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"Emendatio libelli" e a redefinição judicial prévia da classificação dos fatos da denúncia ou queixa

"Emendatio libelli" e a redefinição judicial prévia da classificação dos fatos da denúncia ou queixa

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É possível atribuir definição jurídica diversa da que consta na peça acusatória, diante dos poderes judiciais de condução do processo e dos princípios constitucionais e processuais?

RESUMO

A emendatio libelli é um importante mecanismo e tem sua previsão no art. 383 do Código de Processo Penal. Este trabalho, de início, discorre sobre sua hipótese, momento de sua propositura, consequências, inclusive aquelas trazidas pela Lei nº 11.719/08, bem como sua constitucionalidade. Tem o cuidado de distingui-la de um instituto com o qual, por vezes, é confundida, a desclassificação. Entrando no tema prioritário, apresenta-se a redefinição judicial prévia da classificação dos fatos da denúncia ou queixa, a partir do conceito de emendatio libelli. Em seguida, aponta-se o momento ideal de sua propositura, questionando os entendimentos jurisprudenciais e doutrinários que lhe são contrários. Nesse sentido, justifica-se a sua possibilidade diante dos poderes judiciais de condução do processo e da analogia, bem como em face de um elenco de princípios constitucionais e processuais que lhe são favoráveis. Ao final, conclui-se pela possibilidade, ou mesmo necessidade de o magistrado proceder à redefinição judicial prévia em respeito às normas legais e constitucionais.

Palavras-chave: Emendatio libelli, desclassificação, recebimento da denúncia ou queixa, redefinição judicial prévia da classificação dos fatos.

Abstract

The emendatio libelli is an important mechanism as foreseen in Art. 383 of the Criminal Procedure Code. This work, at the onset of legal procedures, is based on the legal assumption, consequence of, and including those brought forward by Law nº 11.719/08, as well as its constitutionality. It has to be carefully distinguishing from established laws with which, at times, it is being confounded and disqualified. Entering into this priority theme, its purpose is the juridical redefinition and classification of facts in the preliminary hearing process, to be taken into consideration through the emendatio libelli concept. Soon after, the ideal moment of a law suit can be pointed out, by questioning the jurisprudence understanding the doctrines which may be contrary to it. In this sense, it justifies to the Judicial Powers the possibilities to conduct the procedure and its analogy, as well as in view of a list of constitutional and procedural principles in favor to it. At the end, it is concluded by the possibility, or even necessity of a judge to proceed to previous judicial redefinition, in respect to the legal and constitutional norms.

Key-words: Emendatio libelli, disqualification, accusation or complaint acknowledgement, judicial redefinition in the classification of facts in a preliminary hearing.


1. INTRODUÇÃO

Sem dúvida, uma das maiores propriedades do Direito é a possibilidade de um único tema receber uma variedade de interpretações. Assim, ao mesmo tempo em que torna fluídas as definições dos institutos jurídicos, densifica-os. Em determinados aspectos, no entanto, é importante a existência de uma certeza sobre o instituto aplicável, ao menos para delimitar sua análise e suas decorrências lógicas ou procedimentais. Para assegurar essa certeza, há a necessidade de uma definição estática da definição jurídica dos fatos tipificados como delituosos imputados ao acusado, réu ou querelado, ao menos no momento da decisão.

A emendatio libelli é um instrumento jurídico extremamente útil. Está prevista no art. 383 do Código de Processo Penal. É definida como o ato judicial, praticado na sentença, pelo qual se atribui definição jurídica diversa da que consta na peça acusatória, denúncia ou queixa, dos fatos nela contidos, mesmo que se deva aplicar pena mais grave.

A respeito da temática, pode-se questionar: Qual seria o momento mais apropriado para essa redefinição jurídica? Haveria vantagens, em termos processuais ou materiais, na aplicação do instituto? Quais seriam os fundamentos dessa medida? Na abordagem do tema, pretende-se responder a essas perguntas e criar as bases para a redefinição judicial prévia da classificação dos fatos da denúncia ou queixa.


2. A EMENDATIO LIBELLI

2.1. CONCEITO E INOVAÇÕES NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Emendatio libelli pode ser conceituada como a redefinição judicial da classificação jurídica contida na peça acusatória, denúncia ou queixa. Nesse caso, o juiz analisa os fatos ali descritos e atribui-lhes sua própria definição, de acordo com sua compreensão sobre eles, adequando-os a um tipo penal diverso do inicialmente imputado pelo promotor ou querelante. O instituto não é recente no ordenamento jurídico brasileiro. O Código de Processo Penal (Decreto-Lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941) já o previa com a seguinte redação: "Art. 383.  O juiz poderá dar ao fato definição jurídica diversa da que constar da queixa ou da denúncia, ainda que, em conseqüência, tenha de aplicar pena mais grave".

A recente modificação introduzida pela Lei nº 11.719, de 20 de junho de 2008, adotou a seguinte redação:

Art. 383. O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em consequência, tenha de aplicar pena mais grave.

§ 1º Se, em consequência de definição jurídica diversa, houver possibilidade de proposta de suspensão condicional do processo, o juiz procederá de acordo com o disposto na lei.

§ 2º Tratando-se de infração da competência de outro juízo, a este serão encaminhados os autos.

Com essa alteração, ressaltou-se a impossibilidade de modificar a descrição dos fatos descritos na peça acusatória. Além disso, foram inseridos os parágrafos 1º e 2º, que apenas consolidaram na legislação uma prática já adotada pela jurisprudência. Essa sistemática é o padrão das recentes modificações do Direito Processual Penal [01], pois também existe comando similar para as sentenças proferidas no tribunal do júri. Nesse sentido dispõe o art. 492 do CPP:

Art. 492. Em seguida, o presidente proferirá sentença que: (...)

§ 1º Se houver desclassificação da infração para outra, de competência do juiz singular, ao presidente do Tribunal do Júri caberá proferir sentença em seguida, aplicando-se, quando o delito resultante da nova tipificação for considerado pela lei como infração penal de menor potencial ofensivo, o disposto nos arts. 69 e seguintes da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995.

Essa já era a recomendação da jurisprudência. A título de exemplo, transcrevemos o seguinte julgado do STF:

Uma vez operada a desclassificação do crime, a ponto de implicar o surgimento de quadro revelador da pertinência do artigo 89 da Lei nº 9.099/95, cumpre ao Juízo a diligência no sentido de instar o Ministério Público a pronunciar-se a respeito [02].

Sem dúvida, é pertinente e lógico o fato de a nova redação deixar explícito o entendimento adotado pelos julgadores. Portanto, quando a nova definição jurídica resultar numa infração que permita a aplicação da suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei nº 9.099/95) ou numa infração de competência (absoluta) de outro juízo, os autos deverão ser encaminhados ao representante do Ministério Público, para que esse proponha a suspensão condicional do processo, ou, se for o caso, ao juízo competente.

2.2. OS PRINCÍPIOS JURÍDICOS E A EMENDATIO LIBELLI

Os princípios jurídicos constitucionais e gerais de Direito permitem uma vasta possibilidade de abordagem, ainda mais com o advento do pós-positivismo, assim conceituado por Luís Roberto Barroso:

O pós-positivismo é a designação provisória e genérica de um ideário difuso, no qual se incluem a definição das relações entre valores, princípios e regras, aspectos da chamada nova hermenêutica constitucional e a teoria dos direitos fundamentais, edificada sobre o fundamento da dignidade humana [03].

Entretanto, para fins deste trabalho, os princípios são definidos como normas de caráter geral, orientadoras do desenvolvimento e interpretação do direito, possuidores de normatividade. Convém lembrar que, quando inseridos na Constituição do país, possuem hierarquia superior às normas infraconstitucionais, sejam regras (leis) ou princípios meramente processuais.

É clara a relação da emendatio libelli com os princípios expressos nos brocardos latinos jura novit curia (o juiz conhece o direito) e da mihi factum, dabo tibi jus [04] (dá-me o fato, dar-te-ei o direito). Assim, a partir dos fatos narrados na peça acusatória, pressupondo-se que o juiz conheça a lei, é evidente que ele tenha sua concepção jurídica sobre qual dispositivo legal aqueles fatos realmente se subsumem. A teor da própria norma, não importa se a alteração procedida agravará, manterá inalterada ou abrandará a situação do réu. É que o réu se defende dos fatos narrados na denúncia e não da capitulação indicada pelo membro do Ministério Público. Observa-se, nesse sentido, grande sincronia com o princípio da correlação [05] ou demanda, já que busca estabelecer uma correlação entre os fatos narrados na acusação e o resultado da sentença proferida pelo magistrado. A esse respeito, esclarece Eugênio Pacelli de Oliveira:

Tem-se, portanto, que o princípio da correlação entre o pedido e a sentença, absolutória ou condenatória, em sede de processo penal, há de se arrimar na causa petendi, isto é, no caso penal trazido a juízo, consistente na imputação da prática de determinada conduta, comissiva ou omissiva, que configura específica modalidade (tipo) delituosa [06].

