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O "efetivo retorno à atividade" do art. 6º da Lei da Anistia (nº 8.878/94).

Exegeses equivocadas

O "efetivo retorno à atividade" do art. 6º da Lei da Anistia (nº 8.878/94). Exegeses equivocadas

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Introdução

O art. 6° da Lei da Anistia (nº. 8.878/94) estabelece que: "A anistia a que se refere esta lei só gerará efeitos financeiros a partir do "efetivo retorno à atividade", vedada a remuneração de qualquer espécie em caráter retroativo". Utilizou-se o artigo, para restabelecer uma relação contratual pré-existente, de expressão corriqueira e comum "retorno à atividade", afastando-se da precisão jurídica que requer o restabelecimento da relação contratual anterior, imposta pela anistia. Assim, tem induzido seus intérpretes a decodificá-la simploriamente, como simples ação de "retorno" no tempo, simples volta do anistiado, como se este, pólo ativo de uma relação contratual de trabalho, tivesse o condão de, por si só, deambulando, retornar à atividade, sem que a outra parte estivesse obrigada a se manifestar. A Consolidação das Leis do Trabalho e a Constituição Federal, como adiante se verá, tão somente empregam a palavra "retorno" como sinônimo de movimentação, deslocamento no espaço. Mas não é apenas isto que pretendeu artigo 6º e sim um "efetivo retorno", que justamente para ser "efetivo", envolve todo o complexo restabelecimento das relações contratuais anteriores, pré-existentes, incluindo-se o próprio contrato de trabalho, no caso do anistiado, contrato este que precisa ser revisitado em seus fundamentos essenciais. Só assim o "efetivo retorno à atividade" ganha vida no mundo jurídico, e nele merece ser inserido.

Ainda mais: para tornar o "retorno efetivo", o legislador ancorou sua aplicabilidade, bem como a de toda a Lei da Anistia, a seu Decreto regulamentador, de nº. 1.153/94, a demonstrar, conduzir e tornar operativa esta efetividade do retorno.


1. A estrutura da Lei da Anistia nº. 8.878/94: resumo e simplicidade da linguagem do ponto de vista jurídico

A Lei da Anistia é simples em sua positivação.

Composta de nove artigos, identifica, no artigo 1º, os beneficiários da Anistia, "servidores públicos civis e empregados da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional" e "empregados de empresas públicas e sociedades de economia mista sob controle da União que", "entre 16 de março de 1990 e 30 de setembro de 1992, tenham sido" exonerados, demitidos, despedidos, ou dispensados de seus empregos, e em seus incisos, as violações cometidas que fundamentam a concessão da anistia. Assim, o inciso II: "violação de dispositivo constitucional ou legal, regulamentar ou de cláusula constante de acordo, convenção ou sentença normativa;" e o III: "por motivação política, devidamente caracterizado, ou por interrupção de atividade profissional em decorrência de movimentação grevista.".

Observe-se, desde já, a menção, no inciso II, a termos recolhidos à legislação trabalhista, nomeadamente a expressão "acordo", que remete a acordos coletivos de trabalho que regem os "empregados de empresas públicas e sociedades de economia mista".

O artigo 2º, além de mencionar que o "retorno ao serviço dar-se-á, exclusivamente, no cargo ou emprego anteriormente ocupado", identifica aspectos processuais para a interposição do pedido de anistia.

O artigo 3º, mais voltado à área da Administração Pública Direta, identifica prioridades aos anistiados para o "retorno ao serviço", como os desempregados ou os empregados com remuneração inferior. O artigo 4º complementa o anterior, dispondo que se exclua, na contagem de vagas em concursos para contratação de pessoal, "o número correspondente ao de postulantes habilitados na forma desta Lei para os respectivos cargos ou empregos.".

O artigo 5º dispõe da estrutura concebida para análise e julgamento dos pedidos de anistia, "Comissão Especial de Anistia e Subcomissões Setoriais", e a mecânica recursal, além da menção ao regulamento posteriormente editado.

O polêmico artigo 6º dispõe:

A anistia a que se refere esta lei só gerará efeitos financeiros a partir do efetivo retorno à atividade, vedada a remuneração de qualquer espécie em caráter retroativo. ’

O artigo 6º já introduz modificação à expressão "retorno ao serviço", privilegiada pelos artigos 2º e 3º, porquanto "serviço" merece ser considerado como um conceito pontual do gênero mais amplo "atividade", que tudo abarca.

O artigo 7º especifica que as "despesas decorrentes desta Lei correrão à conta das dotações orçamentárias próprias dos respectivos órgãos ou entidades."; o 8º exclui a aplicabilidade de artigo da Lei 8.713/93, e o 9º diz respeito a sua vigência.


2. A anterior redação do artigo 3º do Projeto inicial da Lei da Anistia, de nº. 4.233-A, de 1993, origem do atual artigo 6°.

O artigo 3º do Projeto de Lei nº. 4.233-A, de 1993, publicado no Diário do Congresso de 25.02.1994, pág. 2315, estipulava o seguinte:

"Art. 3 O disposto nesta Lei somente gerará efeitos financeiros a partir de sua publicação, vedada a remuneração de qualquer espécie em caráter retroativo."

O Projeto de Lei em questão dispunha que "efeitos financeiros" ou remuneração retroativa ao anistiado, não seriam devidos entre a data de sua demissão e a data da publicação da lei da anistia, provocando um hiato remuneratório entre 1990 e 1993.

