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A violência nas praças de desporto e a responsabilização penal do torcedor-infrator.

A norma do art. 39 da Lei nº 10.671/03

A violência nas praças de desporto e a responsabilização penal do torcedor-infrator. A norma do art. 39 da Lei nº 10.671/03

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1.INTRODUÇÃO

A frequência com que tem sido noticiados eventos criminosos quando da realização de espetáculos desportivos causa consternação àqueles que se dedicam ao exame do fenômeno do desporto moderno.

Sociólogos, antropólogos, juristas e especialistas em segurança pública vem, ano após ano, elaborando e publicando estudos que buscam, de um lado, investigar e conhecer a gênese da violência praticada sob a égide do desporto, e de outro, analisar e propor soluções para neutralizar as perversidades perpetradas por seres que, travestidos de entusiastas do desporto, se utilizam do suposto anonimato da multidão [01] para exprimir condutas criminosas.

Conquanto não seja objeto central do presente estudo a análise da quaestio sob o ponto de vista sociológico, tampouco sendo de seu intuito emitir parecer na seara afeta aos estudiosos da psiquê e dos fenômenos sociais, havemos de ressaltar que o fator criminógeno atribuído ao "torcedor infrator" brasileiro, que em nada difere do hooligan europeu, já fora sondado em criterioso estudo elaborado por Sigmund Freud, para quem o ser humano, quando em grupo [02], sofre a incidência do fenômeno mental denominado instinto social, que o leva a adotar comportamento específico [03]para a situação enfrentada pelo grupo diametralmente oposto daquele que adotaria se isolado.

Em Freud, portanto, encontramos a análise do denominado grupo psicológico, regido por condutas singulares aplicáveis ao coletivo, integrado por elementos heterogêneos que, combinados, "exatamente como as células que constituem um corpo vivo, formam, por sua reunião, um novo ser que apresenta características muito diferentes daquelas obtidas por cada célula isoladamente" (FREUD, 1996, p. 83).

Desta análise, infere-se de plano que o comportamento grupal dos espectadores de eventos desportivos vem sendo objeto de análise há tempos, ainda que obliquamente e de forma premonitória.

Em segundo momento, conclui-se que as condutas praticadas pelos componentes destes agrupamentos encontram no chamado grupo psicológico o estopim para exprimir suas mais diversas frustrações, tensões e excitações, o que invariavelmente desencadeia elemento criminógeno que interessa ao sistema jurídico-repressivo.

Tal conclusão não configura qualquer novidade ou resultado de complexa análise, vez que o observador mais atento facilmente haverá de ter conhecido este ou aquele sujeito que, embora cordial em seu comportamento diário, transmuta-se em autêntica besta-fera quando em meio a vários torcedores, ou ainda quando se insere no cotejo de uma denominada "torcida organizada".

Neste contexto, mesmo o cidadão pacífico torna-se capaz de realizar as mais tolas bestialidades em nome de um grupo psicológico ávido por destruir o seu "clube do coração", atletas, torcedores da equipe adversária, e toda e qualquer coisa ou pessoa que represente o vetor de seus fracassos, ou mesmo o "inimigo" imaginário. Não obstante, o próprio patrimônio público e o Poder Público, normalmente representado pelas polícias, recebem a descarga da ira deste espécime de espectador de eventos desportivos.

Assim sendo e tendo em vista o elemento humanístico-psicológico dissimulado no comportamento das torcidas, tais constatações levam à conclusão pouco animadora de que a sociedade organizada deve buscar, como forma de extirpação da violência no âmbito das praças de desporto, a própria neutralização das ações criminosas. Em outras palavras, forçoso é reconhecer que atos violentos praticados por "torcedores" decorrem de inúmeros fatores, muitos dos quais fogem ao alcance do direito e das autoridades que administram a segurança pública.

Assim, acabar com a existência dos "torcedores" delinquentes e das quadrilhas organizadas que agem no ambiente das praças de desporto seria tarefa inglória, cabendo contudo a adoção de medidas intensas no sentido de afastar estes focos de delinquencia dos espetáculos desportivos e neutralizar suas ações, motivo pelo qual se passa a examinar a evolução do esporte nas leis, para ao final, após a análise das responsabilidades dos atores relacionados ao espetáculo desportivo, concebermos críticas e idéias aplicáveis.


2.O ESPORTE NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

Atento ao fenômeno do desporto e à necessidade de sua maior aproximação com o ordenamento jurídico pátrio, vez que, conforme MELO FILHO (1986, p.1), "durante muito tempo o Desporto e o Direito ignoraram-se, permanecendo como dois fenômenos isolados e apartados entre si", o legislador constituinte originário reconheceu o esporte como direito dos cidadãos brasileiros, estabelecendo o fomento de práticas desportivas como dever do Estado, o que fez no art. 217, caput, da Constituição da República de 1988 [04].

Há de se destacar, contudo, que antes mesmo do reconhecimento constitucional, diversos instrumentos legislativos foram editados com vistas a dar suporte jurídico ao fenômeno desportivo, que tornava-se gradativamente intrincado, em especial por força do desenvolvimento do futebol como esporte popular no início do século XX. Pode-se afirmar, sem receio de cometer equívocos, que, no que pertine à edição de normas legais, o Estado passou a intervir nas questões afetas ao desporto já ao final da década de 30.

Como marco deste período pretérito, insta mencionar o Decreto nº 1.056/39, que ao criar a Comissão Nacional de Desportos, atribuiu a este órgão a incumbência de "realizar minucioso estudo do problema desportivo nacional e apresentar o plano geral de sua regulamentação" (LYRA FILHO, 1952, p. 119).

Posteriormente, sob o regime ditatorial, surgiu o Decreto-lei nº 3.199/41, que criou o Conselho Nacional de Desportos (CND) e estabeleceu a organização administrativa que, grosso modo, perdura até os dias de hoje, com as ligas, federações estaduais e confederações nacionais. No que pertine ao objeto deste estudo, destaca-se o disposto no item ‘a’ do art. 3º do mencionado Decreto-lei, cuja redação atribuiu competência ao CND para "estudar e promover medidas com o objetivo de assegurar uma conveniente e constante disciplina à organização e à administração das associações e demais entidades desportivas, bem como tornar os desportos, cada vez mais, um eficiente processo de educação física e espiritual da juventude, e uma alta expressão da cultura e da energia nacionais".

O Decreto nº 3.199/41, ainda que tenha representado forte intervencionismo estatal nas questões afetas ao desporto, inegavelmente demonstrou em seus termos, manifestos pelo legislador de meados do século XX, que desde aquele período da história, o Estado tinha a percepção de que havia a necessidade de serem aprofundados os estudos acerca das manifestações coletivas relacionadas ao desporto, de forma que o esporte não se desvinculasse de seus desígnios atrelados à disciplina e à "educação espiritual".

Diversos instrumentos legislativos foram posteriormente editados, merecendo destaque a Lei nº 6.251/75, que ao dispor acerca de regras gerais sobre o desporto, consignou em seu art. 5º, inciso V, enquanto objetivo da política nacional de desportos, a difusão do esporte como forma de utilização do tempo de lazer.

No ano seguinte, a Lei nº 6.354/76 veio a dispor expressamente acerca da segurança do atleta profissional de futebol, eis que seu art. 22 estabeleceu que "o empregador será obrigado a proporcionar ao atleta boas condições de higiene e segurança do trabalho e, no mínimo, assistência médica e odontológica imediata nos casos de acidentes durante os treinamentos ou competições e nos horários em que esteja à sua disposição". Verifica-se que a legislação se prestou a tutelar a segurança do atleta profissional de futebol, responsabilizando o clube empregador por eventual sinistro causado, inclusive, por ações violentas por parte de torcedores. De fato, o diploma legal em questão veio a reconhecer como categoria profissional o atleta de futebol, abdicando de regulamentar a profissão de atleta de forma universal, demonstrando que a conjuntura social da época assim o exigia. Conquanto já germinassem as problemáticas envolvendo conflitos entre torcedores, a legislação até então ignorava as relações entre o torcedor e a lei.