É pacífico na doutrina e na jurisprudência que o réu defende-se dos fatos imputados na denúncia ou queixa e não da capitulação inicialmente imputada pelo acusador, seja membro do Ministério Público ou querelante, conforme demonstram os seguintes julgados:

Eventual erro na capitulação legal pode ser corrigido no momento da sentença, ex vi do art. 383 do CPP, sem causar prejuízo à ampla defesa e ao contraditório, porquanto o réu se defende dos fatos a ele imputados, e não da classificação do crime feita na denúncia [07].

Como o réu deve se defender dos fatos que lhe são imputados, e não do tipo penal mencionado na denúncia, nenhum prejuízo existe ao direito à ampla defesa, inclusive quanto à tipificação do crime, tendo em vista a possibilidade de emendatio ou de mutatio libelli no momento processual oportuno (CPP, artigos 383 e 384) [08].

Isto ocorre porque, "iniciada a ação, quer no cível, quer no penal, fixam-se os contornos da res in judicio deducta, de sorte que o juiz deve pronunciar-se sobre aquilo que lhe foi pedido, que foi exposto na inicial pela parte" [09]. No mesmo sentido, mais especificamente no âmbito do direito processual penal, enfatiza Mirabete:

A acusação determina a amplitude e conteúdo da prestação jurisdicional, pelo que o juiz criminal não pode decidir além e fora do pedido em que o órgão da acusação deduz a pretensão punitiva. Os fatos descritos na denúncia ou queixa delimitam o campo de atuação do poder jurisdicional (grifo nosso) [10].

Reportando-se à classificação feita pelo representante do Ministério Público na denúncia ou pelo querelante na queixa, Guilherme de Souza Nucci esclarece: "O juiz pode alterá-la, sem qualquer cerceamento de defesa, pois o que está em jogo é a sua visão de tipicidade, que pode variar conforme o seu livre convencimento" [11]. Desse elemento – da certeza de que o réu se defende dos fatos narrados na peça acusatória e não da sua capitulação – é fácil compreender o motivo pelo qual a lei considera irrelevante a pena atribuída pelo juiz a partir da nova definição jurídica. Não há prejuízo para a defesa com a emendatio libelli para um crime de pena mais grave, pois desde o início do processo, ela deveria ter se preparado para defender seu constituinte dos fatos narrados e não da capitulação da peça inaugural.

1.3 MOMENTO DA EMENDATIO LIBELLI E SUA PRÁTICA

Com a inserção do instituto da emendatio libelli no ordenamento jurídico pátrio, especificamente no Título XII - Da Sentença do CPP, é senso comum na doutrina que a sentença foi considerada pelo legislador como o momento processual adequado para se proceder à sua propositura. Observam-se, no entanto, muitas dúvidas dos alunos, que estão aprendendo a elaborar uma sentença criminal e, até mesmo, dos novos magistrados, quanto ao adequado emprego da emendatio libelli. Tentando dirimir essas dúvidas, lembramos que os elementos necessários para manejar o instituto são: os fatos tidos como delituosos narrados na denúncia; a capitulação inicialmente dada a esses fatos, também constante na denúncia; a convicção do magistrado a respeito da tipicidade dos fatos narrados. Trata-se, portanto, de uma análise in abstracto, na medida em que o juiz não se utiliza de quaisquer elementos probatórios constantes dos autos.

Assim, a emendatio libelli deve ser realizada na fundamentação ou motivação da sentença criminal, quando vencidas as preliminares eventualmente alegadas pelas partes e antes de iniciar o juízo sobre o mérito. Sendo este o momento de análise da materialidade e da autoria do delito, há a necessidade de já estar definida a classificação correta para os fatos apresentados na acusação. Nesse momento, o juiz motiva a emendatio libelli e, em seguida, começa a analisar a materialidade do delito, com base na nova definição jurídica por ele determinada. Apresentamos, a seguir, um exemplo de emendatio libelli formulada em uma de nossas sentenças:

"Os fatos imputados ao denunciado tiveram, naquela peça, a classificação jurídica de roubo tentado (art. 157, c/c o art. 14, II, ambos do CP). Entendo, entretanto, que o crime de roubo em tese narrado na denúncia consumou-se, pois já está superado em todos os tribunais o antigo entendimento que exigia posse tranquila da res pelo criminoso ou que essa saísse da esfera de vigilância da vítima. De acordo com o entendimento atual, basta a apreensão do bem da vítima pelo malfeitor, após violência ou grave ameaça, para caracterizar a consumação do delito..

Essa corrente é também abraçada pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme demonstram os seguintes julgados:

Cabe esclarecer que esta Corte e o Supremo Tribunal adotaram a teoria da apprehensio, também denominada de amotio, no que se refere à consumação do crime de roubo. Basta, portanto, que o bem subtraído passe para o poder do agente, sendo prescindível que o objeto do crime saia da esfera de vigilância da vítima. (STJ - AgRg no REsp 1035115/RS. Rel. Min. Laurita Vaz, 5ª T, julgado em 25/09/2008, DJe 20/10/2008).

Esta Corte tem entendimento firmado no sentido de que a prisão do agente, ocorrida logo após a subtração da coisa furtada, ainda sob a vigilância da vítima ou de terceira pessoa, não descaracteriza a consumação do crime de roubo [...] (STF – HC 94406 / SP – 1ª T. Rel. Min. Menezes Direito – Pub. no DJe-167 em 05-09-2008).

O delito em tese narrado na denúncia está na sua modalidade consumada, pois, conforme a peça acusatória, após o exercício da grave ameaça, o acusado recebeu o produto do ilícito, a bicicleta, e iniciou a fuga, sendo preso logo em seguida por terceiras pessoas.

Assim, claramente, por perfeita adequação ao narrado na inicial, com base na jurisprudência pátria, na minha concepção foi narrado um roubo consumado, nos termos do art. 383 do CPP, entendo que os fatos narrados na denúncia, nela capitulados como roubo tentado (art. 157, c/c o art. 14, II, ambos do CP), correspondem ao crime de roubo consumado (art. 157 do CP), pelo que procedo a emendatio libelli (art. 383 do CPP)".

2.4 DISCUSSÃO SOBRE A INCONSTITUCIONALIDADE DO INSTITUTO

Há opiniões respeitáveis que sustentam a inconstitucionalidade do instituto da emendatio libelli, alegando-se que pode gerar prejuízo para a defesa ou, mesmo, a ausência de contraditório. Transcrevem-e, a respeito, entendimentos de alguns doutrinadores:

É inaceitável que a sentença presuma ter o cidadão se defendido do fato descrito na incoativa por apego a axiomas como o que conclama o narra mihi factum, dabo tibi jus, que pode consagrar lesões irremediáveis aos interesses da defesa do acusado, principalmente pela circunstância de que, com as previsões nas leis dos crimes hediondos (Lei nº 8.072/90) e dos Juizados Especiais Criminais (Lei nº 9.099/95), o equívoco do órgão acusador poderá afetar o status libertatis (privando-o da fiança e liberdade provisória) ou inviabilizar a transação penal ou suspensão condicional do processo. Ainda que não seja comum, o risco existe e, se o conserto só é possível na sentença, a espera imposta ao acusado, até o encerramento da instrução, é extremamente injusta e perversa [12].

Mesmo o simples ajustamento da qualificação jurídica da infração penal, em obediência ao princípio juria novit curia, ainda quando a petição inicial acusatória descreva minuciosamente o fato, haverá de ser promovida antes da emissão da sentença, assim como as partes têm de ser provocadas para manifestarem-se sobre circunstâncias que agravam ou diminuam a pena, tornando-se a matéria alvo do debate contraditório, núcleo fundamental da máxima acusatoriedade [13].

Mesmo que a prática forense mostre que as sentenças se utilizam largamente das regras do mihi factum, dabo tibi jus, e também da iura novit curia, deverá ser exaltada a posição do magistrado que, antes da decisão final, abra vistas às partes sobre a norma de direito não debatida pelos litigantes. [...] No Brasil, apesar de não existir lei ordinária que disponha em tal sentido, há a prevalência do art. 5º, LV, da Constituição Federal, a servir de norte para a interpretação das normas de processo [14].

Não concordamos totalmente com os entendimentos transcritos. Com a nova redação do art. 383 do CPP, dada pela Lei nº 11.719/08 e mesmo antes disso, com base nos entendimentos jurisprudenciais já expostos, nunca houve a impossibilidade de proposta de suspensão condicional do processo. Entretanto, muitas dúvidas pairavam em relação à remessa ao Juizado Especial Criminal competente, no qual poderia ser realizada a transação penal.

Também, o princípio do contraditório está assegurado, não por apego a axiomas, mas pela certeza de que o réu exerce o contraditório em relação aos fatos que lhe são imputados e não à capitulação da acusação. Pelo contrário, a possibilidade de alteração na classificação do crime permite que a análise judicial da acusação seja feita de uma forma integral, com ambos os elementos da acusação (fatos tidos por delituosos e classificação destes) ajustados ao que deve preponderar, ou seja, aos fatos.

