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Processo legislativo

a revisão entre as Casas do Congresso Nacional

Processo legislativo: a revisão entre as Casas do Congresso Nacional

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Sumário: Apresentação; I - O Poder Legislativo; II – Bicameralismo e Unicameralismo; III – Federalismo; IV - O Poder Legislativo no Brasil; V – Processo Legislativo Brasileiro; Conclusão; Bibliografia.


APRESENTAÇÃO

A presente monografia tem a finalidade de refletir sobre a revisão dos projetos de lei entre as duas Casas que compõem o Congresso Nacional: a Câmara dos Deputados e o Senado Federal.

A Constituição Federal determina que o projeto iniciado em uma das Casas do Congresso Nacional deverá ser revisto pela outra. Esse preceito constitucional não é novo no sistema constitucional brasileiro.

A técnica de organização legislativa adotada em nosso País, inaugurada com a Carta de 1824, adotou o sistema bicameral, havendo, desde então, o processo de revisão legislativa entre as Casas do Congresso Nacional.

Pretendemos demonstrar, nesse trabalho, a inconveniência constitucional, jurídica e política do modelo adotado no Brasil.

Ao longo da monografia, iremos discorrer sobre o papel e a importância do Poder Legislativo, enquanto poder fundamental a estruturar o Estado democrático e de direito, localizando, historicamente, o surgimento dos sistemas unicameral e bicameral, enquanto técnica de organização legislativa.

Com o advento do federalismo, o sistema bicameral veio a ser reforçado, constituindo-se na fórmula principal escolhida pelos países ocidentais. Analisaremos a teoria federalista, pois com a adoção desse modelo como forma de Estado, isso trouxe importantes reflexos na elaboração legislativa, tendo em vista o papel das câmaras federativas em representar os interesses dos estados federados.

Após esses capítulos gerais, nos quais abordaremos experiências no direito comparado, vamos nos deter na análise do processo legislativo brasileiro, não sem antes percorrermos um pouco da história do nosso Poder Legislativo. Debruçaremo-nos nos aspectos da federação brasileira, uma vez que o federalismo veio formatar o Estado brasileiro com a proclamação da República, em fins do século passado.

Posteriormente, centraremo-nos na discussão do capítulo do Processo Legislativo, consoante assentado na Carta Constitucional. Mencionaremos as competências da Câmara dos Deputados e do Senado Federal; as reservas de iniciativa legislativa e os vários atos normativos.

Nesse capítulo, discutimos os aspectos da revisão do processo legislativo, parte nuclear desse trabalho, analisando, criticamente, o papel conferido ao Senado e à Câmara dos Deputados. Buscaremos apontar soluções a superar a excessiva lentidão dos trabalhos legislativos, e, principalmente, a nosso entender, pôr fim a um constitucionalismo mal concebido, onde as duas Casas legislativas esvaem-se, improdutivamente, no cumprimento de um discutível papel revisor, abrindo caminho ao Poder Executivo em assenhorar-se das funções legislativas, retirando o conteúdo da doutrina e da prática da tripartição dos Poderes.

Com esse trabalho, pretendemos dar uma contribuição ao debate ao processo legislativo no escopo de melhor compreendermos as técnicas de organização legislativa que dão funcionalidade ao Poder Legislativo, colocando-o como poder efetivo a sedimentar o Estado democrático e de direito - apesar de secular - ainda frágil.


CAPÍTULO I – O PODER LEGISLATIVO

1.1. Considerações Iniciais; 1.2. Conceito e finalidade; 1.3. Surgimento e evolução; 1.4. Funcionamento do Poder Legislativo.

1.1. Considerações Iniciais.

Neste primeiro capítulo elencaremos alguns conceitos elaborados pela doutrina sobre o Poder Legislativo, os quais foram maturados ao longo da história na evolução desse Poder. Em razão disso, julgamos essencial traçar um panorama do surgimento e evolução desse Poder, a fim de melhor compreender os conceitos formulados.

Localizando o surgimento e registrando a evolução do Poder Legislativo, pensamos que nos será permitido compreender mais claramente os diversos modelos de funcionamento desse Poder encontrados atualmente, tópico também a ser explorado nesse capítulo.

1.2. Conceito e finalidade

O Poder Legislativo, a partir da doutrina de Montesquieu(1), é, dos três Poderes(2)que integram o Estado moderno, o que detém a função primordial da produção das leis, atribuindo aos indivíduos, submetidos à soberania estatal, determinados comportamentos, no intuito de adequarem-se às normas jurídicas por ele produzidas.

Ao Legislativo, como bem assinalou SUNDFELD, "cabe a função legislativa, correspondente à edição de normas gerais e abstratas (as leis), seja para regular os demais atos estatais, seja para regular a vida dos cidadãos."(3)

Podemos dividi-lo em duas espécies básicas para melhor compreendê-lo: Poder Legislativo Originário e Derivado.

Pelo primeiro, quando da instalação da Assembléia Constituinte, os indivíduos entregam a seus representantes a prerrogativa de, em seu nome, confeccionar as leis básicas fundamentais da organização estatal. Das três funções básicas do Estado (Executivo, Legislativo e Judicial) ela é quem surge primeiro, criando o ente estatal (nascimento jurídico-constitucional do Estado) revestidos das suas funções essenciais.

Conformadas as leis fundamentais (constitucionais), a partir daí, dá-se a vez ao Poder Legislativo derivado, momento no qual os agentes públicos, revestidos do mandato da representação da coletividade, têm o poder-dever de produzir as normas jurídicas válidas para a toda sociedade e para o Estado, sem, contudo, alterar as normas fundamentais protegidas pela cláusula da imutabilidade.(4)

Todavia, como adverte o constitucionalista Manoel Gonçalves Ferreira Filho "nem todas as regras gerais e impessoais que o Estado positiva são editadas por esse poder. De fato, outras há, como as constantes dos chamados regulamentos administrativos, que são obra do Poder Executivo."(5)

E, ao conceituar o Poder Legislativo, diz - não obstante essa conceituação ser tautológica:

"que o Poder Legislativo tem o poder de editar regras jurídicas segundo um processo fixado na Constituição para a elaboração das leis. Donde decorre que toda regra adotada por meio desse processo é uma lei, embora não seja, às vezes, nem impessoal nem geral."(6)

Entrementes, a atenuação da divisão clássica entre os Poderes, principalmente com o papel legiferante mais acentuado exercido contemporaneamente pelo Poder Executivo, o Poder Legislativo ainda guarda a característica de ser o órgão representativo, por excelência, da soberania popular, embora essa circunstância tenha sido em grande parte enfraquecida com a democratização do Poder Executivo, que hoje se apresenta de origem também popular.

A par disso, "o Poder Legislativo guarda para si a função de fazer as leis, apesar da participação do Poder Executivo, mas com papel preponderante ao deste."(7)

Ainda, nas lições de SALDANHA:

"...ao Legislativo cabe essencialmente, respondendo às aspirações do povo, realizar por meio de normas subconstitucionais as grandes metas e fins almejados pela Constituição, com os limites que esta mesma impõe ao Estado em benefício do cidadão".(8)

1.3. Surgimento e evolução

Ao longo da história da humanidade encontramos vestígios da existência do Poder Legislativo. Seja na Grécia e na Roma antigas, ou entre os povos do Oriente. Mas os contornos que influenciarão na constituição do moderno Poder Legislativo só vamos os encontrar durante a fase da Idade Média. ANDRADE assinala que:

"Foi somente na alta Idade Média, a partir dos séculos XII e XIII, que começaram a surgir os primeiros parlamentos, no sentido moderno do termo. (...) As províncias romanas, havia muito, viviam oprimidas pelo despotismo dos últimos imperadores, arrasadas pelos impostos excessivos e privadas de qualquer vestígios daquela antiga soberania popular, que tanto enaltecera as instituições de Roma no período áureo da república".(9)

Para compreensão do surgimento e evolução do Poder Legislativo, mister registrar a contribuição das invasões bárbaras, influindo a cultura política dos países historicamente dominados por Roma:

"Adotando oficialmente a língua latina e boa parte da estruturação político administrativa e das práticas cerimoniais da Roma imperial, eles conservaram algumas normas de conduta dos seus países de origem, como o costume de só tomarem decisões soberanas após a audiência de um grupo de conselheiros, cujas opiniões o monarca nunca se via obrigado a acatar, embora a tradição não lhe permitisse decidir sem ouvi-los".(10)

Num processo evolutivo, as então disputas armadas vão cedendo aos arranjos políticos, cujos atores principais (nobreza, clero e realeza) são secundados pelos vassalos, os elementos mais populares.

"O poder real foi-se gradativamente enfraquecendo, enquanto "os grandes" do reino se transformavam em potentados rivais, cujas disputas, quando não se resolviam pelas armas (que era o caso mais freqüente), podiam ser submetidas ao arbitramento da cura regia. As reuniões dos conselhos passaram a ter numerosos acompanhamentos, porque, tanto os condes e barões como os bispos e arcebispos (que também eram grandes senhores feudais e dispunham inclusive de tropas bem municiadas) traziam consigo os vassalos armados, para fazerem demonstrações de força e sustentarem suas reivindicações".(11)

Interessante notar, não obstante a participação popular nessa época, não poderíamos caracterizá-la como democrática, simplesmente porque os vassalos não tinham a faculdade de votar e opinar relativamente aos acordos celebrados. Pelo vultoso número de participantes, cada uma dessas assembléias, que somente o rei tinha autoridade para convocar, tomou o nome de conventus generalis populi. Não se tratava, ainda, de assembléias "democráticas": "pois as muitas centenas de vassalos acampados do lado de fora do palácio não votavam, nem sequer opinavam".(12)

Curioso trazer, a título de informação histórica, o hábito de dar publicidade às decisões ali tomadas, antes de serem propriamente executadas, fato mais tarde a contribuir ao surgimento do princípio da publicidade, assente no Estado democrático e de direito.

Para ilustrar, trazemos a famosa decisão de Carlos Magno:

"em fins do século VIII, quando os súditos italianos reclamaram contra a execução de certas medidas legislativas, sob a alegação de que não tinham sido devidamente publicadas, o imperador escreveu ao seu filho Pepino, por ele feito rei da Itália, instando-o a que procedesse antes a tal formalidade, para depois, então, poder exigir o rigoroso cumprimento da lei".(13)

Para melhor precisar o surgimento e a evolução do Poder Legislativo, é fundamental registrar a experiência de dois países que influenciarão o Ocidente na forma e na estrutura de seus poderes legislativos: a Inglaterra e a França, não sem antes fazer menção a nomenclaturas que designavam o Poder Legislativo ou os Parlamentos, como preferem alguns autores, variando conforme o país: Estados Gerais, na França e no Piamonte; Estamentos, na Sardenha; Parlamentos, na Sicília e em Nápoles; Cortes, na Espanha. (14)

Foi na Inglaterra onde originou-se o Poder Legislativo moderno. "Formou-se durante a Idade Média quando representantes da nobreza, do clero e do povo procuraram limitar a autoridade absoluta dos reis".(15)

Observe-se o diferencial relacionado às alianças entre classes sociais, tornando peculiar a formação e evolução do Parlamento inglês, máxime quando comparado com as convulsões vividas pela vizinha França.

