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A quebra da isonomia nos crimes de sonegação fiscal

A quebra da isonomia nos crimes de sonegação fiscal

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O texto estuda se o tratamento dos crimes contra a ordem tributária está de acordo com as normas e princípios do direito penal, principalmente do que tange aos princípios da proporcionalidade e isonomia penal.

"De um lado esse carnaval

De outro a fome total"

Paralamas do Sucesso, na música "A Novidade"

"Quem guarda os guardiões?"

Decimus Lunius Luvenalis, poeta romano do séc. II.

RESUMO

Bernardo Marino Carvalho. A quebra da isonomia nos crimes de sonegação fiscal. 2007. 56 f. Monografia Final de Curso – Centro de Ciências Jurídicas / Faculdade de Direito do Recife, Universidade Federal de Pernambuco, Recife.

Este trabalho procurou estudar os crimes de sonegação fiscal de forma comparativa com os demais delitos. Seu objetivo foi analisar a forma como a legislação, doutrina, jurisprudência têm tratado os crimes contra a ordem tributária e se esse tratamento está de acordo com as normas e princípios do direito penal, principalmente do que tange aos princípios da proporcionalidade e isonomia penal. Para tanto, foram estudadas as normas do direito penal tributário e como elas têm sido aplicadas, para, em um segundo momento, fazer uma comparação entre elas e as normas do direito penal em geral, sempre com enfoque na reprovabilidade das condutas em exame. Com o presente estudo, foi possível perceber que os crimes contra a ordem tributária, apesar de tutelarem mais bens jurídicos, têm tido tratamento mais benéfico, tanto do legislador, quanto da doutrina e jurisprudência, em diversos dos dispositivos aplicáveis a eles. Pôde-se concluir que, atualmente, o direito penal tributário encontra-se esvaziado com os delitos fiscais cada vez mais descriminalizados, o que afronta a proporcionalidade e isonomia do direito penal. Em verdade, esses delitos têm sido usados como forma de aumentar a arrecadação tributária dos entes estatais. Ademais, concluiu-se que essa descriminalização também tem explicações sociológicas, pois, no Brasil, as pessoas não acreditam que os tributos cumprem a sua função social, quer em virtude da alta carga tributária brasileira, quer em razão dos altos índices de corrupção no país. Finalmente, destacou-se que os crimes de sonegação são normalmente praticados por pessoas das classes mais privilegiadas, o que também desencoraja uma aplicação mais vigorosa das normas do direito penal tributário.

Palavras-chave: Direito penal; sonegação fiscal; isonomia.

SUMÁRIO:

No Brasil, impera a livre iniciativa, pelo que a atividade econômica é entregue ao setor privado, só podendo o Estado atuar diretamente como agente econômico de produção nos casos previstos na Constituição Federal (CF).

Sendo assim, é justamente na iniciativa privada que o Estado vai buscar os recursos de que necessita para poder atingir os seus fins. Na prática capitalista, é fácil perceber que essa apreensão de recursos pelo Leviatã dá-se predominantemente através da tributação.

Ocorre, no entanto, que parcelas dos setores produtivos buscam evitar o pagamento de tais encargos, pelos mais diversos motivos, alguns dos quais poderiam até ser considerados "legítimos".

Se os motivos são diversos, também são várias as formas de não de fugir à tributação: alguns contribuintes simplesmente não adimplem a sua obrigação tributária, ao passo que outros passam a se utilizar dos mais diversos meios fraudes, para que esse não-pagamento não deixe vestígios.

Para coibir a inadimplência, o Estado se vale de multas e encargos financeiros, passando a cobrar dos inadimplentes administrativa e judicialmente os tributos devidos. Já com relação aos fraudadores, a resposta estatal mostra-se mais enérgica, conferindo a tais condutas o status de crimes, sendo tais criminosos considerados sonegadores fiscais.

No Brasil, buscou-se reprimir a sonegação fiscal mais efetivamente nos últimos tempos com a criação de uma legislação penal tributária específica: a lei n° 8.137/90. Uma tipificação com tamanha especificidade permitiria uma ação estatal mais dirigida para essa espécie de delitos.

No entanto, ao invés de o Estado se valer dessa norma específica para a aplicação de uma política mais severa de combate à sonegação fiscal, ele passou a criar uma série de dispositivos legais que, contrariamente, passaram a privilegiar essa espécie de crimes.

Esse arcabouço de privilégios demonstra que, em verdade, o ente-tributante está se valendo do direito penal tributário como instrumento de sua política arrecadatória. Assim, não importa o crime cometido para sonegar, desde que o Estado receba o que lhe é devido.

Tem-se, portanto, um contexto no qual a isonomia penal restou esfacelada.

De um lado, há os crimes de sonegação fiscal, que têm como bens jurídicos tutelados o erário, a fé pública e a Administração Pública (PESSOA, 2005). Tais delitos, no entanto, apesar da importância dos bens jurídicos que se procura proteger, vêm sendo coroados com uma legislação, jurisprudência e entendimento doutrinário desarrazoadamente benéficos.

Com relação a esses crimes, tem-se possibilitado a extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo a qualquer tempo; a suspensão do processo pelo parcelamento do débito, também a qualquer momento, além de se ter consolidada a necessidade de exaurimento da instância administrativa como condição para a denúncia do sonegador.

Do outro lado, existem os demais crimes, com uma política penal implacável e punitiva. Alguns desses delitos possuem uma estrutura típica muito semelhante aos crimes de sonegação fiscal, diferindo-se destes últimos por atentarem contra menos bens jurídicos, do que os delitos contra a ordem tributária. A despeito desta realidade fático-jurídica, aos crimes comuns não tem sido dado o mesmo tratamento legal benévolo.

Este trabalho procurará analisar a doutrina, jurisprudência e legislação referentes à sonegação fiscal e como elas têm atentado contra a isonomia e proporcionalidade penais.


2. Crimes de sonegação fiscal

O tributo é entendido como arrecadação pecuniária e de bens para o custeio dos gastos públicos e das despesas dos governantes há bastante tempo (AMARO, 2004, p. 16).

No Estado de Direito, no entanto, ele atinge contornos bem definidos de uma relação jurídica, mas sem deixar de ser entendido como "receitas derivadas (por oposição às receitas originárias, produzidas pelo patrimônio público)" (AMARO, 2004, p. 17), as quais são arrecadadas pelo Estado para o financiamento das despesas públicas.

Nessa relação jurídica, de um lado estaria o Estado como ente-tributante, sujeito ativo da relação jurídico-tributária, enquanto do outro lado há o contribuinte, o sujeito passivo correspondente.

A despeito dos novos contornos atingidos pelos tributos na Modernidade, eles não perderam o seu caráter essencial de "partilha dos ônus do Estado entre os contribuintes" [01] (AMARO, 2004, p. 18), tanto é que tributar significa, na origem etimológica da palavra significa repartir, distribuir.

Em um estudo bastante elucidativo a respeito da tributação, a Royal Comission on Taxation do Canadá concluiu que a carga tributária deve favorecer:

a) a repartição justa dos encargos decorrentes da atividade financeira do Governo; b) a estabilização interna (pelo combate ao desemprego e à inflação) e externa (pelo combate ao desequilíbrio do balanço dos pagamentos internacionais e pela formação de reservas em divisão conversíveis) da economia; c) o desenvolvimento econômico; d) o fortalecimento da Federação; e) o respeito aos direitos do contribuinte; e f) a eficiência administrativa. (citado por MARTINS, 2002, p. 100).

Ou seja, o tributo se insere, no contexto social moderno, como elemento essencial do Estado. Tanto assim o é que se tenta, atualmente, criar uma noção de tributo mais socialmente aceitável, quer por motivações de ordem pragmática – para que o sujeito passivo não tenha tanta resistência ao seu pagamento –, quer devido à própria concepção de Estado adotada, com bem sintetiza Luciano Amaro:

(...) enquanto "tributar" (tribuere) se emprega para designar a ação estatal, o derivado "contribuir" (unir, incorporar, dar, fornecer) volta-se para a ação do contribuinte. "Contribuição" (com a mesma raiz de "tributo") expressa, na linguagem comum, a cota (em geral, voluntária) que cada um dá, para atender a uma despesa comum; não se perdeu aí a idéia de unir parcelas ou cotas. Aliás, a palavra "cotização" traduz essa mesma idéia. Lucien Mehl registra que tais expressões ("contribuição" e ''cotização") mascaram o caráter unilateral dos tributos e aludem à existência de um consentimento, pelo menos coletivo". Pedro Soares Martínez lembra que, sob o influxo das idéias liberais, procurou-se substituir os vocábulos "imposto" e "tributo", tidos por odiosos, pelo termo "contribuição", que melhor se ajustaria às doutrinas contratualistas sobre o Estado e o direito (AMARO, 2004, pp. 16-17).

Essa louvável função social dos tributos, no entanto, não é suficiente para que os contribuintes anseiem em pagá-lo, pois, como afirma Edmar Oliveira Andrade Filho (2004, p.30):

Não raro, a história tem demonstrado, quando os tributos são instituídos de forma desmedida, abusiva, que eles são alvo de contestações que podem levar ao surgimento de revoltas, rebeliões e derrubada de governantes.

E mais adiante, citando Hector Villegas [02], Edmar Andrade (2004, p. 32) arrebata:

Durante muito tempo, houve resistência ao tributo, por ser ele considerado fruto de desigualdade, privilégio e injustiça. O cumprimento de obrigações tributárias representava um sinal tangível de submissão e servidão do indivíduo diante do Estado.

Daí por que renomados tratadistas consideravam o tributo como um mal, desinteressando-se do estudo da evasão, ou permanecendo indiferentes diante dela, – havendo mesmo quem chegasse a estimulá-la.

David Ricardo afirmava que o imposto – qualquer que fosse a forma que assumisse – somente significava a escolha entre vários males e que, portanto, o melhor imposto era o menor imposto.

Adam Smith era indulgente com a evasão, que serviria para "evitar ao contribuinte a injustiça de impostos prejudiciais à sua atividade econômica".

Ocorre, no entanto, que o Estado não pode ficar à mercê da voluntariedade dos contribuintes para o pagamento dos tributos, pelo que estes últimos são dotados de imperatividade (expressão mais em voga no direito administrativo), ou de compulsoriedade (expressão mais afeita ao direito tributário).

Tamanha é a importância dessa característica em relação aos tributos, que ela se encontra expressa no próprio conceito legal de tributo constante no art. 3º do Código de Tributário Nacional (CTN):

Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada (grifo nosso).

Assim, tem-se que, diante da hipótese de incidência da norma tributária, surge uma obrigação tributária, que deverá ser cumprida pelo contribuinte independentemente de sua vontade.

Apesar da compulsoriedade do pagamento dos tributos, sendo as normas tributárias um dever-ser, sempre haverá a possibilidade de o contribuinte adotar inúmeras atitudes diante delas: ele pode obedecer à norma e pagar o imposto no prazo e forma legais; pode simplesmente deixar de pagar o tributo; pode contestar a legalidade daquela norma [03] ou pode escolher o caminho da sonegação fiscal [04].

Nesse ponto, faz-se necessária uma diferenciação entre o direito tributário penal e o direito penal tributário.

Se o contribuinte simplesmente deixa de pagar o tributo, ou não cumpre uma obrigação acessória, ele está descumprindo uma norma da legislação tributária, cometendo, portanto, uma infração tributária. Assim, caberá ao Estado aplicar-lhe uma sanção tributária.

A cominação dessas sanções estaria a cargo do direito tributário penal, que, no dizer de Luciano Amaro seria

o setor do direito tributário que comina sanções não criminais para determinadas condutas ilegais. Tratar-se-ia, nesses casos, das chamadas "infrações administrativas", ou "ilícitos administrativos", castigados com a aplicação de "sanções administrativas", aplicadas pelas autoridades administrativas, mediante procedimento administrativo (AMARO, 2004, p. 423).