Admitimos, no entanto, que, em alguns casos, a emendatio libelli, pode causar prejuízo à defesa. Essa hipótese ocorre especialmente quando o acusado foi submetido a um procedimento que permitia menor oportunidade de defesa do que o procedimento que seria cabível ao crime da nova classificação jurídica dada pelo juiz. Assim, por exemplo, há inegável prejuízo se o réu foi submetido ao procedimento sumário, quando o processo deveria ter seguido o rito ordinário. Esse prejuízo acontece em razão da nova classificação judicial, tanto por conta da possibilidade de arrolar um número menor de testemunhas [15], como em razão da possibilidade de requerer diligências cuja necessidade decorra da instrução criminal.

É também possível haver prejuízo para a defesa do réu quando o crime inicialmente imputado, ao contrário da classificação que seria correta, não é afiançável ou permite liberdade provisória. A esse respeito, lembra Denilson Feitosa: "A classificação legal incorreta pode acarretar seriíssimas consequências para o denunciado, como não ter direito à fiança, não poder ser beneficiado de liberdade provisória etc" [16].

É claro que qualquer ofensa ao direito de defesa, ao contraditório e ao devido processo legal procedimental gera inconstitucionalidade. Por isso, quando detectada tal hipótese, deverá o magistrado adaptar o rito para o procedimento correto, assegurando às partes o exercício dos diretos daí decorrentes.

2.5 DISTINÇÕES ENTRE EMENDATIO LIBELLI E MUTATIO LIBELLI

A emendatio libelli é comumente confundida com a mutatio libelli. Mas isso não é de se estranhar, pois, além dos nomes latinos, os dois institutos estão muito próximos no Código de Processo Penal: o primeiro está previsto no art. 383 e o segundo no art. 384. Porém, as diferenças são evidentes. Para observá-las, basta uma simples leitura do caput do art. 384:

Art. 384. Encerrada a instrução probatória, se entender cabível nova definição jurídica do fato, em consequência de prova existente nos autos de elemento ou circunstância da infração penal não contida na acusação, o Ministério Público deverá aditar a denúncia ou queixa, no prazo de 5 (cinco) dias, se em virtude desta houver sido instaurado o processo em crime de ação pública, reduzindo-se a termo o aditamento, quando feito oralmente.

Como se vê, a mutatio libelli é diametralmente oposta à emendatio, pois ocorre quando se conclui a instrução, ou seja, após a última produção de prova. Além disso, requer a análise de prova pelo representante do Ministério Público [17], devendo essa prova levar ao reconhecimento de uma elementar não contida na peça acusatória, denúncia ou queixa subsidiária, ensejando, assim, um aditamento dessa. Já a emendatio libelli ocorre na sentença, sem qualquer análise da prova. Nela o juiz aprecia a narrativa dos fatos contida na peça acusatória, sem qualquer vista às partes.

Não obstante as nítidas distinções entre os dois institutos, é possível a ocorrência de confusão, em especial, por ensejarem, eventualmente, o mesmo efeito. Assim, quando aplicados, podem provocar a suspensão condicional do processo e o deslocamento da competência. Como já exposto, é essa a determinação dos §§ 1º e 2º do art. 383, que tratam da emendatio libelli, e também do § 3º do art. 384, que dispõe sobre a mutatio libelli, ao estabelecer: "Aplicam-se as disposições dos §§ 1º e 2º do art. 383 ao caput deste artigo".

2.6 DISTINÇÃO ENTRE EMENDATIO LIBELLI E DESCLASSIFICAÇÃO

A desclassificação é um instituto, muitas vezes, confundido com a emendatio libelli, embora o dois institutos possuam várias características que os distinguem. Como já frisamos, pela própria redação da norma legal, não é necessário qualquer elemento alheio à denúncia para que o juiz possa proceder à emendatio libelli. Para fazê-lo, o magistrado apenas lerá os fatos narrados na denúncia e, com base no seu livre e motivado convencimento, atribui-lhes a capitulação legal que entender apropriada.

De forma diversa, a desclassificação exige uma análise meritória das provas, quando o juiz não encontrar qualquer elementar do crime e, com isso, subsiste algum outro crime. Por exemplo, ao não se encontrar prova da elementar "violência" no roubo, subsiste o crime de furto. Ou, quando não se encontrar prova da circunstância de estar o assaltante armado, pode o juiz desclassificar o crime do § 2º, I, do art. 157 do CP para o caput do mesmo artigo, passando da forma majorada para a forma simples. Doutrinadores consagrados entendem no mesmo sentido que sugerimos:

DESCLASSIFICAÇÃO DE CRIME. Direito processual penal. Conclusão a que chega o órgão judicante de ter sido outro o delito perpetrado pelo acusado e não o indicado na denúncia. Por exemplo, a desclassificação do homicídio doloso para homicídio culposo [18].

Por exemplo: a desclassificação de homicídio para lesão corporal; de furto qualificado para furto simples etc. [19].

Doutrina e jurisprudência já verificaram que, algumas vezes, a ausência de algumas elementares do delito pode aumentar o gravame sobre o agente. É o caso, por exemplo, de não estar provado o estado puerperal no crime de infanticídio, denominando essa hipótese de reclassificação. Assim, após análise das provas, desclassificar seria tipificar a conduta encontrada com um delito menos gravoso e reclassificar para uma forma de mesma ou de maior gravidade.

É claro que a desclassificação também pode gerar direitos muito similares aos previstos no art. 383 do CPP, a exemplo da suspensão condicional do processo, conforme jurisprudência pacífica dos tribunais, estando a matéria sumulada: "É cabível a suspensão condicional do processo na desclassificação do crime e na procedência parcial da pretensão punitiva" (Súmula nº 337 do STJ).

A correção da acusação contida na denúncia ou queixa é uma fase preparatória para a apreciação do mérito, imediatamente anterior a este, pois, antes de entrar no mérito, o juiz procura sanear e definir questão prioritária: qual o crime delineado com os fatos narrados na peça acusatória? Já a desclassificação ou a reclassificação decorrem da própria análise meritória, mais especificamente da concepção judicial sobre a prova carreada aos autos e a presença das circunstâncias elementares que formam o tipo penal.


3 REDEFINIÇÃO JUDICIAL PRÉVIA DA CLASSIFICAÇÃO DOS FATOS DA DENÚNCIA OU QUEIXA

3.1 CONCEITO E MOMENTO IDEAL

Tomando por base o conceito de emendatio libelli, podemos afirmar que redefinição judicial prévia da classificação dos fatos é a possibilidade de o juiz, sem modificar a descrição dos fatos contida na denúncia ou queixa, preferencialmente ao analisar o recebimento destas, atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em consequência, tenha que aplicar pena mais grave.

Por analogia com os parágrafos do art. 383 do CPP, caso reconheça a emendatio libelli ab initio e o crime da nova definição jurídica permita suspensão condicional do processo, o juiz determinará a abertura de vista ao órgão ministerial para que proponha a alteração por aditamento à denúncia, no caso de crime de ação penal pública, ou por simples petição, no caso de ação penal privada. Por outro lado, se, ao analisar o recebimento da inicial acusatória, o julgador entender que cabe emendatio libelli ab initio para crime de competência de outro juízo, deverá, de imediato, remeter-lhe os autos, mesmo sem o aditamento da denúncia. Em qualquer caso, havendo a emendatio libelli antecipada, as partes devem tomar conhecimento, para poderem exercer o contraditório ou o duplo grau de jurisdição [20].

Obviamente, essa redefinição prévia ocorre também em abstrato, ausente qualquer apreciação probatória, posto que necessita dos mesmos elementos exigidos para a emendatio libelli da sentença: a descrição dos fatos da peça acusatória; a definição jurídica sobre eles, também da mesma peça; a compreensão judicial por inadequação desse último elemento para a adequação típica do primeiro.

Não se pode esquecer que o único motivo pelo qual a emendatio libelli prevista no art. 383 do CPP deve ser realizada na sentença é estar essa norma inserida no título Da Sentença do referido diploma adjetivo penal, não havendo nenhuma cláusula normativa nesse sentido. Será, entretanto, válido esse argumento? Antes de esboçar uma resposta, convém fazer outra pergunta de resposta simples: a mutatio libelli, inserida no art. 384 do CPP e localizada no mesmo título, deve ser efetuada necessariamente na sentença? A resposta é obviamente negativa, pois a mutatio nunca foi realizada em sentença judicial. Na redação originária, o juiz vislumbrava a possibilidade de reconhecer nova definição jurídica, em razão da presença nos autos de prova de circunstância elementar, não contida, explícita ou implicitamente, na denúncia ou na queixa. Nesse caso, abria vista do processo para as providências previstas no caput do art. 384 ou no seu parágrafo único.

Na redação atual, essa medida não é mais necessária, limitando-se o magistrado ao recebimento ou não do aditamento da denúncia dela decorrente [21]. Assim, respondendo à indagação originária, não há motivo para sustentar-se o argumento da posição do instituto no CPP – o fato de estar o artigo que trata da emendatio libelli inserido no titulo Da Sentença – como obstáculo insuperável ou impedidor para ser ela realizada em momento processual diverso da sentença.