Em contrapartida, neste período histórico compreendido entre o final da década de 60 e o decorrer da década de 70, as denominadas torcidas organizadas começavam a despontar no Brasil, em especial nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro. TOLEDO (1996, p. 32) afirma que "estas novas formações e agrupamentos de torcedores consolidaram-se definitivamente nos anos 80", em especial quanto à sua organização, participação e visibilidade no universo do futebol.

Ao passo que o esporte se havia popularizado e profissionalizado nos períodos históricos das últimas décadas do século XX, as problemáticas envolvendo as multidões consubstanciadas nas torcidas organizadas raiavam em todo o território nacional.

Em seu interessante estudo acerca das associações de torcedores, Toledo relata a violência comum aos eventos desportivos que ocorriam no início dos anos 90, ao narrar sua tentativa de ingresso nas dependências do Estádio de São Januário, no Rio de Janeiro, em partida disputada entre São Paulo e Vasco da Gama, pelo Campeonato Brasileiro de Futebol de 1991, no dia 20 de abril de daquele ano:

O cenário estava propício ao confronto. Na Barreira do Vasco, defronte à bela fachada do estádio de São Januário, estabeleceu-se o conflito. Provocações, ameaças, olhares, palavrões. A Tricolor Independente, em gritos uníssonos, anunciava sua chegada. A ira dos vascaínos aumentou quando o coro são-paulino entoou o Hino do Flamengo.

Por outro lado, a torcida vascaína, que se encontrava dentro do estádio, apupava e jogava o que viesses à mão lá de cima das marquises. Os paulistas revidavam com morteiros e rojões. A polícia interveio no sentido de agrupar, em vão, os paulistas e deslocá-los para o outro lado do estádio. O bicho pegou, como diziam muitos ali presentes referindo-se, em gíria muito comum entre os torcedores, que a briga era um fato consumado.

Naquelas circunstancias, estabelecida a batalha, tratei de livrar-me dos rojões, pedras, paus, torcedores e policiais, e em meio à confusão. (Ibid., p. 83)

Já na vigência da Constituição de 1988, pode-se denotar que ainda brotavam as poucas ações do poder público no sentido de evitar tais situações.

Anos após a vigência da atual Constituição, a Lei nº 8.672/93, a chamada Lei Zico, estabeleceu em seu art. 2º, inciso XI, como diretriz do desporto, assim concebido como direito individual, o princípio da segurança, "propiciado ao praticante de qualquer modalidade desportiva, quanto a sua integridade física, mental ou sensorial". Verifica-se novamente a preocupação com a integridade física e mental do desportista, inexistindo ainda qualquer menção na legislação pátria acerca da figura do "torcedor" ou espectador, cujos direitos e deveres seguiam até então ignorados pelo ordenamento jurídico [05].

Em que pese a ausência de regulamentação dos direitos e deveres do espectador de eventos desportivos, bem como a falta de previsão legal para a responsabilização penal específica dos envolvidos em conflitos em estádios e adjacências, até então exclusivas da seara penal comum, diversos fatos já demonstravam que a questão afeta à segurança no desporto necessitava de grande atenção do Poder Público.

Dentre tantas vítimas fatais que a violência no desporto já vinha contabilizando, mereceu destaque a horrenda batalha travada entre palmeirenses e são-paulinos no dia 20 de agosto de 1995. O Estádio do Pacaembu, em obras, tornou-se cenário de guerra ao final da partida disputada entre atletas de não mais que 20 anos de idade, ocasião em que centenas de espectadores munidos de paus, pedras e entulhos de construção, dominaram as dependências da praça de desporto e trocaram entre si violentos golpes, culminando com a morte dramática do adolescente Márcio Gasparin da Silva, de apenas 16 anos, transmitida ao vivo para todo o país.

A inércia das autoridades e dos próprios administradores do desporto no Brasil, aliada à ausência de um debate mais aprofundado com setores acadêmicos, trouxe à tona uma pergunta inquietante: que modelo de segurança aplicar, no Brasil, para conter a ação das quadrilhas que agem em eventos desportivos? Qual o papel, nesta questão, do aparato punitivo representado pelo direito criminal, e como poderia atingir de forma eficaz o âmago destas facções?

Os indigestos ônus sociais trazidos pelas denominadas torcidas organizadas trouxeram à mesa, desde aquele período pretérito da história do desporto nacional, discussões que versavam até mesmo acerca da possibilidade de extinção de tais associações.

A propósito, ao analisar tal altercação, envolvendo a possibilidade de extinção destas associações organizadas por torcedores, o entendimento do Supremo Tribunal Federal caminhou no sentido de considerar a sua existência legitimada pelo art. 5º, inciso XVII, da Constituição Federal, cujo teor assinala como direito e garantia fundamental o direito de associação para fins lícitos. Desta forma, considerando-se que, embora tais associações congreguem diversos indivíduos que fomentam a prática de violência no interior e nas imediações das praças de desporto, inclusive abrigando quadrilhas, a sua finalidade, enquanto essencialmente lícita, não sugere que possam sofrer a restrição máxima de extinção.

Ainda que assim se considerasse, instaria considerar que diante da matriz sócio-cultural que dialoga com tais associações de torcedores, sua simples extinção com o consequente falecimento da sua personalidade jurídica, pouco auxiliaria os objetivos almejados pelo interesse público, eis que a clandestinidade tornar-se-ia o seu asilo.

Em ação judicial instaurada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo com o objetivo de obter jurisdição no sentido de extinguir a associação de torcedores "Mancha Verde", o Ministro Marco Aurélio de Mello, do Supremo Tribunal Federal, assim exarou decisão monocrática, em Agravo de Instrumento em Recurso Extraordinário:

O direito à associação é daqueles alçados ao patamar de garantia constitucional, somente sofrendo limitação considerado o fim visado. Atente-se para o disposto no inciso XVII do artigo 5º da Constituição Federal: XVII - é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar. Acontecimentos que deságüem em violência hão de ser coibidos pela força policial, não se justificando, de início, a extinção de associação de torcedores. O meio justifica o fim, mas não este aquele.

(STF. AI 234005/SP. Min. Marco Aurélio de Mello. j. 16.02.99. DJe 09.04.99)

Malgrado o acerto de tal entendimento, o tempo passou e novas tragédias ocorreram. Aliás, estas continuam a ocorrer com fantástica frequência. Ainda na década de 90, enquanto bens públicos eram destruídos por supostos torcedores, e jovens morriam de forma trágica nos entornos dos estádios de futebol, surgiu a festejada "Lei Pelé", a Lei nº 9.615/98. Conquanto pudesse este diploma legal ter contribuído grandemente para a estruturação das questões afetas à segurança do espectador de espetáculos desportivos, estabelecendo, inclusive, regras assentes para clubes e entidades de administração desportiva e reprimendas às ações de "torcedores infratores", sua contribuição, neste ponto, foi nada senão pífia.

Esbanjando preocupação para com questões afetas ao direito do trabalho do atleta e à administração dos clubes, federações e confederações, a questão da segurança foi timidamente insculpida como princípio no art. 2º, inciso XI, da Lei nº 9.615/98, segurança esta direcionada "ao praticante de qualquer modalidade desportiva, quanto a sua integridade física, mental ou sensorial". Mesmo com o assíduo derramamento de sangue nas praças de desporto, o legislador, em meio a escândalos envolvendo a administração de entidades de administração e prática desportiva, optou por se utilizar deste diploma legal para disciplinar com mais ênfase a responsabilização de dirigentes, assuntos atinentes à prática do desporto profissional e outras questões burocráticas, deixando de dar um passo à frente no tocante à segurança, limitando-se este a tão-somente transcrever dispositivo da lei anterior, a Lei nº 8.672/93. Vazio de conteúdo, o tal princípio da segurança não representou, em seu momento, o almejado avanço concreto no que pertine à matéria em análise, a despeito de ter consagrado novamente a tutela à segurança e à saúde dos atletas.

