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Considerações sobre a incidência imediata da multa do art. 475-J do CPC, independentemente do trânsito em julgado da sentença

Considerações sobre a incidência imediata da multa do art. 475-J do CPC, independentemente do trânsito em julgado da sentença

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Ouso divergir da douta maioria que entende que a incidência da multa de dez por cento (art. 475-J do Código de Processo Civil) somente aplica-se após o trânsito em julgado da sentença.

Eis os fundamentos.

A primeira consideração é a de que o artigo em momento algum fala ser necessário o trânsito em julgado e, em boa técnica de hermenêutica, sabe-se não poder colocar palavras onde elas não existem – pode-se, sim, interpretar as existentes; o contrário, não.

Se voltarmos no tempo, lembraremos que há anos vem-se pregando, falando e invocando a necessidade de rapidez, de celeridade e de efetividade dos provimentos judiciais. A reclamação é antiga, como antigos são tais anseios.

Embalado por esta brisa, o legislador, provocado pela doutrina e opinião pública, ensaiou a reforma do judiciário, que ganhou vida com a Emenda Constitucional número 45, que em boa hora agitou a bandeira dos postulados acima.

Falava-se em súmula vinculante, ensaiavam-se expedientes para inibir a verdadeira enxurrada de recursos, no firme propósito de limitar e/ou inibir tantos recursos, tendência que germinou a súmula impeditiva de recurso.

Pois bem. A súmula vinculante é uma realidade (art. 103-A da Constituição Federal e a Lei 11.417/06). De igual forma a impeditiva de recurso (art. 518 do Código de Processo Civil). O recurso de agravo teve sua tramitação e cabimento alterados, conforme Lei 11.187/05. Também execução ganhou novo tratamento, conforme Leis 11.232/05 (título judicial) e 11.382/06 (título extrajudicial).

Optou-se, acertadamente, em acrescentar letras aos artigos então existentes.

A par de tudo isto, encartou-se o inciso LXXVIII no art. 5º da Constituição Federal, que diz:

A todos no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

Destarte, não se pode olvidar que o Estado deve ser eficiente (art. 37 da Constituição Federal).

Sublinho: razoável duração do processo, mais efetividade, mais eficiência é igual (ou pelo menos deveria ser) a celeridade, rapidez.

No plano processual (é proibido esquecer a razão das reformas), deu-se nova roupagem ao processo de execução, passando-se a reger a "antiga" execução por título judicial pelos arts. 475 e seguintes, rotulando-a agora de cumprimento de sentença.

Aqui reside o cerne da questão.

É inegável que, ao instituir a multa, a vontade do legislador (mens legislatoris) era dar vigor e efetividade àqueles postulados, de forma a desestimular a parte ao recurso (lembre-se que existe a súmula impeditiva de recurso e os recursos ganharam nova disciplina).

Ora, se a parte está ciente de que corre o severo risco de ser penalizada com um aumento pecuniário em sua obrigação, abre-se para ela a possibilidade de não pagar este acréscimo, bastando que não recorra.

Vale o registro que dez por cento, na atual economia do país, onde a inflação e a correção monetária são bem inferiores, é um percentual considerável.

Se recorrer, e a sentença for mantida, sem a necessidade de qualquer pedido ou expediente, automaticamente a condenação estará enriquecida em dez por cento.

Possível depositar nos advogados a esperança de que orientem seus clientes de tais riscos. Ora, sofrer uma condenação e trabalhar com o tempo, ou seja, postergar o pagamento em dois, três ou infelizmente muitos mais anos continua sendo uma vantagem para o mau pagador.

Continuar com este raciocínio, além de ferir de morte os postulados aqui referidos, é um estímulo escancarado à efetividade, é um desserviço, é um prêmio para quem recorrer e, via de conseqüência, uma ótima ferramenta para atrasar a entrega da prestação jurisdicional e, claro, assoberbar os tribunais, em manifesta afronta ao Princípio da razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII).

A pergunta que não quer calar é a seguinte: e o direito ao duplo grau de jurisdição?

Note-se que essa interpretação não impede o acesso ao duplo grau; está, sim, agindo de forma a inibir, a não estimular o recurso, ficando condicionado a multa imediata, a manutenção integral da sentença de primeiro grau, pois acaso haja anulação ou modificação do julgado, à evidência não haverá imediata incidência da prefalada multa.

Com efeito, a continuar-se entendendo que depende do trânsito em julgado, ter-se-ia que admitir que seria necessário esperar dois anos após o trânsito, que é o tempo para manejo da ação rescisória, isto sem falar da relativização da coisa julgada.

Sob censura, é meu posicionamento.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RAMOS, Sérgio. Considerações sobre a incidência imediata da multa do art. 475-J do CPC, independentemente do trânsito em julgado da sentença. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2510, 16 maio 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14861. Acesso em: 17 abr. 2024.