Tem-se também que no direito tributário penal, as sanções são aplicadas independentemente de qual seja a intenção do agente (art. 136 do CTN), sendo necessário apenas a demonstração do nexo de causalidade entre a conduta e o prejuízo (FÖPPEL, 2005, p. 16).

Afora o mero inadimplemento supra explicado, é ainda possível que, no mundo dos fatos, o contribuinte não pague o tributo devido valendo-se de artifícios fraudulentos.

Nessa última hipótese, serão as normas do direito penal tributário que deverão ser aplicadas – normas pertencentes à legislação penal, portanto – e o agente terá cometido um crime de sonegação fiscal (também chamado de delito fiscal), pelo que lhe será aplicada uma sanção penal (reprimendas privativas de liberdade e multa).

Na verdade, uma comparação entre a sanção tributária e o delito fiscal demonstra que os crimes de sonegação fiscal são infrações tributárias que, dada a sua maior lesividade, foram tipificadas como crimes por uma escolha política do legislador [05].

Com isso, pode-se concluir que a infração administrativo-tributária é gênero da qual a sonegação é espécie (FÖPPEL, 2005, p. 11)

Finalmente, é importante pontuar que, como o direito penal tributário é um ramo do direito penal, é necessária a sua integração com as normas gerais e os princípios que norteiam esse ramo jurídico.

2.2. Evolução história dos crimes de sonegação fiscal e a lei 8.137/90

No Código Penal (CP) de 1941, já era possível punir um individuo que tentasse reduzir ou suprimir o tributo devido por meio de uma falsificação de documento (art. 298 do CP), através de uma falsidade ideológica (art. 299 do CP), ou até pelo uso do documento falso (art. 304 do CP), para ficar apenas com alguns exemplos.

Entretanto, foi apenas com a lei 4.729/65 que os crimes de sonegação fiscal passaram a ter uma legislação penal específica no país. Essa lei, inclusive, pode ser tida como o marco inicial do surgimento do direito penal tributário brasileiro. A sua promulgação demonstrou uma maior preocupação do legislador daquela época na prevenção e repressão dessa espécie de delito.

Em um novo momento de robustecimento da repressão aos crimes fiscais, em dezembro de 1990, foi promulgada a lei 8.137, que manteve essencialmente as figuras típicas já descritas na lei 4.729/65. Todavia, na novel legislação, os delitos passaram a ser punidos tanto com penas de detenção, quanto com penas de reclusão, ao passo que na lei anterior, as sanções eram apenas de detenção. Afora isso, houve um aumento das reprimendas cominadas às condutas descritas no novo diploma legal.

Com relação à topografia da lei 8.137/90 e às condutas que ela tipifica, é preciso esclarecer que ela não trata apenas dos crimes contra a ordem tributária [06].

Os arts. 1º, 2º e 3º compõem o capítulo I, que se chama "Dos Crimes Contra a Ordem Tributária", sendo que os arts. 1º e 2º tipificam os crimes praticados por particulares contra o Fisco, enquanto o art. 3º trata desta espécie de ilícito praticada por funcionários públicos.

O capítulo II da 8.137/90 define os crimes contra a economia e as relações de consumo, enquanto que o capítulo III dispõe sobre as multas aplicáveis aos delitos tipificados na lei em análise.

O capítulo IV finaliza o dispositivo penal ora estudado, tratando das disposições finais da lei, definindo normas penais específicas para as condutas dela tipificadas, além de dar outras providências.

Apesar da supra descrita diversidade temática da lei 8.137/90, toda referência genérica que for feita a essa lei ao longo do presente trabalho diz despeito essencialmente aos arts. 1º e 2º da mesma.

2.3. Conceito de sonegação fiscal

O ilícito pode ter diversas naturezas, podendo ser cível, criminal, administrativo, tributário.

Com relação à natureza do ilícito tributário, há diversas teorias: a penalista, a administrativista e a tributária (LOVATTO, 2000, p. 27-29).

No entanto, a despeito da discussão doutrinária existente a respeito do tema, o que precisa ficar claro é que tal natureza, em verdade, decorre da própria legislação de cada país sobre a matéria (LOVATTO, 2000, p. 29).

No Brasil, portanto, pode-se afirmar que a espécie de ilícito tributário conhecida como sonegação fiscal é uma infração penal por expressa opção do legislador pátrio.

Apesar de a natureza do delito fiscal estar claramente definida na lei, o direito positivo não tratou de definir o que viria a ser um crime de sonegação fiscal, optando o legislador por simplesmente enumerar quais as condutas que seriam consideradas como tal.

Dispõe a lei 8.137/90:

Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:

I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;

II - fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;

III - falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável;

IV - elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato;

V - negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação.

Pena - reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

Parágrafo único. A falta de atendimento da exigência da autoridade, no prazo de 10 (dez) dias, que poderá ser convertido em horas em razão da maior ou menor complexidade da matéria ou da dificuldade quanto ao atendimento da exigência, caracteriza a infração prevista no inciso V.

Art. 2° Constitui crime da mesma natureza:

I - fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo;

II - deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos;

III - exigir, pagar ou receber, para si ou para o contribuinte beneficiário, qualquer percentagem sobre a parcela dedutível ou deduzida de imposto ou de contribuição como incentivo fiscal;

IV - deixar de aplicar, ou aplicar em desacordo com o estatuído, incentivo fiscal ou parcelas de imposto liberadas por órgão ou entidade de desenvolvimento;

V - utilizar ou divulgar programa de processamento de dados que permita ao sujeito passivo da obrigação tributária possuir informação contábil diversa daquela que é, por lei, fornecida à Fazenda Pública.

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Sendo assim, a definição do que viriam a ser os crimes contra a ordem tributária coube à doutrina, o que foi possível por meio de uma análise das condutas definidas na lei 8.137/90 como delitos ficais, com vistas a estabelecer as características que os distinguiriam das demais espécies de condutas.

Um conceito doutrinário direto e conciso pode ser encontrado no livro Legislação Penal Especial, no qual a sonegação fiscal é tida como a "ocultação dolosa, mediante fraude, astúcia ou habilidade, do recolhimento de tributo devido ao Poder Público" (MORAES, 2002, p. 89).

Analisando-se concomitantemente o conceito construído pelo prof. Alexandre de Moraes, em conjunto com aquilo constante na lei 8.137/90, é possível perceber os seguintes elementos característicos dos delitos fiscais:

Objetividade Jurídica: O bem jurídico protegido nos crimes de sonegação fiscal é a arrecadação tributária (COSTA, 2003, p. 37). O Estado, portanto, criminaliza tais condutas para coibir e punir as mais diversas formas de fraudes que podem vir a lesar a arrecadação. Ademais, implicitamente, tutela-se o bem jurídico protegido pelo crime-meio realizado para a prática da sonegação, que pode ser uma falsidade material, uma falsidade ideológica, um estelionato, uma apropriação indébita etc.

Sujeito ativo: O sujeito ativo aqui poderá ser a pessoa física contribuinte ou, no caso de pessoa jurídica contribuinte beneficiada pela fraude, quem tenha participado dolosamente do crime ou contribuído para a sua consumação (MORAES, 2002, p. 92) [07].

Se a lei estabelecer que haverá substituto passivo tributário que tenha a obrigação de reter ou recolher o tributo, será esse substituto o sujeito ativo do crime [08].

Sujeito passivo: É o Estado ao ser lesado em sua arrecadação tributária [09].

Elemento subjetivo do tipo: É a intenção e a vontade de fraudar o Fisco, o que significaria suprimir ou reduzir o tributo devido. Todavia, o resultado supressão ou redução do tributo é apenas exigido nos crimes do art. 1º da lei 8.137/90, uma vez que se tratam de crimes materiais. Já os delitos do art. 2º são formais, pelo que não se faz necessária a ocorrência do resultado para o aperfeiçoamento delitivo.

2.4. O surgimento de uma Jurisdição Penal Tributária

Uma vez compreendida a natureza e os principais caracteres da sonegação fiscal, sendo crimes que o são, devem ser regidos pelas normas gerais e princípios do direito penal.

Dentre os princípios que norteiam o direito penal e que interessam ao presente trabalho, podemos destacar os princípios da proporcionalidade e da isonomia penal (o primeiro nos fornece uma perspectiva vertical da aplicação sanção, enquanto o segundo é referente a uma noção horizontal da reprimenda).

O princípio da proporcionalidade e o da isonomia penal não possuem apenas um sentido, podendo ter diversas concepções, a depender da amplitude que lhes é dada.

Em uma primeira visão mais focada no âmbito do Judiciário, tais princípios devem servir de referencial para o juiz no momento da aplicação da reprimenda diante do caso concreto: uma vez subsumida a conduta do agente ao tipo legal, quanto maior o dano causado pelo sujeito ativo, maior deve ser a reprimenda cominada, sempre se considerando a pena mínima e máxima previstas para aquele determinado crime.

Em uma outra concepção, agora sob o enfoque sistêmico do ordenamento penal, e abrangendo a atividade do legislador, deve haver uma proporcionalidade entre os tipos penais: quanto mais importante o bem jurídico tutelado, ou quanto mais bens jurídicos são tutelados por um determinado tipo penal, maior deve ser a pena imposta àquele tipo penal, conforme advoga Rogério Greco (GRECO apud OLIVEIRA, 2006) [10]:

Prima facie, deverá o legislador ponderar a importância do bem jurídico atacado pelo comportamento do agente para, em um raciocínio seguinte, tentar encontrar a pena que possua efeito dissuasório, isto é, que seja capaz de inibir a prática daquela conduta ofensiva. Após o raciocínio correspondente à importância do bem jurídico-penal, que deverá merecer a proteção por meio de uma pena que, mesmo imperfeita, seja a mais proporcional possível, no sentido de dissuadir aqueles que pretendem violar o ordenamento jurídico com ataques aos bens por ele protegidos, o legislador deverá proceder a um estudo comparativo entre as figuras típicas, para que, mais uma vez, seja realizado o raciocínio da proporcionalidade sob um enfoque de comparação entre diversos tipos que protegem bens jurídicos diferentes.

Se os bens jurídicos tutelados forem equivalentes, deve prevalecer uma isonomia penal com relação à reprimenda imposta in abstracto.

Ademais, é admissível que delitos mais gravosos tenham apenas dois tratamentos com relação às normas não-incriminadoras do direito penal: ou eles são regidos pelas regras gerais (e suas interpretações) dos crimes menos graves [11], ou eles têm normas não-incriminadoras mais rigorosas. Essa é a lógica do sistema e o que proporciona uma sensação de Justiça.

De se observar que essa concepção sob um enfoque sistêmico do ordenamento penal deve reger tanto o juiz no momento de aplicar e interpretar a norma, quanto o legislador no momento da criação da regra jurídica.

Como restará a seguir demonstrado, os crimes contra a ordem tributária são, em verdade, condutas que poderiam ser enquadradas em determinados tipos do Código Penal. Ocorre que, por uma questão de política criminal e por ainda terem o condão de atentar contra o erário público, foram tipificadas em uma legislação penal especial.

A despeito da maior lesividade desses delitos, o Legislativo e o Judiciário passaram a dar um tratamento mais benéfico a essa espécie de crimes, mesmo quando isso significou o rompimento da lógica que rege o direito penal pátrio.

Em certas situações, esse rompimento é tal monta, que se pode ousar fazer referência ao surgimento de uma Jurisdição Penal Tributária, na qual há uma significativa mudança jurídica, principalmente no que tange ao momento da consumação delitiva e aos efeitos do arrependimento posterior nos crimes de sonegação.

Essas interpretações e normas atentam contra os princípios da proporcionalidade e da isonomia do direito penal e serão explicitadas e criticadas no presente trabalho.