Nada obsta que a decisão do magistrado em adotar uma definição jurídica diversa seja tomada na primeira análise da peça inicial acusatória, seja denúncia ou queixa. A antcipação dessa providência é importante para que o rito já comece adequado, ou para que o juízo seja o inequivocamente competente.

O rito previsto na Lei nº 11.343/06, para os crimes de drogas, traz uma excelente oportunidade para exemplificar a possibilidade de se exercer o contraditório antes do recebimento da denúncia, dada a apresentação de defesa prévia escrita antes do recebimento da denúncia. Com isso, o acusado já poderia influenciar na decisão judicial de proceder à emendatio libelli antecipada por ocasião do recebimento da inicial. Igual medida pode ocorrer com o procedimento previsto para os crimes contra a Administração praticados por servidores públicos (arts. 513 a 518 do CPP).

Nos demais ritos, não há essa oportunidade e, por isso, não se deve deixar de atentar para a possibilidade de ser procedida pelo juiz a redefinição legal dos fatos narrados pela acusação após a juntada da resposta escrita ou defesa prévia, já que, a teor do art. 397 do CPP [22], trata-se de uma reavaliação da inicial acusatória. Este era o entendimento do projeto de lei que originou a minirreforma do Código de Processo Penal [23], no sentido de que a sistemática fosse similar à da Lei de Drogas (Lei nº 11.343/08), com a notificação inicial para resposta escrita e, só depois, procedendo-se à citação para a audiência de instrução e julgamento [24].

3.2 ENTENDIMENTO DOUTRINÁRIO E JURISPRUDENCIAL

Estranhamente, a doutrina e a jurisprudência são contrárias à redefinição judicial da classificação dos fatos narrados na denúncia ou queixa em qualquer outro momento que não seja por ocasião da emendatio libelli, isto é, na sentença. O Supremo Tribunal Federal já se pronunciou de forma contrária à possibilidade da redefinição judicial antecipada. Esse entendimento também é adotado pelo Superior Tribunal de Justiça, bem como pelos Tribunais Regionais Federais e pelos Tribunais dos Estados, conforme demonstram os seguintes julgados:

Não é lícito ao juiz, no ato de recebimento da denúncia, quando faz apenas juízo de admissibilidade da acusação, conferir definição jurídica aos fatos narrados na peça acusatória. Poderá fazê-lo adequadamente no momento da prolação da sentença, ocasião em que poderá haver a emendatio libelli ou a mutatio libelli, se a instrução criminal assim o indicar [25].

HABEAS CORPUS. Não tem poderes o juiz para, no despacho de recebimento da denúncia, considerar inconstitucional o decreto-lei em que se fundou, e dar nova definição jurídica do fato. Só o dominus litis tem poderes para alterar a classificação do delito, ao oferecer a denúncia. Habeas corpus denegado [26].

Não cabe ao juiz, ao receber a denúncia, classificar o crime nela transcrito. A definição jurídica do fato supostamente delituoso, constante na denúncia, cabe ao Ministério Público como titular que é da ação penal. A análise quanto à correta capitulação somente deve ser feita por ocasião da prolação da sentença, de acordo com o disposto no art. 383 do CPP [27].

No nosso entendimento, o primeiro julgado transcrito deixou de lado toda a gama de direitos que, no decorrer da instrução, podem ser cerceados. Ademais, o que significa "não ser lícito ao juiz"? Significa que é ilícito, que é contrário à norma? Que norma é essa? Ou será que apenas não há previsão na norma? E como fica tal argumento diante dos poderes judiciais de condução do processo, da analogia e dos princípios jurídicos envolvidos? A doutrina majoritária tem posicionamento similar ao entendimento jurisprudencial:

Se fosse admitida tal hipótese [a retificação da denúncia ou queixa no seu recebimento], tratar-se-ia de um indevido prejulgamento, tornando parcial o juízo, além do que a titularidade da ação penal é exclusivamente do Ministério Público ou do ofendido, conforme o caso. Assim, não cabe ao magistrado, recebendo a peça acusatória, pronunciar-se, por exemplo, da seguinte forma: "Recebo a denúncia por extorsão, com base no art. 158 do Código Penal, e não como roubo (art. 157, CP), como descrito pelo promotor" [28].

O demandado defende-se dos fatos a ele imputados, não da sua tipificação legal [...]. Dessa forma, o juiz não deve rejeitar a peça inicial, por entender errada a classificação do crime. Entendemos, também, que ele não poderá receber a denúncia ou a queixa dando aos fatos nova capitulação, pois o poder de classificá-los, neste momento processual, é dos respectivos titulares [29].

O primeiro entendimento transcrito – a exemplo de vários julgados – comete o grave erro de, ao menos aparentemente, confundir a emendatio libelli com a desclassificação. É preciso lembrar que aquela, sendo apenas uma análise técnica da correlação dos fatos narrados com a capitulação legal imposta na peça acusatória, é feita em abstrato, não ensejando análise de prova.

Os argumentos de que o juiz não tem legitimidade para alterar a classificação da acusação [30], por possível aditamento durante a instrução e de que somente tem a oportunidade de corrigir a imputação na sentença, quando autorizado pelo art. 383 do CPP, são por demais repetidos. Porém, a fundamentação de tais argumentos não é suficientemente sólida. Tanto a correção efetuada na sentença como a ora proposta, efetuada no primeiro contato do juiz com a denúncia, não visam à alteração da peça inicial. Não é fisicamente apagado o escrito na denúncia nem se faz uma substituição no conteúdo dos seus termos. É mais uma questão de compreensão do magistrado. A partir dela, age o juiz de acordo com o entendimento de que o crime imputado é o da nova classificação por ele efetuada. E isto pode ocorrer tanto na sentença como na condução do processo.

Ousamos afirmar que os entendimentos acima transcritos [31] são carentes de fundamentação. E assim entendemos porque abordam a questão superficialmente, relegando-a à previsibilidade legal expressa. No entanto, aqueles que sustentam tais opiniões esquecem que os poderes do magistrado na condução do processo, a analogia e os princípios constitucionais dão suporte a essa decisão. Alguns poucos doutrinadores admitem a redefinição da classificação quando do recebimento da denúncia ou queixa. Senão vejamos:

Embora a classificação dada ao fato na denúncia ou queixa não implique a vinculação do juiz a ela, casos ocorrerão em que, da simples narrativa da imputação, poder-se-á perceber o erro da classificação, daí resultando alterações significativas no processo. Nos casos, por exemplo, em que é vedada (de modo inconstitucional como veremos) a concessão da liberdade, com ou sem fiança, nada impede o juiz de, provisoriamente, alterar a tipificação dada para ampliar a tutela de direitos fundamentais (a liberdade) [32].

O sistema acusatório, que demanda plenitude de defesa e contraditório, em face da pretensão do processo justo, assegura a emendatio libelli, prevista no art. 383 do Código de Processo Penal, na fase da sentença, mas aplicável a todo tempo (quanto antes, melhor) principalmente se resultar em significativa alteração do procedimento [33].

Pode o juiz, quando do recebimento da denúncia, dar ao fato outra classificação jurídico-penal? À primeira vista, não haverá necessidade, mesmo porque o acusado não se defende da tipificação, mas do fato. Contudo, em certas situações, sim. Observe-se que a Lei n. 8.072/90, no seu art. 2º, prescreve não se permitir a liberdade provisória nos homicídios qualificados. Assim, preso em flagrante alguém pela prática de um homicídio doloso, não seria justo que a sua não-liberdade provisória, nos termos do parágrafo único do art. 310, ficasse na dependência da boa ou má vontade de promotor. Nesse caso, deve o juiz proceder a uma análise dos autos do inquérito e, na hipótese de não haver prova da qualificadora, limitar-se a receber a denúncia; e não estando presente qualquer das circunstâncias que autorizam a prisão preventiva, conceder-lhe a liberdade provisória, afastando, ainda que até eventual pronúncia, a qualificadora [34].

Não admitir que o juiz (juiz este garantidor dos direitos individuais do acusado na mais esperançosa atenção aos ditames da doutrina italiana de Luigi Ferrajoli) possa dar aos fatos narrados na inicial a correta qualificação jurídica é admitir o inadmissível, ou seja, a continuidade de um acusado na prisão em razão de um erro do órgão acusador [35].

A jurisprudência, inclusive do STF, em algumas situações, já externou a possibilidade de uma emendatio libelli ab initio:

Habeas corpus [...] Denúncia: errônea capitulação jurídica dos fatos narrados: erro de direito: possibilidade de o juiz, verificado o equívoco, alterar o procedimento a seguir (cf. HC 84.653, 1ª T., 14.07.05, Pertence, DJ 14.10.05).

1. Se se tem, na denúncia, simples erro de direito na tipificação da imputação de fato idoneamente formulada, é possível ao juiz, sem antecipar formalmente a desclassificação, afastar de logo as consequências processuais ou procedimentais decorrentes do equívoco e prejudiciais ao acusado.