"A diferença principal que vai presidir a evolução do Parlamento inglês, de um lado, e europeu, de outro, é que no primeiro a nobreza se aliou gradativamente à burguesia para fazer força comum contra o rei.(...) Passou-se assim sem traumas, ou pelo menos sem convulsões acentuadas, como aquelas verificadas no continente europeu, sobretudo na França, por uma evolução de sistema de primado do poder real para um sistema progressivo de transferência da soberania para o povo".(16)

A experiência inglesa, emblemática à compreensão do Poder Legislativo, experimentou profundadas e graduais transformações, conforme registra ANDRADE:

"A Câmara dos Lordes subsistiu até os nossos dias, como reminiscência da velha curia medieval. Mas sua função política e legislativa sofreu, nos últimos cem anos, sucessivas limitações, em favor de um contínuo aumento de prestígio e força da Câmara dos Comuns, que é o elemento "autenticamente" popular do governo britânico. Além da câmara alta não participar da escolha do ministério, que é da competência exclusiva da maioria da câmara baixa, a função dos lordes na atividade legislativa ficou reduzida a muito pouco, após as leis de reforma parlamentar de 1911 e 1948, que lhe retiram o direito de apreciar quaisquer projetos de natureza financeira (money bills) e também proibiram que quaisquer resoluções aprovadas na Câmara dos Comuns sofressem alterações ou emendas na Câmara dos Lordes".(17)

A França percorreu um caminho distinto na formação e constituição de seu Poder Legislativo, em razão de uma série de fatores históricos, políticos e culturais os quais escapam a esse trabalho.

O Poder Legislativo francês nasce sob o signo da dualidade de câmaras:

"Na França, durante o século VII, teve-se a experiência simultânea do Conselho de Estado, denominado Tribunato o qual era o próprio corpo legislativo e o Senado conservador. (...) O termo "câmara" passou a designar o conjunto de deputados, enquanto o Senado deriva de sua origem latina, expressando o colegiado composto de homens velhos".(18)

Essa dualidade veio a ser reforçada e aprimorada, sobretudo pela ascensão da burguesia, conforme verificamos na pesquisa de ANDRADE, onde trata da evolução política dos parlamentos:

"(...) desde o começo do século XIV, se desdobrou em duas assembléias distintas: uma era o parlamento propriamente dito, oriundo da antiga curia regia e cujos cargos, inicialmente, eram preenchidos e renovados por nomeação do rei, passando depois a ser "vendidos", para aumentar as rendas da coroa e facilitar o acesso da burguesia, acabando por se tornarem vitalícios, a despeito dos riscos das cassações e dos confiscos, sempre que expunham à animosidade real; a outra, foram "estados gerais", états généraux, convocados pela primeira vez em 1302 pelo rei Felipe o Belo, que, premido de um lado pelas reivindicações da aristocracia, de outro pelas pretensões hegemonistas do papado (tal como sucedeu na Inglaterra, na mesma época, a Eduardo I, quando convocou o "parlamento-modelo" de 1295 (...), resolveu valer-se do apoio popular e mandou que se elegessem, para o conselho real daquele ano, representantes da burguesia, do artesanato e do povo das cidades".(19)

1.4. Funcionamento do Poder Legislativo

Cabe salientar, preliminarmente: o Poder Legislativo não é uma criação arbitrária, mas, sim, algo necessário, porque, em formas simples ou complexas, com maior ou menor vigor com funções amplas ou limitadas, sempre existiu, de algum modo, na organização política dos povos.

O Poder Legislativo enquanto instrumento político-institucional, expressando anseios da sociedade, vem adotando técnicas de organização para melhor cumprir suas funções legislativas, missão, por excelência, vinculada a interesses de grupos sociais.

Nessa evolução, observamos vários países adotando técnicas próprias para organizar seu Poder Legislativo, influenciado, cada qual, por sua história, por sua cultura, suas tradições. Vejamos uma das peculiaridades do Poder Legislativo francês.

"Conhecido é o caso da Constituição francesa do ano VIII da Revolução que confiava a elaboração dos projetos a uma Câmara – o Conselho de Estado; sua discussão , a outra – o Tribunato -; sua votação, a terceira – Corpo Legislativo -; e enfim, a verificação de sua constitucionalidade ao Senado".(20)

Na organização legislativa, as "fórmulas mais comuns são, em direito comparado, a da unicidade e dualidade. A unicidade da Câmara Legislativa é excepcional, geralmente de países de dimensões territoriais e pessoais exíguas." A esta designamos o unicameralismo. (21)

A dualidade, comporta a existência de duas câmaras, o denominado bicameralismo, obedecendo a quatro tipos mais usuais:

i. aristocrático, mais freqüente no século passado. Neste a segunda Câmara destina-se representar a nobreza. O maior exemplo é a dos Lordes, na Grã-Bretanha, de pouca influência jurídica, mas influente politicamente;

ii .Federal: A Câmara baixa representa o povo e a alta os Estados federados;

iii. Bicameralismo Sistemático: também conhecido como o de moderação. A segunda serve para refrear os impulsos da Câmara do Povo. Exs: Senado italiano e o francês;

iiii. Bicameralismo clássico: neste a Segunda Câmara tem uma função técnica, de assessoria. Ex. Áustria, 1934.(22)

Vemos, e é uma constante, as técnicas de organização do Poder Legislativo se prestarem às mais variadas concepções, sempre tendo como finalidade uma produção normativa capaz de atender as aspirações dos mais variados grupos sociais.

Mais à frente, iremos aprofundar a discussão se a técnica de organização legislativa do bicameralismo perfeito adotado no Brasil tem contemplado o primado do aperfeiçoamento do processo legislativo e ao atendimento do princípio constitucional da representação popular.


CAPÍTULO II – BICAMERALISMO E UNICAMERALISMO

2.1. Considerações Iniciais; 2.2. Conceito; 2.3. Justificativas; 2.4. Experiências no direito comparado; 2.5. Surgimento do bicameralismo; 2.6. Tipos de bicameralismo.

2.1. Considerações Iniciais

Após apresentarmos conceitos do Poder Legislativo, discorrermos sobre o seu surgimento, evolução e forma de funcionamento, examinaremos com mais vagar as técnicas de organização desse Poder: o bicameralismo e o unicameralismo, os modelos mais conhecidos e mais praticados mundo afora.

Vamos trazer seus conceitos, as razões históricas e políticas de seu surgimento, enfocando mais de perto o tipo bicameral, por se constituir na técnica amplamente adotada pela maioria dos países, adotada historicamente no Brasil.

Fundamental o conhecimento dessas técnicas, pois é premissa fundamental à análise do processo legislativo.

2.2. Conceito

Na abordagem do Poder Legislativo podemos enfocá-lo sob duas óticas: uma abordagem extrínseca, quando se refere ao fenômeno da separação dos Poderes, doutrina sistematizada por Montesquieu, onde, anteriormente, fizemos alusão. Trata-se de um postulado teórico e prático, que, nas chamadas democracias contemporâneas, é instrumento do controle de poder. Expressa a soberania popular e é pilar onde repousa o Estado democrático e de direito. A abordagem intrínseca circunscreve-se à organização do Poder Legislativo, como esse Poder se organiza, se estrutura, para melhor cumprir suas finalidades constitucionais.

Assim, na técnica de organização legislativa, presenciamos que a existência de uma câmara, duas ou mais câmaras, surge com o advento do Parlamento moderno, suscitando acaloradas discussões sobre a forma mais indicada à produção legislativa. Lucas Verdú indagava se existia "algum país onde não se haja colocado, na discussão dos constituintes, o estabelecimento de uma ou duas câmaras?".(23)

A função de legislar pode ser atribuída a um ou dois órgãos ou até mais, apesar de que as experiências de mais de duas câmaras nos parece não ter pertinência, sobretudo pela insignificância de experiência prática.

Quando a tarefa de elaboração das leis é entregue a apenas uma câmara teremos o monocameralismo, e a duas câmaras estaremos presenciando o sistema bicameral. A literatura a respeito não abriga controvérsias quanto à conceituação do bicameralismo e do unicameralismo.

2.3. Justificativas

Examinamos, agora, as razões apontadas para a adoção desses sistemas ao processo legislativo.

"A principal justificativa do monocameralismo reside na homogeneidade do trabalho legislativo e sua coerência, destituído de outro órgão conservador (Senado) ou divisões que afetem a tramitação dos projetos".(24)

Vejamos os principais argumentos contrários à existência de uma segunda casa legislativa. BACKES, em sua dissertação ao Mestrado da UNB, assinala:

"Segundo os autores, nos países unitários, a partir do desenvolvimento das instituições democráticas neste século, houve um forte questionamento da legitimidade da representação política da segunda Casa. Um dos principais pontos que foi questionado é a tendência do Senado tornar o processo decisório mais lento e dificultar as transformações."(25)

Sob o influxo das críticas, alguns países revisaram o sistema bicameral. "Ao desaparecer ou diminuir a legitimidade da segunda Câmara, nos países unitários: democratização da escolha dos membros (Bélgica) ou desaparecer (Suécia). Diminuir os poderes (Reino Unido/França), melhoria na eficiência legislativa".(26)

Ao bicameralismo aponta-se as seguintes justificativas: a) representação de interesses distintos; b) estabilidade; c) qualidade das leis.

Repisando, encontramos quatro tipos de bicameralismo: 1) aristocrático; 2) sistemático; 3) clássico; e o 4) federal. Posteriormente, voltaremos a comentar sobre os tipos de bicameralismo.(27)

Vale ressaltar, nesse breve apanhado, as lições de HORTA, que o:

"processo legislativo não existe autonomamente, como valor em si, pois é técnica a serviço de concepções políticas, realizando fins do poder. Daí sua mutabilidade no tempo e sua compreensão variada, refletindo a organização social, as formas de Governo e de Estado, a estrutura partidária e o sistema político."(28)

Resumidamente, declinaremos, os argumentos justificadores de cada sistema.