2.5. Quadro comparativo: crimes do Código Penal x crimes de sonegação fiscal

Conforme já mencionado, os crimes contra a ordem tributária são, em verdade, condutas que poderiam ser enquadradas em determinados tipos que já existem no Código Penal.

A equivalência entre os tipos gerais do CP e aqueles existentes na legislação especial estão explicitados no quadro abaixo:

Comparação entre os crimes de sonegação fiscal e os delitos congêneres constantes no Código Penal

O crime se consuma quando o tipo abstrato descrito na lei está inteiramente realizado (MIRABETE, 2003, p. 155), nos termos do art. 14, inc. I do CP, ou, no dizer de Fernando Capez, crime consumado "é aquele em que foram realizados todos os elementos constantes de sua definição legal" (CAPEZ, 2006, p. 239).

Nos crimes materiais, a consumação se dá quando da ocorrência do resultado descrito na norma, enquanto que nos crimes formais, não há a necessidade da ocorrência do resultado pretendido pelo autor (MIRABETE, 2003, p. 156), consumando-se o delito apenas com a realização pelo agente da conduta descrita no tipo.

Com relação ao momento consumativo dos crimes previstos no art. 2º da lei 8.137/90, não havia maiores explicações a serem dadas: sendo delitos formais que o são, a mera realização da conduta descrita no tipo consumava o crime, não havendo necessidade de qualquer prejuízo ao erário público (MORAES, 2002, p. 108).

Já em relação às condutas descritas no art. 1º da lei 8.137/90, também não havia maiores problemas quanto ao momento consumativo: uma vez que são crimes materiais, consumavam-se com a ocorrência do resultado lesivo descrito na norma.

Uma leitura desatenta da norma, no entanto, poderia levar a um equívoco quanto ao momento da ocorrência do resultado redução ou supressão do pagamento do tributo, previsto no caput do art. 1º.

É que, em verdade, o resultado descrito do tipo penal apenas ocorria quando o agente auferia a vantagem indevida decorrente da repressão ou redução do tributo; ou seja, quando vencia o prazo para o recolhimento do tributo sem que o contribuinte o fizesse ou quando ele o fazia a menor (MORAES, 2002, p. 95).

Essas eram as correntes majoritárias na doutrina e jurisprudência, tanto com relação às condutas descritas no art. 1º, quanto àquelas tipificadas no art. 2º.

Ocorre que, a partir do Habeas Corpus (HC) 81.611, julgado pelo Supremo Tributal Federal (STF), houve uma reviravolta no entendimento sobre qual seria o momento consumativo dos crimes de sonegação.

3.1. O julgamento do HC 81.611 pelo STF

No HC 81.611, o impetrante requeria o trancamento da ação na qual o paciente era acusado de ter cometido as condutas descritas no art. 1ª, incs. I e II da lei 8.137/90 c/c art. 71 do CP. Em virtude da prevenção desse Habeas Corpus com um outro processo, o feito foi redistribuído do Ministro Sepúlveda Pertence.

No HC sob exame, a ordem foi concedida por maioria dos votos, sob o voto contrário dos Ministros Carlos Ayres Britto, Joaquim Barbosa e Ellen Gracie. Diz a ementa do HC 81.611:

EMENTA: I. Crime material contra a ordem tributária (L. 8137/90, art. 1º): lançamento do tributo pendente de decisão definitiva do processo administrativo: falta de justa causa para a ação penal, suspenso, porém, o curso da prescrição enquanto obstada a sua propositura pela falta do lançamento definitivo.

1. Embora não condicionada a denúncia à representação da autoridade fiscal (ADInMC 1571), falta justa causa para a ação penal pela prática do crime tipificado no art. 1º da L. 8137/90 – que é material ou de resultado -, enquanto não haja decisão definitiva do processo administrativo de lançamento, quer se considere o lançamento definitivo uma condição objetiva de punibilidade ou um elemento normativo de tipo.

2. Por outro lado, admitida por lei a extinção da punibilidade do crime pela satisfação do tributo devido, antes do recebimento da denúncia (L. 9249/95, art. 34), princípios e garantias constitucionais eminentes não permitem que, pela antecipada propositura da ação penal, se subtraia do cidadão os meios que a lei mesma lhe propicia para questionar, perante o Fisco, a exatidão do lançamento provisório, ao qual se devesse submeter para fugir ao estigma e às agruras de toda sorte do processo criminal.

3. No entanto, enquanto dure, por iniciativa do contribuinte, o processo administrativo suspende o curso da prescrição da ação penal por crime contra a ordem tributária que dependa do lançamento definitivo.

O voto do Ministro-relator considerou o lançamento definitivo do débito como condição objetiva de punibilidade [19], pois os crimes do art. 1º são crimes materiais. Também há entendimentos que o consideram um elemento normativo do tipo (FÖPPEL, 2005, p. 69), como procurou demonstrar a ementa acima transcrita.

No entendimento do Ministro-relator, o mais importante é a consideração que o crime de sonegação fiscal consuma-se com o lançamento definitivo do débito tributário, pelo que o Ministério Público não poderia denunciar o agente até que ocorresse o trânsito em julgado da decisão administrativa. Sem essa decisão definitiva na esfera administrativa, não haveria justa causa para a denúncia (FÖPPEL, 2005, 71). O lançamento definitivo seria a prova da própria materialidade do delito fiscal [20].

Na verdade, esse entendimento adotado pela Corte Máxima impede até mesmo a instauração de inquérito policial para apurar o delito fiscal [21], ante a "certeza objetiva" da falta de justa causa.

Para se evitar que a não instauração da ação penal provocasse a prescrição do crime, o STF, no acórdão acima transcrito, considerou que, até o término do procedimento administrativo, o prazo prescricional do delito fiscal permanece suspenso [22].

Existem diversos argumentos que embasam o entendimento majoritário do STF, os quais, muitos deles, foram utilizados pelos Ministros que votaram pela concessão da ordem no HC 81.611.

Como argumentos, pode-se citar que o CTN, em seu art. 142, determina que apenas a autoridade administrativa pode constituir o crédito tributário; que os crimes contra a ordem tributária têm dupla tipicidade, pelo que não se poderia cogitar a tipicidade de uma conduta que fosse considerada regular pela instância administrativa (COSTA, 2003, p. 55); que entendimento contrário afrontaria os princípios do contraditório e da ampla defesa (FÖPPEL, 2005, p. 70) [23]; que, como o prazo prescricional se suspende, não haveria qualquer prejuízo para a Administração Pública.

3.2. Críticas ao posicionamento do STF adotada no HC 81.611

Alguns dos argumentos acima expostos são dotados de coerência lógico-formal, e até jurídica. No entanto, no mais das vezes, tem-se a sensação que eles foram uma justificativa para que os agentes pudessem ter novas chances de extinguir ou reduzir o crédito tributário devido.

Em outras vezes, a fundamentação passa pela importação indevida de certas noções de direito tributário que, todavia, não são aplicáveis ao direito penal, o que possivelmente é fruto da atuação de tributaristas no campo penal. Uma das mais importantes dessas "importações" indevidas foi exposta com vigor por Alécio Adão Lovatto (2000, p. 130-131), quando afirma:

Existe, na área penal tributária, um equívoco consistente em considerar que o crime se consuma quando se consolida o crédito tributário. Desloca-se, desta forma, para a exigibilidade do crédito tributário a questão. Improcedente a argumentação. A exigibilidade é relevante para o exaurimento do crime tributário, não para a consumação. Para esta importa: a) que o tributo seja devido e, sendo devido, o agente tenha usado uma das condutas de falsidade para que o tributo fosse reduzido ou suprimido, nos casos do art. 1º; b) que tenha havido falsidade com o fim de reduzir ou suprimir, independentemente do resultado, ou que tenha ficado com o que pertencia ao ente de direito público ou tenha havido exigência de percentagem para aplicar incentivo fiscal ou desviar a finalidade dele, bem como o programa de computação que permite outra contabilidade paralela à oficial (casos do art. 2º).

Primeiramente, o que se nota é que tal decisão do STF, por meio de um esforço hermenêutico gigantesco, tentou mascarar uma conseqüência prática desse entendimento, qual seja, a dependência da instância penal à administrativa.

Tal fato restava claro quando o exaurimento da instância administrativa chegou a ser considerado uma condição de procedibilidade para a denúncia do Ministério Público [24], o que flagrantemente afrontava a CF – em especial o seu art. 129, inc. I – e a livre atuação do Ministério Público (NEVES, 2005).

Esse desiderato inibitório da atuação do parquet pode ser facilmente observado na defesa do art. 83 da lei 9.430/96, feita por Edmar Andrade. Percebe-se que o seu discurso tem as mesmas implicações práticas da decisão do STF. Ambas as interpretações diferem apenas quanto às suas premissas. Afirma o citado doutrinador (2005, p. 126):

(...) portanto, o que pretendeu o art. 83 da Lei 9.430/96 foi ordenar, no tempo, a atuação de cada um dos órgãos interessados nas condutas que constituem crimes contra a ordem tributária, evitando que o Ministério Público comece a devassar a intimidade do contribuinte quando o núcleo do tipo penal ainda não foi razoavelmente identificado. Portanto, a lei pretendeu apenas ordenar a atuação dos diversos órgãos estatais envolvidos na apuração de crimes contra o erário público [25].

Voltando-se à questão do "trânsito em julgado" da decisão administrativa em relação à consumação do delito fiscal, em um segundo momento, depois de ter sido considerado condição de procedibilidade para a denúncia, o lançamento definitivo passou a ser entendido, quer como condição objetiva de punibilidade, quer como um elemento normativo de tipo, como assevera o voto de Sepúlveda Pertence.

Vê-se, portanto, que o momento da consumação dos crimes contra a ordem tributária tem sido paulatinamente adiado, quer por meio de artifícios legais, quer por conta de interpretações da doutrina e da jurisprudência a seu respeito. Senão sejamos.

Inicialmente, a lei 4.729/65, em seu art. 1º, considerava que os delitos fiscais eram crimes formais, pelo que bastava a prática da conduta fraudulenta para a consumação delitiva (STOCO, 2001, p. 629). A lei 8.137/90, em seu art. 1º, praticamente não alterou os tipos constantes no art. 1º da lei penal tributária precedente, tendo, no entanto, transformado tais delitos em crimes materiais. Ou seja: com a nova legislação, o resultado "supressão ou redução do tributo" passou a ser exigido, pelo que esses tipos passaram a consumar-se com o vencimento do prazo para o recolhimento do tributo (MORAES, 2002, p. 95; DECOMAIN, 1995, p. 46).

Atualmente, todavia, passou a prevalecer o entendimento do STF de que os crimes de sonegação apenas se consumam com o lançamento definitivo, lançamento este que tornaria o débito líquido e certo.

Se continuarmos nessa esteira de raciocínio, em breve, alguns juristas estarão defendendo que os crimes contra a ordem tributária apenas se consumam após o trânsito em julgado da decisão judicial. É que a sentença ainda teria o condão de alterar o lançamento definitivo, reduzindo o quantum devido, ou até mesmo concluindo que não é devido tributo algum.

Apesar de ainda não ter existido quem defendesse a absurda posição do parágrafo anterior, maiores disparates já estão sendo advogados.

Nos votos que concederam a ordem no HC 81.611, resta evidente que o exaurimento da instância administrativa apenas passou a ser considerado necessário para a consumação dos crimes de sonegação em virtude de os delitos descritos no art. 1º da lei 8.137/90 serem materiais; ou seja, por eles exigirem um resultado que somente ocorreria com o lançamento definitivo.

Inclusive a ementa do referido julgamento inicia-se desta forma: "Crime material contra a ordem tributária (L. 8137/90, art. 1º): lançamento[...]".