Posteriormente, quando da remessa do novo projeto de lei de anistia, que se converteu na atual Lei 8.878/94, assim se manifestou o Ministro Chefe de Estado da Secretaria da Administração Federal da Presidência da República, na Exposição de Motivos publicada no Diário do Congresso de 24 de novembro de 1993, pág. 25.411:

2. Na elaboração do projeto de lei, de acordo com os entendimentos mantidos, sob a orientação de Vossa Excelência, com as lideranças políticas, levaram-se em conta as conclusões do relatório apresentado pela Comissão Especial, criado por Decreto de 23 de junho de 1993, para examinar dispensas de servidores públicos e de empregados de cargos e empregos efetivos de órgãos e entidades da Administração Pública Federal.

3. Assim, a anistia deverá beneficiar, sem efeito remuneratório de qualquer espécie em caráter retroativo, os servidores e empregados punidos com demissão arbitrária ou por motivação política, comprovadamente caracterizada, bem como os punidos por haverem participado de movimentos de greve, no período compreendido entre os dias 16 de março de 1990 e 30 de setembro de 1992.

4. Para tanto, buscamos nos artigos 8º e 9º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, da Constituição de 1988, os parâmetros inspiradores da proposição que ora submetemos à consideração de Vossa Excelência.

5. O vigente Texto Magno ao conceder anistia como especificado naqueles dispositivos transitórios foi, sobretudo, inovador. Hoje, o conceito da anistia não mais se restringe a eventuais crimes cometidos por quem o Estado decida beneficiar com o perdão. Mais que isso, modernamente, anistia é, também, o ato político formal pelo qual se considera a motivação dos atos cometidos em nome do Estado, apagando-se-lhes os efeitos.

6. Esse é o nosso entendimento com relação à considerável parte dos milhares de casos analisados pela mencionada Comissão Especial: foram prejudicados por uma decisão que lhes suprimiu cargos e empregos.

Por ser inviável qualquer medida reparadora pela via administrativa, resta ao Poder Executivo, por decisão de Vossa Excelência, encaminhar ao Legislativo a proposição objeto do presente projeto de lei, na forma prevista pela Carta Magna."

Vê-se, pois, que a intenção manifesta do legislador sempre foi estabelecer um corte temporal entra a data da demissão do empregado, e a publicação da lei, de acordo com o que estabelecia a Constituição Federal em suas Disposições Transitórias, artigo 8º, referente à anistia, cujo §1º reza:

"§1º - O disposto neste artigo somente gerará efeitos financeiros a partir da promulgação da Constituição, vedada a remuneração de qualquer espécie em caráter retroativo."

Este § 1º é o fundamento constitucional da lei no que se refere a efeitos retroativos, onde o legislador, a par de conceder a anistia como discorre em sua Exposição de Motivos, procura barrar remuneração retroativa entre a publicação da lei – que concede o retorno do anistiado à atividade – e a data de sua demissão. É este interregno de tempo que o projeto de lei anterior, que deu origem à lei atual, excluiu da remuneração, como o fizera a Constituição Federal.


3. O novo artigo 6º da Lei 8.878/94 desloca no tempo a incidência dos efeitos financeiros da anistia, da data da publicação da lei para a data do "efetivo retorno", conjugando-o à adoção de "providências necessárias quanto ao retorno", do art. 6º de seu Decreto regulamentador.

Ciente o legislador de que após a data de promulgação da Lei da Anistia, 11 de maio de 1994, e respectiva análise, julgamento e concessão haveria de transcorrer um lapso de tempo, alterou a proposição inicial para a nova versão, encapsulada no artigo 6º, a fixar o "dies a quo" para a contagem dos efeitos financeiros como sendo a data do "efetivo retorno à atividade".

Acrescente-se que a regulamentação da Lei da Anistia se fez através do Decreto 1.153 de 08.06.1994, criando "Comissão Especial e Subcomissões Setoriais de Anistia", já citadas no "art. 5º da Lei 8.878/94", que dispunham de prazo para a conclusão de seus trabalhos, publicarem os resultados, encaminhando-os aos órgãos de Recursos Humanos das diversas entidades para que dessem curso ao cumprimento da anistia, tendo-se aqui a data inicial em que o propalado "efetivo retorno à atividade" começa a ocorrer, como demonstraremos no curso deste estudo.

Mas o bom senso deve imperar com relação à contagem do tempo referente a este "efetivo retorno à atividade": o profissional demitido no ano de 1990, anistiado por lei em 1994, e com seu nome enviado ao órgão de Recursos Humanos da entidade no início do ano de 1995, para que "... adote as providências necessárias quanto ao retorno do servidor...", deve entender que com a adoção das "providências necessárias ao retorno", este tem início, "providências" que incluem, entre outras, a elaboração do contrato de trabalho para restabelecimento da relação contratual anterior e a convocação do servidor ou empregado para sua assinatura, pólo passivo desta relação contratual trabalhista.

Admite-se que algum tempo razoável possa transcorrer para o cumprimento destas formalidades, mas medido em meses, nunca em anos.


4. O entendimento divergente do Tribunal Superior do Trabalho nas Orientações Jurisprudenciais nº. 56, anterior nº. 221, e nº. 91.

ANISTIA. LEI Nº. 8.878/94. EFEITOS FINANCEIROS DEVIDOS A PARTIR DO EFETIVO RETORNO À ATIVIDADE. (conversão da Orientação Jurisprudencial nº. 221 da SDI-1, DJ 20.04.05) Os efeitos financeiros da anistia concedida pela Lei nº. 8.878/94 somente serão devidos a partir do efetivo retorno à atividade, vedada a remuneração em caráter retroativo. (ex-OJ nº. 221 da SDI-1 - inserida em 20.06.01)"

Já com relação à anistia concedida pela lei ADCT, em 19.051997, a SDI-Plena do TST se manifestou no sentido de que os efeitos financeiros da readmissão do empregado foram considerados devidos:

"... a partir do momento em que este manifestou o desejo de retornar ao trabalho e, na ausência de prova, da data do ajuizamento da ação." (Orientação Jurisprudencial nº.. 91- Anistia. Art. 8º, § 1º, Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Efeitos financeiros. ECT. Inserida em 30.05.1997).