Argumentos pró-unicameralismo:

a. Sendo a lei a expressão da vontade geral, e, portanto, um conceito concreto, deve receber expressão formal única;

b. Uma câmara legislativa única atua com mais rapidez. A propósito, inova-se aquela comparação feita por BENJAMIM FRANKLIN: um corpo legislativo dividido em duas câmaras é como um carro puxado por dois cavalos em direções opostas;

c. A câmara única é mais econômica;

d. A câmara única é mais progressista e democrática, mais popular;

e. O sistema bicameral é anterior à aparição dos partidos políticos, os quais passaram a controlar a vida política moderna. Assim, se um partido domina as duas câmaras legislativas, o que é feito numa se repete na outra; e se as câmaras forem dominadas cada qual por um partido diferente, os conflitos entre as câmaras serão insolúveis;

f. O caráter conservador, reacionário da segunda câmara.(29)

Não se compadecendo com o sistema bicameral, assim expunha o ilustre jurista alemão, CARL SCHMITT:

"uma segunda câmara, independente de toda significação política, poria em perigo o caráter unitário do povo todo, introduzindo um dualismo precisamente para o Legislativo, que passa por ser expressão da vontade geral, da volunté générale, em um sentido especial. Onde quer que uma Constituição queira acentuar bem a soberania da Nação, una e indivisa, e dominem talvez receios políticos quanto ao poder social de uma aristocracia, o sistema unicameral terá de ser praticado com rigor."(30)

Sobre a influência da Inglaterra na adoção do bicameralismo no continente europeu, CARL SCHMITT, expressava que para:

"a introdução do sistema bicameral na maior parte dos Estados do continente europeu, foi decisivo o modelo inglês. Esse sistema tinha uma especial evidência para as idéias liberais do século XIX. Prestava-se bem a ser posto em consonância com o princípio da separação de poderes, e oferecia também a possibilidade de proteger o poder social de certos estamentos e classes contra uma democracia radical. Por isso, a ele se opuseram de igual modo pretensões, tanto liberais como conservadoras. Isso explica a grande difusão do sistema. Na Alemanha, como na França, a maior parte dos liberais considerou o sistema bicameral uma instituição razoável e prudente, e o construíram de diversas maneiras".(31)

Vamos aos argumentos em favor do bicameralismo:

a. O bicameralismo costuma assegurar uma melhor e mais completa representação da opinião pública;

b. A dualidade é uma garantia frente ao possível despotismo da assembléia única;

c. A câmara dupla serve para que o trabalho legislativo se efetue com maiores garantias de ponderação e perfeição;

d. O sistema de duas assembléias mitiga os conflitos entre o Legislativo e o Executivo, pois uma das câmaras, a segunda, pode servir de árbitro;

e. O sistema bicameral aproveita as personalidades de valor que não conseguem alcançar um lugar na câmara baixa;

f. A segunda câmara poderá abrigar os interesses corporativos e econômicos;

g. O bicameralismo consolida a opinião parlamentar;

h. A segunda câmara continua o controle do Executivo quando a câmara baixa tiver sido dissolvida;

i. Assegura o ímpeto de um espírito arriscado de reforma;

O unicameralismo começa nas crises, de febre política; as revoluções começam com uma câmara e terminam com duas.(32)

À objeção dos adversários do bicameralismo de que ele torna o trabalho legislativo mais pesado, difícil e lento, LAFERRIÉRE contrapõe observando que o "essencial para um país não é ter muitas leis, mas ter boas leis; não multiplicar as reformas apressadas, mas fazer reformas úteis e que respondam ao sentimento do país".(33)

Continuando nos argumentos contrário à lentidão do trabalho legislativo dizia que a "experiência prova aliás que ela não impede que se façam leis rapidamente, quando a necessidade destas é verdadeiramente sentida".(34)

Aduz LAFERRIÉRE:

"Desde logo, uma constatação de fato e no espaço, o bicameralismo é de longe o sistema mais difundido. Salvo as de 1791, de 1793 e de 1848, todas as nossas constituições (da França) o praticaram. (...) Quase todos os grandes Estados praticam o bicameralismo. Na história e no direito moderno, a dualidade das câmaras constitui a regra".(35)

De qualquer sorte, como bem assinala BARBOSA, na "questão bicameralismo versus unicameralismo não se pode decidir com abstração da realidade histórica dentro da qual se apresenta o dever ou a oportunidade de fazer a opção entre os dois modelos. A questão da estrutura do Poder Legislativo é eminente e fundamentalmente histórico-social de cada país. Não existe um modelo ideal de Poder Legislativo".(36)

No mesmo pensamento o jurista Paulo Bonavides consigna:

"o bicameralismo (repartição do Legislativo em duas casas) e o unicameralismo (uma só Assembléia Legislativa), longe de constituírem apenas princípio teórico de aferição democrática de organização do poder no moderno Estado representativo, conforme fizeram valer certas posições doutrinárias, devem também ser compreendidos como técnicas de construção do Poder Legislativo, aplicáveis de acordo com as peculiaridades políticas de cada povo, a par das aspirações e exigência concretas, resultantes do desenvolvimento histórico, da natureza do regime político, da forma de Estado adotada e das crenças e valores reinantes no interior de uma nação em determinada época".(37)

2.4. Experiências no direito comparado

Analisando um universo de 187 países pesquisados, 54 deles adotam o bicameralismo, a maior parte composta de federações. Países unitários como França e Grã-bretanha adotam o sistema bicameral.

O Senado na Índia "é eleito pelos órgãos legislativos estaduais, mas é concebido como um componente menor de uma estrutura federal fortemente centralizada".(38)

O Legislativo da Noruega e da Islândia, que são eleitos como um único corpo e depois de dividem em duas câmaras (na Noruega, a segunda câmara é composta de um quarto; na Islândia, de um terço dos representantes eleitos).

Nos Estados Unidos ocorreu um fenômeno historicamente curioso e politicamente muito significativo: a segunda câmara – o Senado – nasceu, no plano federal, antes da primeira, a Casa dos Representantes. Assim nos relata Barbosa:

"Quando as treze colônias começaram a se unir para lutar contra o despotismo da Inglaterra, de que maneira o fizeram? Primeiro organizaram, eletivamente, um Congresso Continental, composto de representantes de cada uma das colônias. Um Senado. Esse Senado, denominado Congresso, governou as treze colônias rebeladas, já em via de se converterem, cada qual delas, em Estado independente, durante a guerra de independência e mesmo durante os anos em que, após a independência durou a Confederação." (39)

SARTORI discorrendo sobre os países bicamerais e unicamerais registra a opção deles pelo sistema bicameral, destacando o fato de que a câmara dos representantes do povo detém a primazia no processo legislativo e que em nenhum país o Senado tem um papel preponderante:

"Portanto, na minha contagem há onze países unicamerais: Dinamarca, Finlândia, Grécia, Israel, Luxemburgo, Nova Zelândia, Portugal, Suécia e Turquia, além da Islândia e da Noruega. Mas a maioria das democracias é bicameral. (...) Mas, hoje, normalmente é a opinião da Câmara dos Deputados que prevalece. (...) Quando ele não é eleito (como a House of Lords inglesa), ou é eleito só em parte (no Canadá, o primeiro-ministro pode nomear até 108 senadores), está claro que precisa ceder lugar à Casa eleita."(40)

No Japão, seu parlamento recebe a nomenclatura de dieta japonesa:

"é bicameral, as duas casas são eleitas pelo voto popular e contudo a Câmara dos Representantes tem "papel" preponderante com relação à Câmara dos Conselheiros (correspondente ao Senado). (...) Não há um só exemplo, no mundo contemporâneo, de um Senado que se sobreponha à Câmara."(41)

Permitimo-nos discordar da menção feita pelo autor da inexistência de um Senado que se sobreponha à Câmara. O Senado brasileiro merece uma análise detida, onde em capítulo posterior exporemos nossas observações quanto à preponderância dessa Casa em relação à Câmara dos Deputados.

2.5. O surgimento do bicameralismo

Vamos trazer nesse momento do surgimento do bicameralismo, nascido da experiência inglesa:

"Foi no reinado de Eduardo III (segunda metade do século XIV) que o parlamento se tornou bicameral. Até então, reuniam-se todos na mesma sala. Nobres e clérigos ocupavam as fileiras da frente, enquanto "os comuns" (isto é, todos os que não tinham título de nobreza, nem pertenciam ao clero) se enfileiravam na retaguarda, só lhes sendo facultado falar quando interpelados. Recorriam então ao processo atualmente utilizado pelos jurados nos nossos tribunais do júri: reuniam separadamente, antes das sessões do parlamento, para decidirem entre si as atitudes que deveriam tomar; e elegiam um speaker, que se encarregava de falar por eles e transmitir-lhes os votos ao plenário da assembléia. Foi no parlamento de 1343 que pela primeira vez se agruparam em locais distintos – a nobreza e o clero numa sala, formando a Câmara dos Lordes, e os "comuns" em outra, constituindo a câmara baixa ou popular, isto é, a Câmara dos Comuns."(42)

Mais uma vez, da rica e secular experiência inglesa, dezenas de países aproveitaram-se de um processo que custou caro até o amadurecimento de suas instituições, para que melhor estruturassem seu Poder Legislativo. Se hoje pode-se contestar a existência de uma câmara aristocrática, com certeza, à época, foi um avanço extraordinário.

2.6. Tipos de bicameralismo

Em sua trajetória de consolidação, o bicameralismo vem assumindo diversas facetas, amoldando-se às realidades dos países que os utilizam como técnica ao processo legislativo.

Por ser um sistema mais complexo em cotejo com o unicameralismo, as possibilidades de arranjos são maiores, permitindo-lhe flexibilidade quanto à forma e ao conteúdo.

Alhures, citamos os quatro tipos clássicos de bicameralismo: a) aristocrático; b) sistemático; c) clássico; e d) federal. Vamos discorrer a respeito deles.

O primeiro, com certeza, o mais antigo, tem a natureza conservadora, de representação de interesses sociais da nobreza, no escopo de impedir que a câmara baixa promova transformações mais radicais, via legislativo. Teve como paradigma a Inglaterra. Lá temos a Câmara dos Comuns e a Câmara dos Lordes (senado).

Hoje a Câmara dos Lordes, como lembra FERREIRA FILHO, é "de pouca influência jurídica, mas influente politicamente."(43)

De se ressaltar que, a experiência de câmara aristocrática influenciou a constituição de muitos Poderes Legislativos pela Europa, sobretudo no século passado onde o proletariado e a classe média ganhavam espaços na participação política, como meio de conter maiores nesgas de poder a essas classes sociais.