Nesta toada, a lei geral sobre desportos deixou novamente a questão da segurança carente de regulamentação, remetendo as questões florescentes relativas às infrações penais cometidas por supostos torcedores, ao menos naquele momento, aos dispositivos do Código Penal e à jurisdição particular da Justiça Desportiva.

Entretanto, embora as leis dirigidas especificamente ao chamado "torcedor-consumidor" caminhassem a passos lentos, a própria Constituição de 1988 já havia assinalado, como garantia fundamental dos cidadãos, a promoção pelo Estado dos direitos do consumidor [06]. Desta forma, sob o prisma dos direitos e deveres do torcedor, representou importante influência a entrada em vigência da Lei nº 8.078/90, o Código de Defesa do Consumidor, passando a ser legislação geral de base para a lei específica que mais tarde surgiria no ordenamento jurídico, o Estatuto do Torcedor. Com a vigência da Lei nº 8.078/90, passou a se consolidar com mais solidez a idéia do torcedor enquanto consumidor, e portanto, sujeito de direitos, dentre os quais o da segurança [07]. A partir do reconhecimento, ainda que tardio, de que o torcedor havia sido elevado à condição de consumidor, se fez premente e amplamente visível a necessidade de se elaborar um diploma legal que agregasse instrumentos aptos a disciplinar questões de consumo envolvendo o espectador de eventos desportivos, assim complementando o já vigente Código de Defesa do Consumidor.

Nascia então o Estatuto do Torcedor, sob o signo da Lei nº 10.671/03.

Quando do voto do legislador relator do projeto de Lei, o Deputado Gilmar Machado, este opinou nos seguintes termos:

O Estatuto pretende garantir ao torcedor o direito à uma competição organizada e transparente, quanto aos regulamentos e a venda de ingressos; garantir ao torcedor direitos relativos à segurança nos locais de realização das competições; direitos no tocante a transporte seguro e organização adequada do trânsito na área do evento; direitos referentes à qualidade da alimentação nos estádios e a higiene.

Contudo, são pertinentes as observações apontadas pelo ilustre relator da Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias (CDCMAM) Deputado Celso Russomano, quanto aos torcedores que promovam tumulto, pratiquem ou incitem a violência, ou invadam local restrito à competidores. De fato, o bom senso nos dita que não apenas os dirigentes e organizadores das competições são responsáveis pelas contingências ocorridas nas competições, mas também os torcedores que agem com inconseqüência e agressividade. Neste sentido, cremos seja oportuno proibir torcedores que ajam desta forma de comparecer e permanecer às proximidades, bem como à qualquer local em que se realize evento esportivo, pelo prazo de três meses a um ano, conforme proposto na emenda de relator nº 5, respeitados, obviamente, o devido processo legal e o amplo direito de defesa.

Dentre as diversas novidades trazidas pela novel lei especial, adrede a relativa à segurança do espectador, exsurgiu um novo tipo penal no sistema jurídico brasileiro.

Ressaltando-se o que já restou acima pontuado, a responsabilização civil do clube mandante, em casos de violência ocorrida no interior do recinto desportivo, já era reconhecida [08] com base na legislação genérica, até então vigente.

Floresceu no ordenamento jurídico pátrio novo tipo penal inspirado em leis européias, destinado especificamente ao torcedor, agora definido nos termos da lei. As peculiaridades desta nova infração penal, insculpida no art. 39 da Lei nº 10.671/03, tem possibilitado o surgimento de incertezas e divagações nas mentes não apenas dos operadores do sistema jurídico, mas também dos interessados nas questões afetas ao desporto.

Neste sentido, pode-se afirmar que há um conhecido rol de condutas criminosas praticadas no âmbito das praças de desporto: dano, dano qualificado, lesões corporais, explosão, dentre outras. Por certo, muitas das condutas praticadas por torcedores carecem notadamente de tipicidade material, ante a incidência do princípio da adequação social, idealizado por Hans Welzel para afastar o caráter criminógeno do comportamento humano permitido socialmente em determinada conjuntura [09], restringindo o âmbito de abrangência do tipo penal (GRECO, 2008, p. 06).

Contudo, o que impulsionou o legislador do Estatuto do Torcedor foi a necessidade de se inserir no ordenamento jurídico uma infração penal intrínseca e anterior ao próprio crime-fim, quando existente, desde que praticado no interior ou nas imediações de recintos que abrigam espetáculos desportivos. A penalidade aplicável demonstra, em seu caráter de prevenção especial negativa, a peculiar intenção da norma. Esta reside no condão de retirar do ambiente dos espetáculos desportivos aquele indivíduo que não possui comportamento e discernimento mental apto a lhe permitir conviver com as massas de torcedores inebriados pelos sentimentos acordados por uma disputa desportiva.


3.A INFRAÇÃO PENAL PREVISTA NO ART. 39 DO ESTATUTO DO TORCEDOR

Com o objetivo de neutralizar a ação de "torcedores" problemáticos, o legislador brasileiro adotou medida semelhante à utilizada em nações européias. Fez-se inserir o art. 39 ao Estatuto do Torcedor, pelo qual não se exacerbou a punição aos "baderneiros" de recintos desportivos ao ponto de se prever pena privativa de liberdade. A medida salomônica se concentrou na previsão legal de se impedir o infrator de permanecer nas proximidades de local onde esteja sendo realizado evento desportivo.

Antes de se adentrar à análise do tipo, destaca-se o texto normativo, abaixo reproduzido:

Art. 39. O torcedor que promover tumulto, praticar ou incitar a violência, ou invadir local restrito aos competidores ficará impedido de comparecer às proximidades, bem como a qualquer local em que se realize evento esportivo, pelo prazo de três meses a um ano, de acordo com a gravidade da conduta, sem prejuízo das demais sanções cabíveis.

§ 1º Incorrerá nas mesmas penas o torcedor que promover tumulto, praticar ou incitar a violência num raio de cinco mil metros ao redor do local de realização do evento esportivo.

§ 2º A verificação do mau torcedor deverá ser feita pela sua conduta no evento esportivo ou por Boletins de Ocorrências Policiais lavrados.

§ 3º A apenação se dará por sentença dos juizados especiais criminais e deverá ser provocada pelo Ministério Público, pela polícia judiciária, por qualquer autoridade, pelo mando do evento esportivo ou por qualquer torcedor partícipe, mediante representação.

O teor normativo do caput do art. 39 transparece que a norma encontra-se alocada em diploma legal estranho às questões criminais. A redação difere do padrão dos tipos penais, em que se descreve primeiramente a conduta humana desvalorada, para posteriormente lhe cominar pena em abstrato.

A propósito, em homenagem à correta utilização das terminologias, seria possível classificar a conduta de promover tumultos, praticar ou incitar a violência ou invadir recintos privativos dos desportistas como crime?

Tomando-se por base que o direito criminal brasileiro se filia à teoria bipartida, vale relembrar a lição de Damásio de JESUS para quem a distinção entre crimes e contravenções não mora na sua natureza, mas sim em "realidades que se diversificam pela sua maior ou menor gravidade" (1977, p. 173). De acordo com a definição legalista, prevista no art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal, crime é a "infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa", ao passo que a contravenção é "a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente".

Neste sentido, pode-se afirmar que embora seja elevada a gravidade da conduta, a tímida penalidade imposta se alinha ao conceito de contravenção. Entretanto, tendo em vista que a conduta em análise se poderia considerar contravenção prevista em lei especial, a pouca utilidade desta classificação traria mais problemas que soluções, motivo pelo qual se opta pela simples ação do termo amplo ‘infração penal’.

Assim sendo, tal infração penal tem como sujeito ativo, ou seja, o praticante da norma penal incriminadora, o torcedor. Este encontra-se definido no mesmo Estatuto do Torcedor, em seu art. 2º, in verbis:

Art. 2º Torcedor é toda pessoa que aprecie, apóie ou se associe a qualquer entidade de prática desportiva do País e acompanhe a prática de determinada modalidade esportiva.

Parágrafo único. Salvo prova em contrário, presumem-se a apreciação, o apoio ou o acompanhamento de que trata o caput deste artigo.