Comparando as duas Súmulas, na segunda, os anistiados por disposição constitucional, cujos efeitos financeiros seriam devidos "a partir da promulgação da Constituição" tiveram tal explícito direito alterado pelo TST que introduz no dispositivo constitucional a inesperada variável, não contida na Carta Magna, da manifestação do "desejo (do anistiado) de retornar ao trabalho e, na ausência de prova, da data do ajuizamento da ação."

Acrescenta à Lei Maior, neste caso, a necessária manifestação de desejo por parte do anistiado, desejo de "retornar ao trabalho", e portanto, de realizar o efetivo contrato de trabalho, sem o qual o retorno não se materializa em sede trabalhista, como bem sabe aquela colendo Tribunal.

Já quando trata análogo dispositivo da Lei 8.878/94 referente ao "efetivo retorno à atividade" apenas repete o texto do artigo 6º desta Lei, sem acrescentar a colenda interpretação suplementar, vinculada quer à manifestação do "desejo" do anistiado – como o fizera em 1997 com o mencionado dispositivo constitucional – quer à manifestação da Comissão de Anistia, que por força de lei estava obrigada a comunicar a concessão da anistia ao órgão de Recursos Humanos que, por seu turno e cumulativamente, da ocorrência da concessão da anistia, para que, na continuidade, este órgão tanto desse "conhecimento ao interessado", quanto desse curso à "adoção das providências necessárias", como dispõe o texto legal, desnecessária aquela exegese adicionadora ao texto do diploma constitucional, referente à manifestação do "desejo" do anistiado.

Ademais, as anistias concedidas eram publicadas suplementarmente no Diário Oficial da União, alcançando assim plena transparência, supostamente pretendida com a invocação da manifestação do desejo do anistiado.

Do exposto, exsurge a divergência interpretativa do TST quanto aos efeitos financeiros da anistia nos diplomas citados.


5. O entendimento do conceito "retorno": no Aurélio, na CLT e na CF.

O Aurélio nos conceitua "retorno" como:

1. Ato ou efeito de retornar, de regressar. [Sin.: regresso, volta e (p. us.) retornamento, retornança.] 2. Nas rodovias, desvio próprio para retornar. 3.Troca de mercadorias. 4. Dádiva em recompensa de favor ou presente. 5. Jur. Conta que acompanha o ressaque (2). [Cf., nesta acepção., recâmbio (2).] 6. Com. Resto de mercadoria que ficou por negociar; devolução. 7. Marinh. Mudança de direção de um cabo, obtida com o emprego de uma peça de poleame."

Portanto, "retorno" está correlacionado à idéia de movimento ou de volta, sem maior impacto no mundo jurídico.

Na Consolidação das Leis do Trabalho vamos encontrar apenas três menções ao vocábulo "retorno", e todas correlacionadas a um movimento temporal relativamente curto, exibindo esta legislação, pouca intimidade com este conceito.

O artigo 58, § 2º, a utiliza, quando estatui:

"§ 2º O tempo despendido pelo empregado até o local de trabalho e para o seu retorno, por qualquer meio de transporte, não será computado na jornada de trabalho, salvo quando, tratando-se de local de difícil acesso ou não servido por transporte público, o empregador fornecer a condução. (Parágrafo incluído pela Lei nº. 10.243, de 19.6.2001)"

O artigo 392, § 4º, inciso I também menciona o verbete:

"Art. 392...

§ 4º É garantido à empregada, durante a gravidez, sem prejuízo do salário e demais direitos:

I - transferência de função, quando as condições de saúde o exigirem, assegurada a retomada da função anteriormente exercida, logo após o "retorno" ao trabalho;"

Por terceiro e último, o artigo 458, em seu § 2º, inciso III, dirá que não se consideram como salário:

III – transporte destinado ao deslocamento para o trabalho e retorno, em percurso servido ou não por transporte público; (Incluído pela Lei nº. 10.243, de 19.6.2001)

A Constituição Federal apenas menciona o vocábulo uma vez, no § 5º do artigo 231 do Capítulo dos Índios, ao dizer:

"§ 5º - É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, "ad referendum" do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco."

Esta pobreza conceitual do verbete "retorno" à luz da Consolidação das Leis do Trabalho nos obriga a um exercício de lógica para entender seu significado e alcance no texto do artigo 6º da Lei 8.878/94, quando menciona o "efetivo retorno à atividade".


6. Como ocorre, na prática, este

do anistiado à entidade em que prestou serviço, ou ainda à entidade resultante?

Sem dúvida, trata-se de uma volta, um retorno, mas ao contrário dos verbetes acima apresentados, é um "retorno" que somente se materializa com a adoção de diversas medidas administrativas entre as quais a positivação de um contrato de trabalho.

Como vimos acima, o índio retorna a suas terras, o empregado retorna do seu local de trabalho através de transporte específico, a mulher grávida pode retornar a função que exercia antes da gravidez: eis diversas situações cujo retorno não se desdobrará num contrato de trabalho, ao contrário do "retorno" do anistiado, que já conheceu um distrato anterior, e que já não mais é detentor de um contrato de trabalho.