O bicameralismo sistemático tem a origem do bicameralismo aristocrático. Poderíamos caracterizá-lo como uma fórmula atualizada deste último, uma vez que sua finalidade "serve a refrear os impulsos da Câmara do Povo."(44)

Com a universalização do direito de voto e participação de setores mais populares não só votando, mas, também compondo as estruturas de poder, historicamente vai ficando insubsistente a permanência de uma câmara que, escancaradamente, represente determinados interesses econômicos. O bicameralismo sistemático ou de moderação vem a assumir o papel até então reservado à câmara aristocrática, todavia com nuanças e desdobramentos que não ficam mais circunscritos à proteção dos interesses dos setores ideológica e economicamente mais fortes. Temos como exemplos os senados francês e italiano.

O bicameralismo clássico é visto sob o prisma de uma segunda câmara que tem uma natureza mais técnica do que política, cujo papel desempenhado pela última, está vinculado ao aperfeiçoamento do processo legislativo. Como exemplo podemos citar a Constituição da Áustria, de 1934.

Ainda temos o bicameralismo federal, o qual surge com o nascimento dos Estados Unidos. Nesse tipo a segunda câmara cumpre a função de representar os Estados-membros que compõem a federação. A esse tipo dedicaremos um item específico abordando o bicameralismo federal. Adiantamos, como exemplo, o próprio EUA.

A doutrina nos remete, também, à existência do bicameralismo assimétrico e simétrico. SARTORI, discorrendo sobre o bicameralismo simétrico ou perfeito, aduz sua ocorrência quando duas:

"casas legislativas têm natureza semelhante, se ambas são eleitas, e se as duas representam a população e não o território; elas tendem a ser semelhantes na sua natureza se a eleição das duas se faz com sistemas eleitorais congruentes (por exemplo, as duas pelo critério proporcional ou majoritário)."(45)

Após, traz-nos a crítica ao bicameralismo simétrico ou forte, fruto de um constitucionalismo mal concebido, nesses termos:

"casas legislativas que para funcionar precisam ter maiorias semelhantes constituem um exemplo macroscópico de constitucionalismo mal concebido. Se for aceita, esta conclusão eliminará o "mau bicameralismo", permitindo-nos continuar com pratos limpos a análise do bom bicameralismo."(46)

Critica, também, o outro extremo, o bicameralismo assimétrico ou fraco. Para o autor, "um bicameralismo muito fraco nos deixa no limiar da sua transformação em unicameralismo (como na Inglaterra)".(47)

Nesse tipo de bicameralismo, lembrando o exemplo inglês, praticamente todas as funções são reservadas à Câmara dos Comuns, conferindo-se poucas atribuições à segunda Câmara – a dos Lordes.

Esses tipos de bicameralismo que aludimos acima são e foram os mais freqüentes em nossa história contemporânea. Claro que a dinâmica da vida dos povos, ensejando novos modelos institucionais poderão refletir novos tipos de bicameralismo. Não citado pela doutrina, mas que é necessário trazer a esse estudo, pelo menos mencioná-lo, a maiores aprofundamentos, é o caso do bicameralismo que mescla uma segunda câmara com a dupla função: representar os interesses federativos e ao mesmo tempo ser câmara revisora de matérias que não digam respeito à estrutura federal, que é o caso brasileiro. Poderíamos estar vislumbrando um outro tipo de bicameralismo?


CAPITULO III – FEDERALISMO

3.1. Considerações Iniciais. 3.2. Conceito e surgimento; 3.3. Princípios e características; 3.4. Bicameralismo e federação.

3.1. Considerações Iniciais

Como percebemos no capítulo anterior a respeito do bicameralismo e unicameralismo, a maioria dos países pesquisados adota o primeiro tipo como técnica de organização do Poder Legislativo.

A opção acima registrada está vinculada tendo em vista a influência do federalismo enquanto forma de estruturação dos Estados contemporâneos. A forma federal ao admitir mais de uma autonomia política exige o tipo bicameral como a técnica mais mais condizente a traduzir as aspirações políticas desses entes no processo legislativo.

Em face disso, compreender o tema federalismo constitui-se uma necessidade básica a quem se dispõe a estudar os variados tipos de organização do Poder Legislativo.

Por conseguinte, neste capítulo iremos trazer conceitos e surgimento do federalismo, seus elementos caracterizados com os princípios que o informam, finalizando sobre a necessidade do tipo bicameral aos países que adotaram o federalismo.

3.2. Conceito e surgimento

A expressão federação tem origem do latim, que quer diz foedus, foedoris, cujo sentido é o de aliança e pacto. É "processo de integração política, que significa aliança, sociedade ou união de Estados."(48) Mouskheli conceituará como:

"...um Estado que se caracteriza por uma descentralização de forma especial e de grau elevado; que se compõem de coletividades-membros dominadas por ele, mas que possuem autonomia constitucional, bem como participam da formação da vontade federal, distinguindo-se desta maneira de todas as demais coletividades públicas inferiores".(49)

Essa instituição veio configurar a forma dos Estados contemporâneos, "surgiu como movimento político que visava a descentralização do exercício do poder político e o equilíbrio entre as diversas esferas governamentais".(50)

Suas bases teóricas permitiram aos Estados-membros deterem autonomia, participando, por um critério de representação, na formação da vontade federal.

Anterior a sua expressão política, o federalismo adquiriu seu conteúdo valorativo com Kant. "A primeira formulação de alguns elementos essenciais da teoria federalista, entendida como doutrina social global, se encontra no início da era do nacionalismo nos escritos políticos, jurídicos e filosófico-históricos de Kant".(51)

Atribui-se ao jurista alemão, o precursor da teoria federalista, como asseverou BOBBIO:

"Kant é, então, o primeiro grande pensador federalista e a sua contribuição teórica consiste em ter fundado o Federalismo numa visão autônoma dos valores e do curso histórico. Todavia, não tendo refletido sobre a natureza da inovação constitucional que permitira a fundação dos Estados Unidos da América, não conhecia o funcionamento do Estado federal e, portanto, não possuía os instrumentos conceptuais para conceber, de uma forma real, a possibilidade de um governo democrático mundial capaz de limitar a soberania absoluta dos Estados, mas que também por eles fosse limitado."(52)

A primeira experiência prática da teoria federalista, dá-se nos Estados Unidos no movimento de Independência. As então treze colônias do Norte buscam uma equação que lhes permitissem unir esforços, ao mesmo tempo preservando a identidade de cada uma delas com a menor perda de autonomia. Nesse esforço, é que surgiu a obra "Federalist", um conjunto de ensaios publicado em 1787, da lavra de Hamilton, Jay e Madison. Esse trabalho teórico que serviu a ratificar a Constituição americana é tida como a mais completa formulação do Estado federal.

3.3. Princípios e características

A teoria federalista enfeixa um sistema de princípios e características traçados pela doutrina, por vezes não tão bem divididos conceitualmente, mas servindo a identificar o Estado federal.

A seguir enumeramos os princípios básicos que sustentam a teoria federalista. São eles: i) os cidadãos dos diversos Estados-membros aderentes à Federação devem possuir a nacionalidade única dessa; ii) repartição de competências; 3) competência tributária a cada ente que lhe garanta renda própria; iv) poder de auto-organização com autonomia constitucional; v) possibilidade excepcional de intervenção federal; vi) participação dos Estados-membros na formação da legislação federal; vii) possibilidade de criação de novo Estado ou modificação territorial com aquiescência da população do Estado afetado; viii) Existência de um órgão de cúpula assegurando a interpretação e a proteção da constituição federal.(53)

BORGES NETTO, citando Enrique Ricardo Lewandowski, nos traz características do Estado federal: a) repartição de competências; b) autonomia política das unidades federadas; c) participação dos membros nas decisões da União; e d) atribuição de renda próprias às esferas de competência.(54)

À análise das técnicas de organização do Poder Legislativo emerge necessariamente o estudo da forma de governo. O sistema bicameral, na experiência dos países que o adotaram, tem uma conexão inata com o federalismo. BACKES destaca que é "ponto assente na literatura sobre instituições políticas existir uma relação estreita entre federalismo e bicameralismo."(55)

3.3 Bicameralismo e federação

O bicameralismo tem se conformado para viabilizar o Estado federal. Nesse modelo, é fundamental a presença de uma segunda casa para que represente os interesses dos Estados que compõem a federação. A existência desta casa tem sido uma constante nos países que adotaram como forma de Estado o modelo federal.

Realçando a importância dessa segunda casa, SARTORI leciona:

"A Câmara Alta representará os Estados-membros, baseando-se, portanto, na representação territorial. Desse ponto de vista é também evidente que o federalismo exige um parlamento com duas casas, de igual poder, mas com natureza distinta".(56)

No mesmo raciocínio, SALDANHA ressalta:

"a necessidade de uma segunda câmara no intuito de reforçar politicamente o Legislativo. Nos Estados federais a existência de outra Casa decorre da necessidade de uma representar as unidades políticas que compõem a federação e a outra a União".(57)

Na discussão do unicameralismo e bicameralismo emerge a prevalência do segundo, enquanto técnica adotada pelos países ocidentais, revelando várias formas de bicameralismo, para melhor se ajustar às realidades históricas, políticas e culturais de cada país.

Ao papel de câmara representativa dos interesses dos entes federados, Michel Temer colocou em destaque a função moderadora ou de equilíbrio dos interesses federativos, ao sustentar que no bicameralismo do tipo federal:

"ambas as Casas participam do processo de elaboração da lei, mas o Senado tem função moderadora, visando a manter o equilíbrio federativo. É a adoção desse bicameralismo (federativo) que permite a participação dos Estados no concerto federal. Isto parece, apesar de a Câmara dos Deputados abrigar representantes do povo brasileiro, não há dúvidas de que os deputados oriundos de um Estado tenderão a emitir opiniões que favoreçam seus Estados de origem. É no Senado, em face da paritariedade da representação, que se moderará a atividade legislativa da Câmara dos Deputados quando, nesta, a legislação tiver o objetivo de beneficiar determinadas regiões em detrimento do todo nacional. É no Senado que se promove o equilíbrio dos interesses federativos".(58)

Todavia, se, por um lado, tem sido uma constante a existência de uma segunda casa para atender aos interesses dos Estados-membros, por outro lado, as competências reservadas a esta casa, mormente no que tange à revisão legislativa, tem variado em diferentes países. Interessante é o modelo da Alemanha. Seus traços foram ressaltados nos estudos de PINTO FEREIRA:

"Há que se mencionar que, de certa forma, existem soluções intermediárias, que consistem no fato de que, nada obstante seja preservado o caráter bicameral, na verdade, a segunda Câmara não funciona em todas as matérias da competência da Câmara Baixa ou Câmara dos Deputados. Trata-se de um bicameralismo desigual. Este modelo ocorre, por exemplo, na República Federal da Alemanha".(59)

Sobre sua composição, lembra BACKES:

"a importância da Câmara Alta alemã se revela por ser composta por representantes dos executivos dos Estados-membros (länder). (...) No entanto, o forte Bundesrat alemão tem seus poderes relacionados aos projetos que afetam os estados, como é ressaltado pelo autor logo a seguir. O poder do Bundesrat se manifesta em apenas 50% das leis, aproximadamente."(60)

E, sobre o poder de veto do Bundesrat alemão, registrou SARTORI que "seu poder veto só é absoluto com respeito às leis que afetam os länder".(61)

Outros países formularam e atribuíram competência à segunda câmara numa compreensão diferente à dos Estados Unidos. A Índia e a Bélgica também são apontadas como exemplos de federações em que o Senado tem consideravelmente menos poderes, não tendo um papel importante no processo de elaboração das leis.

