requisição do Ministério Público."

Parágrafo único. Aplica-se o disposto no caput à verificação preliminar de que trata o art. 9º deste Código. (NR)

"Art. 19. Nas infrações penais, cuja ação seja de iniciativa privada, os autos da investigação serão remetidos ao juízo competente, onde aguardarão providência do ofendido, ou de quem tenha qualidade para representá-lo, ou serão entregues ao requerente, se o pedir, mediante traslado."(NR)

"Art. 20. A autoridade policial, o Ministério Público e o juiz assegurarão, na investigação, o sigilo necessário ao esclarecimento dos fatos.

Parágrafo único. Durante a investigação, a autoridade policial, o Ministério Público e o juiz tomarão as providências necessárias à preservação da intimidade, vida privada, honra e imagem do investigado, do indiciado, do ofendido e das testemunhas, vedada sua exposição aos meios de comunicação."(NR)

"Art. 21. É vedada a incomunicabilidade do preso."(NR)

"Art. 22. A autoridade policial poderá, no curso da investigação, ordenar a realização de diligências em outra circunscrição policial, independentemente de requisição ou precatória, comunicando previamente a respectiva autoridade."(NR)

"Art. 23. Ao remeter os autos da investigação ao juiz, a autoridade policial oficiará ao órgão competente, transmitindo as informações necessárias à estatística criminal."(NR)

"Art. 30. A ação de iniciativa privada caberá ao ofendido, ou a quem tenha qualidade para representá-lo, ou às entidades legitimadas por lei à defesa de direitos difusos ou coletivos, quando se trate de ação penal que os envolva."(NR)

"Art. 46. O prazo para oferecimento da denúncia, ou pedido de arquivamento, estando o indiciado preso, será de cinco dias, contados da data em que o órgão do Ministério Público receber os autos do inquérito, ou de sua complementação, e de quinze dias, se estiver solto ou afiançado.

§1º Quando o Ministério Público dispensar a investigação, o prazo para o oferecimento da denúncia contar-se-á da data em que tiver recebido as peças de informação ou a representação.

§2º .............................................................................................

§3º Descumprido qualquer dos prazos estabelecidos neste artigo:

I - os autos poderão ser requisitados pelo órgão superior do Ministério Público, de ofício, ou a pedido do ofendido, do investigado, ou do indiciado, objetivando a continuidade do procedimento e a determinação da responsabilidade do membro do Ministério Público;

II - o ofendido poderá proceder na forma do disposto no art. 29."(NR)

Art. 2º Esta lei entrará em vigor sessenta dias após a data de sua publicação.

Art. 3º Fica revogado o art. 15 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941.

Deputado MARCELO ITAGIBA

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ÁVILA, Thiago André Pierobom de. PL nº 4.209/2001: a (tímida) reforma da investigação criminal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2023, 14 jan. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12196. Acesso em: 27 abr. 2024.