O art. 6° da Lei 8.878/94, ao usar a expressão – ‘efetivo retorno à atividade’ – adota vocabulário de uso corriqueiro, despreocupado com o alcance e sobre a processualística jurídico-contratual, e no caso trabalhista, que devem vestir o ‘efetivo retorno’, de modo a dar-lhe a roupagem jurídica adequada.

Ademais que o adjetivo ‘efetivo’ não só nada acrescenta ao texto, mas é eufemismo a ser evitado, pois a qualquer obrigação legal, e, portanto a qualquer texto legal, poder-se-ia incluir a expressão ‘efetivo’, quando se tratasse do cumprimento de determinadas obrigações. Restaria, quando muito, seu aspecto de ênfase.

Mas o ‘retorno à atividade’ da qual o trabalhador foi indevidamente desligado, através do distrato de seu contrato de trabalho, através da resolução contratual trabalhista, só poderá ocorrer através da (re) pactuação de um novo contrato trabalhista, - seja de admissão seja de readmissão – posto que aqui se está, e este é seu fundamento principal, em sede de direito do trabalho, e ainda, mais especificamente, em sede de contrato de trabalho.

Pois efetivar o ‘retorno à atividade’ exigirá, como um de seus passos cruciais e jurídicos, a celebração de um contrato de trabalho, entre ambas as partes desta relação ‘sui-generis’: o anistiado e a entidade à qual deverá se apresentar, seja anterior, seja a que a incorporou, responsáveis pelo cumprimento da obrigação que a Lei da Anistia em comento impôs, inda que sem penalidades contidas em seu texto aos que a descumprirem, tarefa, ‘ipso facto’, remetida aos Tribunais, encarregados de corrigir esta estranha lacuna legal, só abordável através dos conceitos da boa fé e, eventualmente, do enriquecimento se causa.


7.O "efetivo retorno à atividade" e a celebração do contrato de trabalho

’ requerido pelo art. 6° da Lei da Anistia, para que as partes o celebrem, como a qualquer contrato, mister o concurso inicial das vontades das partes, ("sine voluntas, sine pactus"), vale dizer, a presença e a manifestação inicial de cada uma destas vontades que, na continuidade da negociação pré-contratual convergirão para o pacto e depois para a sua celebração positivada em contrato.

A Consolidação das Leis do Trabalho, em seu Título IV – ‘Do Contrato Individual de Trabalho’ – ao longo dos artigos 442 a 510 – instrui sobre estas relações contratuais de trabalho, desde sua definição e da variável negocial de seus termos:

‘Art. 442. Contrato de trabalho é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego. ’

‘Art. 443. O contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamente, verbalmente ou por escrito e por prazo determinado ou indeterminado. ’

‘Art. 444. As relações contratuais podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e à decisões das autoridades competentes.’ (grifei)

Para que as "partes interessadas" negociem e pactuem um contrato de trabalho deverão comparecer a um local próprio, normalmente a área de Recursos Humanos da empresa contratante, para que, o pacto se celebre.

Caso a "parte interessada" responsável pela recepção do anistiado, não convoque o anistiado e não adote as "providências necessárias quanto ao retorno do servidor" – descumprindo o art. 6º em seu caput ou em seu § 3º do Decreto nº. 1.153/94, que regulamentou a Lei da Anistia - ou ainda apresente dificuldades contratuais impedindo ao anistiado de assinar o devido contrato de trabalho – estará impedindo sua celebração ou seu "acordo".

Neste caso, descumprindo este artigo 6º do Decreto nº. 1.153/94, faltará o concurso da vontade de uma das "partes interessadas", - entidade ou empresa a qual o anistiado se destina -, e assim, como decorrência natural, o contrato de trabalho não será estipulado ou pactuado, frustrando a expectativa do sintético artigo 6° da Lei nº. 8.878/94, que cogitava do ‘efetivo retorno à atividade’.

Já se vê, e nem podia ser diferente, que este retorno à atividade exige o concurso da vontade da empresa, que está obrigada a manifestá-lo.

Pois não há efetivo retorno à atividade sem a estipulação ou acordo através de um contrato de trabalho, e este não se celebra se uma das partes interessadas não se dispuser a fazê-lo, afirmação óbvia, mas essencial para fixar o "dies a quo" em que esta obrigação de celebrá-lo se põe.

Mas se o anistiado – "parte interessada" - pode, pelo exercício livre e soberano de sua vontade, não celebrar o contrato de trabalho, única chave para o "efetivo retorno à atividade", também pode a entidade/empresa agir de idêntico modo: quer omitindo-se e não convocando o anistiado à discussão do contrato, quer apresentando proposta contratual contendo pontos de litigância que forçarão o anistiado a recorrer à Justiça.


8. A entidade ou empresa -"parte interessada" - pode descumprir o art. 6º do Decreto nº. 1.153/94 em seu caput ou em seu § 3º: omissão e não convocação do anistiado à celebração do contrato de trabalho. O entendimento do MS-4116/DF,

A entidade ou empresa – "parte interessada" – pode, sem qualquer sanção, não convocar o anistiado, descumprindo o artigo 6º do Decreto 1.153/94, a determinar que após ser informado pela Subcomissão Setorial ou Comissão Especial de Anistia do resultado da "análise de cada processo", o "órgão de Recursos Humanos" dê "conhecimento ao interessado" e adote "as providências necessárias quanto ao retorno do servidor, observado o disposto no art. 2º da Lei nº. 8.878/94".

A exegese do artigo 6º da Lei 8.878/94, ao cogitar do "efetivo retorno à atividade" do anistiado, aponta para uma relação contratual cujo pleno atingimento – a celebração final de um contrato de trabalho – exige o concurso da vontade das partes contratantes, através de um rito processual contido no artigo 6º do Decreto 1.153/94, impondo uma convergência de vontades sem a qual o dito retorno não ocorrerá.

