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A impossibilidade de extinção da ação declaratória de inconstitucionalidade por perda de objeto em caso de revogação da lei questionada

A impossibilidade de extinção da ação declaratória de inconstitucionalidade por perda de objeto em caso de revogação da lei questionada

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RESUMO

O controle concentrado de constitucionalidade de leis e atos normativos federais e estaduais é exercido, no direito pátrio, mediante Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) e Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADECON). Ambas têm por principal fundamento defender a Constituição de leis que contrariem seus princípios. No que toca à ADIN, o STF tem entendido, reiteradas vezes, que se a lei questionada for revogada após o recebimento da ação, haverá perda do objeto, prejudicando seu julgamento. Em conseqüência desse entendimento, cerca de um terço das ações diretas são extintas sem julgamento do mérito. Entretanto, esse posicionamento não parece ser a melhor forma de defesa da Constituição, conforme será verificado dos estudos apresentados no presente trabalho.

PALAVRAS-CHAVE:Ação direta de inconstitucionalidade; controle de constitucionalidade, revogação.


INTRÓITO

O controle de constitucionalidade do direito pátrio, seguindo os modernos modelos de jurisdição constitucional, adota um sistema misto, ou seja, o controle tanto pode ser exercido incidentalmente em uma lide qualquer, como pode ser efetivado mediante a propositura de ação direta de inconstitucionalidade, onde se pleiteia, diante da Corte Suprema, a declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual (controle concentrado de constitucionalidade).

Pois bem, diante da adoção do controle concentrado de constitucionalidade, as demandas que visam questionar uma norma que, em tese, confronta com a Carta Magna, se concentram perante o Supremo Tribunal Federal, órgão jurisdicional incumbido de ser o "guardião" da Constituição.

Sendo assim, a ação direta de inconstitucionalidade se torna um procedimento afeto unicamente ao STF, não sendo possível ser processada e julgada perante outro órgão, relativamente à defesa da Constituição Federal.

Como é cediço, o Pretório Excelso, devido à sua função de órgão de cúpula do Poder Judiciário brasileiro, só atua em ações cujas decisões transcendem os interesses particulares, afetando o sistema jurídico como um todo.

Dessa forma, e tendo em vista, ainda, que aludido Tribunal vive "afogado" em meio a diversas questões a serem resolvidas, que se multiplicam a cada dia, passou-se a restringir os recursos e ações a serem processados pela Corte Suprema.

Criaram-se mecanismos para dificultar o acesso ao STF, como a exigibilidade de demonstração de repercussão geral como pressuposto de admissibilidade do Recurso Extraordinário, da demonstração de pertinência temática para legitimação de certas entidades à propositura de Ações Coletivas e Ações Diretas de Inconstitucionalidade, dentre outros requisitos que restringem o acionamento do Pretório Excelso.

Dentre esses mecanismos de restrição de acesso ao Supremo, também foram criados, pelo próprio órgão, requisitos intrínsecos de procedibilidade de determinadas ações. No caso da Ação Direta de Inconstitucionalidade, o STF exige que a lei questionada esteja em vigor ao tempo do julgamento, decidindo pela prejudicialidade da ação se a lei for revogada durante o processo.

No presente trabalho, buscar-se-á demonstrar que o atual posicionamento não deve prosperar, tendo em vista os interesses transcendentais que permeiam as ações de controle de constitucionalidade, inclusive com a produção de efeitos ex tunc e erga omnes.

Será exposto o posicionamento atual a respeito da possibilidade de extinção da Ação Direta de Inconstitucionalidade por perda de objeto em caso de revogação da lei questionada, bem como esposados os posicionamentos contrários, explicitando os argumentos utilizados por cada corrente, para, ao fim, tentar apresentar uma proposta de solução ao problema.


1.AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE (ADIN)

Trata-se de ação constitucional de controle abstrato de constitucionalidade de leis e atos normativos, consubstanciando-se em ação especial em que não se visa resolver um caso concreto, mas sim solucionar questão referente à constitucionalidade de lei ou ato normativo. Preceitua Vicente Paulo [01] que a ADIN:

"trata-se de ação inserida no âmbito do chamado controle abstrato de normas, cuja finalidade não é a defesa de um direito subjetivo, ou seja, de um interesse juridicamente protegido que esteja sendo lesado; cuida-se de instrumento de defesa da Constituição, da harmonia do sistema jurídico, com o fim de expelir do ordenamento leis incompatíveis com a Lei Maior".

Dessa forma, a ADIN é meio processual constitucional de se conseguir a declaração de incompatibilidade de determinada lei ou ato normativo com a Carta Magna, visando, em última análise, impedir sua aplicação aos casos concretos. Tem por escopo, precipuamente, assegurar a solidez do sistema jurídico-constitucional, salvaguardando a Carta Política contra normas que disponham de maneira divergente a seus preceitos.

Em outros termos, pode-se dizer que a ADIN é meio pelo qual o STF exerce controle sobre a atividade legislativa, atuando como legislador negativo, como se depreende da lição de Sylvio Motta e William Douglas [02]:

"Se trata de uma ação judicial objetiva de possíveis conseqüências legislativas (agindo o STF como legislador negativo), fazendo com que o Supremo Tribunal Federal, ao exercer a competência de guardião da Constituição, se transmude em verdadeira Corte Constitucional de Justiça".

1.2 Competência

A competência para processar e julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade é exclusiva do STF (CF, art. 102, I, "a").

A competência é do Pretório Excelso quando a ADIN verse contra lei ou ato normativo federal ou estadual que contrarie a Constituição da República. Entretanto, como bem lembram Sylvio Motta e William Douglas [03]:

"Por outro lado, se subsistem dúvidas sobre a constitucionalidade de uma lei ou de um ato normativo estadual ou municipal frente a uma Constituição estadual, caberá ao Tribunal de Justiça a solução da controvérsia".

Dessa forma, havendo lei estadual ou municipal que contrarie a constituição estadual, a demanda será processada e julgada pelo Tribunal de Justiça do respectivo Estado.