2. Na mesma hipótese de erro de direito na classificação do fato descrito na denúncia, é possível, de logo, proceder-se à desclassificação e receber a denúncia com a tipificação adequada à imputação de fato veiculada, se, por exemplo, da sua qualificação depender a fixação da competência ou a eleição do procedimento a seguir [36].

TJPR: Fiança. Benefício concedido. Réu denunciado por crime inafiançável. Magistrado que, empregando a regra da mihi factum, dabo tibi jus, altera a classificação jurídica do fato e defere à mercê. Admissibilidade. Aplicação do art. 383 do CPP – Fiança. "É admissível que o juiz, para deferi-la, dê ao fato delituoso classificação jurídica distinta daquela constante da denúncia" [37].

3.3 APLICAÇÃO ANALÓGICA

O art. 3º do Código de Processo Penal é bastante claro ao permitir a analogia (aplicação analógica) no âmbito do ordenamento processual penal, dispondo: "A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito".

Analogia é o meio de autointegração da lei, quando há um caso regulamentado pela lei e outro não. Mas, por guardarem semelhança relevante e terem a mesma razão de regulamentar (ratio legis), é aplicado ao último o mesmo suporte legal que já regulamenta o outro. Sobre o instituto, esclarece Carlos Maximiliano:

O processo analógico, entretanto, não cria direito novo; descobre o já existente; integra a norma estabelecida, o princípio fundamental, comum ao caso previsto pelo legislador e ao outro, patenteado pela vida social. O magistrado que recorre à analogia não age livremente; desenvolve preceitos latentes, que se acham no sistema jurídico em vigor [38].

A doutrina, de modo geral, adota essa definição, mas é importante lembrar que a analogia pressupõe os seguintes requisitos apontados pelo referido autor:

1º) uma hipótese não prevista, senão se trataria apenas de interpretação extensiva; 2º) a relação contemplada no texto, embora diversa da que se examina, deve ser semelhante, ter com ela um elemento de identidade; 3º) este elemento não pode ser qualquer, e, sim, essencial, fundamental, isto é, o fato jurídico que deu origem ao dispositivo. Não bastam afinidades aparentes, semelhança formal; exige-se a real, verdadeira igualdade sob um ou mais aspectos, consistentes no fato de se encontrar, num e noutro caso, o mesmo princípio básico e de ser uma só ideia geradora tanto da regra existente como da que se busca. A hipótese nova e a que se compara com ela precisam assemelhar-se na essência e nos efeitos; é mister exigir a mesma razão de decidir [39] (grifo nossos).

Norberto Bobbio também estabelece parâmetros para se identificar a "semelhança relevante":

Entende-se por analogia o procedimento pelo qual se atribui a um caso não-regulamentado a mesma disciplina que o caso regulamentado semelhante. [...] Diz-se que a semelhança não deve ser uma semelhança qualquer, mas uma semelhança relevante. [...] Para que se possa tirar a conclusão, quer dizer, para fazer a atribuição ao caso não-regulamentado das mesmas consequências jurídicas atribuídas ao caso regulamentado semelhante, é preciso que entre os dois casos exista não uma semelhança qualquer, mas uma semelhança relevante, é preciso ascender dos dois casos uma qualidade comum a ambos, que seja ao mesmo tempo a razão suficiente pela qual ao caso regulamentado foram atribuídas aquelas e não outras conseqüências. [...] Por razão suficiente de uma lei entendemos aquela que tradicionalmente se chama a ratio legis. Então diremos que, para que o raciocínio por analogia seja lícito no Direito, é necessário que os dois casos, o regulamentado e o não-regulamentado, tenham em comum a ratio legis. De resto é o que foi transmitido com esta fórmula: "Onde houver o mesmo motivo, há também a mesma disposição de direito" (Ubi eadem ratio, ibi eadem iuris dispositio) [40].

A possibilidade de se efetuar a redefinição judicial prévia da classificação dos fatos da denúncia ou queixa não está regulada no ordenamento processual penal (não é permitida, nem proibida), Todavia, há a determinação [41] de se efetuar recapitulação semelhante no momento da prolação da sentença (art. 383 do CPP – emendatio libelli). Isso configura, em tese, a possibilidade de analogia, cabendo ao juiz a tarefa de decidir se essa semelhança é ou não relevante. Compete-lhe, portanto, observar se a ratio legis que permitiu a inserção da emendatio libelli no ordenamento jurídico seria a mesma para a sua utilização antecipada, ou seja, na oportunidade do recebimento da denúncia.

Conforme observação feita neste trabalho, quando se tratou especificamente da emendatio libelli, o fato jurídico que deu origem ao dispositivo ou sua razão de existência jurídica decorrem dos princípios expressos nos brocardos latinos: jura novit curia (o juiz conhece o direito) e da mihi factum, dabo tibi jus (dá-me o fato, dar-te-ei o direito). Decorre também dos mesmos motivos a admissão da emendatio libelli antecipada. Ademais, os efeitos seriam os mesmos, pois a proposta é do mesmo instituto, num momento anterior ao convencionado pelos intérpretes, em especial, pela doutrina, ou seja, anterior à sentença.

3.4 PODERES JUDICIAIS DE CONDUÇÃO DO PROCESSO

Sem dúvida, a condução do processo, do início à sentença [42], cabe ao magistrado e não às partes. Se o Código de Processo Penal não dispõe expressamente sobre a matéria, o Código de Processo Civil, que deve ser utilizado supletivamente, vem sanar o problema, ao estabelecer no art. 125:

O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, competindo-lhe:

I - assegurar às partes igualdade de tratamento;

II - velar pela rápida solução do litígio; [...]

Não podemos fechar questão na concepção de que a capitulação dada na peça acusatória – simples elemento provisório da denúncia ou queixa, porquanto retificável por aditamento até a sentença e, também neste momento, alterável pelo juiz – pode vincular o juiz na condução do processo, quanto ao rito a ser seguido, ao cabimento de suspensão condicional do processo, à afiançabilidade, etc. Se o juiz, quando do recebimento da peça acusatória, não puder alterar a capitulação ali indicada, como se poderá dizer que efetivamente conduz ou preside o processo?

Um promotor de justiça, por exemplo, narra fatos condizentes com o exercício arbitrário das próprias razões (art. 345 do CP), com todas as elementares aplicáveis, mas dá-lhes a definição jurídica de roubo majorado pela prática com arma (art. 157, § 2º, I, do CP). Nessa hipótese, o processo desenvolver-se-á pelo rito ordinário, perante a justiça comum, e não pelo rito sumaríssimo no juizado especial criminal, o que é visivelmente prejudicial ao réu. Assim, seguindo-se a letra fria da lei, somente quando o magistrado estiver sentenciando é que poderá fazer a emendatio libelli e, na forma do § 2º do art. 383 do CPP, encaminhar os autos ao juizado especial criminal. Porem, se a concepção do magistrado quanto aos fatos narrados da peça acusatória for formada com a leitura inicial daquela peça, pode ele, antes mesmo de receber a denúncia e, portanto, antes de haver formalmente processo, encaminhar os autos ao juízo competente.

Deve o juiz conduzir o processo sem ser direcionado pelas partes. Deve orientar-se pela sua concepção formada pelo seu livre convencimento motivado, buscando garantir o acesso à ordem jurídica justa, quanto ao procedimento legalmente estabelecido. Se as partes indicarem caminhos ao juiz e este não os entender adequados ao princípio do devido processo legal procedimental ou a outros princípios, não deve trilhá-los. A esse respeito, poder-se-ia questionar: Que comportamento estaria exercendo um juiz que procede com um rito diverso do que sabe ser adequado aos fatos narrados, que nega a suspensão condicional do processo, que considera o crime inafiançável ou que deixa de reconhecer a prescrição de um delito que, pela classificação do MP, iria cercear esses direitos?

Veja-se, também, que o instituto em análise não visa a um mero amparo ou a uma simples tentativa de conceder direitos ao réu. Pode haver a possibilidade de ser um caso totalmente inverso ou que a emenda capitule um crime mais grave, que impossibilite a concessão desses direitos, apesar de a equivocada classificação feita na peça acusatória o permitir. Visa, sim, à justiça e à integralidade técnica da peça acusatória. É inquestionável que os poderes do magistrado na condução do processo tornam-no capaz de proceder à redefinição judicial prévia da classificação dos fatos narrados na denúncia ou queixa.

3.5 PRINCÍPIOS FUNDAMENTADORES DA MEDIDA

Vários são os princípios constitucionais e processuais que dão suporte à possibilidade de redefinição judicial prévia da classificação dos fatos da denúncia ou queixa. É claro que o devido processo legal procedimental [43] é muito amplo. Assim, não é de se estranhar que ele, como verdadeira panaceia principiológica, venha a amparar o entendimento ora defendido. E isto se fortalecerá com o reforço de outros princípios de natureza processual em relação à redefinição judicial prévia da capitulação dos fatos indicados na acusação.