Como se está em sede contratual, este aspecto da processualística da admissão à empresa há que ser considerado: um conjunto de obrigações pré-contratuais antecedentes à celebração do pacto, contrapostas às do anistiado para idêntico efeito.

Portanto, a leitura isolada do artigo 6º da Lei 8.878/94 - "Nada é devido ao anistiado enquanto não houver o ‘efetivo retorno à atividade’", - afasta-o do mundo jurídico, pois sua plena eficácia exige, concomitantemente, a celebração do devido contrato de trabalho, a exigir, por seu turno a convergente manifestação de vontade das "partes interessadas" para que tal celebração, pactuação ou acordo ocorra, estando obrigada a entidade ou empresa a convocar o anistiado, cumprindo aqui a determinação do supracitado artigo 6º do Decreto nº. 1.153/94.

Uma cadeia lógica de eventos jurídicos causa o "efetivo retorno à atividade" do anistiado e esta cadeia merece ser acostada a exegese deste texto legal, e, portanto à Orientação Jurisprudencial nº. 56 do TST, retrocitada. Do contrário a exegese jurisprudencial estaria a abrigar a omissão (vide acórdão do STJ a seguir) das empresas que, obrigadas a convocar os anistiados por força do artigo 6ª do Decreto nº. 1.153/94, simplesmente não o fizeram, contando com o beneplácito dos Tribunais que se omitiram diante deste ponto crucial.

Contudo, a decisão em sede de Mandado de Segurança 4116/DF, de 1995/0030865-7, assim dispôs a 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, a 23.08.2006, sendo Relatora a Ministra Laurita Vaz, que se tem revelado uma arguta conhecedora das leis de anistia. – Publicação no DJ 11.09.2006 p. 227:

"MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. SERVIÇO PÚBLICO.

Convênio celebrado entre o Ministério da Ciência e Tecnologia e a Fundação de Tecnologia Industrial – FTI.

Dispensa sem justa causa. Concessão de anistia pela administração, com base na Lei n.º 8.878/94 e Decreto n.º 1.153/94.

Expedição de portaria ministerial. Inexistência de revogação do ato. Reintegração não efetivada. Omissão evidenciada.

1. Preliminares de ilegitimidade passiva ‘ad causam’ e de carência de ação rejeitadas.

2. Têm direito líquido e certo os ora Impetrantes, ex-funcionários da Fundação de Tecnologia Industrial – FTI, de serem reintegrados ao serviço público, uma vez que, com o advento da Lei n.º 8.878/94 e do Decreto n.º 1.153/94, foram anistiados, em grau de recurso, consoante a Portaria n.º 41, de 28/12/1994. Manifesta omissão do Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia, que deixou de determinar os seus retornos ao serviço público, contrariando o disposto na Lei de Anistia. (grifei)

3. Segurança concedida a fim determinar a autoridade apontada coatora que tome imediatas providências no sentido de reintegrar os impetrantes nos cargos resultantes da transformação daqueles que ocupavam por ocasião de suas dispensas ou em cargos equivalentes atuais, em cumprimento à anistia a eles concedida, nos termos do voto da Relatora."

A Relatora Ministra Laurita Vaz, profunda conhecedora das leis da anistia, aponta para a omissão do Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia, "que deixou de determinar os seus retornos ao serviço público, contrariando o disposto na Lei da Anistia", omissão que mencionamos acima, e que integra a lógica do cumprimento da anistia, que os tribunais trabalhistas, como se verá a seguir, não estão a abrigar.

Estabelece-se uma divergência entre a orientação destes tribunais e julgados do STJ, como o acima transcrito, mantendo acesso a hipótese de novos recursos buscando decisões que logrem pacificar a matéria.


9. No Recurso de Revista a seguir a 4ª Turma do TST esmaga, sem argumentos novos, o ‘rationale’ do TRT da 8ª Região, ao fixar a data do "efetivo retorno à atividade"

Sustenta a reclamada que o ‘dies a quo’ que do prazo prescricional a ser considerado deve ser pelo menos, a data da publicação do nome do reclamado no DOU. Desta forma, aponta violados os arts. 7º, XXIX, de Constituição Federal, 11 da CLT, e 3º da LICC. Transcreve jurisprudência a confronto.

...

A Corte de origem definiu a controvérsia nos seguintes termos: "... Em relação ao argumento de que não há direito adquirido à readmissão, mas apenas a aptidão para ser readmitida, conforme disponibilidade de vagas e recursos orçamentários e financeiros, novamente não assiste razão à recorrente. A Lei nº. 8.878/94 possibilitou a readmissão de servidores e funcionários públicos demitidos arbitrariamente, especificando alguns requisitos necessários para declaração de aptidão destes trabalhadores para retornar ao serviço. Assim, entendemos que, uma vez considerada apta pela Subcomissão Setorial de Anistia, de acordo com o supracitado diploma legal, a reclamante já teria preenchido todos os requisitos exigidos na Lei para sua readmissão e, portanto, deveria a reclamada imediatamente comunicar a autora e iniciar os procedimentos para que fosse efetivada sua readmissão, conforme preceitua do Decreto nº. 1.153/94. Desta forma, mantenho a r. decisão de primeiro grau que determinou imediata readmissão da reclamante, com efeitos financeiros a partir de 26.10.94, em todos os seus termos."