Por fim, ao estudo da revisão do processo legislativo, no sistema bicameral, é essencial focá-lo a partir da forma federal dos Estados contemporâneos. Olvidar esse aspecto, com certeza, qualquer conclusão a respeito da conveniência político-jurídica do trabalho de revisão entre as casas legislativas estaria deformada em seu nascedouro, pois esse aspecto é premissa básica à analise sobre o tema, sobretudo porque todos os países que optaram pelo federalismo constituíram uma câmara com maiores ou menores competências.


CAPÍTULO IV – O PODER LEGISLATIVO NO BRASIL

4.1. Considerações iniciais; 4.2. Generalidades históricas; 4.3. Aspectos do processo legislativo nas Constituições anteriores; 4.4. Bicameralismo; 4.5. Federação brasileira.

4.1. Considerações iniciais

Nesse capítulo pretendemos investigar o surgimento e o desenvolvimento do Poder Legislativo brasileiro, percorrendo etapas históricas iniciadas com a independência de Portugal. Não nos interessa a análise do período colonial, pois nesta fase nossas instituições estavam vinculadas ao Estado português. Isto fugiria à nossa proposta metodológica de centrá-lo na análise do processo legislativo.

Explicitando, brevemente, essas etapas do desenvolvimento do Poder Legislativo pátrio, pretendemos situar melhor a discussão do processo legislativo atual, objeto do capítulo posterior.

4.2. Generalidades históricas

O Poder Legislativo no Brasil surge sob o signo da intervenção do Poder Executivo. Recém havíamos nos tornado independentes de Portugal, e em nossa primeira demonstração de maturidade político-institucional há uma ruptura nos trabalhos do Poder Legislativo originário - a primeira Assembléia Nacional Constituinte. A propósito assinalou SALDANHA: "Nossa história legislativa nasce de forma traumática com a intervenção do Imperador D. Pedro I, em 1823, que dissolveu a Assembléia Constituinte."(62)

Com isso, a primeira Carta Constitucional brasileira vai definir a estrutura organizacional do Estado brasileiro de maneira autoritária, traçando nesse Texto as funções que cabiam a cada Órgão que compunha a estrutura do Estado nacional:

"A iniciativa das leis, como acontece hoje, podia ser de qualquer das Casas. No entanto, as prerrogativas estabelecidas na Constituição para a Câmara eram em maior número do que hoje: cabia à Câmara a iniciativa sobre impostos e recrutamento; sobre o exame e reforma dos abusos da administração finda; iniciativa de reforma de artigo constitucional; e, como hoje, a ela cabia a iniciativa de exame das propostas do Poder Executivo".(63)

Pela Carta Imperial o Brasil nasce com o tipo bicameral, mesmo a forma de Estado sendo unitária. Teremos um Senado exercendo um papel moderador, a par da própria Câmara dos Deputados ser dotada de uma feição nada democrática, exigindo-se para nela fazer parte situação econômica privilegiada, conforme asseverou FERREIRA FILHO:

"A Carta de 25 de março de 1824 confiava o Poder Legislativo à Assembléia Geral (exigindo para seus atos a sanção imperial). Esta assembléia se compunha de uma Câmara de Deputados, representativa do povo, e de um Senado, de membros vitalícios, com função de contrapeso e moderação, o que deflui das condições de elegebilidade para o mesmo, especialmente quanto ao censo mais alto e à idade mais avançada. Adotava, pois, essa Constituição o bicameralismo sistemático".(64)

No período republicano, a partir de 1891, inauguramos uma nova fase constitucional, com importantes alterações na forma e conteúdo do Poder Legislativo. Um dado significativo foi a adoção do federalismo enquanto forma de Estado, fato que veio reforçar o tipo bicameral como técnica de organização do Legislativo.

Interessante notar que o bicameralismo de natureza moderadora do Império é absorvido pela jovem República, só que agora com a função de representar os interesses dos Estados-membros, sem, contudo, abandonar o papel de câmara moderadora.

O mandato dos senadores era de nove anos, com renovação trienal. "A Constituição de 1891 adotou o modelo atual, com um Senado composto por membros mais velhos, com caráter mais moderador".(65)

A Constituição de 1934, fruto do movimento revolucionário liderado por setores da classe média e setores militares, principalmente os jovens tenentes, representa o fim da República Velha. Nesse Texto a grande alteração foi o novo papel atribuído ao Senado, tornando-se uma câmara de colaboração. Suas competências ficariam mais restritas às questões federativas.

Se por um lado a Constituição de 1934 teve vida curta, na de 1937, que foi outorgada, o Poder Legislativo é esvaziado, foi o que Machado Horta chamou de "Processo Legislativo nominal".(66) O Senado recebe a designação de Conselho Federal, cujo Presidente será escolhido dentre os Ministros pelo Presidente da República.

Já a Constituição de 1946 retoma as funções legislativas, com seus traços básicos: "bicameralismo explícito, amplos poderes para a Câmara Federal, eleições diretas para deputados e senadores."(67)

Com o período ditatorial militar, as constituições (1967 e 1969) e seus atos institucionais novamente desfiguram as instituições políticas. Inúmeras alterações foram promovidas na órbita do Poder Legislativo, visando, como sempre, nos regimes de exceção, esvaziar esse Poder em favor do Executivo. Tal situação perdurou até 1988, quando então inauguramos outra fase em nossa histórica republicana, com a Constituição atual.

4.3. Aspectos do processo legislativo nas Constituições anteriores

No processo legislativo brasileiro - inaugurado com a Constituição de 1824 - tem sido uma constante o processo de tramitação dos projetos de lei iniciar na Câmara dos Deputados.

Vamos perceber, ao longo da história, que a Câmara dos Deputados vai perdendo prerrogativas ao Senado e ao Poder Executivo, diminuindo consideravelmente sua importância institucional.

No Império, maiores eram as competências da Câmara, que podia dispor sobre impostos e recrutamentos; sobre o exame e reforma dos abusos da administração finda; iniciativa de reforma de artigo constitucional e poder de veto absoluto, podendo rejeitar qualquer matéria.

No Brasil, tradicionalmente desde a Constituição Imperial, cabe ao Poder Executivo a atribuição para a elaboração e apresentação da proposta orçamentária, pois é este Poder quem conhece a realidade sócio-política em que irá atuar, possibilitando o fornecimento de maiores elementos ao legislador, para análise e decisão sobre a peça orçamentária.(68)

Além da atribuição de propor e aprovar projetos de lei, em conjunto com a Câmara dos Deputados, o Senado tinha atribuições de corte judicial, devendo conhecer dos delitos individuais cometidos pelos membros da família imperial, ministros de Estado, conselheiros de Estado e Senadores, e dos delitos dos deputados durante o período da legislatura; conhecer da responsabilidade dos secretários e conselheiros de Estado. Cabia-lhe expedir cartas de convocação da Assembléia, caso o Imperador não houvesse feito dois meses depois do tempo determinado pela Constituição, reunindo-se para tal extraordinariamente. Cabia-lhe ainda convocar a Assembléia da morte do Imperador para eleger a Regência.

Na Constituição de 1891 manteve a prerrogativa de corte judicial, todavia perdeu a de convocar o Congresso Nacional.

Com a Constituição de 1934, o Senado passa a ter como incumbência fundamental "promover a coordenação dos poderes federais entre si, manter a continuidade administrativa, velar pela Constituição, colaborar na feitura das leis e praticar os demais atos de sua competência".(69) Atribuições privativas lhe foram ampliadas, entrementes, perdeu a prerrogativa de corte judicial no julgamento de crimes comuns do Presidente da República e de ministros de Estado, atribuída ao Supremo Tribunal Federal. Relativamente aos crimes de responsabilidade do Presidente e dos ministros, conexos com este, criou-se um Tribunal especial.

O Poder Legislativo foi atribuído à Câmara dos Deputados, com a colaboração do Senado Federal. A participação do Senado no processo legislativo passou a limitar-se a determinadas matérias, de caráter mais propriamente federal, como: estado de sítio, sistema eleitoral e de representação, organização judiciária federal, tributos e tarifas, mobilização, declaração de guerra, celebração de paz, passagem de forças estrangeiras pelo território nacional, tratados e convenções com as nações estrangeiras, comércio internacional e interestadual, regime de portos, navegação de cabotagem e nos rios e lagos do domínio da União, vias de comunicação interestadual, sistema monetário e de medidas, banco de emissão, socorro aos estados, matérias em que os estados tivessem competência legislativa subsidiária ou complementar.(70)

Com a Constituição de 1946, o Senado recupera a prerrogativa de corte judicial para processar e julgar o do Presidente e seus ministros, em crimes de responsabilidade.(71) Ainda nessa Constituição a Câmara dos Deputados continua a ter a primazia para legislar sobre matéria financeira e fixação dos efetivos das forças armadas, agora essas prerrogativas são divididas com o Presidente da República.

A competência do Senado é alargada compreendendo: a "autorização de empréstimos externos dos estados e municípios; suspender, no todo ou em parte, lei ou decreto declarados inconstitucionais e o rol de atividades que necessitam de sua aprovação."(72)

No período da Ditadura Militar (1964 a 1985), a Câmara dos Deputados e o Congresso Nacional perdem prerrogativas. "O Congresso só podia acatar ou rejeitar os decretos-lei, não lhe era permitido emendar. (art. 55, 1969) O presidente recebe iniciativa para propor emenda constitucional, o que não tinha anteriormente (art. 47, inciso II/69). Outra inovação que surge com as Cartas do período ditatorial é a faculdade concedida ao Presidente de solicitar urgência para seus projetos.(73)

Nas matérias financeiras e militares a Câmara "perde as primazias legislativas que dividia com o Executivo com relação a iniciativa de leis de impostos (Império e em 1891) e matéria financeira (1946), e de iniciar legislação sobre matéria financeira e efetivos militares.