1.3 Legitimação

1.3.1 Ativa

Consoante dispõe o artigo 103, caput, da Carta Política, podem propor ADIN as seguintes pessoas: o Presidente da República; a Mesa do Senado Federal; a Mesa da Câmara dos Deputados; a Mesa da Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; o Governador de Estado ou do Distrito Federal; o Procurador-Geral da República; o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; partido político com representação no Congresso Nacional; confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

Importante observar que, à exceção dos partidos políticos com representação no Congresso Nacional e das entidades de classe de âmbito nacional ou confederações sindicais, não há a necessidade de se interpor aludida ação por intermédio de advogado, possuindo os demais legitimados, portanto, jus postulandi para a actio.

O STF criou restrições ao direito de propositura de ADIN em relação a certos legitimados. Dentre os legitimados, somente alguns, notadamente as pessoas indicadas nos incisos I, II, III, VI, VII e VIII, podem invocar a ADIN em qualquer situação, independente da matéria sobre a qual versa a lei impugnada. Os demais legitimados, para poderem propor Ação Direta de Inconstitucionalidade, devem demonstrar o interesse em agir, consubstanciado na pertinência temática da matéria impugnada com os efeitos jurídicos acarretados por ela no seu núcleo de atuação.

Dessa forma, criaram-se dois grupos distintos de legitimados, a saber: legitimados universais e legitimados especiais.

Os legitimados universais são aqueles que não necessitam demonstrar o interesse em agir, pois a pertinência temática da matéria está implícita em suas funções.

Por outro lado, os legitimados especiais, no dizer de Vicente Paulo [04], são aqueles

"que somente poderão impugnar em ADIN matérias em relação as quais seja comprovado o interesse de agir, isto é, a relação de pertinência entre o ato impugnado e as funções exercitadas pelo órgão ou entidade".

Sendo assim, as confederações sindicais, as entidades de classe de âmbito nacional, as Mesas das Assembléias Legislativas estaduais ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal e os Governadores dos Estados-membros e do Distrito Federal, para propor ADIN, deverão demonstrar que a aplicação da lei, que entendem que seja inconstitucional, lhes proporcione prejuízos diretos. Ou seja, é imprescindível que se demonstre legítimo interesse da classe representada na declaração da inconstitucionalidade, ficando estreme de dúvidas que a aplicação da lei impugnada cause conseqüências na esfera jurídica da classe representada.

1.3.2 Legitimidade Passiva

A ADIN é um processo objetivo, onde não haverá parte no pólo passivo da demanda, mas tão somente a lei questionada, competindo ao Advogado-Geral da União o mister de defender o ato impugnado.

Na preclara lição de Alexandre de Moraes [05]:

"Compete ao Advogado-Geral da União, em ação direta de inconstitucionalidade, a defesa da norma legal ou ato normativo impugnado, independentemente de sua natureza federal ou estadual, pois atua como curador especial do princípio da presunção de constitucionalidade das leis e atos normativos, não lhe competindo opinar nem exercer a função fiscalizadora já atribuída ao Procurador-Geral da República, mas a função eminentemente defensiva".

Dessa forma, o Advogado-Geral da União, mesmo que entenda que a lei impugnada seja inconstitucional, jamais poderá opinar pela procedência da ADIN, devendo defender a constitucionalidade da lei impugnada, preservando, desse modo, o princípio do contraditório.

1.4.Objeto

O objeto da ADIN é a lei ou o ato normativo federal ou estadual que atente contra dispositivos constitucionais.

Lei em sentido estrito quer dizer a norma emanada pelo Poder Legislativo dentro dos trâmites constitucionais do Processo Legislativo. Ressalte-se que, para efeitos de ação direta de inconstitucionalidade, as medidas provisórias, justamente por ter força de lei, são consideradas como tal, incluindo-se como objeto da ADIN.

Por seu turno, ato normativo é a norma regulamentar abstrata emanada do Poder Judiciário ou do Poder Executivo, dentro de suas competências regulamentares, ad instar de regimentos internos. Note-se que o ato normativo, para ser objeto de ação direta de inconstitucionalidade, deve ter efeitos abstratos, ou seja, ter eficácia para casos não especificados e futuros. A norma regulamentar que possua força normativa apenas para casos concretos, como o decreto de exoneração, não é passível de controle de constitucionalidade concentrado, vez que ausente a generalidade. Assim, o STF não recebe ADIN que tenha por objeto ato regulamentar de efeitos concretos. Como ensinam Sylvio Motta e William Douglas [06]:

"não seria admissível o reconhecimento de um conflito de inconstitucionalidade por derivação, ou seja, a norma objeto de uma ação direta deve ter estatura que lhe permita ser relevante o suficiente para ensejar razoavelmente o acionamento do sistema concentrado. Se infralegal, tipicamente regulamentar, quando muito será objeto de controvérsia em sede argüição incidental de inconstitucionalidade e/ou ilegalidade, dado que o desequilíbrio metabólico que pode gerar no organismo estatal é de tal sorte irrelevante que não justificaria o acionamento do seu principal sistema imunológico".

Não é passível de controle concentrado de constitucionalidade, também, a norma constitucional originária, vez que no mesmo patamar hierárquico que as demais normas insertas na Carta Política. Assim, uma norma constitucional não afronta contra outra norma constitucional, mas a complementa. Quando duas normas constitucionais aparentemente se conflitam, a questão será resolvida pelo princípio da razoabilidade.

Outra situação que não admite impetração de ADIN é o caso da lei municipal. A lei municipal que afrontar a Lei Maior somente pode ser declarada pelo STF por meio de controle difuso, ou seja, através de uma decisão de um caso concreto, via Recurso Extraordinário.

Por fim, ressalte-se que a lei anterior à Constituição também não pode ser objeto de ADIN. Nessa situação, a lei inconstitucional sequer foi recepcionada pela novel Lei Maior. Dessa forma, a título exemplificativo, se lei editada em 1985 tivesse disposto que poderia haver mais de um sindicato representativo da mesma categoria na mesma base territorial, com a advento da Constituição de 1988, ter-se-ia que tal lei não foi recepcionada pelo nova Carta Magna, vez que incompatível com seus princípios.