E na ementa do Acórdão, a 4ª Turma ignora a "rationale" das instâncias inferiores que haviam adequadamente identificado a lógica subjacente ao conceito do "efetivo retorno à atividade", como buscamos explicitar em nossos itens (7) e (8) anteriores, e vai concluir repetindo o texto do artigo 6º da Lei 8.878/94, lido de forma absoluta, ignorando sua inserção em sede contratual, e pior, em sede contratual trabalhista, e ignorando ainda os comezinhos princípios da boa-fé contratual ou pré-contratual.

Aquela 4ª Turma, ao ignorar a "rationale" das instâncias inferiores calcadas objetivamente no artigo 6º do Decreto 1.153/94, dele faz ‘tabula rasa’ como se não existisse.

Eis a ementa do Acórdão da 4ª Turma:

"RECURSO DE REVISTA. CONAB. ANISTIA. LEI Nº. 8.878/84. É clara a determinação do art. 6º da lei em epígrafe no sentido de que os efeitos financeiros decorrentes da anistia lá referida só podem ser considerados a partir do efetivo retorno do anistiado à atividade. Recurso conhecido e provido."


10. Alguns Acórdãos

10.1. PROCESSO: E-RR; Nº.: 393132; Ano: 1997; Publicação: DJ- 28/04/2000

"A C Ó R D Ã O - EMBARGOS. INTERPRETAÇÃO RAZOÁVEL. CONHECIMENTO. O Regional interpretou o artigo 6º da Lei 8.878/94, entendendo que os efeitos financeiros só serão devidos a partir do efetivo retorno à atividade. Trata-se de interpretação razoável de dispositivo legal, o que impede o conhecimento da matéria, a teor do Enunciado nº. 221 desta Corte.

Embargos não conhecidos.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Embargos em Recurso de Revista nº. TST-E-RR-393.132/97.0, em que é Embargante EULÁLIO ASTERIO DOS SANTOS e Embargada EMPRESA BRASILEIRA DE INFRA-ESTRUTURA AEROPORTUÁRIA - INFRAERO.".

Ao contrário do que ocorreu no processo que deu origem ao Recurso de Revista comentado no item 9 anterior, neste caso não há menção ao artigo 6º do Decreto 1.153/94, que regulamentou a Lei da Anistia em comento.

10.2. PROCESSO: E-RR; Nº.: 486033; Ano: 1998; Publicação: DJ - 27/10/2000.

"ANISTIA - READMISSÃO - O art. 6º da Lei nº. 8.878/94 não abriga a figura da reintegração, mas da admissão, pura e simples, do empregado ao trabalho, daquele que foi antes despedido, ou que se despediu, e que pode ser readmitido no serviço. A Colenda Turma, ao determinar o pagamento dos salários a partir do momento em que o empregado manifestou o desejo de retornar às suas atividades, ou do ajuizamento da ação, aplicou os efeitos financeiros da anistia concedida pelo art. 8º, § 1º do ADCT, quando existe legislação específica a respeito da demissão sofrida pelo Reclamante, inclusive limitando os efeitos financeiros da anistia.

Embargos conhecidos e providos. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Embargos em Recurso de Revista nº. TST-E-RR-486.033/98.5, em que é Embargante COMPANHIA DOCAS DO PARÁ - CDP e Embargado MARCO ANTÔNIO SOUZA DA SILVA. A Colenda 4ª Turma, pelo v. acórdão de fls. 331/332, conheceu do Recurso de Revista e, no mérito, deu provimento parcial para determinar o pagamento dos salários a partir do momento em que o trabalhador manifestou seu desejo de retornar às suas atividades, ou, na ausência de prova, do ajuizamento da ação, nos termos da orientação jurisprudencial desta Corte. Irresignada, a Reclamada interpõe Recurso de Embargos com fundamento no artigo 894 da CLT. Afirma que o v. acórdão embargado, ao dar provimento ao Recurso de Revista do Reclamante condenando a Reclamada ao pagamento dos salários a partir do momento em que o trabalhador manifestou seu desejo de retornar às suas atividades, ou, na ausência de prova, do ajuizamento da ação, nos termos da orientação jurisprudencial desta Corte, violou o art. 6º da Lei nº. 8.878/94, bem como o art. 5º, inciso II da Constituição Federal. O Recurso de Embargos foi admitido, às fls. 348/349. Impugnação não foi apresentada. Dispensada a remessa dos autos ao Ministério Público do Trabalho, tendo em vista o disposto no artigo 113 do RI/TST. É o relatório. (grifei)

Novamente a "rationale" das decisões em ambas as Cortes não faz menção ao artigo 6º do Decreto 1.193/94, omissão imperdoável para a correta exegese da matéria e conseqüente julgamento, pois a Lei 8.878/94 é inaplicável sem o Decreto 1.153/94 que justamente supre tal lacuna – a aplicabilidade da lei da anistia -, incluindo sua estrutura judicante, através de comissões específicas, para tal efeito.

Como não o mencionam outros acórdãos recolhidos a esmo, abaixo transcritos para registrar esta lacuna perpretada por cortes acostumadas a análises dos litígios trabalhistas, e portanto dos fundamentos de relações contratuais ou pré-contratuais desta seara.

Quão sensíveis estariam as cortes trabalhistas para julgar matérias de anistia, tangentes ao elenco dos direitos constitucionais, e ainda, por fim, para presumir que a pacificaram nestes tribunais, quando se tem notícia do voto e relatório da Ministra Laurita Vaz, do STJ, supracitado em nosso item 8 anterior, e que diverge do pacífico entendimento dos tribunais trabalhistas.