Ao contrário do que se possa parecer após a análise do conceito legal de torcedor, o enquadramento deste à norma do art. 39 do Estatuto não exige investigação quanto ao seu efetivo apoio ou apreciação de qualquer clube ou modalidade que seja. Uma vez inserido no contexto de determinado espetáculo desportivo, configurada está a subsunção do fato à norma. Inexistindo qualquer liame que vincule o sujeito ativo à condição de torcedor, caberá tão somente a capitulação na regra do art. 40 da Lei das Contravenções Penais [10].

Para se definir o sujeito passivo da infração, há que se perquirir qual é o titular do interesse cuja ofensa constitui a essência do delito, ou seja, é necessário "indagar qual o interesse tutelado pela lei penal incriminadora" (JESUS, 1977, p. 161). Partindo-se de tal premissa, infere-se que a infração traz uma riqueza de sujeitos passivos, desde os difusos, indetermináveis do ponto de vista individual (coletividade de torcedores-consumidores que tem por lei o direito ao regular desenrolar de uma prova ou partida) e os individualmente determináveis (clube detentor do mando de jogo e/ou entidade que administra a competição).

A sanção prevista se consubstancia em uma pena restritiva de direitos, imposta por lei. Não se abre a possibilidade de análise quanto à aplicação desta ou daquela pena restritiva, haja vista que o escopo da norma é justamente criar modalidade de sanção criada especificamente para a peculiar conduta nela regrada.

A lei previu que a pena de proibição de comparecer às proximidades de praça de desporto, bem como a qualquer local em que se realize evento esportivo, com prazo variável de 3 (três) meses a 1 (hum) ano, deverá ser dosimetrada com base na gravidade da conduta. Trata-se de disparidade para com o sistema dosimétrico pátrio, motivo pelo qual a melhor hermenêutica levará em conta a análise da penalidade imposta à luz das circunstâncias atenuantes previstas no art. 65 do Código Penal. Neste ponto, cumpre destacar que o art. 65, em seu inciso III, alínea ‘e’, prevê como atenuante o fato de a infração ter sido praticada sob a influência de multidão em tumulto, se não o agente não o provocou, pelo que se pode defender a tese pela qual o prazo de privação deve avalizado com a incidência de atenuante, caso a incitação ou a invasão tenha sido praticada em extensão a atos tomados em grandes aglomerações de torcedores, o que comumente acontece.

Vê-se que a legislação cuidou não apenas do torcedor-infrator inserido no interior de uma praça de desportos, mas também daquele que, mesmo nos entornos, promove confusões e tumultos relacionados à ocorrência de determinado evento desportivo. Tal previsão decorre principalmente da freqüência com que são contabilizados danos patrimoniais extramuros, sempre verificados em conflitos envolvendo torcidas nos arredores de estádios e ginásios.

O § 3º do art. 39 deixa claro que a sentença condenatória haverá de ser exarada pelo Juizado Especial Criminal. O próprio quantum da pena não permite dúvidas quanto à verificação do juízo competente para julgar tais infrações [11]. A dúvida que surge da leitura deste parágrafo reside na titularidade da ação penal, dúvida esta decorrente da péssima redação que lhe foi dada.

Seria a ação privada, pública condicionada à representação, ou simplesmente pública, tendo sido intenção o legislador somente ressaltar que as partes descritas no dispositivo poderiam noticiar a prática da infração?

A este respeito, a Procuradoria-Geral da República ajuizou ação direta de inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal no dia 28 de maio de 2005. De acordo com o pleito inicial, a dicção do art. 39, § 3º, in fine, estaria a contrariar o preceito constitucional do art. 129, inciso I, da Lei Superior [12], vez que se estaria a possibilitar interpretação pela qual, além do parquet, tanto a polícia judiciária, quanto o mandante do evento desportivo, bem como qualquer autoridade ou torcedor partícipe, pudesse mover representação e instaurar a ação penal. A petição inicial, em sua fl. 02, assim aduz:

O artigo 24 do Código de Processo Penal, a par da normativa constitucional, também prescreve que o crime de ação publica será promovido por denuncia do Ministério Publico. Desse modo, ao possibilitar que a policia judiciária, qualquer autoridade, pelo mando do evento desportivo ou até mesmo torcedor partícipe provoquem o início de procedimento destinado a uma punição de matéria penal, extrapola a parte final do § 3º do art. 39 do Estatuto do Torcedor, recaindo em vício de inconstitucionalidade. [13]

De acordo com parecer emitido pela Advocacia do Senado, não se mostra necessária a declaração de inconstitucionalidade do disposto no § 3º do art. 39 do Estatuto do Torcedor, podendo ser-lhe conferida interpretação conforme para sedimentar o entendimento pelo qual a ação é pública, podendo ser oferecida representação pelos entes ali indicados.

Em suma, inexistindo previsão legal de que a representação seja condição de procedibilidade para a instauração da ação penal, denota-se que de fato se trata de ação penal pública.

Pode-se classificar a infração em análise como infração comum, pois que embora deva ser praticada pelo denominado "torcedor", não se exige do agente uma particular condição ou qualidade pessoal, bastando estar a conduta relacionada com a ocorrência de determinado evento desportivo.

A simples entrada do infrator a local restrito aos desportistas, sem causar qualquer prejuízo, já é o bastante para fazer incidir a norma, motivo pelo qual se pode considerar a infração como sendo, quanto ao resultado, de mera conduta.

Sua consumação pode se dar tanto em atos singulares, como por exemplo, na violação de alambrado ou fosso para se adentrar a gramado, quanto em atos permanentes, como na hipótese de o torcedor dar início às incitações à violência por variados meios, anteriormente à realização de determinada partida ou prova, pelo que se pode classificar como infração via de regra instantânea, mas possivelmente permanente.

Trata-se de infração comissiva de ação múltipla, bastando a incursão em um dos verbos núcleos do tipo para que se tenha por consumada, reunindo todos os elementos de sua definição legal.


4.MECANISMOS DE IDENTIFICAÇÃO DO TORCEDOR INFRATOR

Uma das dificuldades encontradas pelas entidades de prática e administração desportiva, bem como pelos entes de direito público, reside na tarefa de identificar o torcedor infrator e individualizar sua conduta. Tal situação, destaca-se, ocorre muito mais em razão da não-adoção de mecanismos de controle, do que propriamente do grande número de espectadores que se dirigem às praças de desporto.

Com o objetivo de aprimorar a segurança nas praças de desporto, sobretudo quebrar o paradigma do suposto anonimato das multidões nelas inseridas, o Estatuto já havia estabelecido em seu art. 18 que "os estádios com capacidade superior a vinte mil pessoas deverão manter central técnica de informações, com infra-estrutura suficiente para viabilizar o monitoramento por imagem do público presente".

No mesmo sentido, o art. 25 do Estatuto do Torcedor [14] já determinava que as grandes praças de desporto deveriam dispor de circuito de gravação de imagens das catracas, referindo-se à possibilidade de se identificar visualmente cada um dos torcedores, assim facilitando a responsabilização criminal de eventual delinquente.

Neste aspecto, tem se mostrado imperiosa a definitiva instrumentalização de medidas aptas a cadastrar e identificar cada um daqueles que se encontra no interior de uma praça de desporto, haja vista que anos se passaram da vigência do Estatuto do Torcedor e os mesmos problemas ocorrem diuturnamente [15].

Malgrado o caráter impositivo da norma, tal medida não foi adotada amplamente no Brasil, em especial no tocante aos grandes estádios de futebol. Isto, há de se destacar, em virtude principalmente da inexistência de normas expressas cominadoras de penalidades às entidades de prática desportiva que ignorem o comando normativo [16]. Em algumas localidades, movimentações no sentido de regulamentar este dispositivo legal somente ocorreram após o alarde midiático produzido por este ou aquele foco de violência dentro dos estádios. Vale lembrar que, conforme disposição do art. 37, § 2º, do Estatuto do Torcedor, os entes federativos estão legalmente permitidos, se não convidados, a instituir, no âmbito de suas competências, multas em razão do descumprimento do disposto na aludida lei especial.