Em suma, e com espeque em Vicente Paulo [07], existem quatro requisitos que a norma federal ou estadual deve atender cumulativamente para ser objeto de ADIN, quais sejam:

"1º) ser pós-constitucional: somente podem ser objeto de ADIN normas pós-constitucionais, isto é, que tenham sido editadas sob a vigência da Constituição Federal de 1988; 2º) possuir abstração, generalidade, normatividade: somente podem ser impugnadas de ADIN normas que contenham generalidade, abstração, normatividade. Se a norma é de efeitos concretos, se possui destinatário certo e determinado, sendo desprovida de abstração e generalidade, não poderá ser questionada em ADIN. Uma lei que concede isenção tributária para a empresa ‘A’, ou um decreto de nomeação do servidor ‘B’ não poderão ser questionados em ADIN, pois são normas que têm destinatário certo (são normas sem generalidade, sem normatividade e abstração); 3º) ofender diretamente à constituição: não se admite a impugnação em ADIN de normas que afrontem a Constituição de modo indireto, reflexo, isto é, dos chamados ‘atos regulamentares. Se um decreto do Presidente da República foi editado para regulamentar uma lei, e ao fazê-lo, exorbita de sua competência, referido decreto não poderá ser questionado em ADIN, pois não se trata de ofensa direta à Constituição, visto que entre o decreto regulamentar e a Constituição temos a lei regulamentada; 4º) estar vigente no momento da apreciação da ação: o STF não admite a impugnação em ADIN de leis e atos normativos revogados, que não estejam mais em vigor no momento da apreciação da ação. Se a norma já foi revogada, não integra mais o ordenamento jurídico, é descabido falar-se em ADIN".

O último requisito apontado pelo autor, vigência da lei ao momento da apreciação, será analisado em capítulo à parte, dada a polêmica que envolve o tema.

4.6 Medida liminar em ADIN

É cabível medida liminar em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade. Trata-se de inovação legislativa de significativa importância, haja vista que possibilita a suspensão de processos em andamento, a fim de evitar a aplicação de lei que carece de constitucionalidade. Neste sentido, merece trazermos à baila lição de Sylvio Motta e William Douglas [08]:

"Uma das inovações mais significativas no sistema de controle de constitucionalidade sem dúvida foi a possibilidade de concessão de medidas liminares no controle abstrato. Não existem dúvidas que a concessão de uma medida liminar em uma ação direta inconstitucionalidade produz significativa alteração no ordenamento jurídico. Funciona como uma espécie de antibiótico emergencial a fim de evitar que o ‘vírus’ detectado pelo sistema imunológico do organismo estatal continue a se reproduzir na corrente sanguínea do Estado, regulando de forma metabolicamente inconstitucional inúmeras relações jurídicas".

Pois bem, a concessão de medida liminar visa impedir que uma lei de constitucionalidade duvidosa continue a produzir efeitos no mundo fático. Assim, concede-se liminar até o julgamento definitivo da ADIN, onde será declarada a constitucionalidade ou não da norma impugnada.

Como já exposto, a liminar tem efeito de suspensão de todos os processos judiciais e administrativos que guardem relação com a lei impugnada por ADIN, ficando os autos aguardando o julgamento definitivo da ação direta de inconstitucionalidade.

Como medida liminar que é, a concessão cautelar em ADIN necessitará da demonstração dos requisitos do periculum in mora e do fumus boni juris. Dessa forma, para que o STF conceda a medida liminar, deverá restar provado que a demora no julgamento da ação causará grandes prejuízos ao sistema jurídico-constitucional – consubstanciados em decisões divergentes – e que a medida é eficaz e plausível para evitar tais prejuízos.

A medida liminar terá vigência até o julgamento definitivo da ADIN. Sendo resolvida a questão, cessará os efeitos da medida, com a conseqüente tramitação regular dos processos que haviam sido suspensos. Sendo julgada procedente a ação, os juízos e tribunais não poderão aplicar a lei declarada inconstitucional. Por outro lado, se o STF entendeu que a lei é constitucional, os juízos e tribunais deverão aplicar a lei impugnada, não sendo válidas, daí em diante, argüições de inconstitucionalidade.

Os efeitos da medida liminar, em regra, são ex nunc, isto é, não retroativos. Porém, excepcionalmente, pode ser dado efeito ex tunc (retroativo) à medida liminar. Como explica Alexandre de Moraes [09]:

"a eficácia da liminar nas ações diretas de inconstitucionalidade, que suspende a vigência da lei ou do ato normativo argüido como inconstitucional, opera com efeitos ex nunc, ou seja, não retroativos, portanto, a partir do momento em que o Supremo Tribunal Federal a defere, sendo incabível a realização de ato com base na norma suspensa. Excepcionalmente, porém, desde que demonstrada a conveniência e declarando expressamente, o Supremo Tribunal Federal concede medidas liminares com efeitos retroativos (ex tunc)".

Cumpre observar, por oportuno, que a obrigatoriedade de obediência à medida liminar em ADIN impõe-se com a publicação da sessão de julgamento no Diário da Justiça.

Finalmente, ressalte-se que a suspensão de aplicabilidade da lei impugnada provoca a repristinação temporária da lei revogada pela norma impugnada. Explica Vicente Paulo [10]:

"Além de suspender a eficácia da norma impugnada até o julgamento do mérito, a cautelar implica, pois, a repristinação provisória (e automática) da vigência de eventual norma revogada pela lei impugnada, salvo manifestação do STF em sentido contrário".

Assim, se determinada lei revogou lei anterior e, posteriormente, em sede de ADIN, teve sua eficácia suspensa, a lei anterior volta a ter aplicabilidade até o julgamento definitivo da ação direta de inconstitucionalidade. Tal procedimento visa impedir lacunas no ordenamento jurídico, vez que as relações jurídicas ficariam sem regulamentação legal, ao menos temporariamente.