A igualdade entre as partes é uma decorrência do princípio da igualdade perante a lei insculpido na Constituição Federal (art. 5º, caput). Ela deve ser garantida pelo magistrado na condução do processo, inclusive como dever legal, a teor do art. 125, I, do CPC, já transcrito. A igualdade impossibilita que uma parte prepondere sobre a outra. Mas isto ocorrerá se houver equívoco na definição jurídica dos fatos narrados na peça acusatória e se o magistrado somente puder saná-lo na sentença, após toda a instrução criminal orientada pela capitulação dada na denúncia ou queixa.

Não é demais lembrar que, tendo a acusação a possibilidade de definir a capitulação dos fatos inseridos na inicial, existe inegável preponderância dela sobre o acusado, réu ou querelado. Isso porque, desde o início, já pode restringir-lhe direitos, como o direito a um procedimento mais favorável, à suspensão condicional do processo, à afiançabilidade, entre outros.

Dessa forma, é necessário que o juiz proceda à redefinição do enquadramento legal dos fatos preferencialmente quando do recebimento da denúncia. Assim fazendo, realiza verdadeiro chamamento do feito à ordem para assegurar ao acusado os direitos que lhe são legalmente previstos. Nesse sentido, afirma César Asfor Rocha:

Tratar igualitariamente não é tratar da mesma forma, mas tratar de maneira a atingir o acesso à ordem jurídica justa, possibilitando isonomicamente às partes a efetiva defesa de seus direitos, sustentação de suas razões e produção de suas provas. O tratamento paritário das partes diz respeito, portanto, a um procedimento devidamente ordenado pelo contraditório, feito com lisura e sem surpresas e armadilhas para as partes [44].

Com um viés no princípio da igualdade, mas tratando a respeito do princípio do impulso oficial, Rui Portanova declara ser dever do magistrado fazer cessar ou, ao menos, diminuir desigualdades, ressaltando:

Podemos dividir o dever de impulso oficial do juiz em três espécies: [...] c) dever de impulso igualizador. [...] O princípio do impulso oficial igualizador obriga a que o juiz seja atento e interessado no atendimento dos escopos e da efetividade do processo. Assim, o juiz não pode tolerar que as desigualdades materiais entre as partes façam do processo um local de opressão do mais forte sobre o mais fraco [45].

O princípio do contraditório está explícito no inciso LV do art. 5º da Carta Magna e, conforme lembra Humberto Theodro Júnior, "consiste na necessidade de o juiz ouvir, previamente, a pessoa perante a qual irá proferir decisão, garantindo-lhe o pleno direito de defesa e de pronunciamento durante todo o curso do processo" [46]. Esse princípio subsume-se na ideia de ciência-participação [47], segundo a qual é necessário dar ciência ao réu das acusações, das provas e das teses jurídicas, além de garantir-lhe a oportunidade de contra-argumentar esses elementos.

Não se questiona a concepção de que o acusado se defende dos fatos narrados na peça acusatória. Porém, é preciso compreender que uma perfeita definição jurídica dos fatos nela narrados permite uma defesa mais adequada, centrada nos elementos prioritários da tese defensiva. Assim, durante toda a instrução, não existirá a preocupação do defensor do réu com a possibilidade de o magistrado efetuar a emendatio libelli e, por conseguinte, fazer a defesa envolvendo uma eventual vertente da concepção jurídica do membro do Ministério Público ou querelante sobre os fatos articulados. É preciso também ter em mente, conforme lembra Rui Portanova, que "as partes não podem ser surpreendidas por decisão que se apoie numa visão jurídica que não tinham percebido ou tinham considerado sem maior significado" [48]. No mesmo sentido, acrescenta Francisco Tiago D. Stockinger:

Deve-se levar em consideração que o contraditório, em sua essência, significa a possibilidade de haver consignados os argumentos em favor e em desfavor sobre determinado fato ou norma. Por esta razão, o juiz que por sua iniciativa promove o contraditório estará tornando mais legítima a sua sentença, afastando com qualquer estigma a arbitrariedade em sua decisão judicial [49].

O princípio da celeridade ou da razoável duração do processo ganhou relevância quando inserido no texto da Carta Magna pela Emenda Constitucional nº 45, de 31 de dezembro de 2004, dispondo no inciso XXVIII do art. 5º: "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação".

Não é propósito deste trabalho tecer considerações sobre o tema [50] nem sobre a falta de definição da expressão "razoável duração do processo" no ordenamento jurídico pátrio ou dos elementos utilizados internacionalmente como referência para tanto [51]. Para fins deste trabalho, basta a óbvia constatação de que, se não houver a necessidade de reencaminhar-se os autos a outro juízo ou de retornar-se a questões como a suspensão condicional do processo, garante-se maior celeridade processual.

Uma redefinição antecipada dos fatos da inicial acusatória permitirá mais celeridade processual. Assim, não haverá perda de tempo com procedimentos previstos nos parágrafos do art. 383 do CPP, os quais não precisariam ter sido realizados – no caso da suspensão processual – ou que poderão ter a necessidade de ser refeitos – no caso de encaminhamento dos autos ao juizado especial criminal ou deste para o juízo comum. Além disso, estará o magistrado "velando pela rápida solução do litígio", dever que lhe é imposto pelo art. 125, II, do CPC.

Em consequência, estará assegurado o princípio da economia processual, lembrando que ele informa todo o sistema processual brasileiro, conforme explicita a exposição de motivos do Código de Processo Civil. Esse princípio impõe ao julgador que conduza o processo conferindo às partes um máximo de resultado com um mínimo de esforço processual. O dispêndio de energia não deve guardar proporção com os benefícios oriundos do processo. Desta forma, uma redefinição judicial prévia evitaria atos desnecessários como os já declinados.

O princípio da eficiência (art. 37, caput, da CF) é normalmente associado ao direito administrativo. Todavia, trata-se de um princípio ordenador de todos os atos praticados pelos agentes públicos e políticos de todos os poderes, inclusive, o juiz e o membro do Ministério Público. No caso das ações penais públicas, cuja peça acusatória é de competência do membro do Ministério Público, uma emendatio libelli ab initio asseguraria o cumprimento do princípio da eficiência, na medida em que não iria gerar para o acusado prejuízos decorrentes da equivocada capitulação legal dos fatos denunciados.

3.6 NULIDADE DA EMENDATIO LIBELLI AB INITIO

Procedida a redefinição judicial prévia da classificação dos fatos narrados na denúncia ou queixa, pode ser ela declarada nula? Antes de responder tal questão, transcreve-se, por oportuno, o conceito de nulidade apresentado por Denilson Feitoza:

Nulidade é o defeito do ato processual ou do processo, que pode ter como sanção a ineficácia. Portanto, nulidade é a característica, qualidade, do ato processual ou do processo, enquanto a ineficácia é a sanção aplicada pela inobservância da forma prescrita em lei [52].

Como se pode depreender do conceito, não é qualquer inobservância à forma legal que acarreta a decretação de nulidade do ato. Assim, ficam excluídos dessa sanção os atos irregulares que não geram consequências ou os que têm como consequências apenas sanções extraprocessuais, bem como aqueles considerados inexistentes, como, por exemplo, um despacho oriundo de autoridade incompetente.

Conforme a sistemática traçada por todo o ordenamento processual pátrio e, para fins deste trabalho, só devem ser estigmatizados com pecha da nulidade os atos que vierem a gerar prejuízo (pas de nullitée sans grief – não há nulidade sem prejuízo). Nesse sentido, dispõe o art. 563 do CPP: "Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa". Na mesa direção é o entendimento da doutrina e dos tribunais superiores:

Negando o excesso de formalismo, com fundamento no princípio da instrumentalidade das normas, a lei estabeleceu o sistema de prevalência dos impedimentos de declaração ou de arguição de nulidades. Sua regra básica é enunciada no art. 563. É o princípio pas de nullité sans grief, pelo qual não se declara nulidade desde que da preterição da forma legal não haja resultado prejuízo para uma das partes [53].

Em se tratando de nulidade processual, há de ser aplicado o princípio do pas de nullité sans grief, cabendo à parte supostamente prejudicada a demonstração do efetivo prejuízo [54].

A respeito dessa matéria, exsurge a seguinte indagação: qual o prejuízo decorrente de uma emendatio libelli ab initio? Pode-se afirmar que não há prejuízo para qualquer das partes. A correção da definição jurídica dos fatos narrados na denúncia não pode ser considerada prejudicial. A ideia de dano deve estar ligada ao conceito de ilicitude e não de adequação, correção e justiça. Se assim não fosse, poder-se-ia considerar danosa qualquer condenação judicial, conforme lição de Galeno Lacerda:

Posso afirmar, e o faço agora com a experiência amadurecida de juiz, que esse sistema é profundamente antiformalista. As disposições analisadas se expandem como largas avenidas de abertura e permitir ao juiz trânsito livre para o milagre, sem os tropeços da forma e na letra, de fazer justiça, de acordo com a própria consciência, amparado em dispositivos do próprio código [55].