A despeito da clareza dos argumentos do STF, já existem setores da doutrina que estão propalando veementemente a sua extensão aos crimes previstos no art. 2º da lei 8.137/90, apesar de os mesmos serem formais. Edmar Andrade assim defende tal despropósito (2004, p. 127-128):

Em princípio, a decisão da Suprema Corte não poderia ser estendida aos fatos ilícitos previstos no art. 2º da Lei nº 8.137/90 e também aos mencionados na Lei nº 9.983/00, que dispõe sobre crimes contra a previdência social, dentre os quais estão arroladas condutas que, em essência, implicam a supressão ou redução ilícita de contribuição social. Interpretada a partir desse pressuposto (o de que a validade do preceito do art. 83 da Lei nº 9.430/96 não estava em questão), a decisão da Suprema Corte estaria a delimitar a exigência do esgotamento das instâncias administrativas apenas e tão-somente em relação aos crime previstos no art. 1º da Lei n" 8.137/90) e nada mais. O raciocínio não é verdadeiro, ou para dizer o menos, é incompleto. De fato, no mesmo dia, aquela Corte proferiu decisão sobre a validade da regra do art. 83 da Lei nº 9.430/96, que é suficientemente claro ao exigir o esgotamento de todas as esferas do processo administrativo em relação a qualquer crime dentre os definidos nos arts. 1º e 2º da Lei. nº 8.137/90, independentemente das discussões sobre a natureza material ou formal dos crimes ali tipificados e sobre os eventuais efeitos, declaratórios ou constitutivos do lançamento tributário. Portanto, em relação aos crimes previstos no art. 2º da Lei 8.137/90, o esgotamento das instâncias do processo administrativo respectivo é também condição objetiva de punibilidade, sem a qual a norma penal (e as que lhes são conexas ou dependentes) não pode incidir; ela fica no estado proposicional, como algo hipotético.

Felizmente, pelo menos até o presente momento, tal argumentação não tem sido adotada pelos tribunais, conforme decisões abaixo ementadas:

PENAL. HABEAS CORPUS. CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. LEI 8.137/90. ART. 1º, INCS. I E II. CRIME MATERIAL. PROCEDIMENTO FISCAL PENDENTE. FALTA DE JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE LANÇAMENTO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. IMPOSSIBILIDADE DE CARACTERIZAÇÃO DA FIGURA TÍPICA. ART. 2º, INC. II. CRIME FORMAL. DESNECESSIDADE DE LANÇAMENTO FISCAL PARA MATERIALIDADE.
(omissis)

5. Sendo o crime previsto no art. 2º, inc. I, da Lei 8.137/90, de natureza formal (ou de consumação antecipada), a simples declaração falsa ou a omissão, tendentes a não pagar ou a reduzir o pagamento do tributo, isso é, a mera conduta, já caracteriza o tipo; 6.Aqui, pouco importa a existência de procedimento administrativo-fiscal, uma vez que é a comprovação do resultado. De conseqüência, presente ou não o lançamento do crédito - mero exaurimento da conduta - a norma do artigo 2° incidirá, porquanto o tipo em tela visa tutelar o dever de veracidade das informações que devem ser prestadas ao Fisco. (grifos nossos).

[Tribunal Regional Federal (TRF) 4ª Região, HC 200504010526107, Relator Artur César de Souza, 2006].

HABEAS CORPUS. DELITO CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. LEI 8.137/90, ARTIGO 2º, INCISO II. AUSÊNCIA DE REPASSE DO IMPOSTO DE RENDA RETIDO NA FONTE. CRIME OMISSIVO. PARCELAMENTO. DÉBITO POSTERIOR AO REFIS. INCLUSÃO NO PAES. LEI Nº 10.684/03. COMPENSAÇÃO. INDEFERIMENTO PELA RECEITA FEDERAL. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS LEGAIS. IMPOSSIBILIDADE DE SUSPENSÃO DA AÇÃO PENAL.

(omissis)

2. Entretanto, no caso dos autos, embora haja notícia de impugnação administrativa, a infração penal descrita na denúncia é a falta de recolhimento na época própria do imposto de renda retido na fonte (art. 2º, inc. II) que tem natureza instantânea, consumando-se com o simples ato omissivo de não proceder o repasse das importâncias descontadas de terceiros aos cofres públicos.

3. Nessa hipótese, mostra-se despiciendo aguardar o exaurimento da discussão na esfera fiscal, porquanto é irrelevante para a caracterização da referida conduta delituosa, a exemplo do que ocorre no crime de apropriação indébita previdenciária (artigo 168-A, § 1º, inc. I, do CP). (grifos nossos).

(omissis)

(TRF 4ª Região, HC 200404010307170, Relator Luiz Fernando Wowk Penteado, 2004).

3.3. Como a necessidade do exaurimento da instância administrativa quebra a proporcionalidade e da isonomia do penal

Vê-se, portanto, que o condicionamento da consumação dos crimes de sonegação ao exaurimento da instância administrativa tem tido diversas conseqüências práticas que ferem a isonomia e proporcionalidade penal.

Primeiramente, percebe-se que os delitos fiscais acabam, na prática, mitigando a unidade da jurisdição brasileira determinada pelo artigo 5º, inc. XXXV da CF [26]. Além disso, a atuação do Ministério Público acaba sendo tolhida, o que afronta o art. 129, inc. I, também da CF, pois ela fica subordinada à decisão definitiva do ente-arrecadador.

Essa contradição fica evidenciada nas notas taquigráficas do HC 81.611 abaixo transcritas:

O SR. MINISTRO CEZAR PELUSO – É que o Código Tributário prescreve que compete privativamente à autoridade administrativa fazer o lançamento.

O SENHOR MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO – Mas a Constituição diz que compete privativamente ao Ministério Público propor ação penal pública.

O SR. MINISTRO CARLOS VELLOSO – Quando for possível.

O SENHOR MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO – Não, basta que haja indícios da autoria e certeza da materialidade do crime.

Esses privilégios acima referidos, além de afrontarem o texto constitucional, não existem para quaisquer outros ilícitos, sejam civis, sejam penais.

Ademais, percebe-se que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o STF não têm admitido nem mesmo a instauração de inquérito policial para apurar as fraudes perpetradas com o intuito de reduzir tributo devido. Assim, se a decisão administrativa demorar anos, o trabalho de coleta de provas para o inquérito policial será desnecessariamente dificultado.

Mais uma vez, percebe-se a existência de dificuldades para a punição dos delitos fiscais que não ocorrem nos tipos penais em geral.

Em virtude do tão referido entendimento jurisprudencial sobre o momento consumativo dos crimes de sonegação fiscal, tem-se que, atualmente, é impossível realizar a prisão em flagrante nessa espécie de delito. O agente pode ser surpreendido pela polícia inserindo elementos inexatos em seus livros fiscais, mas não poderá ser autuado em flagrante, pois aquela fraude constitui crime-meio para o crime contra a ordem tributária, o qual, por sua vez, apenas se consumará com o lançamento definitivo.

Essa impossibilidade do flagrante atingirá proporções inaceitáveis se o momento consumativo dos delitos do art. 2º da lei 8.137/90 também passar a ser o do exaurimento da instância administrativa, como já se começa a advogar.

Finalmente, é possível observar que o entendimento do STF a respeito do momento consumativo dos crimes contra a ordem tributária prolonga o arrependimento eficaz previsto no art. 15, 2ª parte, do CP. Ou seja, prolonga o momento no qual "o agente, após ter esgotado todos os meios de que dispunha – necessários e suficientes –, arrepende-se e evita que o resultado aconteça" (BITENCOURT, 2000, p. 366) [27].

E mais. No "arrependimento eficaz" com relação aos crimes de sonegação, não se exige que seja o próprio agente que impeça o resultado. Qualquer pessoa que pague o tributo antes do exaurimento da instância administrativa, tornará atípica a conduta anteriormente perpetrada. Daí se concluir que não se trata de uma disposição de política criminal – como no caso do arrependimento eficaz dos delitos em geral –, mas sim de uma norma de política arrecadatória.

Ainda se pode dizer, por fim, que a última parte do art. 15 do CP ("o agente (...) só responde pelos atos já praticados"), não se aplicaria ao "arrependimento eficaz" dos delitos fiscais, uma vez que a fraude é absorvida pelo crime-fim, quer se entenda aplicável o princípio da especialidade, quer se aplique o princípio da consunção [28].

3.4. Uma possível solução para o problema

Apenas para concluir, é preciso fazer referência que o Ministro Joaquim Barbosa foi quem deu – em seu voto-vista no HC 81.611 – a melhor solução para a compatibilização entre a existência de lançamento definitivo, o momento consumativo do crime de sonegação e a isonomia do direito penal:

Creio que a solução a ser dada nesse caso já é prevista em lei, especificamente no art. 93 do Código de Processo Penal, que trata das questões prejudiciais heterogêneas.

Veja-se que o deslinde acerca da relação jurídica tributária é estranho ao direito penal, de forma que, em louvor à regra da especialidade, tal relação jurídica há de ser mais bem apreciada pelo juízo ou órgão que ordinariamente cuida dessa matéria.

Assim, a decisão acerca da existência ou inexistência de crime fiscal compete exclusivamente ao Poder Judiciário, mas o ato de lançamento continua sendo atribuição da Administração Pública.

Isso nos leva a dizer que, nos crimes tributários, a instância administrativa e a jurisdicional têm relativa independência, porquanto o fato humano voluntário que faz surgir a obrigação tributária e o ilícito penal é o mesmo.

[...]

À luz desse entendimento, havendo os requisitos para oferecimento da denúncia, o Ministério Público deverá oferecê-la. A seguir, o juiz poderá seguir dois caminhos diferentes, para resolver a questão prejudicial.

O primeiro, que me parece metodologicamente desinteressante, seria o da decisão, em caráter incidental (ou seja, na motivação), sobre a ocorrência do fato típico tributário, hipótese em que não haveria coisa julgada material.

Já o segundo, mais coerente com tudo aquilo exposto, é o

da suspensão do processo penal, cumulada com a suspensão do prazo prescricional, na forma do art. 93 do Código de Processo Penal, para que se aguarde o desfecho acerca do lançamento.

Dessa forma, após a decisão administrativa sobre o lançamento definitivo (portanto, sobre a ocorrência ou não ocorrência do fato imponível, nos termos da lei tributária), ou a ação penal se encerrará sem julgamento do mérito, ou retomará seu curso com a prova da existência do resultado naturalístico exigido pelo art. 1º da Lei 8.137/1990.

E finaliza, citando Luiz Flávio Gomes, por que essa solução é a que melhor harmoniza o ordenamento jurídico pátrio [29]:

Cabe ainda considerar que a tese da prejudicialidade, tal como sustentada neste trabalho e no acórdão citado:

a) não impede a atuação do Ministério Público (que está autorizado a dar início à ação penal, segundo jurisprudência do STF);

b) não viola sua prerrogativa de promover com exclusividade a ação penal pública (CF, art. 129, I);

c) não lhe veda o acesso ao judiciário (CF, art. 5.º, XXXV) (leia-se: está garantida a processabilidade);

d) não fere a intelecção da Súm. 609 do STF (que diz que a ação penal nos crimes tributários é pública incondicionada);

e) não conflita com a orientação do STF tomada na ADIn 1.571, isto é, não afeta a processabilidade concreta;

f) não leva à prescrição do crime, porque o seu curso fica suspenso (CP, art. 116, I);

g) não favorece a "indústria" da prescrição porque o recebimento da denúncia é o primeiro marco interruptivo da extinção da punibilidade;

h) não favorece a impunidade porque o juiz deve colher a prova testemunhal e outras de natureza urgente, preservando-as para atendimento do interesse público fundado na segurança;

i) não significa morosidade da prestação jurisdicional porque o processo administrativo-fiscal relacionado com a exigência do tributo ou contribuição tem prioridade (art. 6.º do Dec. 982/93);

j) faculta ao contribuinte o exercício do direito constitucional da ampla defesa, isto é, permite-lhe discutir (no âmbito administrativo) direito que lhe pertence.