2.A IMPOSSIBILIDADE DE EXTINÇÃO DA ADIN POR PERDA DE OBJETO EM CASO DE REVOGAÇÃO DA LEI IMPUGNADA

Como visto, a ADIN tem por objeto a apreciação da constitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual, visando assegurar a supremacia constitucional.

Para o recebimento da ADIN, o STF tem exigido o cumprimento de certos pressupostos, dentre eles o de estar a espécie normativa questionada em vigência ao tempo do julgamento da ação direta.

Na hipótese de lei revogada, existem duas situações aventadas pela doutrina dominante e pela jurisprudência do STF: se a lei foi revogada em momento anterior à propositura de ADIN, a ação não será conhecida, vez que não há objeto; se a lei for revogada durante a apreciação da ADIN, a demanda será extinta sem julgamento do mérito, por perda do objeto.

Explica Alexandre de Moraes [11] que:

"O Supremo Tribunal Federal não admite ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo já revogado ou cuja eficácia já tenha se exaurido (por exemplo: medida provisória não convertida em lei) entendendo, ainda, a prejudicialidade da ação, por perda do objeto, na hipótese de a lei ou ato normativo impugnados virem a ser revogados antes do julgamento final da mesma, pois, conforme o Pretório Excelso, a declaração em tese de ato normativo que não mais existe transformaria a ação direta em instrumento processual de proteção de situações jurídicas pessoais e concreta".

Por seu turno, Vicente Paulo [12] explica que:

"O Supremo Tribunal Federal não admite a impugnação em ADIn de leis e atos normativos revogados, que não estejam mais em vigor no momento da apreciação da ação. Isso porque a função da ADIn é retirar, em tese, a norma inconstitucional do ordenamento jurídico; se a norma já foi revogada, não integra mais o ordenamento jurídico, é descabido falar-se em propositura de ADIn".

Gisela Maria Bester [13] tem o mesmo entendimento. Segundo a autora, esse entendimento foi firmado a partir da ADIN n. 709 (questão de ordem), em 1992, quando o STF passou a entender que a revogação da norma impugnada, independentemente da produção de efeitos residuais e concretos, ocasiona a prejudicialidade da ação, determinando a sua extinção por perda de objeto. Ainda, segundo Gisela, até 1991 admitia-se a aferição de constitucionalidade da lei questionada que fosse revogada após a propositura da ação, desde que a norma tivesse produzido efeitos concretos no processo.

O Supremo Tribunal Federal, em reiteradas decisões, entendeu pela perda de objeto da ADIN, alegando a revogação da norma questionada. Nesse passo, trazem-se à colação alguns julgados do Pretório Excelso [14]:

"AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 17 DA MEDIDA PROVISÓRIA Nº 1.520/97 DEPOIS TRANSFORMADO NO ART. 24 DA LEI Nº 10 .150/00. NOVA REDAÇÃO CONFERIDA AO ART. 21, § 2º DA LEI Nº 8.692/93. ALEGADA VIOLAÇÃO AO ART. 62, ART. 150, I, III, B E § 6º, ALÉM DO ART. 236, § 2º, TODOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Não conhecimento da presente ação relativamente ao pedido de declaração de inconstitucionalidade da expressão "as taxas", contida na atual redação do art. 21, § 2º da Lei nº 8.692/93, por falta de legitimidade ativa da requerente. Quanto à argüição de inconstitucionalidade da expressão "e emolumentos", sobrevindo, com a edição da Lei nº 10.169/00, norma que expressamente vedou a fixação de emolumentos de registro em percentual sobre o valor dos negócios jurídicos, é de se reconhecer o prejuízo do pedido inicial, por perda de objeto. Precedentes: ADI nº 2.097/PR-MC, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 16.06.00 e ADI nº 2.218, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 16.02.01. Ação direta de inconstitucionalidade apenas conhecida em parte e, nesta, julgada prejudicada". (STF - ADI 1667 / DF – Relator Ilmar Galvão - DJ 09-05-2003).

"AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - AUSÊNCIA DE LEGITIMIDADE ATIVA DE CENTRAL SINDICAL (CUT) - IMPUGNAÇÃO A MEDIDA PROVISÓRIA QUE FIXA O NOVO VALOR DO SALÁRIO MÍNIMO - ALEGAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE EM FACE DA INSUFICIÊNCIA DESSE VALOR SALARIAL - REALIZAÇÃO INCOMPLETA DA DETERMINAÇÃO CONSTANTE DO ART. 7º, IV, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA - HIPÓTESE DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO PARCIAL - IMPOSSIBILIDADE DE CONVERSÃO DA ADIN EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO - AÇÃO DIRETA DE QUE NÃO SE CONHECE, NO PONTO - MEDIDA PROVISÓRIA QUE SE CONVERTEU EM LEI - LEI DE CONVERSÃO POSTERIORMENTE REVOGADA POR OUTRO DIPLOMA LEGISLATIVO - PREJUDICIALIDADE DA AÇÃO DIRETA. FALTA DE LEGITIMIDADE ATIVA DAS CENTRAIS SINDICAIS PARA O AJUIZAMENTO DE AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. - No plano da organização sindical brasileira, somente as confederações sindicais dispõem de legitimidade ativa "ad causam" para o ajuizamento da ação direta de inconstitucionalidade (CF, art. 103, IX), falecendo às centrais sindicais, em conseqüência, o poder para fazer instaurar, perante o Supremo Tribunal Federal, o concernente processo de fiscalização normativa abstrata. Precedentes. SALÁRIO MÍNIMO - VALOR INSUFICIENTE - SITUAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO PARCIAL. - A insuficiência do valor correspondente ao salário mínimo - definido em importância que se revele incapaz de atender as necessidades vitais básicas do trabalhador e dos membros de sua família - configura um claro descumprimento, ainda que parcial, da Constituição da República, pois o legislador, em tal hipótese, longe de atuar como sujeito concretizante do postulado constitucional que garante à classe trabalhadora um piso geral de remuneração digna (CF, art. 7º, IV), estará realizando, de modo imperfeito, porque incompleto, o programa social assumido pelo Estado na ordem jurídica. - A omissão do Estado - que deixa de cumprir, em maior ou em menor extensão, a imposição ditada pelo texto constitucional - qualifica-se como comportamento revestido da maior gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder Público também desrespeita a Constituição, também compromete a eficácia da declaração constitucional de direitos e também impede, por ausência de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei Fundamental. - As situações configuradoras de omissão inconstitucional, ainda que se cuide de omissão parcial, refletem comportamento estatal que deve ser repelido, pois a inércia do Estado - além de gerar a erosão da própria consciência constitucional - qualifica-se, perigosamente, como um dos processos informais de mudança ilegítima da Constituição, expondo-se, por isso mesmo, à censura do Poder Judiciário. Precedentes: RTJ 162/877-879, Rel. Min. CELSO DE MELLO - RTJ 185/794-796, Rel. Min. CELSO DE MELLO. O DESPREZO ESTATAL POR UMA CONSTITUIÇÃO DEMOCRÁTICA REVELA-SE INCOMPATÍVEL COM O SENTIMENTO CONSTITUCIONAL RESULTANTE DA VOLUNTÁRIA ADESÃO POPULAR À AUTORIDADE NORMATIVA DA LEI FUNDAMENTAL. - A violação negativa do texto constitucional, resultante da situação de inatividade do Poder Público - que deixa de cumprir ou se abstém de prestar o que lhe ordena a Lei Fundamental - representa, notadamente em tema de direitos e liberdades de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais), um inaceitável processo de desrespeito à Constituição, o que deforma a vontade soberana do poder constituinte e que traduz conduta estatal incompatível com o valor ético-jurídico do sentimento constitucional, cuja prevalência, no âmbito da coletividade, revela-se fator capaz de atribuir, ao Estatuto Político, o necessário e indispensável coeficiente de legitimidade social. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE E REVOGAÇÃO SUPERVENIENTE DO ATO ESTATAL IMPUGNADO. - A revogação superveniente do ato estatal impugnado faz instaurar situação de prejudicialidade que provoca a extinção anômala do processo de fiscalização abstrata de constitucionalidade, eis que a ab-rogação do diploma normativo questionado opera, quanto a este, a sua exclusão do sistema de direito positivo, causando, desse modo, a perda ulterior de objeto da própria ação direta, independentemente da ocorrência, ou não, de efeitos residuais concretos. Precedentes. (STF - ADI 1442 / DF - Relator Celso de Mello - DJ 03/11/2004).

"Ação direta de inconstitucionalidade. Questão de ordem. - Tendo o Decreto nº 6.469, de 8 de maio de 1992, - do qual o artigo 3º e seu parágrafo único foram os dispositivos impugnados nesta ação direta - sido expressamente revogado pelo Decreto nº 8.790, de 17 de março de 1997, ficou prejudicada a referida ação direta por perda de seu objeto, uma vez que já se firmou a orientação desta Corte no sentido de que o interesse de agir, em ação direta de inconstitucionalidade, só existe enquanto estiver em vigor a norma jurídica impugnada (assim se decidiu, a título exemplificativo, na ADIN 520 e na ADIMC nº 2001). Questão de ordem que se resolve dando-se por prejudicada a presente ação direta de inconstitucionalidade." (STF - ADI-QO 921 / MS – Relator Moreira Alves – DJ 19-04-2002).

No âmbito do controle de constitucionalidade em face da Constituição Estadual, os tribunais estaduais também têm entendido dessa forma. Cite-se decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina [15], in verbis:

"AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – LEI N. 2.508/99 DO MUNICÍPIO DE CAMPOS NOVOS – NORMA QUE INSTITUIU A TAXA DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA – REVOGAÇÃO TÁCITA PELA LEI COMPLEMENTAR N. 06/01 - PERDA DO OBJETO. A Lei Complementar n. 06/01 do Município de Campos Novos instituiu a Contribuição para o Custeio dos Serviços de Iluminação Pública – COSIP, naquela Municipalidade, revogando tacitamente a Lei n. 2.508/99, objeto da ação direta de inconstitucionalidade. Por conseguinte, como o propósito do controle concentrado de constitucionalidade somente pode ser exercido quanto ao conteúdo de norma em plena vigência, a extinção da actio é medida que se impõe, por falta de interesse de agir, diante da perda de objeto". (TJSC - Ação direta de inconstitucionalidade n. 01.021944-1, de Campos Novos. Relator Volnei Carlin. j. 16/06/2004).

Acredita-se que deve haver maior cautela na apreciação deste requisito. Ora, com base no princípio da irretroatividade, a lei revogada será aplicada aos fatos ocorridos durante a sua vigência. Dessa forma, não sendo apreciada a ADIN e não podendo ser aplicada a novatio legis, os casos ocorridos durante a vigência da lei revogada e que ainda não foram resolvidos pelo Judiciário seriam solucionados de que forma?

Em abril de 2007, cerca de um terço das Ações Diretas de Inconstitucionalidade haviam sido extintas por serem consideradas prejudicadas, devido à perda superveniente do objeto pela revogação da lei impugnada. Ou seja, grande parte das ações diretas deixou de ser julgada devido à revogação posterior da lei, tendo o STF deixado de se manifestar sobre normas que, em que pesem não terem efeitos pro futuro, produziram efeitos no passado.

Fabiano Rodrigues de Abreu [16] critica veementemente o posicionamento atual do Pretório Excelso. Segundo o autor

"Toda vez que o tribunal proclama uma decisão nesses termos, e na sua maioria de forma monocrática, deixa de se pronunciar sobre o mérito da ação, ou seja, a constitucionalidade ou não do dispositivo não é analisada. Essa prática acaba configurando-se como uma verdadeira abdicação do exercício de sua função jurisdicional, que é, antes de tudo, afirmar e reafirmar a supremacia constitucional, não no sentido positivista, mas no sentido principiológico".