4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A emendatio libelli, prevista no art. 383 do CPP, consiste na possibilidade de o juiz, na sentença, sem a necessidade de consentimento ou, até mesmo, de vista às partes, dar aos fatos narrados na peça acusatória um enquadramento legal diverso daquele ali contido. O instituto tem por base princípios expressos nos brocardos latinos jura novit curia (o juiz conhece o direito) e da mihi factum, dabo tibi jus (dá-me o fato, dar-te-ei o direito).

Para alguns, a emendatio libelli ofenderia o princípio constitucional do contraditório (art. 5º, LV, da CF), pois é efetivada pelo magistrado sem que as partes possam interferir ou se manifestar sobre a nova definição dada. Porém, nunca prosperou esse entendimento, pois a emendatio é realizada com base nos fatos já narrados na denúncia ou queixa. Pode-se considerar um axioma processual penal o princípio de que a defesa do acusado é exercida com base nos fatos narrados e não na capitulação dada pelo acusador.

A emendatio libelli é normalmente confundida com a mutatio libelli (art. 384 do CPP). E isso acontece por dois motivos principais: as expressões latinas que as denominam e a proximidade de suas previsões legais. Mas são institutos praticamente opostos: a mutatio ocorre quando, encerrada a instrução, requer-se a análise de prova pelo representante do Ministério Público. É preciso, entretanto, observar que essa prova tem que levar ao reconhecimento de uma elementar não contida na peça acusatória (denúncia ou queixa subsidiária) e enseja que se proceda a um aditamento.

Confunde-se também a emendatio com a desclassificação. Mas esta decorre da análise meritória do fato imputado. Nesse caso, não se encontrando alguma elementar do delito narrado, procura-se enquadrar as ações provadas no processo em outro. Assim, haveria desclassificação do delito imputado conforme os fatos narrados pela acusação para outro, que foi efetivamente encontrado pelo magistrado quando da análise probatória.

A norma disciplinadora da emendatio libelli está inserida no título do Código de Processo Penal "Da Sentença". Portanto, o momento aceito para aplicação do instituto é a sentença, permitindo que o magistrado inicie a análise probatória já para o dispositivo legal correto. Mas esse argumento baseado na mera localização não é de grande valia, pois o artigo que trata da mutatio libelli está também inserido no mesmo título, mas ela não é realizada na sentença. Não há, assim, motivo para que a medida não seja efetivada logo que o magistrado tem o primeiro contato com a peça acusatória, quando da análise do recebimento da denúncia ou, se ultrapassado esse momento, noutro qualquer antes da sentença.

O rito processual a ser seguido, a afiançabilidade da infração, a possibilidade de efetivação da suspensão condicional do processo ou de reconhecimento da prescrição do delito consagram a importância de uma perfeita adequação da capitulação dos fatos narrados na inicial acusatória, desde o início da ação penal. Se o magistrado deixar de realizar a emendatio libelli ab initio, quando esta é necessária, não se poderá dizer que efetivamente conduz o processo. É que não poderá escolher o procedimento adequado, bem como dispor sobre a afiançabilidade, sobre a possibilidade de concessão de sursis processual ou sobre a prescritibilidade da infração narrada na inicial.

Uma redefinição judicial prévia na classificação dos fatos narrados na denúncia ou queixa não implica prejulgamento, pois sequer necessita de análise probatória. É, a exemplo da emendatio libelli, procedida in abstracto, com um simples juízo de subsunção dos fatos descritos pela acusação ao ordenamento jurídico penal. Assim, por não haver antecipação de decisão final, perde sustentação um dos dois motivos esboçados pela jurisprudência e doutrina para sua rejeição. O outro motivo apontado para a rejeição é a falta de previsão legal. Mas, nesse caso, o remédio é a possibilidade de analogia com o próprio instituto da emendatio libelli. A analogia é aceita explicitamente pelo Direito Processual Penal (art. 3º do CPP). Tendo o instituto proposto a mesma ratio legis e os mesmos efeitos, é correta a sua utilização.

Ao contrário da emendatio libelli, não pode haver questionamento de que a redefinição judicial antecipada dos fatos narrados na denúncia possa gerar qualquer prejuízo às partes. Ao efetuar a correção antes da angularização da relação processual, impedir-se-ia a possibilidade de o réu ficar surpreso com uma emendatio libelli. A aplicação do instituto de forma antecipada também satisfaz outros princípios constitucionais, por exemplo, o da igualdade, por não permitir que o acusador escolha o procedimento que guiará a ação, tache os fatos narrados com o estigma da inafiançabilidade ou com um tipo penal que tenha pena privativa de liberdade mínima superior a um ano. Atende, além disso, aos princípios da celeridade ou razoável duração do processo e do devido processo legal procedimental (art. 5º, LXXVIII e LIV, da CF, respectivamente). Isso acontece por não permitir que o rito tramite num juízo equivocado ou segundo um procedimento que não é o correto para os fatos narrados e em desconformidade com o que deveria ser.

Por fim, o princípio da eficiência administrativa é cumprido, na medida em que, nas ações penais públicas, o juiz corrige um equívoco do membro do Ministério Público quanto à definição jurídica dos fatos. Citem-se ainda os princípios processuais infraconstitucionais, como o do impulso oficial e o da economia processual, que encontram igual guarida. O primeiro permite que o magistrado, procedendo à redefinição da classificação, tenha efetivo controle sobre o procedimento cabível para o fato, não decorrendo apenas da vontade do acusador e da esperança do acusado de que essa proceda a capitulação acusatória com exatidão. O segundo gera a economia processual, ante a redução da possibilidade de repetição de atos judiciais e de realização de audiências desnecessárias, em consequência da correção procedimental efetuada ab initio.

Ademais, mesmo que se pretendesse invalidar ou anular o ato judicial que efetuou a emendatio libelli ab initio, essa tentativa não resistiria, tendo em vista que não haveria prejuízo para as partes e "não há nulidade sem prejuízo". Observa-se, em arremate, que a emendatio libelli ab initio encontra respaldo legal na analogia, admitida no direito processual penal. Está também amparada por inúmeros princípios processuais, em especial a igualdade entre as partes e o contraditório. Em suma, é um instrumento que visa a tornar íntegra a peça acusatória e a uma correta adequação de todos os institutos que derivem do crime imputado (competência, rito a ser seguido, afiançabilidade da infração, possibilidade de sursis processual, entre outros), sem que seja necessário esperar-se pelo momento da prolação da sentença.


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STOCKINGER, Francisco Tiago Duarte. O provimento jurisdicional e a garantia do contraditório. In: PORTO, Sérgio Gilberto (org.). As garantias do cidadão no processo civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Princípios gerais do Direito Processual Civil. Revista de Processo, São Paulo, v. 23, p. 173-191, jul-set. 1981.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. 4. ed. rev. atual. e aument. São Paulo: Saraiva, 2002.

_____. Processo penal. v. 1. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

WANZELLER, Paula. Os poderes do juiz à luz do aprimoramento da tutela jurisdicional. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 1997.