4. Da reparação do dano nos crimes contra a ordem tributária

Até a reforma de 1984 do Código Penal, a reparação do dano era considerada mera circunstância atenuante (antigo art. 48, inc. IV, "b" do CP).

A partir de uma construção jurisprudencial do STF, no entanto, houve a criação de uma exceção a essa regra. Segundo o Pretório Excelso, não haveria justa causa para a denúncia nos crimes de fraude de pagamento por meio de cheque (art. 171, § 2°, VI do CP), se fosse realizado o pagamento do cheque antes do início da ação penal, o que acabou originando a súmula 554, de 1976 (MIRABETE, 2001, p. 165).

A reforma do Código Penal de 1984, por uma questão de política criminal, e também por inspiração da referida súmula, criou o instituto do arrependimento posterior, constante no art. 16 do CP, que dispõe:

Art. 16 - Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois terços.

O dispositivo, portanto, é aplicável quando, após a consumação do crime, o agente pratica uma nova ação para desfazer os males que a sua atitude delitiva provocou.

Como se observa pelo teor do artigo, trata-se de uma causa de diminuição da pena obrigatória e, quanto mais célere o ressarcimento do dano, maior a redução da reprimenda. Exigem-se, no entanto, alguns requisitos para que a hipótese do art. 16 seja aplicável: a reparação precisa ser completa, pessoal e voluntária (MIRABETE, 2001, p. 166).

Com relação ao primeiro requisito, vê-se que o CP não admite a reparação parcial do dano, que deve, portanto, ser integral.

Ademais, ela precisa ser realizada pelo agente, pois a finalidade da lei é que o autor do delito se mostre arrependido ou pelo menos disposto a mitigar os efeitos danosos de sua atitude pretérita. Sendo assim, se a reparação ou restituição da coisa for realizada por terceiro, não será aplicável a regra geral do arrependimento posterior constante no art. 16.

É preciso também que se diga que a reparação precisa ser voluntária, não havendo a hipótese de diminuição da pena se ela for conseqüência de qualquer forma de coação, de sentença judicial etc. No entanto, não precisa ser necessariamente espontânea, podendo, dessa forma, ser fruto de um conselho ou de um convencimento por parte de terceiro (JESUS, 2002, p. 348).

Finalmente, como resta evidente pela redação do art. 16, só será aplicável o arrependimento posterior se a reparação do dano ocorrer até o recebimento da denúncia. Se a atitude do agente de reparar ocorrer após o recebimento da denúncia, mas antes da sentença, será apenas uma circunstância atenuante (art. 65, inc. II, "b").

No entanto, se até a sentença condenatória o agente ainda não houver feito a reparação, tem-se que a decisão do juiz torna certa a obrigação de reparar o dano (art. 93, I do CP) – ou seja: a partir de então, a remediação do prejuízo, por ser um dos efeitos da sentença, passa a ser um dever do condenado [30].

A descrição do arrependimento posterior até o momento exposta está relacionada às regras do instituto aplicáveis aos tipos constantes no próprio Código Penal e também à legislação penal especial, salvo disposição expressa em contrário, por determinação do art. 12 do CP.

A regra do constante no art. 16 do CP – arrependimento posterior como causa de diminuição da pena –, todavia, não se aplica aos crimes de sonegação fiscal.

Isso ocorre porque a legislação penal tributária determina que a reparação do dano, nessas espécies de delitos, constitui causa de extinção da própria punibilidade, permitindo-se, inclusive, a reparação do dano diferida, ou seja, por meio do parcelamento da dívida tributária.

Tal tratamento faz com que as formas e condições dessa reparação do dano no direito penal tributário sejam muito mais benéficas do que as regras gerais da parte geral do CP, como restará demonstrado.

4.2. Breve histórico da extinção da punibilidade nos crimes de sonegação fiscal

Quando a lei 8.137/90 foi promulgada, dizia o seu artigo 14:

Art. 14. Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos nos arts. 1° a 3° quando o agente promover o pagamento de tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia.

Apenas um ano e três dias após a lei 8.137/90, é promulgada a lei 8.383/91, que revogou o supra referido art. 14, provavelmente porque esse artigo criava uma causa de punibilidade deveras benéfica e que ia de encontro à sistemática do direito penal brasileiro.

Em 27/12/1995, todavia, houve a promulgação da lei 9.249. O art. 34 dessa lei praticamente repristinou o revogado art. 14 da lei 8.137/90 (LOTT, 2002):

Art. 34. Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos na Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e na Lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965, quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia.

Finalmente, concluindo o presente histórico legislativo, foi promulgada a lei 10.684/03, que, dentre outras medidas, instituiu o Parcelamento Especial (PAES – mais conhecido como REFIS [31] II) junto à Secretaria da Receita Federal ou à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

Essa lei ainda determinou, em seu art. 9º, uma norma de direito penal tributário:

Art. 9º É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1o e 2o da Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168A e 337A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento.

§ 1º A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva.

§ 2º Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios.

No entanto, a aplicação do supra transcrito art. 9º – benefício sem equivalentes no direito penal pátrio – acabou não ficando adstrita aos tributos referidos na lei 10.684/03.

Por uma construção da doutrina e da jurisprudência, esse artigo acabou passando a ser aplicado ao direito penal tributário como um todo, independentemente da espécie de tributo sonegado e independentemente do momento da ocorrência do crime contra a ordem tributária, o que afronta a lógica jurídica e a proporcionalidade e isonomia do nosso direito penal.

4.3. Do "arrependimento posteriormente postergado" e do "arrependimento posteriormente postergado em parcelas": a incondicionalidade da "reparação" do dano nos crimes contra a ordem tributária

4.3.1. Sobre a extensão do art. 9º da lei 10.684/90 a todo o direito penal tributário

Analisando-se a doutrina e a jurisprudência, percebe-se que foi no artigo "pagamento e parcelamento nos crimes tributários", da advogada Heloisa Estellita, que pela primeira vez foi cogitada a extensão do art. 9º a todos e quaisquer crimes contra a ordem tributária, praticados contra qualquer ente tributário, em qualquer época (ESTELLITA, 2003).

Para justificar o seu entendimento, primeiramente a autora diz que o art. 9º, caput – que dispõe sobre o parcelamento –, criou uma regra geral para disciplinar todo o direito penal tributário, aplicando-se a qualquer parcelamento de tributo municipal, estadual ou federal. Ademais, sendo tal norma mais benéfica, deveria retroagir e ser aplicável a toda e qualquer sonegação, mesmo que anterior à referida norma.

Tal extensão do art. 9º seria aplicável ao parcelamento descrito em seu caput, pois, segundo Heloisa Estellita, ele não teria feito alusão expressa que apenas se aplicaria aos parcelamentos do REFIS II, como acontecia com a lei do REFIS I.

Com relação ao §2º do art. 9º da 10.684/03 – que trata do pagamento do tributo –, a autora sustenta que ele também se estenderia a todo e qualquer delito fiscal, haja vista o citado §2º também não ter feito alusão expressa que se aplicaria apenas aos casos de sonegação incluídos no REFIS II.

Ainda com relação à extensão do §2º do art. 9º da 10.684/03, a referida advogada também afirma que, se o mero parcelamento teria o condão de suspender a pretensão punitiva com relação a qualquer delito contra a ordem tributária, com mais razão o pagamento integral deveria extinguir de plano a punibilidade, sob pena de se ferir o princípio da igualdade [32].

Corroborando a tese apresentada por Heloisa Estellita, o advogado Dante Aguiar Arend apresenta os seguintes argumentos, em artigo publicado em sítio eletrônico (AREND, 2003):

O benefício poderá ser aplicado mesmo que não haja legislação estadual e legislação municipal instituindo novos programas de refinanciamento das suas respectivas dívidas, a uma porque o artigo 9º não faz qualquer exceção, a duas porque a competência para legislar em matéria de Direito Penal é exclusiva da União Federal, a três porque é inadmissível e ofensivo à isonomia constitucionalmente garantida, limitar-se as benesses do artigo 9 , da Lei n 10.684/2003, apenas aos privilegiados que puderam optar pelo PAES.

Tal extensão foi acolhida pelo STF no HC 81.929, no voto-vista do Ministro Cezar Peluso, que foi seguido à unanimidade pela Primeira Turma do STF. Nesse voto, o Ministro chegou, inclusive, a transcrever parte do supra citado artigo de Heloisa Estellita.

4.3.2. Críticas à extensão do art. 9º da lei 10.684/9 a todo o direito penal tributário

Apesar de esse entendimento do STF estar sendo seguido pelos tribunais pátrios, há fortes argumentos que se contrapõem a ele.

Primeiramente, é preciso que se diga que a lei 10.684/03 foi promulgada para instituir o PAES (ou REFIS II), pelo que os seus dispositivos devem ser interpretados tendo em consideração esse dado.

Tanto assim o é que a ementa da referida lei – que deve ser levada em consideração na interpretação do dispositivo legal – dispõe: "Altera a legislação tributária, dispõe sobre parcelamento de débitos junto à Secretaria da Receita Federal, à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e ao Instituto Nacional do Seguro Social e dá outras providências".

Sendo assim, por uma interpretação sistemática da lei 10.684, esse REFIS II – e o pagamento integral previsto no §2º do art. 9º –, nos termos do art. 1º da lei 10.684/03, apenas se aplicaria aos débitos com vencimento até 28 de fevereiro de 2003. Trata-se, portanto, de uma lei temporária, aplicável a débitos até o referido vencimento. Após essa data, os dispositivos referentes ao REFIS II, e constantes na lei 10.684/03, inclusive o seu art. 9º, deveriam perder sua eficácia, como é a regra das leis temporárias [33].

Pode-se ainda dizer que, em virtude de sua ementa da lei, assim como em razão do que dispõe o seu art. 1º, a lei 10.684/03 deveria apenas ser aplicável aos débitos "junto à Secretaria da Receita Federal, à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e ao Instituto Nacional do Seguro Social", pelo que não poderia incidir sobre os tributos estadual e municipal.

E mais. É preciso lembrar que o art. 9º encontra-se topograficamente inserido dentre os dispositivos da lei 10.684/03 que tratam do REFIS II, não dentre as normas que dão "outras providências", pelo que resta evidente que é uma norma destinada a determinados tributos, até uma certa época.

Além disso, o caput do art. 9º diz que é suspensa a punibilidade "durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento" (grifo nosso). Assim, não restam dúvidas de que o art. 9º não se refere a um regime de parcelamento qualquer, mas sim a um regime específico, qual seja, o REFIS II.

E o mesmo pode ser dito com relação ao pagamento passível de extinguir a punibilidade, previsto no §2º, do art. 9º, que deve ser interpretado a partir do caput do artigo. Assim, essa extinção pelo pagamento apenas pode ser aplicável aos tributos sujeitos ao REFIS II, que são aqueles referidos pela lei 10.684.

Ou seja: o artigo 9º precisa ser interpretado a partir do contexto normativo no qual ele está inserido, não se podendo ser excomungado da lei 10.684/03 e transformado em regra geral de direito sem qualquer fundamento hermenêutico.

Finalmente, não se pode esquecer que as normas excepcionais (como essa do art. 9º, que cria situações sui generis de suspensão da pretensão punitiva e de extinção da punibilidade) devem ser interpretadas restritivamente, ou, no máximo, em sua literalidade, inclusive por disposição expressa do art. 111 do CTN:

Art. 111. Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre:

I – suspensão ou exclusão do crédito tributário

4.3.3. A quebra da isonomia penal no "arrependimento posteriormente postergado" e no "arrependimento posteriormente postergado em parcelas"

A péssima técnica legislativa do art. 9º da lei 10.684/03 forneceu os subsídios que parte dos juristas precisavam para transformar um sonegador em um criminoso intocável pelo direito penal, a despeito das incongruências sistêmicas que tal situação acabou acarretando.