De fato, ao extinguir a ação, o STF perde uma grande oportunidade de defender as normas constitucionais, visto que não analisa a constitucionalidade de uma lei que foi questionada. Assim, a lei, de constitucionalidade ao menos duvidosa, produziu efeitos concretos enquanto esteve em vigor, e o órgão máximo da Justiça brasileira, que tem como função precípua a guarda da Constituição, deixou de impedir que os direitos consagrados constitucionalmente fossem resguardados.

Veja-se que a lei nova não pode ser aplicada por que não era vigente ao tempo dos fatos (princípio da irretroatividade). Por outro lado, a lei vigente ao tempo dos fatos foi impugnada de inconstitucionalidade, sem contudo, ser apreciada pelo STF. Se a ADIN não for apreciada pelo Pretório Excelso, os casos pendentes ficariam, em tese, sendo subordinados à lei inconstitucional. Vale dizer, a lei inconstitucional teria eficácia para os casos ocorridos durante a sua vigência, o que, com certeza, não é o fim preconizado pela nossa ordem constitucional.

Em perdurando o entendimento atual, abrem-se brechas para atitudes não tão nobres, como a revogação de leis na iminência de serem julgadas em sede de ADIN, a fim de evitar a declaração de sua inconstitucionalidade e, por conseguinte, a concessão de efeitos ex tunc, convalidando os atos praticados durante a vigência da lei inconstitucional.

A fim de ilustrar esse pensamento, cita-se o seguinte caso hipotético: a Assembléia Legislativa de determinado Estado edita lei, em 10 de janeiro, sem observar os princípios da anterioridade e do não-confisco, determinando nova alíquota para o imposto sobre a propriedade de veículos automotores (IPVA), a qual se afigura extremamente abusiva. Como se observa, a lei é manifestamente inconstitucional. Diante disso, imagine-se que o Conselho Federal da OAB, no dia 10 de abril do mesmo ano, proponha ao STF ação direta de inconstitucionalidade em face da citada lei. Imagine-se, ainda, que o julgamento foi colocado na pauta do dia 10 de maio do mesmo ano. Nessa situação, poderia a Assembléia Legislativa, temendo a declaração de inconstitucionalidade e a conseqüente concessão de efeitos ex tunc, revogar a lei no dia 09 de maio e comunicar a revogação ao STF, que extinguiria a ADIN por perda de objeto. Nesse caso, a alíquota abusiva teria sido cobrada por quatro meses, pois a lei que a instituiu teve vigência durante esse período, tendo em mente que a lei revogadora não possui efeitos retroativos. Assim, o STF, conforme o entendimento atual, teria deixado de resolver o conflito de um sem número de contribuintes que pagaram um tributo confiscatório, aos quais restaria a via difusa para defender seus legítimos interesses.

Nesse sentido, merece transcrever-se lição de Fabiano Rodrigues de Abreu [17]:

"Condicionar a continuidade do exame da inconstitucionalidade à possibilidade de revogação superveniente é abrir as portas para estratégias e mecanismos escusos que, mediante o travestirem-se de revogação, objetivam assegurar a continuidade das inconstitucionalidades perpetradas".

Na mesma esteira, é a lição de Zeno Veloso [18], para quem há interesse e utilidade na declaração de inconstitucionalidade de lei já revogada, que produziu efeitos na ordem jurídica e pode continuar produzindo efeitos (remanescentes, sobejantes).

O ministro do STF, Gilmar Ferreira Mendes [19], também comunga desse posicionamento, sendo voto vencido no Pretório Excelso. O jurista se fundamenta no direito estrangeiro (Alemanha, Portugal e Espanha). Segundo ele, por razões de segurança jurídica e de utilidade do julgamento, a ADIN deve ser julgada mesmo em caso de revogação da lei questionada. Explica a segurança jurídica no fato de que os casos pendentes necessitam de uma solução global dada pelo órgão guardião da Carta Magna. Por seu turno, a utilidade do julgamento se apóia no fato de que a revogação pura e simples da lei questionada opera efeitos em nunc, ao passo que a declaração de inconstitucionalidade produz efeitos ex tunc.

Nesse sentido, vale a pena trazer à baila preclara lição de Zeno Veloso [20]:

"Revogação e nulidade são figuras inconfundíveis, a primeira se relacionando com a vigência e a segunda com a validade. Independentemente de estar a norma revogada, a fiscalização de constitucionalidade a respeito da mesma vai dizer se ela vigeu válida ou invalidamente. A certeza e a segurança jurídicas lucram com isto. Além do mais, a declaração de inconstitucionalidade, por sua projeção retrooperante, vai desconstituir os efeitos que a norma impugnada produziu, bem como impedir que produza efeitos retardados, remanescentes".

Ademais, com espeque na lição de Flávia Meschick de Carvalho [21], considerando a possibilidade de concessão de medida liminar em ADIN, vislumbra-se a seguinte situação. Imagine-se que determinada lei foi questionada em sede de ação direta de inconstitucionalidade e, durante o processo, venha a ser revogada, ocasionando a extinção da ADIN por perda de objeto. Contudo, algum tempo depois a lei revogadora também vem a ser questionada mediante ação direta, na qual o STF concede medida liminar de suspensão da lei revogadora impugnada, causando a repristinação da lei revogada, que também é inconstitucional. Veja-se: como o STF não se pronunciou a respeito do mérito da ação direta da lei revogada, essa pode vir a produzir efeitos posteriormente, tendo em vista a possibilidade de sua repristinação quando a lei revogadora for igualmente questionada.

Assevera a citada autora que:

"Observemos, pois, o perigo da utilização da orientação em que se apóia a Corte Constitucional: uma vez que esta lei "A" (revogada) volta a produzir efeitos, imensa insegurança jurídica se instaura e ainda, enorme potencialidade de gravame para as relações jurídicas originadas com base em uma lei duvidosa, que por não ter sido declarada constitucional ou inconstitucional, não pode servir de parâmetro para orientação e aplicação geral. Seria mesmo absurdo que, o próprio guardião da Constituição, "autorizasse" que uma lei de validade incerta pudesse voltar a participar da vida dos jurisdicionados".