Na cidade de Natal, no Rio Grande do Norte, foi promulgada em setembro de 2009 a Lei nº 292/09, que dispõe acerca da identificação dos compradores de ingressos para partidas de futebol naquela capital. Na cidade de São Paulo, projeto semelhante foi proposto, atualmente em trâmite na Câmara Legislativa sob nº 762/09. Medida semelhante já havia sido tomada, com sucesso, pelo Internacional, clube de futebol de Porto Alegre, Rio Grande do Sul.

Neste embalo, cumpre mencionar, a título exemplificativo, a propositura do projeto de lei municipal nº 005.00268.2009, em trâmite perante a Câmara Municipal de Curitiba, no estado do Paraná. Este projeto de lei municipal se propõe a disciplinar de forma minudente, com o permisso do art. 30, incisos I e II da Constituição Federal, a utilização do sistema de gravação de imagens dentro dos estádios de grande porte, abrangendo a questão da identificação do torcedor e a pena pecuniária às entidades de prática desportiva que não obedecerem aos termos da lei.

A propósito, verifique-se o teor da proposta encaminhada àquele colegiado legislativo municipal:

Art. 1º Os estádios de futebol localizados no Município de Curitiba, com capacidade para mais de quinze mil pessoas, deverão contar com meio de monitoramento por imagem das catracas e são obrigados a instalar equipamento de gravação fotográfica do rosto e de documentos, a fim de identificar seus torcedores.

§ 1º O equipamento mencionado no "caput" deste artigo é dotado de mecanismo que grava a imagem do documento de identidade, registrando o nome, a foto, o dia e a hora de acesso dos torcedores.

§ 2º Não será permitida a entrada de pessoas sem a devida apresentação de documento oficial de identidade, contendo foto.

§ 3º As informações gravadas deverão ser preservadas pelo prazo de 30 (trinta) dias , a fim de instruírem eventual inquérito policial, administrativo ou ação judicial.

(...)

Art. 2º Todos os funcionários, próprios ou terceirizados, que desempenhem alguma atividade nos estádios, deverão portar identificação que permita a visualização do seu nome, função e foto.

Art. 3º Os estabelecimentos que descumprirem o disposto nesta lei ficam sujeitos às seguintes penalidades, sem prejuízo, conforme o caso, das sanções de natureza civil, penal e das definidas em normas específicas:

I - Advertência, por escrito, da autoridade competente, esclarecendo que, em caso de reincidência, o infrator estará sujeito à multa;

II - Multa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), na segunda infração;

III - Multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais) , na terceira infração;

IV - Cassação do alvará de licença do estabelecimento.

Em que pese as boas intenções dos legislativos municipais, tais iniciativas não surtirão o efeito universal desejado, posto que adotadas isoladamente. Não se pode deixar de destacar que o art. 87, inciso II, da Constituição Federal, concede aos Ministros de Estado a prerrogativa de editar instruções normativas visando a execução de leis federais, de forma que pensamos ser absolutamente viável a edição de ato normativo pelo Ministério da Justiça ou dos Esportes, uniformizando o procedimento de controle de entrada de torcedores nos estádios.

Igualmente, merece destaque o fato de que a correta e eficaz identificação do torcedor autor de arremesso de objetos em uma praça de desportos pode livrar a entidade mandante de arcar com pesada pena pecuniária perante a Justiça Desportiva. Isto pelo fato de que a norma do art. 213 do Código Brasileiro de Justiça Desportiva prevê tal excludente de forma expressa, fazendo-o em seu § 3º, cujo teor aduz que "a comprovação da identificação e detenção do infrator com apresentação à autoridade policial competente e registro de boletim de ocorrência, na hipótese de lançamento de objeto, exime a entidade de responsabilidade".


5.O PROJETO DE LEI – PL Nº 451/95

Iniciativa semelhante à das verificadas nos legislativos municipais está em discussão no Congresso Nacional, sob a forma de lei ordinária, cujo texto promete trazer modificações à redação do Estatuto do Torcedor. O projeto de lei nº 451/95, de autoria do Deputado Federal Arlindo Chinaglia, atualmente em trâmite perante o Senado, congrega diversos projetos de lei afetos à matéria da segurança nos eventos desportivos.

Seu texto final, publicado no Diário da Câmara dos Deputados de 07 de maio de 2009, traz certos dispositivos que, data máxima venia, não agregam quaisquer novos balizadores em termos de segurança, limitando-se por vezes a repetir o óbvio, conforme se infere dos seus arts. 1º e 2º, in verbis:

Art. 1º É dever de toda pessoa física ou jurídica colaborar na prevenção aos atos ilícitos e de violência praticados por ocasião de competições esportivas, especialmente os atos de violência entre torcedores e torcidas.

Art. 2º Todos os estádios de futebol e ginásios de esporte onde ocorram competições esportivas oficiais não poderão vender mais ingressos do que o número máximo de capacidade de público existente no local.

Nota-se que a redação dada aos dispositivos iniciais do projeto de lei nada faz senão reprisar decorrências lógicas dos princípios constitucionais e dos primados das relações consumeristas, já existentes. Desta forma, como já de costume no sistema legal pátrio, busca-se tão-somente evidenciar o que já se encontra legislado. Destaca-se que a deficiente redação do atual art. 23, § 1º, inciso I, do Estatuto do Torcedor, já prevê a pena de perda de mando ao clube que coloque à venda número de ingressos maior ao da capacidade de seu estádio.

As mudanças mais significativas no âmbito deste projeto de lei residem nas alterações aos dispositivos do Estatuto do Torcedor. De acordo com o texto final, as entidades de administração de desporto haverão de disponibilizar, tanto em seus sites quanto nas entradas de estádios, ginásios e equivalentes, os nomes dos torcedores impedidos de neles ingressar, tal como se infere da reprodução infra:

Art. 5º [omissis.]

§ 1º As entidades de que trata o caput farão publicar na internet, em sítio da entidade responsável pela organização do evento:

VI – a relação dos nomes dos torcedores impedidos de comparecer ao local do evento desportivo.

§ 2º Os dados contidos nos itens V e VI também deverão ser afixados ostensivamente em local visível, em caracteres facilmente legíveis, do lado externo de todas as entradas do local onde se realiza o evento esportivo.

§ 3º O juiz deve comunicar às entidades de que trata o caput decisão judicial ou aceitação de proposta de transação penal ou suspensão do processo que implique o impedimento do torcedor de frequentar estádios desportivos."

Uma vez aprovado o projeto de lei em análise, a necessidade de central de monitoramento por imagem dos torcedores, bem como a filmagem das catracas, tal como previsto nas redações atuais dos arts. 18 e 25 da Lei nº 10.671/03, poderá ter sua abrangência estendida para os estádios com capacidade superior a 10.000 (dez mil) espectadores. Neste ponto, o legislador não apenas impôs obrigação inviável para muitas agremiações de menor expressão econômica, como também deixou de se pautar pela melhor técnica de redação legislativa, ao mencionar tão-somente os estádios, tornando nebulosa a necessidade de tais medidas em ginásios e afins.

Ademais, a mens legis comporta a adoção de medidas alternativas ao monitoramento individual por imagem, aptas a suprir a necessidade de controle de acesso, em especial para a realidade econômica de entidades de prática desportiva menos expressivas sob o ponto de vista financeiro.

A lege ferenda traz ainda a inclusão de um art. "1º-A" ao Estatuto do Torcedor, pelo qual todo e qualquer cidadão minimamente ligado à realização do evento desportivo é responsável pela prevenção da violência ali praticada. Em que pese a intenção de democratizar as responsabilidades, tal dispositivo pode vir a gerar diversos questionamentos judiciais, sobretudo em razão das normas dos arts. 14 e 19 da Lei em análise. Seus termos genéricos, despidos da avaliação de que medidas e de quais situações as partes ali descritas podem ser de fato responsabilizadas, podem acabar por tornar esta norma inaplicável e, ainda, obstante da aplicação de outras.