Em primeiro lugar, porém, é preciso demonstrar que essa tentativa de uma parcela dos juristas de interpretar as normas do direito penal tributário da forma mais benéfica possível ao contribuinte sonegador já vem de muito tempo.

É possível, por exemplo, mencionar que houve quem defendesse que o limite temporal do art. 34 da lei 9.249/95 – o qual prescrevia a extinção da punibilidade pelo pagamento até o recebimento da denúncia – constituiria uma inconstitucionalidade em certas circunstâncias (citado por PAULINO, 2002, p. 166) [34]. Ou seja: a extinção da punibilidade deveria ser possível mesmo depois do recebimento da denúncia diante de alguns casos, mesmo contra disposição expressa de lei.

Pode-se ainda citar que não foram poucos os juristas que defenderam a extensão do mesmo art. 34 da lei 9.249/95 aos contribuintes que parcelassem os seus débitos tributários (por todos: STOCO, 2001).

Para a maioria dos que defendiam a supra citada extensão do art. 34, o parcelamento constituiria uma novação, pelo que o crédito tributário original – proveniente de uma conduta prevista como crime – restaria liquidado, surgindo uma nova dívida, na qual não persistiriam os efeitos penais do crédito anterior (STOCO, 2001, p. 641-642).

Sendo assim, a mera concessão do parcelamento constituiria causa de extinção da punibilidade, independentemente do adimplemento das parcelas [35]. Assim entendeu o STJ no Recurso em Habeas Corpus 11.598. Felizmente, o STF entendeu de maneira diversa no inquérito nº 1.028, exigindo o pagamento de todas as parcelas para que a punibilidade pudesse restar extinta.

Sem dúvida alguma, um entendimento como o do STJ, e defendido por parte da doutrina, seria um convite à fraude, pois, uma vez concedido o parcelamento, o contribuinte não precisaria pagar nenhuma parcela (ou apenas uma ou duas) para já se ver livre dos efeitos penais da sonegação anteriormente cometida.

Interessante que a supra alegada inconstitucionalidade do art. 34 da lei 9.249/95, assim como a sua extensão aos casos de mero parcelamento, eram baseadas no argumento de que entender diferente seria afrontar a isonomia e a proporcionalidade do sistema.

Ou seja: a lógica de quem defende essas posições é que não podem existir sonegadores que não estejam sob a égide de normas penais descriminalizantes. O seu pressuposto parece ser: "todos os sonegadores são iguais perante a lei".

Tal desiderato de universalização da descrimalização dos crimes contra a ordem tributária foi finalmente conquistado com o art. 9º da lei 10.684/03.

Não se sabe se por péssima técnica legislativa, por dolo eventual ou por deliberado desejo de descriminalizar os delitos fiscais, o art. 9º da lei 10.684/03 passou a permitir que o parcelamento do débito suspendesse, a qualquer tempo, a pretensão punitiva do Estado nos crimes dos arts. 1º e 2º da lei 8.137/90 (art. 9º, caput da lei 140.684), como referido anteriormente.

Ademais, ainda foi retirado qualquer termo final para que o pagamento da dívida fiscal fosse hábil a extinguir a punibilidade nesses mesmos crimes (art. 9º, §2º), como também já foi exposto.

Finalmente, todos os sonegadores passaram a possuir os mesmos privilégios.

Assim, tem-se que a regra geral dos efeitos da reparação do dano consta no art. 16 do CP – que disciplina o arrependimento posterior – não se aplica à lei 8.137/90. Tal reparação constitui uma mera causa de diminuição da pena e que ainda está condicionada a ser efetuada antes do recebimento da denúncia, sob pena de se transformar em mera atenuante genérica. Se a reparação se der depois da sentença, a ela passa a ser um dever do condenado (art. 91, I do CP), conforme anteriormente explicitado.

Já nos crimes contra a ordem tributária, a reparação do dano – que é o pagamento integral do débito fiscal – extingue a própria punibilidade, independentemente de quando efetuada (se antes ou depois da denúncia).

É assim que o sonegador pode até mesmo aguardar o trânsito em julgado de sua condenação penal para, só depois, efetuar a "reparação do dano", o que impossibilitará o Estado de puni-lo.

Fazendo-se um paralelo com a nomenclatura existente no Código Penal para o instituto presente no art. 16, percebe-se que os crimes de sonegação permitem um arrependimento que pode ser "postergado para depois". Ou seja, um "arrependimento posteriormente postergado", no qual a reparação do dano nem ao menos precisa ser feita pessoalmente pelo agente; o pagamento efetuado por qualquer pessoa extingue a punibilidade.

E não é só. Como o parcelamento, a qualquer tempo, suspende a pretensão punitiva do Estado (art. 9º da lei 10.684/03), tem-se um "instituto" no direito penal tributário que ainda vai além do próprio "arrependimento posteriormente postergado".

É que, quando o agente parcela o seu débito, ele passa a reparar o dano em prestações. Trata-se, portanto, de um "arrependimento posteriormente postergado em parcelas", instituto esse ainda mais em desconformidade com o direito penal pátrio. Aqui, mais uma vez, não precisa haver uma ação direta agente: o parcelamento ser pago por qualquer pessoa.

Aqueles que defendem tais expedientes – tanto na doutrina, quanto na jurisprudência – parecem esquecer que, em verdade, quem pratica um crime contra a ordem tributária comete uma fraude qualificada pelo resultado de lesão ao erário público (não exigível pela lei 8.137, no caso dos crimes do art. 2º).

Não se trata aqui de pessoas que simplesmente não adimpliram seus impostos, tornando-se devedoras do Fisco. Essas devem ser interpeladas civilmente para pagar apenas a quantia em dinheiro que devem. Não há crime aqui, isso é certo.

No entanto, o empresário que sonega vale-se de uma falsidade ideológica, de uma falsificação de documento ou de um estelionato com o fim específico de não pagar o tributo devido. Tais crimes precisam ser punidos efetivamente nos moldes da legislação penal, pois são efetivamente ilícitos penais.

Diante dessa total quebra da isonomia e da proporcionalidade, a declaração da inconstitucionalidade do art. 9º da lei 10.684/03 (ou a sua revogação) se faz premente, o que restabeleceria em boa parte a coerência do ordenamento jurídico.

Outra forma de restabelecer a lógica sistêmica do direito pátrio seria a via inversa: estender os privilégios concedidos aos crimes contra a ordem tributária aos tipos congêneres constantes no Código Penal, como a falsidade ideológica, a falsificação de documento, o estelionato etc., e a outros tipos que fossem considerados igualmente lesivos.

Essa última solução certamente seria um absurdo e, quando exposta de maneira tão direta, evidencia o quão absurdo é o tratamento jurídico dado aos delitos fiscais.

4.3.4. O avesso do avesso: a quebra do princípio da consunção/da especialidade como solução proposta para combater a quebra da isonomia em virtude dos crimes de sonegação

O princípio da especialidade é assim definido pelo penalista Cezar Bitencourt (2000, p. 130):

Considera-se especial uma norma penal, em relação a outra geral, quando reúne todos os elementos desta, acrescidos de mais alguns, denominados especializantes. Isto é, a norma especial acrescenta elemento próprio à descrição típica prevista na norma geral.

Tal definição pode ser complementada pela doutrina de Damásio de Jesus (2002, p. 110).

Além disso, o princípio da especialidade possui uma característica que o distingue dos demais: a prevalência da norma especial sobre a geral se estabelece in abstracto, pela comparação das definições abstratas contidas nas normas, enquanto os outros exigem um confronto em concreto das leis que descrevem o mesmo fato.

Já o princípio da subsidiariedade é assim definido por Bitencourt (2000, p. 132): "pelo princípio da consunção, ou absorção, a norma definidora de um crime constitui meio necessário ou fase normal de preparação ou execução de outro crime".

E complementando a lição supra transcrita, diz Damásio de Jesus (2002, p. 114):

Na relação consuntiva não há o liame lógico que existe na da especialidade. A conclusão é alcançada não em decorrência da comparação entre as figuras típicas abstratas, mas sim pela configuração concreta do caso de que se trata.

Pela proximidade entre ambos os princípios, há divergência se, nos crimes de sonegação, deveria ser aplicável o princípio da consunção (ARRUDA, 2005) ou da especialidade (LOVATTO, 2000, 19), quanto ao crime de falso.

No entanto, seja qual for o princípio aplicável ao caso, é cediço que em ambas as hipóteses o crime de falso deveria ser absorvido pelo delito fiscal, como bem explicita o parecer nº 365/2007, da Procuradora Regional da República Eliane de Albuquerque Oliveira Recena (2007):

Ocorre que, malgrado nossa dúvida, quer se adote um, o princípio da especialidade, quer se adote outro, o princípio da consunção, para solucionar, no caso, o conflito aparente de normas que inegavelmente existe, de qualquer sorte, estaríamos, como estamos, frente a um só crime, qual o da Lei especial dos crimes contra a ordem tributária que, especial ou absorvido, é o único a ser imputado à denunciada.

A despeito de os acima referidos princípios determinarem que o crime-meio – no caso, o crime de falso – não deve ser punido, a aplicação irrestrita do art. 9º da lei 10.684/03 tem ocasionado posições em sentido contrário, como defende Élcio Arruda (2005):

Contudo, a recusa a beneplácito legalmente instituído em favor do réu, por certo, suscita enfática insurreição, tanto mais por envolver o seu status libertatis. Daí, talvez, poder se encontrar um ponto de equilíbrio, à luz do princípio da proporcionalidade. E a justa medida, a nosso sentir, é permitir a fruição da benesse, mas, limitar-lhe os efeitos ao crime tributário. Vale dizer, o crime-meio teoricamente perpetrado para consecução da sonegação subsiste hígido e, como tal, não comporta solução de descontinuidade persecutória. É que, soterrado (pagamento à vista) ou suspenso (pagamento parcelar) o crime-fim (tributário), arreda-se a relação consuntiva então forjada, de sorte ao crime-meio (falso) aflorar passível de punição de forma autônoma. Extingue-se o conflito aparente de normas então instaurado.

Portanto, independentemente de parcelamento ou pagamento à vista, o processo criminal deve ter curso no concernente ao crime de falso subjacente ao de natureza tributária.

Posição semelhante, porém não tão extrema, tem sido adotada pelo STJ e pelo TRF 1ª Região. Segundo esses tribunais, se a fraude for praticada após a sonegação fiscal, com o intuito de garantir a isenção da responsabilidade penal, ela deve ser considerada crime autônomo, como se percebe em trecho do acórdão abaixo ementado:

(omissis)

II – O delito constante do preceito primário do art. 299 do CP, somente é absorvido pelo crime de sonegação fiscal, se o falso teve como finalidade a sonegação, constituindo, em regra, meio necessário para a sua consumação. Na hipótese dos autos, o delito de falsidade ideológica deve ser tido como crime autônomo, posto que praticado não para que fosse consumada a sonegação fiscal, nas sim para assegurar a isenção de futura responsabilidade penal.

(omissis)

(STJ, Recurso Especial 503.368/PR, Relator Felix Fischer, 2004).

No mesmo sentido: RECURSO CRIMINAL 2005.38.03.003659-0 e HC 2006.01.00.046975-5, ambos do TRF 1ª Região. Contra tal entendimento, o Ministro Gilmar Ferreira Mendes afirma que "também não impressiona o argumento temporal, no sentido de que o falso seria posterior ao auto de infração" [36].