Diante disso, já se observam rumores de uma possível mudança de interpretação do STF. No decorrer da elaboração do presente trabalho, a Corte Suprema divulgou informativo demonstrando a possibilidade de uma nova interpretação. Trata-se de três ações diretas de inconstitucionalidade conexas em que a espécie normativa impugnada foi revogada quando as ações já estavam em pauta de julgamento. O processo é de relatoria de Cezar Peluso, tendo o Tribunal acolhido questão de ordem para afastar a preliminar de extinção do processo por perda de objeto, sob o argumento de que a revogação da lei questionada, quando já em pauta de julgamento, não subtrai à Corte a atribuição de analisar a constitucionalidade da lei. Nesse momento, pede-se vênia para transcrever o teor do informativo n. 515 do STF [22]:

"O Tribunal julgou procedentes pedidos formulados em três ações diretas de inconstitucionalidade conexas, ajuizadas pelo Procurador-Geral da República e pelo Partido da Social Democracia Brasileira - PSDB, para declarar, com efeitos ex tunc, a inconstitucionalidade dos artigos 5º, I, II, e III, e 7º, I e III, todos da Lei 1.124/2000, do Estado do Tocantins, bem assim, por derivação, de todos os decretos do Governador do referido Estado-membro que, com o propósito de regulamentar aquela norma, criaram milhares de cargos públicos, fixando-lhes atribuições e remunerações. Preliminarmente, o Tribunal acolheu a questão de ordem, suscitada pelo relator, no sentido de afastar a prejudicialidade da ação, ao fundamento de que a revogação da lei impugnada pela Lei estadual 1.950/2008, quando já em pauta as ações diretas, não subtrairia à Corte a competência para examinar a constitucionalidade da norma até então vigente e as suas conseqüências. No mérito, entendeu-se que a autorização conferida pelo art. 5º da lei em questão ao Chefe do Poder Executivo de criar, mediante decreto, os cargos, afronta a norma constitucional emergente da conjugação dos artigos 61, § 1º, II, a, e 84, VI, a, da CF. Asseverou-se que, nos termos do art. 61, § 1º, II, a, da CF, a criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração constituem objeto próprio de lei de iniciativa reservada do Chefe do Poder Executivo. Ressaltou-se, também, que a regra constitucional superveniente inscrita no art. 84, VI, a, da CF, acrescida pela EC 32/2001, a qual autoriza o Chefe do Poder Executivo a dispor, mediante decreto, sobre organização e funcionamento da administração federal, não retroagiria para convalidar inconstitucionalidade, estando, ademais, sua incidência subordinada, de forma expressa, à condição de não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos. Por fim, aduziu-se que, sendo inconstitucional a norma de lei que lhes daria fundamento de validez, inconstitucionais também seriam todos os decretos. Alguns precedentes citados: RE 446076 AgR/MG (DJU de 24.3.2006); ADI 1590 MC/SP (DJU de 15.8.97); ADI 2155 MC/PR (DJU de 1º.6.2001); ADI 2950 AgR/RJ (DJU de 9.2.2007); ADI 3614/PR (DJE de 23.11.2007)" (grifou-se).

Além disso, já em 2003, o ministro Gilmar Mendes havia suscitado questão de ordem com a mesma finalidade. Na oportunidade, o eminente Ministro solicitava a revisão da jurisprudência do STF para o fim de se admitir o prosseguimento da ADIN mesmo com a revogação da lei impugnada. A suscitação de questão de ordem foi divulgada através do informativo n. 305 do STF [23], in verbis:

"Iniciado o julgamento de segunda questão de ordem, suscitada pelo Min. Gilmar Mendes, relator, em que se discute a prejudicialidade das ações diretas de inconstitucionalidade nas hipóteses de revogação do ato impugnado. Trata-se, na espécie, de ação direta ajuizada pelo Procurador Geral da República contra Decisão Administrativa do TRT da 15ª região tomada em 7.12.94, que fora posteriormente revogada – a mencionada decisão determinara o pagamento, a partir de abril de 1994, do reajuste de 10,94%, correspondente à diferença correspondente ao resultado da conversão da URV em reais, com base no dia 20 de abril de 1994, e o obtido na operação de conversão com base no dia 30 do mesmo mês e ano, aos magistrados da Justiça do Trabalho, inclusive juízes classistas, bem como aos servidores ativos e inativos do Tribunal. O Min. Gilmar Mendes, relator, proferiu voto no sentido da revisão da jurisprudência do STF- segundo a qual a ação direta perde seu objeto quando há a revogação superveniente da norma impugnada ou, em se tratando de lei temporária, quando sua eficácia já teria se exaurido-, para o fim de admitir o prosseguimento do controle abstrato nas hipóteses em que a norma atacada tenha perdido a vigência após o ajuizamento da ação, seja pela revogação, seja em razão do seu caráter temporário, restringindo o alcance dessa revisão às ações diretas pendentes de julgamento e às que vierem a ser ajuizadas.O Min. Gilmar Mendes, considerando que a remessa de controvérsia constitucional já instaurada perante o STF para as vias ordinárias é incompatível com os princípios da máxima efetividade e da força normativa da Constituição, salientou não estar demonstrada nenhuma razão de base constitucional a evidenciar que somente no controle difuso seria possível a aferição da constitucionalidade dos efeitos concretos de uma lei. Após, o julgamento foi adiado em virtude do pedido de vista da Ministra Ellen Gracie" (grifou-se).

Passados mais de quatro anos da sessão de julgamento em que a Ministra Ellen Gracie pediu vistas dos autos, até o momento a Ministra não exarou seu voto.

Como foi possível observar, o entendimento da Corte Suprema, ainda que de forma bastante lenta, começa a ser alterado para admitir o prosseguimento das ações diretas de inconstitucionalidade mesmo com a superveniente revogação da lei questionada, o que parece ser a atitude mais consentânea com a ordem constitucional.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Buscou-se nesse trabalho trazer à lume uma questão que talvez passe despercebida pela maioria dos juristas, mas que, contudo, não deixa de ter sua relevância no âmbito prático.