Eis então alguns acórdãos que mencionam a Lei da Anistia, mas não seu Decreto regulamentador, essencial ao pleno entendimento e aplicabilidade deste instituto:

"1996 – TRT 3ª Região: ANISTIA – LEI 8878/94 – INEXISTÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO -... ‘a anistia só gerará efeitos financeiros a partir do efetivo retorno a atividade, vedada qualquer remuneração em caráter retroativo, simples habilitação de seus postulantes em procedimento administrativo de caráter nacional não faz surgir direito adquirido dos mesmos a sua imediata readmissão. Recurso a que se dá provimento. (TRT 3ª R – RO 0730/95 – 4ª T – Rel. Juiz José Roberto Freire Pimenta – DJMG 27.97.1996)" ·.

"1997 – TRT 6ª - ANISTIA – INCOMPETÊNCIA DA JUST. DO TRABALHO – A anistia concedida pela Lei 8878/94 não foi absoluta, condicionou-a o legislador ao juízo de conveniência administrativa – necessidade da readmissão – bem como a existência de disponibilidade financeira, matérias cuja apreciação refoge à competência da Justiça do Trabalho. (TRT 6ª R, RO 2239/97 – 1ª T. Rel. Juiz Ivanildo da Cunha Andrade – DOEPE 26.09.1997)"

"2000 – TST – EMBARGOS À SDI – ANISTIA – LEI 8878/94 – EFEITOS FINANCEIROS – VIOLAÇÃO LEGAL E DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO CONFIGURADAS. - Estando a decisão embargada, que reconheceu os efeitos financeiros da anistia apenas a partir da readmissão do reclamante na reclamada, embasada no artigo 6º da Lei, que inclusive veda, expressamente, a remuneração de qualquer espécie, em caráter retroativo, não se vislumbra qualquer ofensa ao referido preceito legal, que foi corretamente aplicado. Recurso de embargos não conhecido. (TST – ERR 471998 – SDBI 1 – Rel. Min. Milton de Moura França – DJU 22.09.00, pág. 431)"

"2000 – TST – ANISTIA – LEI 8878/94 – READMISSÃO – EFEITOS FINANCEIROS - 1. o art. 6º, da Lei, expressamente veda remuneração em caráter retroativo em decorrência da anistia. 2. Garante a mencionada lei tão somente o retorno do anistiado às suas atividades, a partir de quando, como conseqüência natural, retoma-se a execução do contrato de emprego. 3. Restabelecer a r. sentença, que deferiu parcelas a título de indenização por perdas e danos retroativamente à data da readmissão da Reclamante representaria afronta ao princípio da legalidade, insculpido no art. 5º, inciso II, da Carta Magna, impondo ao empregador obrigação não prevista em lei. Recurso de revista a que se nega provimento. (TST – RR 437899 – 1ª T – Rel. Min. João Oreste Dalazen – DJU 13.10.00 – p. 384)"

"2002 – TST – ANISTIA – EFEITOS FINANCEIROS – LEI 8878/94 - A decisão embargada, ao firmar a tese de que os efeitos financeiros da readmissão do empregado anistiado pela Lei 8878, são devidos a partir da data do ajuizamento da ação, afrontou a norma do art. 6° da ref. Lei, que dispõe, expressamente, que a anistia nela prevista ‘só gerará efeitos financeiros a partir do efetivo retorno à atividade, vedada a remuneração de qualquer espécie em caráter retroativo’. A controvérsia já se encontra pacificada no âmbito desta Corte, por meio da Orientação Jurisprudencial nº. 221 da e. SDI, no sentido de que os efeitos financeiros decorrentes da anistia prevista na Lei 8878/94 são devidos a a partir do efetivo retorno à atividade. Recurso de embargos provido. (TST – ERR 301550 – SBDI 1 – Rel. Min. Milton de Moura França – DJU 31.10.2002") (grifei)

"2003 – TST – RECURSO ORDINÁRIO – AÇÃO RESCISÓRIA – LEI DA ANISTIA – EFEITOS FINANCEIROS – LEI 8878/94 – Inviável se revela a rescisão do julgado por violação do art.6º da Lei 8878/94, ante o óbice do Enunciado nº. 83 do TST e da Súmula nº. 343 do STF. Com efeito, na data da prolação do acordo rescindendo (17.12.96) havia nítida controvérsia sobre a matéria pertinente aos efeitos financeiros da anistia, evidenciada em decisões que ora propendiam pela reintegração do reclamante ao emprego, ora pela sua readmissão. Registre-se que a questão só veio a ser pacificada com a inclusão do tema na lista de precedentes jurisprudenciais da SBDI-1 em 20.6.2001, vindo à baila, portanto, a OJ nº. 77 da SBDI-2, segundo a qual a data da inclusão da matéria discutida na ação rescisória na Orientação Jurisprudencial do TST é o divisor de águas quanto a ser, ou não, controvertida nos tribunais a interpretação dos dispositivos legais citados na ação rescisória. Recurso provido. (TST – ROAR 754823 – SDBI 2 – Rel. Min. Antonio José de Barros Levenhagen – DJU 21.03.2993)"(grifei)

"2004 – TST – ANISTIA – SERPRO – READMISSÃO – PAGAMENTO A PARTID DO RETORNO DO EMPREGADO – RECURSO DE REVISTA – NÃO-CONHECIMENTO – A readmissão não possibilita o pagamento de remuneração em caráter retroativo em decorrência da anistia, a teor da Orientação Jurisprudencial 221 da Seção Especializada em Dissídios Individuais desta Corte. (TST – RR 598437 – 1ª T. – rel. Juiz Conv. Aloysio Corrêa da Veiga – DJU 27.02.04)"(grifei)


11. O Parecer CGU/AGU nº. 01/2007 – RVJ. Processo: 00400.0000843/2007-88. Interessado: Associação dos Membros das Carreiras da AGU-ANAJUR.