Dessa forma, é possível notar que, diante dos imensos privilégios penais criados com a aplicação indiscriminada art. 9º da lei 10.684/03 aos delitos fiscais, acabou surgindo, na doutrina e jurisprudência, o avesso do avesso: os tribunais do país têm desrespeitado o princípio da consunção (ou o da especialidade) para que uma fraude, a despeito de ter sido perpetrada para sonegar tributo, não reste impune pelo direito penal pátrio.


5. Conclusão

Conforme procurou demonstrar o presente trabalho, os crimes contra a ordem tributária têm tido uma descriminalização paulatina, praticamente restando sem efeitos práticos na esfera penal atualmente.

Primeiramente, os requisitos necessários para a consumação dos crimes de sonegação foram aumentando gradualmente, de sorte que, nos dias atuais, entende-se que tais delitos apenas se consumam após o exaurimento da instância administrativa para apurar o débito – o que já é defendido inclusive quanto aos crimes sabidamente formais do art. 2º da lei 8.137/90. Tal tratamento tão benéfico é totalmente desconhecido para os demais delitos do ordenamento brasileiro.

E mais. A partir principalmente do art. 9º da lei 10.684/03, a doutrina, a jurisprudência e a legislador foram cunhando o que chamo de instituto do "arrependimento posteriormente postergado" (art. 9º, §2º) – quando a reparação do dano extingue a própria punibilidade do crime contra a ordem tributária, a qualquer tempo –. Também foi comentada a instituição do "arrependimento posteriormente postergado em parcelas", que permite que um acordo de parcelamento entre o Fisco e o sonegador suspenda a pretensão punitiva do Estado (art. 9º, caput), independentemente de quando realizado.

Tais "institutos" esvaziam completamente o direito penal tributário, pois, desde que o sonegador tenha dinheiro, ele nunca será punido pelos crimes de sonegação, que nada mais são, repito, fraudes qualificadas pelo dolo de se lesar o erário público.

A situação criada por tais benesses do Estado é tão estapafúrdia, que o sonegador pode aguardar a consumação do delito pelo exaurimento da instância administrativa e esperar a denúncia do Ministério Público. O processo judicial pode se desenrolar por anos e, quando do trânsito em julgado da sentença condenatória penal (que poderá ocorrer, por exemplo, após o julgamento de Recurso Extraordinário perante o STF), o sonegador, assim declarado por sentença transitada em julgado, poderá, ao ter conhecimento da decisão, simplesmente ir ao banco e pagar a guia de recolhimento do tributo. Com isso, restará extinta a punibilidade do seu crime, a despeito de toda a máquina pública que foi movimentada para se chegar àquela decisão.

Eu entendo esse processo de descriminalização dos crimes contra a ordem tributária da seguinte forma:

Em um primeiro lugar, há a percepção de que um mero inadimplente não pode ser tratado da mesma forma que uma pessoa que se valeu de uma fraude no intuito de não pagar o tributo devido. Quer dizer: as sanções legalmente aplicáveis ao segundo precisam ser mais rigorosas do que às aplicáveis ao primeiro, sob pena de se institucionalizar o estímulo à sonegação.

Assim, são criados os crimes contra a ordem tributária e, no mundo das normas, o problema resta resolvido.

Na prática jurídica, no entanto, acaba existindo uma "velada" equiparação do mero inadimplente da obrigação tributária à figura do sonegador, o que tem as suas conseqüências úteis ao Estado, além de existir um respaldo social para tanto.

A conseqüência útil ao Estado é que se aumenta a arrecadação do Fisco, pois o processo penal contra o contribuinte serve para pressioná-lo a pagar aquilo que deve à Fazenda Pública. Uma vez pago o tributo, o agente se vê livre de qualquer responsabilidade penal.

Nesse contexto, portanto, os crimes contra a ordem tributária passam de um mecanismo de política criminal de repressão, para um mecanismo de política arrecadatória [37], o que é inadmissível.

A mesma opinião é compartilhada por Élcio Arruda (2005), quando explicitou que é:

[...] tarefa estranha ao Direito Penal, como sabido e ressabido, servir de veículo de coação à satisfação de obrigações tributárias. O pragmatismo é inservível a desnaturar a verdadeira função do Direito Penal: lutar contra o crime, ao lado dos denominados antídotos sociais.

Interessante a lição de Pedro Roberto Decomain quando elogiava a revogação do então vigente art. 14 da lei 8.137/90, que determinava a extinção da punibilidade quando houvesse o pagamento do tributo antes do recebimento da denúncia. Dizia o doutrinador, em livro hoje já esgotado (1995, p. 150):

Passou-se do princípio do privilegiamento do crédito tributário em detrimento da punição criminal, consagrado quando em vigor aquela causa de extinção da punibilidade [no caso, o revogado art. 14], para outro, precisamente de conteúdo inverso, ou seja, o do privilegiamento da punição criminal dos que lesam o fisco, mesmo quando isso importe em alguma demora adicional no recebimento do crédito tributário. O Direito Penal deixou de ser (e muito acertadamente) mero cobrador de impostos, para voltar ao papel que sempre lhe foi reservado, de tutor último dos princípios mais valorizados da convivência social.

Imagine-se o que escreveria Decomain se fosse reeditar o seu livro...

Portanto, como a extinção da punibilidade pode ocorrer a qualquer tempo, é possível afirmar que não mais existem crimes tributários no Brasil [38], desde que, é claro, o sonegador possa pagar o que deve.

Afora essa descrita utilidade estatal de aumento da arrecadação, a descriminalização da sonegação também tem explicações sociológicas.

Algumas dessas explicações estão ligadas à grande resistência da população brasileira ao pagamento de tributos. É que, no Brasil, a população em geral tem a sensação – e de certa forma sabe – que o Estado é corrupto. Além disso, os serviços públicos são de baixa qualidade, a despeito de a carga tributária do país ser enorme.

Quanto à sensação de corrupção, dados da Organização Não Governamental (ONG) Transparência Internacional demonstram que ela vem aumentando ano após ano no país. Em um índice chamado de Índice de Percepções de Corrupção – no qual quanto menor a nota, maior a sensação de corrupção [39] – o Brasil teve em 2001 e 2002, nota 4,0; em 2003 e 2004, a nota do país foi 3,9; em 2005, caiu para 3,7; e, em 2006, chegou a 3,3 (GLYCERIO, 2006).

Em um cenário de alta sensação de corrupção, as pessoas tendem a não pagar os seus impostos, e a sonegação passa a ser entendida como uma forma legítima de evitar que o dinheiro venha a se tornar público, quando, então, ele poderia vir a ser desviado pela corrupção.

Além disso, o Brasil tem uma carga tributária altíssima, digna de alguns países de primeiro mundo, mas sem que a existência dos serviços públicos de qualidade desses países ricos.

Só para se ter uma idéia, um estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT) calculou que, no ano de 2007, 40,01% do rendimento bruto do brasileiro será destinado ao pagamento da carga tributária que lhe é imposta. Isso equivale a 146 dias do ano. Ou seja: é como se cada brasileiro tivesse trabalhado de 1º de janeiro até 26 de maio de 2007 apenas para pagar tributos. Na Suécia, são 185 dias do ano; na França, 149; na Espanha, 137 (AMARAL, 2007).

Diante de tal cenário, a sonegação passa a ser vista como forma socialmente legítima de se evitar a incidência dos tributos, até porque esses impostos sonegados são usados para pagar pelos serviços públicos que deveriam ser oferecidos pelo Estado com qualidade, como educação e saúde.

Finalmente, a última das explicações sociológicas para a legitimidade da descriminalização da sonegação fiscal está ligada ao fato de que esses crimes são cometidos por pessoas que possuem uma condição social mais privilegiada.

As pessoas pobres que pagam impostos no Brasil, fazem-no por meio dos chamados impostos de consumo, impostos indiretos, que são repassados para os preços dos produtos. As pessoas de baixa renda, portanto, não podem evitar a incidência deles.

Já com relação à classe média e alta, essa sim é composta por cidadãos que devem pagar impostos.

Essas pessoas, principalmente os empresários de classe média-alta e classe alta, são pessoas bem relacionadas e, no Brasil, não se costuma ver essas pessoas como passíveis de serem presas.

A partir dessa constatação, pode-se invocar os ensinamentos de Roberto Damatta no livro "Carnavais, Malandros e Heróis" (1997), para se concluir que esses empresários são sujeitos relacionais, sendo tratados como pessoas pelo Sistema, enquanto que os componentes da "grande massa", sujeitos sem relações pessoais tão poderosas quanto os primeiros, são tratados como indivíduos.

Em diferenciação útil ao presente trabalho, Roberto Damatta assim se referiu às relações entre a idéia de pessoas e indivíduos (1997, p. 218-219): "[...] no sistema brasileiro, é básica a distinção entre o indivíduo e a pessoa como duas formas de conceber o universo social e de nele agir."

Tendo dito anteriormente que : "A pessoa merece solidariedade e um tratamento diferencial. O indivíduo, ao contrário, é o sujeito da lei, foco abstrato para quem as regras de repressão foram feitas" (1997, p. 218).

Dizendo mais adiante: "[...] receber a letra fria e dura da lei é tornar-se imediatamente indivíduo. Poder personalizar a lei é sinal de que se é uma pessoa" (1997, p. 237).

Esse último parágrafo resume bem como qual é a relação entre o sonegador e o direito penal brasileiro.

E para finalizar a aplicação direta das idéias de Roberto Damatta, transcrevo um trecho de seus ensinamentos que, pela época em que foram escritos, podem ser tidos como proféticos com relação ao tratamento jurídico que décadas mais tarde teriam os sonegadores (DAMATTA, 1997, p. 217):

Como diz o velho e querido ditado brasileiro "aos inimigos a lei, aos amigos tudo!". Ou seja, para os adversários, basta o tratamento generalizante e impessoal da lei, a eles aplicada sem nenhuma distinção e consideração, isto é, sem atenuantes. Mas, para os amigos tudo, inclusive a possibilidade de tornar a lei irracional (grifo nosso).

Portanto, pode-se concluir que os crimes contra a ordem tributária, através de uma construção da doutrina, da legislação e da jurisprudência, têm se tornado letra morta. Tal entendimento tem esfacelado paulatinamente a lógica do sistema penal brasileiro, atentando contra a isonomia e proporcionalidade penais.

Talvez Roberto da Silva Passos, citado por Manuella Mazzocco (2006), tenha conseguido explicar a razão de tais privilégios, ao tentar demonstrar as idéias que inspiraram a criação do ramo da criminologia que se convencionou chamar de criminologia crítica ou nova criminologia [40]:

A Nova Criminologia parte da idéia de sociedade de classes, entendendo que o sistema punitivo está organizado ideologicamente, ou seja, com o objetivo de proteger os conceitos de interesses que são próprios da classe dominante. [...]. O sistema destina-se a conservar a estrutura vertical de dominação e poder, que existe na sociedade, a um tempo desigual e provocadora de desigualdade. Isso se demonstra pelo caráter fragmentário do Direito Penal, que pune intensamente condutas que são típicas dos grupos marginalizados e deixa livre de pena comportamentos gravíssimos e socialmente onerosos, como, por exemplo, a criminalidade econômica, só porque seus autores pertencem a classe hegemônica e por isso devem ficar imunes ao processo de criminalização.

A dinâmica da aplicação dos crimes de sonegação encontra-se tão anômala, que se pode dizer que a lei 8.137/90 – e as demais normas do direito penal tributário – longe de significar a especialização do direito penal para melhor lidar com as especificidades dos crimes contra a ordem tributária, tornou-se um empecilho para a correta punição desses delitos.

Diante do cenário jurídico posto, não me parece um absurdo – talvez seja até sensato – advogar a revogação de tais normas do ordenamento brasileiro, pelo que os crimes contra o erário público passariam a ser tutelados pelos tipos penais congêneres existentes no próprio Código Penal.

Talvez aí a sonegação deixasse de ser um bom negócio no Brasil e crimes de tamanha lesividade não permaneceriam impunes.