Como acentuamos noutro momento, o Senado invade as competências da Câmara dos Deputados, ampliando "as suas competências, pois passou a ter iniciativa legislativa em área que era só da Câmara (matéria financeira). Aumentou seu controle sobre altas autoridades e com relação ao endividamento e financiamento dos estados. A partir da última Constituição, passa a controlar também o endividamento também da União".(74)

4.4. O bicameralismo no Brasil.

Em nossa histórica constitucional, todas as Cartas "deram estrutura bicameral ao Legislativo. Variou, porém, o caráter desse bicameralismo."(75)

À assertiva acima, BARBOSA corrobora nossa vocação bicameral:

"No Império, a Assembléia Geral se compunha de suas câmaras: a dos Deputados e a dos Senadores. Na República de 1891, o Congresso Nacional era formado por dois ramos: Câmara dos Deputados e Senado. A Constituição de 1934 alterou o sistema, declarando no art. 22 que o Poder Legislativo "é exercido pela Câmara dos Deputados com a colaboração do Senado Federal". (...) Na Carta Constitucional da Ditadura do Estado Novo, o Poder Legislativo seria exercido pelo Parlamento Nacional com a colaboração com o Conselho de Economia Nacional e do Presidente da República.(...)Na Constituição de 1946, o Poder Legislativo era exercido pelo Congresso Nacional, que se compunha da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. As Cartas de 1967 e 1969 mantiveram a estrutura do Poder Legislativo tal como fixado na Constituição de 1946".(76)

Mesmo na forma de Estado unitário, com a independência de 1822, a Carta de 1824, outorgada pelo Imperador fez a opção pelo bicameralismo, conforme mencionamos em passagem anterior.

Foi com as Constituições de 1934 e 1937 que tivemos expressivas alterações em nosso sistema bicameral:

"Ambas, todavia, amesquinhavam o papel da Câmara Alta (chamada na Carta do Estado Novo de Conselho Federal). De fato, aquela a considerava mera colaboradora da outra e a inscrevia entre os órgãos de coordenação entre os poderes. Esta nela inscrevia representantes escolhidos pelo Presidente, o que a desnaturava numa longa medida." Essas alterações foram revertidas com a Constituição de 1946 a qual retomou com a tradição de 1891. Atribuiu as tarefas do legislativo ao Congresso Nacional, composto da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. O mesmo ocorreu com a Constituição de 1967".(77)

Seguindo as tradições, na Assembléia Nacional Constituinte de 1988, sem maiores dificuldades, imperou o sistema bicameral, em que pese as vozes dissonantes, entrementes mesmo entre os defensores do bicameralismo era consenso a reformulação do papel do Senado, consoante sustentou o senador PEDRO SIMON:

"O Senado é uma casa revisora, não homologadora de decisões, como muitos deputados pensam. O Senado tem a função de aprofundar o debate sobre as grandes questões nacionais que dizem respeito ao País como um todo. O Senado tem a função de aprofundar o debate e de conduzi-lo com responsabilidade. Isto não significa homologar, aceitar, declinar da responsabilidade que o Senado tem perante a Nação. Eu sou contra a extinção do Senado. Sou a favor, isto sim, de sua reformulação completa".(78)

4.5. A federação Brasileira

Retomamos um ponto já comentado que é ligação inata do federalismo com o bicameralismo. Em todas as discussões sobre a melhor técnica legislativa, bicameral ou unicameral, prevalece o primeiro tipo, sobretudo quando determinado país faz a opção pelo federalismo enquanto forma de Estado.

O Brasil já havia optado pelo bicameralismo na fase Imperial, cujo reforço se deu quando da "derrubada da monarquia, em 15 de novembro de 1889, com a edição do Decreto nº 1, que adotou a República federativa como forma de governo e de Estado, cuja estrutura definidora somente foi alcançada com a Constituição de 1891. (...) Seu surgimento se deu a partir do Poder central para as ordens jurídicas periféricas".(79)

Desde então, todos os arcabouços constitucionais do Estado brasileiro conservaram a forma federativa, tendo na Constituição de 1988 ganhado foro de princípio fundamental, protegido pela cláusula de imutabilidade, a denomina cláusula pétrea, inscrita no art. 60, parágrafo 4º.

Muito se discute se o modelo federativo brasileiro é algo que corresponde a nossa realidade, cujos detratores aduzem que nada mais fizemos do que copiá-lo da experiência americana. A esse debate trazemos as opiniões de BONAVIDES:

"Ao contrário do que muita gente pensa e diz – repetindo impensadamente um lugar-comum infundado na realidade dos fatos – a federação, no Brasil, não foi uma criação artificial, uma importação de modelo estrangeiro, uma imposição forçada dos fundadores da República. A federação correspondeu, no Brasil, ao atendimento de uma necessidade profundamente enraizada nas condições de vida da sociedade brasileira diversificadamente distribuída nas capitanias e depois províncias do país. "

E continuou o mestre cearense:

"O centralismo do período colonial, trazido por Portugal, e que prosseguiu, embora atenuado, durante o Império, é que foi uma solução artificial, imposta autoritariamente, de cima para baixo, Um centralismo que asfixiava, matava, abafava a vida política, mental e econômica das regiões em que se repartia o país."(80)

É incontestável que todo o debate acerca do fortalecimento da federação enquanto base da República brasileira passa necessariamente pelo exame das competências do Senado. Seu papel mais largo ou mais restrito relativamente às suas competências, seu papel de iniciar ou rever os projetos de lei dizem respeito à questão federal. Por isso, quando nos propomos a refletir sobre a revisão dos projetos de lei entre a Câmara dos Deputados e o Senado não podemos deixar de trazer à discussão as bases federais da República brasileira.


CAPÍTULO V – PROCESSO LEGISLATIVO BRASILEIRO

Sumário. 5.1. Considerações iniciais; 5.2. Competências, atos normativos e iniciativa; 5.3. Formas de elaboração dos atos normativos; 5.4. O processo de revisão no processo legislativo.

5.1. Considerações iniciais

Neste capítulo adentraremos ao objeto central desse estudo que é o processo legislativo brasileiro, com especial ênfase na revisão dos projetos de lei entre as Casas legislativas. Analisaremos a forma estabelecida na Constituição Federal do procedimento a ser observado na tramitação dos projetos de lei e as atribuições da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Revisaremos os tipos de processo legislativos catalogados, bem como discutiremos as razões políticas e técnicas à adoção do nosso tipo de processo legislativo e, mormente a sua funcionalidade.

2. Competências, atos normativos e iniciativa

A Constituição Federal dispôs em seu Título IV, Capítulo I, as normas fundamentais referentes ao Poder Legislativo. Em seu art. 44 está expresso que o Poder Legislativo é exercido pelo Congresso Nacional, composto por suas duas Casas: a Câmara dos Deputados e o Senado Federal.

O art. 48 enumerou as atribuições do Congresso Nacional cujas matérias contarão para ingressar na ordem jurídica com a sanção presidencial. As matérias ali previstas versam sobre várias assuntos, por exemplo: sistema tributário, fixação do efetivo das forças armadas, telecomunicações, emissão de moedas, entre outras.

No art. 49 foram dispostas as matérias que são exclusivas do Congresso Nacional. Nesse elenco não é necessário a participação presidencial para o aperfeiçoamento da norma jurídica. As matérias ali previstas dispõem sobre autorização do Presidente da República a declarar guerra, a celebrar a paz; a sustar atos do Poder Executivo, quando exorbite do poder regulamentar; julgar as contas do Presidente da República, etc.

À Câmara dos Deputados, no art. 51, foram relacionadas as seguintes matérias de sua alçada privativa: autorizar o processamento do Presidente da República, o Vice-Presidente e seus Ministros; tomar as contas do Presidente da República quando este não o fez no prazo constitucional; elaboração de seu regimento interno e sobre sua organização, funcionamento, serviços e assuntos correlatos e eleger membros ao Conselho da República.

Ao Senado Federal, art. 52, foram dispostas matérias em quatorze incisos, cujos conteúdos referem-se às questões ligadas à federação; questões ligadas à função jurisdicional, no caso de processo e julgamento do Presidente da República, Vice-Presidente e Ministros de Estado nos crimes de responsabilidade; questões ligadas às funções executivas, especialmente na aprovação de chefes de missão diplomática e outros temas.

Para materialização dessas competências, a Constituição Federal, em seu art. 59, previu as seguintes espécies normativas: i) emenda à Constituição; ii) leis complementares; iii) leis ordinárias; iv) leis delegadas; v) medidas provisórias; vi) decretos legislativos e; vii) resoluções.

Dependendo da natureza da matéria há o enquadramento do tipo normativo previsto no Texto constitucional. Assim, caso haja urgência e relevância em determinada matéria, o Poder Executivo, valendo-se desses requisitos, poderá editar medida provisória, nos termos do art. 62 da Constituição Federal.

Por outro lado, os atos que disponham sobre competência privativa da Câmara dos Deputados, cujos efeitos irradiam-se internamente, o ato normativo correspondente será o projeto de resolução.

Matérias de competência exclusiva da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional com efeitos externos, o ato normativo será o projeto de decreto legislativo.

À Lei delegada destinam-se às matérias reservadas do Poder Legislativo, as quais este Poder poderá delegar a regulação ao Poder Executivo. Contudo há restrições quanto às matérias objeto de delegação, não sendo permitido esse procedimento quando: versar sobre atos de competência exclusiva do Congresso Nacional; de competência privativa da Câmara dos Deputados e do Senado Federal; de matérias de lei complementar, nem sobre organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e garantia de seus membros; nacionalidade, cidadania, direitos individuais, políticos e eleitorais e planos plurianuais, diretrizes orçamentárias e orçamentos. Projeto de Lei Complementar ocorrerá quando a norma constitucional expressamente o preveja e os demais tramitarão como projeto de lei ordinária. A delegação dar-se-á por decreto legislativo.

Das espécies normativas, há regras explícitas quanto à iniciativa de sua apresentação ao Congresso Nacional

Pelo art. 60 as emendas constitucionais só poderão ser apresentadas por:

I – um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal;

II – pelo Presidente da República;

III – de mais da metade das Assembléias Legislativas, manifestando, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros.

As leis complementares e ordinárias poderão ser apresentadas por qualquer membro, Comissão Permanente da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional; pelo Presidente da República, pelo Supremo Tribunal Federal, Tribunais Superiores, Procurador-Geral da República e aos cidadão.