O art. 1º-A encontra a redação de seu texto definitivo nos seguintes termos:

Art. 1º-A. A prevenção da violência nos esportes é de responsabilidade do poder público, das confederações, federações, ligas, clubes, associações ou entidades esportivas, entidades recreativas e associações de torcedores, inclusive de seus respectivos dirigentes, bem como daqueles que, de qualquer forma, promovem, organizam, coordenam ou participam dos eventos esportivos.

No que se refere às entidades associativas de apoio às entidades de prática desportiva, a lei em trâmite no Congresso Nacional propõe a inclusão de um art. 2º-A ao Estatuto, com a adoção de um conceito legal pouco conclusivo do que seja torcida organizada, assim como um cadastro de seus integrantes, conforme se infere de sua redação abaixo reproduzida:

Art. 2º-A Considera-se torcida organizada, para os efeitos desta Lei, a pessoa jurídica de direito privado ou existente de fato, que se organize para o fim de torcer e apoiar entidade de prática esportiva de qualquer natureza ou modalidade.

Parágrafo único. A torcida organizada deverá manter cadastro atualizado de seus associados ou membros, o qual deverá conter, pelo menos, as seguintes informações:

I – nome completo;

II – fotografia;

III – filiação;

IV – número do registro civil;

V – número do CPF;

VI – data de nascimento;

VII – estado civil;

VIII – profissão;

IX – endereço completo; e

X – escolaridade.

Uma das interessantes novidades do projeto de lei nº 451/95 reside na positivação do direito de retirar imediatamente da praça de desportos o torcedor que de qualquer forma esteja prejudicando o regular andamento do jogo, partida, prova ou similar. Desta forma, para além da possibilidade de prisão em flagrante, a simples verificação de que o torcedor burlou o sistema de revista pessoal quando do seu ingresso ao recinto pode ensejar a sua impossibilidade de permanência no local. Igualmente, o novo texto legal poderá permitir que, a despeito de eventual prisão em flagrante pelo crime de porte de drogas, realizada via de regra pela Polícia Militar, a própria equipe particular de segurança do evento desportivo dê cumprimento à retirada de torcedor que esteja fazendo uso de entorpecentes nas dependências da praça de desporto. Há ainda a previsão implícita de extinção dos fogos de artifício, rojões e similares do contexto dos eventos desportivos, o que pode vir a gerar discussões acaloradas por parte dos torcedores simpáticos à sua utilização.

A inclusão do art. 13-A ao Estatuto do Torcedor, por força do projeto de lei nº 451/95, traria ao diploma legal norma assim redigida:

Art. 13-A. São condições de acesso e permanência do torcedor no recinto esportivo, sem prejuízo de outras condições previstas em lei:

I – estar na posse de ingresso válido;

II – não portar objetos, bebidas ou substâncias proibidas ou suscetíveis de gerar ou possibilitar a prática de atos de violência;

III – consentir com a revista pessoal de prevenção e segurança;

IV – não portar ou ostentar cartazes, bandeiras, símbolos ou outros sinais com mensagens ofensivas, inclusive de caráter racista ou xenófobo;

V – não entoar cânticos discriminatórios, racistas ou xenófobos;

VI – não arremessar objetos, de qualquer natureza, no interior do recinto esportivo;

VII – não portar ou utilizar fogos de artifício ou quaisquer outros engenhos pirotécnicos ou produtores de efeitos análogos;

VIII – não incitar e não praticar atos de violência no estádio, qualquer que seja a sua natureza; e

IX – não invadir e não incitar a invasão, de qualquer forma, da área restrita aos competidores.

Parágrafo único. O não cumprimento das condições estabelecidas neste artigo implicará a impossibilidade de ingresso do torcedor ao recinto esportivo, ou, se for o caso, o seu afastamento imediato do recinto, sem prejuízo de outras sanções administrativas, civis ou penais eventualmente cabíveis.

No que pertine ao objeto essencial deste estudo, a contribuição mais importante do projeto de lei em análise encontra-se justamente na possibilidade de radical mudança da atual norma do art. 39 do Estatuto do Torcedor, mencionado no tópico 3. supra.

De fato, a proposta que tramita no Congresso Nacional prevê não apenas a revogação expressa do atual art. 39, mas a criação de um sistema de responsabilidade civil objetiva das torcidas organizadas por atos praticados por seus membros, o que se infere da redação dada aos propostos arts. 39-A, 39-B e 41-A, a seguir transcritos:

Art. 39-A. A torcida organizada que, em evento esportivo, promover tumulto; praticar ou incitar a violência; ou invadir local restrito aos competidores, árbitros, fiscais, dirigentes, organizadores ou jornalistas será impedida, assim como seus associados ou membros, de comparecer a eventos esportivos pelo prazo de até 3 (três) anos.

Art. 39-B. A torcida organizada responde civilmente, de forma objetiva e solidária, pelos danos causados por qualquer dos seus associados ou membros no local do evento esportivo, em suas imediações ou no trajeto de ida e volta para o evento.

Art. 41-A. Os juizados do torcedor, órgãos da Justiça Ordinária com competência cível e criminal, poderão ser criados pelos Estados e pelo Distrito Federal para o processo, o julgamento e a execução das causas decorrentes das atividades reguladas nesta Lei.

Denota-se que embora o mecanismo de responsabilização objetiva do proposto art. 39-B tenha por escopo o aprimoramento dos mecanismos internos de controle das torcidas organizadas, sua aplicação poderia até mesmo ser questionada sob o ponto de vista da sua ilegalidade, dada a amplitude do texto normativo e sua conflitância com a sistemática de responsabilidades do Código Civil. A pessoa jurídica de direito privado poderia vir a responder objetivamente por qualquer ato praticado por torcedor a ela vinculado, ainda que tal ato seja absolutamente alheio de qualquer possibilidade de controle, sem qualquer nexo de causa e relação entre torcedor e torcida.

De acordo com os objetivos da norma, haveria de se contar com incondicional boa-fé por parte de tais associações, pois que sendo a torcida organizada "a pessoa jurídica de direito privado ou existente de fato, que se organize para o fim de torcer e apoiar entidade de prática esportiva", parece-nos impossível a visualização de pessoa jurídica que venha a promover tumultos. Vislumbra-se, sim, a prática de tumultos por seus membros ou até mesmo meros simpatizantes, sem qualquer vínculo associativo.

Contudo, na eventualidade de ser necessário acionar judicialmente uma torcida organizada, com vistas a reparar danos materiais, de que forma se poderia atingir o seu patrimônio, na hipótese de ser uma associação de torcedores "de fato", ignorada pelo Cadastro Nacional das Pessoas Jurídicas, cujo torcedor-infrator, causador dos danos, se consubstancie em mero "associado" de fato? Pode-se estar abrindo a possibilidade de que o cadastro individual dos associados das torcidas organizadas não tenha grande utilidade prática. Fato é que na aplicação da lei em gestação, as soluções aparentemente distantes hão de ser sopesadas e analisadas por todos os setores envolvidos com a questão da segurança nos eventos desportivos.

5.1.A INFRAÇÃO DE PROMOÇÃO DE TUMULTO, VIOLÊNCIA, OU INVASÃO DE LOCAL RESTRITO À PRÁTICA DO DESPORTO: SUA ELEVAÇÃO À CONDIÇÃO DE CRIME

Conforme a redação final dada ao texto do projeto de lei nº 451/95, o até então delito sui generis de tumulto em praças de desporto e/ou invasão, ora amoldado ao conceito de contravenção, passa inequivocamente à condição de crime, com pena de reclusão de até 2 (dois) anos.

Uma vez aprovado o PL, o Estatuto do Torcedor passaria a contar com um capítulo exclusivamente dedicado aos crimes relacionados com o desporto, em todas as suas peculiaridades, transmutando a Lei nº 10.671/03 em autêntica lei penal especial. O diploma legal pode vir a disciplinar, além das normas gerais consumeristas aplicáveis ao torcedor-consumidor, crimes ligados à prática do desporto, tal como a prática da "mala branca", "mala preta", a ação dos cambistas, ou da propina solicitada por árbitro para influir no resultado de disputa.