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BRASIL. Código Penal. Decreto-lei nº 2.848, de 7 dez. 1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em 22 jun. 2007.

BRASIL. Código de Tributário Nacional. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L5172Compilado.htm>. Acesso em 22 jun. 2007.

BRASIL. Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990. Define crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/LEIS/L8137.htm>. Acesso em: 22 de jun. de 2007.

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BRASIL. Lei nº 10.684, de 30 de maio de 2003. Altera a legislação tributária, dispõe sobre parcelamento de débitos junto à Secretaria da Receita Federal, à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e ao Instituto Nacional do Seguro Social e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/2003/L10.684.htm>. Acesso em: 22 de jul. de 2007.

BRASIL. Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996. Dispõe sobre a legislação tributária federal, as contribuições para a seguridade social, o processo administrativo de consulta e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/leis/L9430.htm>. Acesso em: 23 de jul. de 2007.

BRASIL. Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995. Altera a legislação do imposto de renda das pessoas jurídicas, bem como da contribuição social sobre o lucro líquido, e dá outras providências.. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/LEIS/L9249.htm>. Acesso em: 22 de jul. de 2007.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Inquérito nº 1.028, do Tribunal Pleno, Relator Ministro Moreira Alves, julgado em 04/10/1995. Disponível em <http://www.stf.gov.br/jurisprudencia/nova/jurisp.asp>. Acesso em: 15 de jul. de 2007.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 81.611, do Tribunal Pleno, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, julgado em 10/12/2003. Disponível em <http://www.stf.gov.br/jurisprudencia/nova/jurisp.asp>. Acesso em: 1º de jun. de 2007.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso em Habeas Corpus nº . RHC 83.717, da Primeira Turma, Relator Ministro Marco Aurélio, julgado em 16/03/2004. Disponível em <http://www.stf.gov.br/jurisprudencia/nova/jurisp.asp>. Acesso em: 21 de jul. de 2007.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Embargos de declaração nos embargos de declaração no Habeas Corpus nº 83.115, da Segunda Turma, Relator Ministro Gilmar Mendes, Relator para o acórdão Ministro Carlos Velloso, julgado em 12/12/2006. Disponível em < http://www.stf.gov.br/jurisprudencia/nova/jurisp.asp>. Acesso em: 21 de jul. de 2007.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Embargos de declaração nos embargos de declaração no Habeas Corpus nº 83.115, da Segunda Turma, Relator Ministro Gilmar Mendes, Relator para o acórdão Ministro Carlos Velloso, julgado em 12/12/2006. Disponível em <http://www.stf.gov.br/jurisprudencia/nova/jurisp.asp>. Acesso em: 21 de jul. de 2007.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 81929, da Primeira Turma, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, Relator para o acórdão Ministro Cezar Peluso, julgado em 16/12/2003. Disponível em <http://www.stf.gov.br/jurisprudencia/nova/jurisp.asp>. Acesso em: 21 de jul. de 2007.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso em Habeas Corpus nº 19083, da Quinta Turma, Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, julgado em 14/11/2006. Disponível em <http://www.stj.gov.br/SCON/>. Acesso em: 21 de jul. de 2007.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso em Habeas Corpus nº 11598, da Quinta Turma, Relator Ministro GILSON DIPP, julgado em 26/03/2003. Disponível em <http://www.stj.gov.br/SCON/>. Acesso em: 21 de jul. de 2007.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 503368, da Quinta Turma, Relator Ministro Felix Fischer, julgado em 08/06/2004. Disponível em <http://www.stj.gov.br/SCON/>. Acesso em: 21 de jul. de 2007.

BRASÍLIA. TRF 1ª Região. Recurso Criminal nº 2005.38.03.003659-0, da Quarta Turma, Relator Des. Federal Ítalo Fioravanti Sabo Mendes, julgado em 13/02/2007. Disponível em <http://www.trf1.gov.br/>. Acesso em: 21 de jul. de 2007.

RIO GRANDE DO SUL. TRF 4ª Região. Habeas Corpus nº 2005.04.01.052610-7, da Sétima Turma, Relator Des. Federal Tadaaqui Hirose, julgado em 07/02/2006. Disponível em <http://www.trf4.gov.br/trf4/jurisjud/pesquisa.php>. Acesso em: 21 de jul. de 2007.

RIO GRANDE DO SUL. TRF 4ª Região. Habeas Corpus nº 2004.04.01.030717-0, da Oitava Turma, Relator Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado, julgado em 24/11/2004. Disponível em <http://www.trf4.gov.br/trf4/jurisjud/pesquisa.php>. Acesso em: 21 de jul. de 2007.


Notas

  1. Não se pode esquecer, todavia, que alguns entes não estatais também têm a titularidade para a arrecadação de tributos, naquilo que é conhecido como parafiscalidade.
  2. VILLEGAS, Hector. Direito penal tributário. São Paulo: Universidade Católica/Resenha Tributária, 1974, p; 19-20.
  3. Se o contribuinte aciona a Justiça para discutir a legalidade ou constitucionalidade da norma tributária, conseguindo, por exemplo, a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, não há de se falar em infração, sendo legal a sua atitude.
  4. Além dessas condutas, é importante mencionar também a possibilidade de o contribuinte tangenciar a norma dentro da legalidade, muitas vezes se valendo das falhas do próprio sistema jurídico. Tal expediente é considerado legal e é conhecido como elisão fiscal.
  5. No dizer de Föppel: "É pois o legislador que, atento ao ideário de justiça, à necessidade da sanção e à proporcionalidade que selecionará, dentre as condutas, quais ele irá rotular como crime e quais as que merecerão tratamento de ilícito administrativo" (FÖPPEL, 2005, p. 12).
  6. Tanto é que a sua ementa dispõe "Define crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, e dá outras providências".
  7. A lei 8.137, em supérfluo art. 11, dispõe que "Quem, de qualquer modo, inclusive por meio de pessoa jurídica, concorre para os crimes definidos nesta lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida de sua culpabilidade".
  8. O art. 2º, incs. III, IV e V da lei 8.137/90 possuem algumas nuances quanto ao sujeito ativo que podem cometer tais condutas, cujos esclarecimentos, no entanto, em nada contribuiriam para o entendimento do presente trabalho.
  9. O art. 3º, incs. IV e V também têm algumas peculiaridades em relação ao sujeito passivo do delito, cuja explicitação apenas iria desviar desnecessariamente o foco do presente trabalho.
  10. GRECO, Rogério. Direito penal do equilíbrio: uma visão minimalista do direito penal. Niterói: Impetus, 2005. p. 111.
  11. E se esses tipos estiverem em legislação especial, as regras gerais do Código Penal aplicam-se a eles por expressa determinação do art. 12 do CP.
  12. Com relação ao uso: ANDRADE, 2004, p. 133.
  13. STOCO, 2001, p. 615; ANDRADE, 2004, p. 135, embora esse último também vislumbre a possibilidade de falsidade material (298).
  14. De documento particular (298), a menos que seja nos livros fiscais, que são considerados documentos públicos. Andrade também vislumbra a possibilidade de Falsidade ideológica (ANDRADE, 2004, p. 137).
  15. A depender do verbo a que a conduta do agente se enquadra.
  16. Cláudio Costa assim define tal inciso: Fraude, sendo que na terceira figura, por meio de falsidade (COSTA, 2003, p. 43).
  17. Embora Cláudio Costa descreva essa conduta simplesmente como "fraude" (COSTA, 2003, 43).
  18. Não se podendo esquecer, como já esclarecido anteriormente, que o mero ato de reduzir ou suprimir tributo, se não eivado de fraude, não constitui crime.
  19. A exemplo do próprio HC 81.611 do STF.
  20. Essa conclusão não está explicitamente no voto do Ministro-relator, mas foi identificada pelo voto divergente do Ministro Joaquim Barbosa e é defendida por Cláudio Costa em Crimes de Sonegação Fiscal, p. 58, que construiu uma argumentação muito similar à do prof. Sepúlveda Pertence.
  21. No sentido do texto: STJ. Recurso em Habeas Corpus (RHC) 19083, Relator Arnaldo Esteves Lima, 2006; STF. RHC 83717, Relator Marco Aurélio, 2004.
  22. A expressão "suspender" é amplamente discutida pelos Ministros no julgamento desse HC. É que, em verdade, como o crime ainda nem se consumou, a prescrição ainda nem se iniciou; e não se pode suspender algo que ainda não começado. Assim, "suspender" seria uma expressão imprópria.
  23. Tal argumento não subsiste mais, uma vez que uma interpretação ampliativa do art. 9º da lei 10.684/03 permite a extinção da punibilidade pelo pagamento a qualquer tempo, como restará demonstrado.
  24. Contra o exaurimento da instância administrativa como condição de procedibilidade para a denúncia do Ministério Público: COSTA, 2003, p. 57.
  25. Esse artigo 83, apesar de ter sido considerado constitucional na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADin) 1571-1, foi entendido como não aplicável ao parquet na mesma ADin.
  26. Afinal, o art. 5º, inc. XXXV da CF diz que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito". Obviamente, esse dispositivo também se aplica ao Ministério Público, cuja atuação perante o Judiciário não poderá ser excluída por lei, principalmente quando se trata da defesa dos direitos da coletividade.
  27. De se mencionar que tal privilégio perdeu a utilidade prática para os sonegadores, após a extensão do art. 9º da lei 10.684/03 a todos os delitos fiscais. Tal extensão será devidamente analisada no capítulo 4 do presente trabalho.
  28. Tal questão também será abordada no capítulo 4.
  29. GOMES, Luiz Flávio. Revista dos Tribunais, v. 812, p. 418- 433).
  30. Um último efeito favorável da reparação do dano, após a sentença, é que ele possibilita a concessão do sursis especial previsto no art. 78, §2º do CP.
  31. REFIS: Programa de Recuperação Fiscal
  32. No mesmo sentido, tanto em relação ao parcelamento, quanto ao pagamento integral: FÖPPEL, 2005, p. 76-77.
  33. A ultratividade da lei temporária não se aplica ao caso, pois essa característica excepcional pressupõe que o fato ocorra sob o seu império. (EFICÁCIA..., 200-).
  34. TRF 1ª Região, ACr 96.01.03936-8, Relator Cândido Ribeiro, 1998.
  35. STOCO, 2001, 642; FÖPPEL, 2005, 75; DECOMAIN, 1995, 158. Esse último autor, no entanto, prevê o possível intuito fraudulento do pedido de parcelamento. Como solução para evitar isso, ele acha que o Ministério Público deveria sobrestar a ação penal até o adimplemento completo do parcelamento.
  36. Voto proferido nos embargos de declaração nos embargos de declaração no HC 83.115-0 no STF.
  37. Tal mecanismo tem se mostrado, inclusive, bastante útil nesse mister arrecadatório, como bem explicitado em matéria de 18/07/2007, do portal G1: "Em um momento no qual está sendo discutido o aumento da carga tributária ocorrido em 2006, a arrecadação de impostos mostra força e indica que o mesmo fenômeno deve estar acontecendo neste ano" – MARTELLO, 2007 (no entanto, não se pode esquecer que existem outros fatores que também contribuem para esse aumento na arrecadação, como o crescimento da economia).
  38. Essa é a mesma conclusão de Élcio Arruda no artigo de sugestivo nome: "Existe crime tributário?" (2005).
  39. As notas vão de 0 a 10. Qualquer nota abaixo de 5,0 já é considerada preocupante. Fonte: Folha Online (GLYCERIO, 2006).
  40. PASSOS, Roberto da Silva. Elementos de Criminologia e Política Criminal. São Paulo, Edipro, 1994.


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Bernardo Marino. A quebra da isonomia nos crimes de sonegação fiscal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2311, 29 out. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13676. Acesso em: 24 abr. 2024.