No campo da iniciativa, determinadas matérias só poderão ser iniciadas por determinado órgão ou autoridade pública. O art. 61 fixa as matérias que são reservadas, exclusivamente, ao Presidente da República, padecendo de inconstitucionalidade, por vício formal, qualquer iniciativa legislativa nas matérias reservadas a essa autoridade.

As matérias que digam respeito à organização, estruturação, funcionamento do Supremo Tribunal Federal, Tribunais Superiores, Procuradoria Geral da República são de competência privativa desses órgãos.

Aos cidadãos cabe a apresentação de qualquer projeto de lei ordinária ou complementar, dispondo sobre qualquer matéria que não esteja no campo privativo dos órgãos e autoridades aqui mencionados, obedecida a exigência de ser subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos dos eleitores de cada um deles, consoante exarado no art. 61, parágrafo 2º, da Constituição Federal.

Por fim, o art. 65 preceitua que o projeto de lei aprovado por uma das Casas será revisto pela outra, em um turno só de discussão e votação. Caso haja emenda ao projeto deverá retornar à Casa iniciadora. Havendo a rejeição pela Casa revisora, o projeto é arquivado. Em havendo a aprovação o projeto vai à sanção ou promulgação.

5.3. O processo de revisão no processo legislativo

Na história de nosso constitucionalismo, vimos que a técnica legislativa adotada foi a do sistema bicameral. Nessa técnica, o processo de revisão legislativa entre as Casas foi uma constante, sob dois argumentos fundamentais: i) que o trabalho revisado pelas Casas legislativas dão maior segurança jurídica à sociedade, significando um trabalho bem mais elaborado nos aspectos jurídicos, constitucionais e políticos; ii) o outro argumento, diz respeito ao papel desempenhado pelo Senado, por nessa Casa reunir membros mais experientes, contendo possíveis radicalismos da Câmara dos Deputados.

Primeiro, cabe assinalar, que as duas Casas não estão em igualdade do ponto de vista constitucional. Não obstante a afirmação da doutrina que praticamos o bicameralismo de equilíbrio, discordamos do entendimento de FERREIRA FILHO o qual afirma o papel secundário do Senado Federal:

"Destarte as Câmaras no processo legislativo brasileiro não estão em pé de igualdade. A vontade da primeira que apreciou o projeto prevalece, na medida em que se impõe até contra as emendas feitas pela outra, a revisora. Ora, isso na prática, repercute uma certa inferiorização do Senado, que é necessariamente a Câmara revisora em todos os projetos de iniciativa presidencial, hoje a maioria e as mais importantes".(81)

Criticamente a esse ponto de vista, nos alinhamos com a compreensão de BACKES, que assim expressou-se sobre o tema: "No entanto, não é verdade que o Senado seja "necessariamente a Câmara revisora em todos os projetos de iniciativa presidencial".(82) Nas Medidas Provisórias o Senado tem exatamente o mesmo poder que a Câmara.

Na mesma compreensão advertiu BASTOS que pode "ocorrer, todavia, que a Casa revisora não aprove o projeto de lei. Neste caso será ele arquivado".(83)

Sustentando suas razões, continuou:

"Tem-se discutido se por este sistema não estaria a Casa revisora tendo papel mais relevante que aquela que estudou e aprovou o projeto, visto que, entre a aprovação da primeira Casa Legislativa e a rejeição da segunda, prevalece a vontade desta em rejeitá-lo não daquela em aprová-lo".(84)

Com plena razão, advoga o ilustre constitucionalista, o papel relevante da Câmara revisora. Verificamos, em nosso processo legislativo, que os projetos de lei, sobretudo quando suscitados pelo Executivo iniciam-se pela Câmara dos Deputados, ficando ao Senado Federal com a prerrogativa de poder de arquivar todas os projetos ali iniciados.

Declinamos dados da produção legislativa mais recente, para melhor subsidiar a discussão. O Congresso, entre 1988 e 1994, aprovou-se 1259 leis - 514 tramitaram seqüencialmente, 745 em sessão conjunta. Das 514, 121 foram de deputados; 55 de senadores; 86 do Judiciário e 252 do Executivo. Das 459 que iniciaram na Câmara, o Senado modificou 18%.(85)

Fica evidenciado o papel preponderante do Senado Federal no processo de elaboração legislativa, colocando em posição de inferioridade a Câmara dos Deputados, máxime quando constatamos a origem dos projetos de lei de 1988 a 1994.

Não se sustenta também o argumento do aperfeiçoamento legislativo com a sistemática de revisão, pois tal procedimento tem rendido delongas à tramitação dos projetos de lei. É comum os projetos tramitarem anos e anos, renovando-se as legislaturas, sem que os projetos se convertam em lei, pela pletora dessa espécie de proposição estarem tramitando em ambas as Casas do Congresso Nacional.

Na prática, fica o trabalho do Poder Legislativo limitado a apreciar projetos de iniciativa do Poder Executivo, que detém primazia quanto a prazos em suas tramitações, ao passo que os projetos apresentados pelos membros do Congresso Nacional caminham lentamente.

Essa realidade não é só brasileira, mas problema comum a vários Poderes Legislativos do mundo afora, cuja maior conseqüência é o de provocar o avanço do Poder Executivo na interferência no processo legislativo, fazendo letra morta o princípio da separação dos Poderes.

Sintoma maior dessa disfunção é a urgência conferida aos projetos oriundos do Poder Executivo, os quais sob o regime de urgência têm prazo de quarenta e cinco dias para tramitar em cada uma das Casas. Havendo emendas pelo Senado Federal, a Câmara tem mais dez dias para apreciá-las, que se não for atendido esse prazo, faz sobrestar todas as matérias em tramitação, conforme disciplina o art. 64 da Constituição Federal. A outra disfunção, talvez a maior que ameaça ruir o Estado democrático e de direito, diz respeito à edição, sem peias, de medidas provisórias.

Essas prerrogativas, conferidas ao Poder Executivo, são reforçadas sob o argumento da lentidão dos trabalhos legislativos. Com certeza, tais argumentos são em parte falaciosos, pois, na verdade, é mais um problema da nossa história institucional, mal estruturada e consolidada. A par disso, é inegável que, com as transformações da sociedade contemporânea, a sociedade exige respostas rápidas das instituições que manejam o poder político.

É claro que o Poder Legislativo deve ter um tempo mais longo para discutir determinados temas, ouvir a sociedade, aperfeiçoar os aspectos técnicos de um projeto de lei que inove a Ordem Jurídica. Todavia, deve-se buscar simplificar ao máximo a tramitação dos projetos de lei, assegurando a inovação do sistema jurídico com qualidade técnica e atendendo às aspirações políticas da coletividade.

Em atendimento a essas preocupações, na última Assembléia Nacional Constituinte foi prevista a simplificação da tramitação dos projetos de lei, dando poder conclusivo a determinadas matérias nas Comissões Permanentes, dispensando a apreciação em Plenário, tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado Federal, nos termos do art. 58, § 2º, inciso I, da Carta Magna.

Mas a alteração foi insuficiente, demonstrando a necessidade de, fundamentalmente, eliminar-se a exigência de revisão dos projetos de lei, como disposto no art. 65, do Texto Maior.

Não há como continuar admitindo projetos que versem sobre qualquer tema, independente de ser de interesse do povo ou da federação, continuem sob o procedimento revisional das Casas do Congresso Nacional.

O aperfeiçoamento do projeto de lei, observando-se a boa técnica legislativa, a juridicidade, a legalidade, a regimentalidade e a constitucionalidade, será satisfeito pelo aparelhamento técnico das Consultorias Legislativas de ambas as Casas do Congresso Nacional, dotando-as de pessoal tecnicamente preparado e em quantidade suficiente para atender às demandas dos membros que as compõem.

Isso permitirá maior segurança técnica aos parlamentares, pois estarão assessorados por uma consultoria preparada, atualizada, com todos os recursos disponíveis a uma melhor elaboração e análise dos projetos de lei.

Já os argumentos políticos são os mais sensíveis, envolvendo interesses diversos. Primeiramente, cumpre salientar que os membros das duas Casas são eleitos por princípios eleitorais diferentes. Os senadores pelo princípio do voto majoritário, e os deputados, pelo princípio do voto proporcional.

Isso é assim porque a natureza de cada Casa é diversa. Enquanto a Câmara dos Deputados abriga representantes da povo, tendo ali as mais diferentes correntes do pensamento da sociedade, no Senado Federal os representante eleitos irão representar, essencialmente, os Estados-membros.

É aí que reside, a nosso juízo, um disfunção do nosso sistema constitucional. Com o sistema adotado, admitindo-se a revisão, permite-se ao cidadão eleger um representante para defender interesses bastante segmentados, ao passo que no Senado, sobretudo pelo princípio do voto majoritário e pela quantidade de senadores eleitos, na maior parte das vezes esses interesses não serão contemplados pelo representante senatorial eleito.

Teoricamente é possível ocorrer no processo de revisão legislativa, a anulação política da sociedade pela manifestação de determinado projeto de lei no Senado Federal, cuja representação é de outra natureza, comparada à da Câmara dos Deputados.

A fórmula por nós adotada, nos parece, apropriando-nos da expressão de SARTORI, tratar-se de um constitucionalismo mal concebido.

Outro argumento recorrente refere-se ao papel da experiência dos membros do Senado Federal. Ora, tal argumento de origem histórica conservadora, não pode mais prosperar numa sociedade dinâmica como a atual. Não que se deva desprezar a experiência dos mais velhos. Pelo contrário. Na verdade, a Câmara dos Deputados pela sua diversidade reúne velhos, jovens, cidadãos que já ocuparam os mais diversos cargos em todas as esferas de Poder, havendo ali uma riqueza de conhecimento se justificando o vetusto argumento da experiência do Senado, a qual deve ser largamente utilizada para solucionar os diários e tormentosos problemas que afetam a federação brasileira.

Portanto, mais crível, a nosso entender, que o Senado Federal se ocupe, exclusivamente, das funções relativas às questões federativas, demandando maior tempo e energia a solidificar, cada vez mais, o pacto federativo, que, por vezes, se mostra frágil nos momentos de crises.

Com isso, a Câmara dos Deputados se reservaria a melhor se dedicar às matérias que digam respeito aos interesses do povo brasileiro, agilizando o processo legislativo, sem perda da qualidade técnica e política, para, nesse caminho, ir recuperando de fato as prerrogativas constitucionais que lhe são asseguradas.