O capítulo ‘Dos Crimes’, no que se refere à conduta do atual art. 39 do Estatuto do Torcedor, analisada no tópico 3. acima, consubstanciada na promoção de tumultos ou invasão de local restrito aos atletas, conta com a seguinte redação:

CAPÍTULO XI-A

Dos Crimes

Art. 41-B. Promover tumulto, praticar ou incitar a violência, ou invadir local restrito aos competidores em eventos esportivos:

Pena – reclusão de 1 (um) a 2 (dois) anos e multa.

§ 1º Incorrerá nas mesmas penas o torcedor que:

I – promover tumulto, praticar ou incitar a violência num raio de 5.000 (cinco mil) metros ao redor do local de realização do evento esportivo, ou durante o trajeto de ida e volta do local da realização do evento;

II – portar, deter ou transportar, no interior do estádio, em suas imediações ou no seu trajeto, em dia de realização de evento esportivo, quaisquer instrumentos que possam servir para a prática de violência.

§ 2º Na sentença penal condenatória, o juiz deverá converter a pena de reclusão em pena impeditiva de comparecimento às proximidades do estádio, bem como a qualquer local em que se realize evento esportivo, pelo prazo de 3 (três) meses a 3 (três) anos, de acordo com a gravidade da conduta, na hipótese de o agente ser primário, ter bons antecedentes e não ter sido punido anteriormente pela prática de condutas previstas neste artigo.

§ 3º A pena impeditiva de comparecimento às proximidades do estádio, bem como a qualquer local em que se realize evento esportivo, converter-se-á em privativa de liberdade quando ocorrer o descumprimento injustificado da restrição imposta.

§ 4º Na conversão de pena prevista no § 2º, a sentença deverá determinar, ainda, a obrigatoriedade suplementar de o agente permanecer em estabelecimento indicado pelo juiz, no período compreendido entre as 2 (duas) horas antecedentes e as 2 (duas) horas posteriores à realização de partidas de entidade de prática desportiva ou de competição determinada.

§ 5º Na hipótese de o representante do Ministério Público propor aplicação da pena restritiva de direito prevista no art. 76 da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, o juiz aplicará a sanção prevista no § 2º.

Denota-se que o legislador adequou a redação da norma, tornando-a inequivocamente uma regra penal, estabelecendo como crime passível de pena de reclusão de 1 (um) a 2 (dois) anos, com trâmite perante o Juizado Especial Criminal, posto que a pena lhe cominada permite considerá-lo crime de menor potencial ofensivo, à luz da norma do art. 61 [17] da Lei nº 9.099/95.

A pena cominada permite ainda a proposta de suspensão condicional do processo, com base no art. 89 [18] da Lei nº 9.099/95. Para impor as condições dos incisos do § 1º do art. 89 da aludida lei, poderá o juiz determinar a proibição de que o acusado frequente praças de desporto.

Contudo, a redação do dispositivo, tal como consignada em seu texto final, já traz em seu bojo a imposição de que o juiz, na sentença condenatória, converta a pena de reclusão em restritiva de direitos, ou seja, "impeditiva de comparecimento às proximidades de local onde se realize evento desportivo", caso o acusado seja primário, tenha bons antecedentes, e não seja reincidente nesta modalidade de crime. O § 5º do proposto art. 41-B remete novamente à esta modalidade de pena restritiva de direitos, o que torna o sistema inócuo, posto que deixaria de mãos atadas o Ministério Público, afastando a possibilidade de aplicação da pena pecuniária do art. 76, § 4º, da Lei nº 9.099/95, tornando a restrição de permanecer em estádios, ginásios e congêneres a única possibilidade de punição efetiva.

Uma análise acurada induz à conclusão de que a desobediência do réu à pena restritiva imposta, bem como o seu não-aceite quanto à proposta de conversão em pena restritiva de direitos, lhe é mais benéfica em termos de privação de liberdade, uma vez que o § 4º do novel art. 41-B traria ainda a obrigatoriedade de privação de liberdade do réu pelo período de 2 (duas) horas antecedentes e posteriores à realização de eventos desportivos, envolvendo determinado clube ou competição. Ora, se o réu automaticamente necessitará ficar recluso em estabelecimento determinado pelo juiz nos períodos anteriores e posteriores à realização de determinado evento desportivo, não se vislumbra a menor necessidade de se impor, concomitantemente, a proibição de que este frequente tais locais. Se deverá permanecer em local determinado, que obviamente não será um ginásio ou estádio, uma previsão anula a outra, tornando a previsão ilógica.

Ademais, a mencionada imposição, aliada à impossibilidade de frequentar eventos desportivos, pode tornar mais atraente a possibilidade de responder ao crime e por ele ser condenado, com cumprimento na forma do regime aberto, pelo qual, sabidamente, há controle deficiente por parte do Poder Público. As consequencias da prática do crime, se não cometido em concurso com outros delitos, pode tornar menos nefastas as consequencias penais ao réu reincidente ou de maus antecedentes, do que aquelas que aguardam o réu primário.

Neste sentido, a despeito da disparidade para com o sistema de penas adotado pela legislação pátria, mais interessante teria sido que a lei possibilitasse maior margem de liberdade à ação aos Magistrados e ao Ministério Público, em especial no que toca à aplicação de penas restritivas de direitos. Não obstante, a natureza dos danos causados pela ação dos maus torcedores enseja discussão acerca da possibilidade de ser estabelecida dupla cominação no tipo penal, adicionando à pena privativa de liberdade a pena pecuniária.

Na forma em que consignado no texto final do projeto de lei, o crime permanece passível de cometimento na forma livre, tendo o seu conteúdo variado, tendente a ser praticado multitudinariamente. O tipo é bastante amplo, trazendo várias modalidades de ação, muitas das quais de conceito subjetivo e fluido, cuja conceituação fica a depender do subjetivismo do exegeta, tais como tumultos, incitações, e possibilidade de determinado item "servir" ou não à prática de violência.


6.CONCLUSÃO

Cientistas e autoridades públicas analisam há tempos o fenômeno mundial da violência nas praças de desporto, ocasionado pelos turbilhões conflituosos de torcedores nos estádios e seus entornos. Os prejuízos à sociedade e ao desenvolvimento do esporte decorrentes das ações de torcedores criminosos, aliada à contumácia da problemática, vem obrigando o Congresso Nacional do Brasil a discutir e formular, paulatinamente, medidas no intuito de amenizar tais danos.

Ainda que de forma embrionária, a redação original do Estatuto do Torcedor veio a estabelecer a possibilidade e a forma de se proceder pela via judicial a responsabilização criminal do torcedor infrator, com o seu afastamento de estágios, ginásios e congêneres. Se estabeleceu uma infração de mera conduta, representada pelo envolvimento em tumultos, sendo irrelevante que a ação se transmute em infração penal outra para tão-somente se mover o poder judiciário.

A infração de natureza penal em destaque representa uma poderosa ferramenta, em especial para as entidades de pratica desportiva, tendo em vista que a possibilidade de processar criminalmente o mau torcedor, além de permitir a efetivação das condições de segurança lhes impingida pela novel legislação, configura uma das mais expressivas e autênticas modalidades de repressão a que alude o art. 213 do Código Brasileiro de Justiça Desportiva.

Assevera-se que informações atinentes à infração e o procedimento para a apuração das condutas de promoção de tumultos, invasão e incitação à violência em eventos desportivos, devem ser cada vez mais difundidas e popularizadas. Para que os efeitos almejados sejam verificados na práxis, a certeza da efetividade da sanção é conditio sine quae non, mostrando-se útil para tal fim a adoção de mecanismos tecnológicos de identificação de torcedores.

Conquanto esteja em trâmite no legislativo federal brasileiro o texto final de projeto de lei que pode trazer várias mudanças a este instrumento legal, a questão merece debate tanto mais apurado, cujo cerne deve ser a busca de soluções para a violência nos estádios. A precariedade da infra-estrutura brasileira e a forma claudicante com que se tem sido discutida a matéria, ao sabor dos acontecimentos, não se coaduna com a atual realidade esperada do desporto no Brasil, às vésperas de abrigar a Copa do Mundo de Futebol de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016.