Notas

  1. Essa minirreforma processual penal também incluiu as Leis nº 11.689 e 11.690, ambas de 09 de junho de 2008.
  2. STF – HC 75894 / SP. Rel. Min. Marco Aurélio. Julgado em 01/04/1998 - DJ 23-08-2002, p. 71.
  3. BARROSO, Luís Roberto. A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 336.
  4. Existe a variante narra mihi factum, dabo tibi jus (narra-me o fato, dar-te-ei o direito).
  5. O nome completo do princípio é correlação entre acusação e sentença. É também conhecido como princípio "da relatividade" (MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo penal. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2000, p. 164), "da congruência da condenação com a imputação", "da pertinência" (NASSIF, Aramis. Sentença penal: o desvendar de Themis. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2005, p. 06) ou, ainda, "da correspondência entre o objeto da ação e o objeto da sentença" (GRINOVER, Ada Pellegrini; SCARANCE FERNANDES, Antônio; GOMES FILHO, Antônio Magalhães. As nulidades no processo penal. São Paulo: RT, 7. ed., 2001, p. 222).
  6. OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 10. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 507.
  7. STJ – HC 25810 / SC – 5ª T. Rel. Min. Félix Fisher. Julgado em 06/03/2003. Pub. no DJU de 14/04/2003, p. 239.
  8. STF – HC 79535 / MS – 2ª T. Rel. Min. Maurício Corrêa. Julgado em 16/11/1999. Pub. no DJU de 10.12.99, p. 03.
  9. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. v. 1. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 50.
  10. MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. cit. p. 164.
  11. NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 5. ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 660.
  12. NASSIF, Aramis. Op. cit., p. 06.
  13. PRADO, Geraldo Luiz Mascarenhas. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais após 1988. Revista de Ciências Sociais. v. 4, n. 1. Rio de Janeiro: Ed. Universidade Gama Filho, 1988, p. 180.
  14. STOCKINGER, Francisco Tiago Duarte. O provimento jurisdicional e a garantia do contraditório. In: PORTO, Sérgio Gilberto (org.). As garantias do cidadão no processo civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 84-85.
  15. O rito ordinário permite oito testemunhas (art. 401 do CPP) e o rito sumário permite apenas cinco (art. 532 do CPP). Na maioria dos processos criminais, no entanto, mesmo diante da permissibilidade do rito, não chega a defesa a arrolar mais de três testemunhas.
  16. FEITOZA, Denilson. Direito processual penal: teoria crítica e práxis. 5. ed. rev. ampl. e atual. Niterói, RJ: Impetus, 2008, p. 266.
  17. A mutatio libelli sempre foi questionada e até tachada de inconstitucional, pois muitos entendiam que o instituto ensejaria um prejulgamento pelo magistrado. Essa crítica, aqui não endossada, ocorria na antiga (antes do advento da Lei 11.719, de 20 de junho de 2008) redação do instituto, que dispunha: "Art. 384.  Se o juiz reconhecer a possibilidade de nova definição jurídica do fato, em consequência de prova existente nos autos de circunstância elementar, não contida, explícita ou implicitamente, na denúncia ou na queixa, baixará o processo, [...]". A atual redação atribui essa função ao representante do Ministério Público, embora o § 1º do art. 384 do CPP (Não procedendo o órgão do Ministério Público ao aditamento, aplica-se o art. 28 deste Código) contenha disposição indicadora de que ele poderia ser, ao menos, instado pelo juiz. É que, sem haver divergência entre as opiniões do representante do MP e do juiz, não terá sentido a medida recomendada naquela norma.
  18. DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. v. 2. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 86.
  19. PACHECO, Denilson Feitoza. Op. cit., p. 1.152.
  20. Através da interposição de uma correição parcial ou, até mesmo, da impetração de habeas corpus.
  21. Ver nota 17.
  22. Este artigo permite a prolação de sentença de absolvição sumária em várias hipóteses, enumeradas nos seus incisos: "Art. 397. Após o cumprimento do disposto no art. 396-A, e parágrafos, deste Código, o juiz deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar: I - a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato; II - a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade; III - que o fato narrado evidentemente não constitui crime; ou IV - extinta a punibilidade do agente".
  23. GRINOVER, Ada Pellegrini. A reforma do Processo Penal. Disponível em: <http://www.direitocriminal. com.br/site/artigos/capa.php?jur_id=6740>. Acesso em: 08 dez. 2008.
  24. A nova redação do art. 396 do CPP é inequívoca ao estabelecer o recebimento da denúncia ou queixa desde a inicial, determinando-se, no mesmo momento, a citação do acusado para oferecer resposta escrita: "Art. 396.  Nos procedimentos ordinário e sumário, oferecida a denúncia ou queixa, o juiz, se não a rejeitar liminarmente, recebê-la-á e ordenará a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias". A única opinião contrária encontrada é a de Paulo Rangel, que sustenta a possibilidade de adoção de procedimento idêntico ao da Lei de Drogas, de modo que o recebimento só se daria na hipótese do art. 399 do CPP (RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 15. ed. rev. ampl. e atual. Lumen Juris : Rio de Janeiro, 2008, p. 495-496). Apesar da solução de melhor qualidade técnico-jurídica que foi apresentada pela comissão que elaborou o projeto de lei, o Congresso Nacional optou por manter a sistemática já existente de recebimento da denúncia com citação imediata.
  25. STF - HC 87.324/SP. Rel. Min. Cármen Lúcia, 1ª. T., DJ 18/5/2007.
  26. STF - HC 64966 / SP – 2ª T. Rel.  Min. Carlos Madeira, julgado em 22/05/1987- Pub. no DJ 12-06-1987, p. 11859.
  27. STJ - RHC 4977 / SP – 6ª T. Rel.  Min. Vicente Leal – Pub. no DJU de 15-10-1997, p. 6657.
  28. NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 5. ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 221.
  29. CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 134.
  30. Normalmente se afirma que apenas o representante do Ministério Público, como dominus litis, tem essa competência, mas, obviamente ela é extensiva ao querelante em relação à queixa.
  31. Mesmo nos textos dos acórdãos citados, não há fundamentação que transcenda as ideias centrais expostas nas suas ementas.
  32. OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Op. cit., p. 160.
  33. PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001, p. 207.
  34. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. 4. ed. ver. atual. e aument. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 181-182. A ideia está bem exposta, apesar de existir uma ligeira confusão, pois não há a necessidade de análise probatória, mas apenas da descrição feita pelo promotor (o exemplo é de ação penal pública).
  35. CAPELA, Fábio. Correlação entre acusação e sentença. Curitiba: Juruá, 2008, p. 97. Apesar de referir-se, nessa passagem, apenas a esse caso, o autor conhece todas as vertentes de aplicação e admite, sem ressalva, a possibilidade de uma "emendatio libelli quando do recebimento da inicial".
  36. STF – HC 89686/SP – 1ª T. Rel. Min Sepúlveda Pertence. Julgado em 12/06/2007 – Pub. no DJ de 17-08-2007, p. 58.
  37. FRANCO, Alberto Silva; STOCO, Rui (Coord.). Código de Processo Penal e sua interpretação jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 2.164.
  38. MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do Direito. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 174.
  39. Ibidem, p. 173.
  40. BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 10. ed. Brasília: Editora UnB, 1999, p. 151-154.
  41. Todas as hipóteses legais que geram direitos para os acusados, quando verificadas, são de aplicação obrigatória, pois, de forma geral, se constituem direito subjetivo deles.
  42. Na verdade, a condução do processo vai até a expedição da guia de execução para o juízo das execuções penais, marco de início da competência do juízo das execuções. Entretanto, o juízo do processo de conhecimento tem uma competência restrita a certos atos, tais como extinguir a punibilidade, decretar a prisão preventiva e mandar expedir a guia de execução.
  43. O princípio do devido processo legal é dotado de uma vertente material e outra procedimental. Aquela pode ser compreendida como o acesso à ordem jurídica justa, ao passo que esta representa todo o arcabouço de garantias que podem ser aplicáveis ao processo (JANSEN, Euler. O devido processo legal. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 202, 24 jan. 2004. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/4749>. Acesso em: 07 dez. 2008).
  44. ROCHA, Cesar Asfor. A luta pela efetividade da jurisdição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 44.
  45. PORTANOVA, Rui. Princípios do Processo Civil. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 154-155.
  46. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Princípios gerais do Direito Processual Civil. Revista de Processo, São Paulo, v. 23, p. 173-191, jul-set, 1981, p. 182.
  47. Também chamada conhecimento-reação, termo adotado pela jurisprudência.
  48. PORTANOVA, Rui. Op. cit., p. 162.
  49. STOCKINGER, Francisco Tiago Duarte. Op. cit., p. 84.
  50. Não é de hoje que se tenta falar de "prazo razoável" na processualística. A preocupação com o retardamento indevido do processo levou a Convenção Europeia para Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, em 1950, a cuidar da razoabilidade do prazo de tramitação do processo: A Convenção Americana sobre Direitos Humanos – conhecida pelo nome de Pacto de São José da Costa Rica – e integrante do ordenamento jurídico pátrio, por ter sido promulgada através do Decreto nº 678, de 06 de novembro de 1992, em seu art. 8º, assegura que "toda pessoa tem direito de ser ouvida com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável".
  51. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, no exame de reclamações oriundas de súditos dos países signatários da Convenção, estabeleceu critérios para análise do tema. São eles: a) a complexidade da causa; b) o comportamento do demandante; c) a conduta das autoridades competentes; d) a atividade do advogado no processo; e) a importância do litígio para o demandante (ARAÚJO, Francisco Fernandes de. Do prazo razoável da prestação jurisdicional. Disponível em <http://kplus.cosmo.com.br/materia.asp?co=15&rv=Direito>. Acesso em 29 jul. 2007).
  52. FEITOZA, Denilson. Direito Processual Penal: Teoria, Crítica e Práxis. 5. ed. rev. e atual. Niterói, RJ: Impetus, 2008, p. 880.
  53. MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código de Processo Penal interpretado. 8. ed. atual. São Paulo: Atlas, 2001, p. 1.166.
  54. STJ – HC 12116 / CE – 5ª T. Rel. Min. Edson Vidigal. Pub. no DJU DE 01.08.2000, p. 287.
  55. LACERDA, Galeno. O código e o formalismo processual, Curitiba: Revista da Faculdade de Direito da UFPR. v. especial 21, p. 13-20, 1983-1984, p. 19-20.

Autor

  • Euler Paulo de Moura Jansen

    Euler Paulo de Moura Jansen

    Juiz de Direito da 3ª Vara de Bayeux/PB, professor de Direito Processual Penal (ESMA/PB) e dos módulos de Sentença Criminal e Princípios do Processo Penal (FESMIP/PB), especialista lato sensu em Direito Processual Civil (PUC/RS) e em Gestão Jurisdicional de Meios e de Fins (UNIPÊ/PB) e autor do livro Manual de Sentença Criminal (2ª. ed, Renovar, 2008)

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JANSEN, Euler Paulo de Moura. "Emendatio libelli" e a redefinição judicial prévia da classificação dos fatos da denúncia ou queixa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2280, 28 set. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13569. Acesso em: 25 abr. 2024.