CONCLUSÃO

Pela análise dos capítulos abordados, perfilhamo-nos com a opinião de Tavares (1998), mencionada na tese de BACKES, o qual sugere a redução dos poderes do Senado "retirando-lhes as funções que não lhe são essenciais, e promovendo a discreta predominância da Câmara, com o propósito de desobstruir o processo legislativo e sustentar a hegemonia constitucional e política da União sobre os estados".(86)

Fazemos, porém, a ressalva da supremacia política e constitucional da União em relação a Estados-membros, pois as leis produzidas pela Câmara dos Deputados terão caráter de lei nacional, válida para todos os entes federados (União, Estados, Municípios e DF) e lei federal, tendo como destinatária a União.

A solução apontada visa retomar o papel histórico incumbido ao Poder Legislativo na supremacia da produção legislativa, atribuições subtraídas mais recentemente pelo Poder Executivo, resgatando, efetivamente, a tripartição dos Poderes concebida por MONTESQUIEU. Isso não significa amputar do Executivo o seu papel de participação no processo legislativo. Continua esse Poder com a prerrogativa das medidas provisórias e com a deflagração de urgência aos projetos de lei, que, de qualquer modo, continua a ser um poder demasiado.

Com o fim da revisão legislativa, além de resgatar o papel do Poder Legislativo, contribuiria também a melhor definir as funções das duas Casas do Congresso Nacional. Superada a controvérsia secular do unicameralismo versus bicameralismo, cabe melhor ajustar as funções do Senado como câmara representativa dos interesses dos estados federados. Diante disso, enfraqueceríamos o papel dessa Casa na produção legislativa, ficando restrita à participação da elaboração das emendas constitucionais e, claro, das normas jurídicas que digam respeito às suas própria competências.

Se, por um lado, enfraqueceríamos o Senado na participação da produção normativa referente a competências adstritas ao povo brasileiro, estaríamos reforçando seu papel de câmara federal, podendo contribuir a dirimir as controvérsia da forma federativa por nós adotada.

Atualmente, o Senado não cumpre a contento nenhuma das duas funções que constitucionalmente lhe são atribuídas. Entrava o processo legislativo quando altera os projetos oriundos da Câmara, pois isso feito a proposição deverá retornar à Câmara dos Deputados. Aniquila as aspirações populares quando rejeita as matérias que estão sob seu exame ou, então, homologa-as burocraticamente quando a pressão da sociedade exige a entrada em vigor dos projetos de lei.

Não temos dúvida da má concepção desse modelo de técnica de organização legislativa, cujos prejuízos projetam-se na forma federativa e atentam contra o princípio da representação popular.

Por isso a conveniência de suprimir o dispositivo constitucional que determina a revisão dos projetos de lei entre as Casas do Congresso Nacional, bem como, suprimir a exigência da apreciação das medidas provisórias pelo Senado e Câmara dos Deputados, alterando, substancialmente, a técnica de organização legislativa para melhor adequar nosso Poder Legislativo às necessidades históricas.


NOTAS

1. "Há, em cada Estado, três espécies de poderes: o poder legislativo, poder executivo das coisas que dependem do direito das gentes, e executivo das que dependem do direito civil. (...) Pelo primeiro, o príncipe ou magistrado faz leis por certo tempo ou para sempre e corrige ou ab-roga as que estão feitas. Pelo segundo, faz a paz ou a guerra; envia ou recebe embaixadas, estabelece a segurança, previne as invasões. Pelo terceiro, pune os crimes ou julga as querelas dos indivíduos. Chamaremos a este último do poder de julgar e, o outro, simplesmente o poder executivo do Estado.(...) Tudo estaria perdido se o mesmo homem ou o mesmo corpo dos principais, ou dos nobres, ou do povo, exercessem esses três poderes: o de fazer leis, o de executar as resoluções públicas e o de julgar os crimes ou as divergências dos indivíduos" (Do Espírito das Leis, p. 148-149).

2. "Outro aspecto importante a considerar é que existe uma relação muito estreita entre as idéia de poder e de função do Estado, havendo mesmo quem sustente que é totalmente inadequado falar-se numa separação de poderes, quando o que existe de fato é apenas uma distribuição de funções." (DALLARI, Dalmo de Abreu. Elemento de Teoria Geral do Estado. Pág. 216)

3. SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamento de Direito Público. P. 42-43.

4. Em nosso País, a forma federativa do Estado, o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes e os direitos e garantias individuais são intangíveis. (Constituição Federal, art. 60, parágrafo 4º).

5. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. P. 153-154.

6. FERREIRA FILHO,M.G. Idem. P. 154.

7. SALDANHA, Nelson. O que é Poder Legislativo. P.5.

8. SALDANHA, N. Idem. P. 6.

9. ANDRADE, Almir. A evolução política dos parlamentos e a maturidade democrática. P. 66.

10. ANDRADE, A. Idem. P. 68-69.

11. ANDRADE, A. Idem. P. 69-70.

12. ANDRADE, A. Idem. P. 70.

13. ANDRADE, A. Idem. P. 70-71.

14.SALDANHA, Nelson. O que é Poder Legislativo. P. 4.

15. SALDANHA, N. Idem. Ibidem.

16. SALDANHA, N. Idem. P. 5.

17.ANDRADE, Almir. A evolução política dos parlamentos e a maturidade democrática. P. 113.

18. SALDANHA, Nelson. O que é Poder Legislativo. P. 1.

19. ANDRADE, Almir. A evolução política dos parlamentos e a maturidade democrática. P. 78-79.

20. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. P. 165.

21. FERREIRA FILHO, M. G. Idem. Ibidem.

22. FERREIRA FILHO, M. G. Idem. P. 166.

23. BORGES NETTO, André Luiz. Competências Legislativas dos Estados Membros. P. 37.

24. BACKES, Ana Luiza. Democracia e Sobre-Representação de Regiões. P. 1.

25. BACKES, A.L. Idem. P. 24.

26. BACKES, A.L. Idem. Ibidem.

27. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. P. 166.

28. HORTA, Raul Machado. Estudos de Direito Constitucional. P. 529.

29. BARBOSA, Alaor. Bicameralismo ou Unicameralismo. P. 40.

30. BARBOSA, A. Idem. P. 40-41.

31. BARBOSA, A. Idem. Ibidem.

32. BARBOSA, A. Idem. P. 47-48.

33. BARBOSA, A. Idem. P. 49.

34. BARBOSA, A. Idem. Ibidem.

35. BARBOSA, Alaor. Bicameralismo ou Unicameralismo. P. 56.

36. BARBOSA, A. Idem. Ibidem.

37. BARBOSA, A. Idem. P. 57.

38. BACKES, Ana Luiza. Democracia e Sobre-Representação de Regiões. P. 17.

39. BARBOSA, Alaor. Bicameralismo ou Unicameralismo. P. 57.

40. SARTORI, Giovanni. Engenharia Constitucional, Como Mudam as Constituições. P. 195.

41. SARTORI, Giovanni. Engenharia Constitucional. Idem. P. 196.

42. ANDRADE, Almir. A evolução política dos parlamentos e a maturidade democrática. P. 96.

43. FERREIRA FILHO, Manoel G. Curso de Direito ConstitucionaL. P. 165.

44. FERREIRA FILHO, Manoel G. Idem. 166.

45. SARTORI, Giovanni. Engenharia Constitucional, Como Mudam as Constituições. P. 195.

46. SARTORI, Giovanni. Idem. P. 199.

47. SARTORI, Giovanni. Idem. P. 200.

48. BARROSO, Luís R. Direito Constitucional Brasileiro: o problema da federação. P. 10.

49. Revista de Informação Legislativa. P. 25.

50. BARROSO, Luís R. Direito Constitucional Brasileiro: o problema da federação. P. 40.

51. BOBBIO, Norberto. Matteucci, Nicola e Pasquino. Dicionário de Política. P. 478.

52. BOBBIO, Norberto. Matteucci, Nicola e Pasquino. Idem. P. 479-480.

53. MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. P.241.

54. BORGES NETTO, André L. Competências Legislativas dos Estados Membros. P. 15-16.

55. BACKES, Ana L. Democracia e Sobre-Representação de Regiões. P 17.

56. SARTORI, Giovanni. Engenharia Constitucional, Como Mudam as Constituições. P. 200.

57. SALDANHA, Nelson. O que é Poder Legislativo. P. 1.

58. TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. P. 67.

59. FERREIRA, Pinto. Príncipios gerais de direito constitucional moderno. P. 7.

60. BACKES, Ana L. Democracia e Sobre-Representação de Regiões. P.17.

61. SARTORI, Giovanni. Engenharia Constitucional, Como Mudam as Constituições. P. 201.

62. SALDANHA, Nelson. O que é Poder Legislativo. P. 2.

63. BACKES, Ana L. Democracia e Sobre-Representação de Regiões. P. 7.

64. FERREIRA FILHO, Manoel G. Curso de Direito ConstitucionaL. P. 166.

65. FERREIRA FILHO, Manoel G. Idem. Ibidem.

66. BACKES, Ana L. Democracia e Sobre-Representação de Regiões. P. 8.

67. BACKES, Ana L. Idem. P. 9.

68. MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. P. 447.

69. BACKES, Ana L. Democracia e Sobre-Representação de Regiões. P. 47.

70. BACKES, Ana L. Idem. P. 61.

71. BACKES, Ana L.Idem. P. 62.

72. BACKES, Ana L.P. Idem. P. 10.

73. BACKES, Ana L.P. Idem. P. 11

74. BACKES, Ana L.Idem, P. 14.

75. FERREIRA FILHO, Manoel G. Curso de Direito Constitucional. P. 166.

76. BARBOSA, Alaor. Bicameralismoo ou Unicameralismo. P. 38-39.

77. FERREIRA FILHO, Manoel G. Curso de Direito Constitucional. P. 166-167.

78. SIMON, Pedro. Debate da Política.

79. BORGES NETTO, André L. Competências Legislativas dos Estados Membros. P. 42.

80. BORGES NETTO, André L. Idem. P. 62.

81. FERREIRA FILHO, Manoel G. Curso de Direito Constitucional. P. 208.

82. BACKES, Ana L. Democracia e Sobre-Representação de Regiões. P. 11.

83. BASTOS, Celso R. MARTINS, Ives G. Comentários à Constituição do Brasil. P. 473.

84. BASTOS, Celso R. MARTINS, Ives G. Idem. Ibidem.

85. BACKES, Ana L. Democracia e Sobre-Representação de Regiões. P. 12.

86. BACKES, Ana L. Democracia e Sobre-Representação de Regiões. P. 12.


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Revista de Informação Legislativa. Ano 18, nº 71, jul./set. 1981.

Constituição da República Federativa do Brasil. 2000. Atualizada até a Emenda Constitucional nº 26.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Peterson de Paula. Processo legislativo: a revisão entre as Casas do Congresso Nacional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 46, 1 out. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/137. Acesso em: 24 abr. 2024.