REFERÊNCIAS

FREUD, S. Psicologia de grupo e análise do ego. In:_____. Tradução de Jayme Salomão. Obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago,

1996.

GRECO, Rogério. Código penal comentado. Niterói: Impetus, 2008.

HARDT, Michael; NEGRI, Antônio. Multidão: Guerra e democracia na era do império. Tradução: Clóvis Marques. Rio de Janeiro: Record, 2005.

JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal. São Paulo: Saraiva, 1977, v.1.

LYRA FILHO, João. Introduções ao direito desportivo. Rio de Janeiro, 1952.

MELO FILHO, Álvaro de. Direito desportivo atual. Rio de Janeiro: Forense, 1986.

TOLEDO, Luiz Henrique de. Torcidas organizadas de futebol. Campinas: ANPOCS, 1996.


Notas

  1. Filiamo-nos à classificação adotada por HARDT, NEGRI (2005, p. 176), segundo a qual as diferenças dos sujeitos sociais desaparece nas massas, ao passo que as multidões compõem-se potencialmente de todas as diferentes configurações da produção social. Ambas, contudo, permitem que o individualismo se exponha enquanto coletividade, afastando-se a personalidade individual para configurar-se uma personalidade grupal, sob o abrigo do anonimato.
  2. Aqui, entenda-se tal vocábulo como multidão, massa, bando, facção, caravana, exprimindo-se, em suma, a idéia de grande quantidade de seres humanos, posto que o contexto sobre o qual se funda a análise é exatamente o do comportamento humano em coletividade, sendo, pois, para fins deste ponto do estudo, pouco relevante a classificação adotada.
  3. A primeira aparição do esporte no texto constitucional se deu com a Constituição da República de 1967, pela qual se estabeleceu, no art. 8º, inciso XVII, alínea ‘q’, a competência da União para legislar sobre normas gerais de desporto. Com o atual texto constitucional, a competência passou a ser concorrente entre a União, os Estados e o Distrito Federal. Tal assertiva, contudo, não exclui totalmente a competência municipal, posto que deve ser contextualizada com o disposto no art. 30, inciso II, da Lei Suprema. Neste entendimento, portanto, a competência legislativa municipal restringir-se-ia à suplementar as leis que versam sobre o desporto no âmbito federal e estadual.
  4. Nos referimos à legislação ordinária, a despeito de regulamentos e demais instrumentos infralegais, mesmo aqueles aplicados à época no âmbito da Justiça Desportiva, posto que nosso objeto central de análise é a responsabilização do espectador em face dos juízos e côrtes estatais.
  5. Conforme dispõe a norma do art. 5º, inciso XXXII da Constituição Federal.
  6. A segurança do consumidor configurou importante preocupação do legislador do Código de Defesa do Consumidor, tendo tal direito sido mencionado em diversos dispositivos. Merece destaque ainda a positivação do direito à "efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos", insculpida no inciso VI do art. 6º deste diploma legal.
  7. É o caso da sentença proferida nos autos nº 067/3.03.0000923-1, que tramitaram perante a Vara Adjunta do Juizado Especial Cível da comarca de São Lourenço do Sul, no Rio Grande do Sul. Neste ação judicial, o Grêmio de Porto Alegre restou condenado a indenizar torcedor que sofreu danos de materiais nas dependências do Estádio Olímpico, quando foi agredido e roubado na vitória por 3 a 0 do Grêmio sobre o Olímpia, do Paraguai, em partida disputada pela Copa Libertadores da América de 2003. O fundamento jurídico para a responsabilização do clube mandante conjugou as regras do Código Civil (art. 927 e seguintes) e do Código de Defesa do Consumidor (art. 12 e seguintes), haja vista que à data do evento danoso não encontrava-se vigente a regra expressa e inequívoca insculpida no art. 14 do Estatuto do Torcedor. Em situação semelhante, o mesmo Grêmio foi condenado a indenizar torcedor, desta vez somente por danos morais (autos de Apelação Cível nº 70013709761). Na oportunidade do julgamento do Recurso de Apelação Cível, a Desembargadora Íris Helena Medeiros Nogueira asseverou que "a responsabilidade pela segurança do torcedor durante a realização de evento esportivo é da entidade detentora do mando de jogo. E tal responsabilidade, tratando-se de prejuízos causados pela falha na segurança, é objetiva, ensejando a aplicação, além das regras específicas do Estatuto do Torcedor, do disposto nos artigos 12 a 14 do Código de Defesa do Consumidor, que dizem, por sua vez, com a responsabilidade – objetiva – do fornecedor por defeitos no fornecimento de produtos ou na prestação de serviço."
  8. Aplicando-se tal conceito à condição do torcedor, poder-se-ia afirmar, a título de exemplos, que aquele que profere os mais escabrosos xingamentos aos atletas, árbitros e membros de comissão técnica, não poderá, a princípio, ser objeto de persecução criminal por qualquer crime contra a honra.
  9. Decreto-Lei nº 3.688/41. Artigo 40. Provocar tumulto ou portar-se de modo inconveniente ou desrespeitoso, em solenidade ou ato oficial, em assembléia ou espetáculo público, se o fato não constitui infração penal mais grave; Pena – prisão simples, de quinze dias a seis meses, ou multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis.
  10. Em diversos Estados brasileiros, tais como Pernambuco, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, os Juizados Especiais são estruturados no interior dos estádios de futebol, com vistas a dar eficácia e agilizar o procedimento repressivo.
  11. O processo aguarda julgamento, estando atualmente concluso ao Ministro Relator, Joaquim Barbosa.
  12. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.439
  13. Lei nº 10.671/03. Artigo 25: "O controle e a fiscalização do acesso do público ao estádio com capacidade para mais de vinte mil pessoas deverá contar com meio de monitoramento por imagem das catracas, sem prejuízo do disposto no art. 18 desta Lei".
  14. No Campeonato Brasileiro de Futebol do ano de 2009, após o final da partida realizada no estádio Couto Pereira, em Curitiba, inúmeros torcedores invadiram o gramado para praticar variados crimes: da lesão corporal ao homicídio tentado. O fato de o clube mandante, Coritiba, não ter acatado amplamente a norma do art. 25 do Estatuto do Torcedor levou o Ministério Público e a Polícia Civil do Estado do Paraná a despenderem semanas de trabalho analisando imagens produzidas pela imprensa. Tal situação tem sido corriqueira nos estádios de futebol do Brasil, o que causa consternação, colocando à toda evidência que as instituições privadas somente cumprem o mandamento legal após a ocorrência de um evento danoso, ao passo que, também após incidentes, os entes públicos se movimentam e repentinamente se recordam de que podem - e devem - exercer o seu poder de polícia administrativo.
  15. A mencionada inexistência das normas sugeridas pelo art. 37, § 2º, da Lei nº 10.671/03, não trazem prejuízo à aplicação de multas decorrentes da observância da norma do art. 56, inciso I, e 57, ambos da Lei nº 8.078/90, Código de Defesa do Consumidor, mediante o processo administrativo ali previsto.
  16. Lei nº 9.099/95. Artigo 61.  Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa.
  17. Lei nº 9.099/95. Artigo 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal).

Autor

  • Julian Henrique Dias Rodrigues

    Advogado em exercício no Brasil, em Portugal e na União Europeia.

    Licenciado pela Faculdade de Direito de Curitiba desde 2008, é pós-graduado em Direito Constitucional pela Fundação Escola do Ministério Público do Paraná, em Direito do Desporto pela Universidade Castelo Branco, e em Direito da Medicina pela Universidade de Lisboa.

    Mestrando em Direito pela Universidade Nova de Lisboa.

    Integrou a Comissão de Direito do Desporto da Ordem dos Advogados do Brasil (PR), e diversos Tribunais de Justiça Desportiva. Atuou como assessor de magistrado junto ao Tribunal de Justiça do Paraná.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RODRIGUES, Julian Henrique Dias. A violência nas praças de desporto e a responsabilização penal do torcedor-infrator. A norma do art. 39 da Lei nº 10.671/03. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2387, 13 jan. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14181. Acesso em: 24 abr. 2024.