Como foi explicitado acima, cerca de um terço das ações diretas não são julgadas no mérito devido à revogação de lei questionada, deixando à mercê um sem número de jurisdicionados que são lesados pela aplicação da lei inconstitucional no período em que vigeu.

Sendo assim, o atual posicionamento jurisprudencial não é condizente com a finalidade da ADIN, que é afastar do mundo jurídico normas inconstitucionais, evitando que as mesmas causem qualquer efeito para os jurisdicionados. Deixar de se pronunciar a respeito da constitucionalidade de uma norma revogada que gerou efeitos residuais e concretos é abdicar do mister de guarda da Constituição, o que se apresenta inadmissível.

Ex positis, espera-se que, sem a pretensão de pôr fim ao debate, o presente trabalho tenha contribuído para o desenvolvimento e aperfeiçoamento da ciência jurídica, mormente no sentido de aflorar as discussões acerca do prosseguimento da Ação Direta de Inconstitucionalidade mesmo após a revogação da lei impugnada, acreditando que o STF possa rever seu posicionamento, para o fim de preservar a efetividade e supremacia das normas constitucionais.


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Notas

  1. PAULO, Vicente. Aulas de Direito Constitucional. Org. Juliana Maia. 3 ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2004. p. 344.
  2. MOTTA FILHO, Sylvio Clemente; DOUGLAS, William. Direito Constitucional: teoria, jurisprudência e 1000 questões. 15 ed., rev., ampl. e atual. até a EC n. 44/2004. Rio de Janeiro: Impetus, 2004. p. 597.
  3. MOTTA FILHO, Sylvio Clemente; DOUGLAS, William. Direito Constitucional: teoria, jurisprudência e 1000 questões. 15 ed., rev., ampl. e atual. até a EC n. 44/2004. Rio de Janeiro: Impetus, 2004. p. 598.
  4. PAULO, Vicente. Aulas de Direito Constitucional. Org. Juliana Maia. 3 ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2004. p. 346.
  5. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 21 ed. São Paulo: Editora Atlas, 2007. p. 175.
  6. MOTTA FILHO, Sylvio Clemente; DOUGLAS, William. Direito Constitucional: teoria, jurisprudência e 1000 questões. 15 ed., rev., ampl. e atual. até a EC n. 44/2004. Rio de Janeiro: Impetus, 2004. p. 600.
  7. PAULO, Vicente. Aulas de Direito Constitucional. Org. Juliana Maia. 3 ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2004. p. 348.
  8. MOTTA FILHO, Sylvio Clemente; DOUGLAS, William. Direito Constitucional: teoria, jurisprudência e 1000 questões. 15 ed., rev., ampl. e atual. até a EC n. 44/2004. Rio de Janeiro: Impetus, 2004. p. 606.
  9. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 21 ed. São Paulo: Editora Atlas, 2007. p. 721.
  10. PAULO, Vicente. Aulas de Direito Constitucional. Org. Juliana Maia. 3 ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2004. p. 352.
  11. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 21 ed. São Paulo: Editora Atlas, 2007. p. 750.
  12. PAULO, Vicente. Toda lei federal por ser objeto de adin? Disponível em: http://mx.geocities.com/profpito/todalei.html. Acesso em 01 set. 2008.
  13. BESTER, Gisela Maria. Direito Constitucional: v. 1, fundamentos teóricos. São Paulo: Manole, 2005. p. 489.
  14. Site Notadez. ADIn: Perda de Objeto: Decisões Selecionadas. Disponível em: http://www.notadez.com.br/content/imprime_norma.asp?id=36006. Acesso em 01 set. 2008.
  15. Brasil. Ministério Público de Santa Catarina. Disponível em: www.mp.sc.gov.br/portal/site/conteudo/cao/ceccon/adins/acordaos/2001/2001.021944-1.doc. Acesso em 01 set. 2008.
  16. ABREU, Fabiano Rodrigues de. Não analisar ADI porque lei foi revogada é simplório. Disponível em: http://www.conjur.com.br/static/text/54985,1. Acesso em 01 set. 2008.
  17. ABREU, Fabiano Rodrigues de. Não analisar ADI porque lei foi revogada é simplório. Disponível em: http://www.conjur.com.br/static/text/54985,1. Acesso em 01 set. 2008.
  18. VELOSO, Zeno. Controle de Jurisdicional de Constitucionalidade. 3 ed. Belo Horizonte: Del Rey Editora, 2003. p. 119.
  19. MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1996, p.108 e 169.
  20. VELOSO, Zeno. Controle de Jurisdicional de Constitucionalidade. 3 ed. Belo Horizonte: Del Rey Editora, 2003. p. 119.
  21. CARVALHO, Flávia Meschick de. Ação direta de inconstitucionalidade e a revogação superveniente do ato normativo impugnado. Disponível em: www.direitosfundamentais.com.br/downloads/colaborador_acao_direta.doc -. Acesso em: 01 set. 2008.
  22. Informativo n. 515 do Supremo Tribunal Federal. Criação de Cargos Públicos e Reserva de Lei Formal. Disponível em: http://www.stf.gov.br//arquivo/informativo/documento/informativo515.htm#ADI%20e%20Compet%EAncia%20do%20Procurador-Geral%20da%20Rep%FAblica%20-%202. Acesso em 20 out 2008.
  23. Informativo n. 305 do Supremo Tribunal Federal. ADI e revogação superveniente. Disponível em http://www.stf.gov.br//arquivo/informativo/documento/informativo305.htm. Acesso em 20 out 2008.

Autor

  • Willian Alessandro Rocha

    Bacharel em direito pela UCP - Faculdade de Centro do Paraná, Especialista em Direito Processual Civil (FACINTER) e em Direito e Processo do Trabalho (CESUL), servidor público, Diretor de Secretaria de Vara do Trabalho, aprovado no I Concurso Público Nacional Unificado da Magistratura do Trabalho.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROCHA, Willian Alessandro. A impossibilidade de extinção da ação declaratória de inconstitucionalidade por perda de objeto em caso de revogação da lei questionada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2144, 15 maio 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12846. Acesso em: 19 abr. 2024.