Neste amplo Parecer, de 100 páginas, não se traz à exegese da Lei da Anistia 8.878/94, o seu Decreto regulamentador nº. 1.153/94, justamente o Decreto que torna tal lei aplicável, não só através das comissões que ali instituiu, com prazo específico de existência, mas ainda quanto às obrigações interpostas a estas comissões no que se referia à comunicação da concessão da anistia aos órgãos de Recursos Humanos das diversas empresas aos quais os anistiados estavam designados e, por seu turno, destes órgãos aos próprios anistiados. (art. 6º do Decreto citado)

Assim, a contextualizar histórica e politicamente a matéria diz:

"8. Decretos, Portarias, Instruções Normativas, Orientações Normativas, Pareceres da Advocacia-Geral da União, entre diversos outros normativos foram editados por inúmeros órgãos e entidades buscando a perfeita exegese da norma de regência – Lei 8.878 de 1994 – e a densificação dos dispositivos constitucionais relacionados à matéria."

O capítulo III se intitula "A exegese da Lei nº. 8.878 de 1994, e de suas principais normas regulamentares: a consolidação do entendimento da AGU".

Ao historiar os decretos que trataram da anistia, a partir do item nº. 416 do Parecer, menciona o que se segue:

"430. Foi expedido, então, o Decreto nº. 1.153, de 08.06.94, publicado no D.O.U. de 09.06.94, que detalhava o funcionamento da Comissão Especial de Anistia – CEA e os das Subcomissões Setoriais.

431. Pelo Decreto, cabia às Subcomissões Setoriais a decisão e à Comissão Especial de Anistia a competência recursal."

Ao fazer a exegese do artigo 6º da Lei da Anistia, assim se manifestou o Parecer, sem qualquer menção ao Decreto:

"506. Não há que se falar em efeitos financeiros retroativos à data do afastamento do servidor ou empregado, nas hipóteses previstas nos incisos do art. 1º desta Lei.

507. Clara é a disposição da Lei de que a anistia só gera efeitos financeiros a partir do efetivo retorno ao serviço público.

508. Eventuais decisões judiciais que imponham o pagamento retroativo à data do afastamento devem ser objeto das medidas judiciais cabíveis a serem impetradas pelos órgãos competentes da AGU."

E nas "Conclusões e Recomendações" não faz menção ao referido Decreto 1.153/94, sem o qual a Lei da Anistia 8.878/94 é de pronto inaplicável, quanto mais inteligível para sua ulterior exegese.


12. Conclusão

Pretendeu-se demonstrar o equívoco em que se constitui o entendimento do artigo 6º da Lei da Anistia nº. 8.878/94, quando cogita do "efetivo retorno à atividade" do anistiado, sem que se considere o art. 6º do Decreto 1.153/94 que a regulamentou, explicitando que competia ao "órgão de Recursos Humanos respectivo dar conhecimento ao interessado e adotar as providências necessárias, quanto ao retorno do servidor..."

"Providências necessárias", quais? Convocar o anistiado para assinar o correspondente contrato de trabalho, sem o que o "efetivo retorno à atividade" não se materializa, permanecendo apenas como figura de ficção, recitado e tri citado pelos tribunais, álibi para que a contratação não ocorra.

É justo fugir a esta exegese que se quer completa quanto ao "efetivo retorno", ou há outra forma de retorno que não envolva a convocação do servidor ou empregado e a formalização de um contrato, aproximando-se as partes e manifestando sua vontade de contratar?

"Sine voluntas, sine pactus": e a vontade se manifesta, por parte da empresa ou entidade, através da convocação do servidor ou empregado, como, aliás, lhe obriga o citado artigo 6º do Decreto 1.153/94.

Mas juízes e exegetas se esqueceram de considerar não somente o Decreto 1.153/94 que tornou aplicável a Lei da Anistia nº. 8.878/94. Em sede contratual trabalhista deixaram de considerar a estrutura formativa de contratos desta natureza e em sua dinâmica temporal, da convocação à assinatura de um contrato.

E em sede contratual, deixaram de considerar o resgatado princípio da "boa fé", que rege tais relações e que se encaixa plenamente no espírito da lei que concedeu a anistia, lei que traduz, à exaustão, a ‘boa fé" do legislador face às demissões ocorridas durante a precipitada reforma administrativa do Governo Collor.

Que país é este cujos tribunais se esquecem de aplicar ou considerar o Decreto regulamentador de uma Lei?


Autor

  • Paulo Guilherme Hostin Sämy

    Experiência anterior em bancos, RH, mercado financeiro, comércio exterior e marketing. Eleito Analista do Ano 2004 da Abamec/Apimec - Associação dos Analistas do Mercado de Capitais. Articulista do Monitor Mercantil desde 1998, com temas correlacionados à área financeira, economia e política. Publicação anterior de artigos na revista da ABAMEC,- sobre mercado financeiro - em 'Tendências do Trabalho', então da Editora Suma Econômica - sobre administração - e na revista "Engenho e Arte", sobre alguns aspectos iniciáticos. Vídeos de treinamento publicados através da Editora Suma Econômica: "Criatividade em Equipe" e "O Príncipe: Estratégias de Ataque e Defesa nas Disputas de Poder".

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SÄMY, Paulo Guilherme Hostin. O "efetivo retorno à atividade" do art. 6º da Lei da Anistia (nº 8.878/94). Exegeses equivocadas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2296, 14 out. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13677. Acesso em: 19 abr. 2024.