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Aplicabilidade das penas alternativas a crimes hediondos

Aplicabilidade das penas alternativas a crimes hediondos

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Acórdão do TJ-SC decidindo pela prevalência da Lei 9714/98 sobre a Lei 8072/90, admitindo a possibilidade de substituição de pena de reclusão do crime de tráfico de entorpecentes por pena restritiva de direitos.

Apelação Criminal n. 99.002222-6, da Capital.
Relator: Des. Nilton Macedo Machado.


PROCESSO-CRIME — VINCULAÇÃO DO JUIZ — INEXISTÊNCIA DE IMPEDIMENTO — SENTENÇA CRIMINAL — JUIZ SUBSTITUTO NÃO VITALÍCIO — VALIDADE.
Nossa lei processual penal não adota o princípio da identidade física do juiz, nada impedindo que a decisão venha a ser proferida por magistrado diverso daquele que presidir a instrução.
Os juízes substitutos, mesmo não vitalícios, quando substituindo, têm "competência plena para praticar todos os atos reservados por lei ao juiz vitalício" (Lei n. 5.624/76, art. 112).

CRIME CONTRA A SAÚDE PÚBLICA — NARCOTRAFICÂNCIA — (ART. 12, DA LEI N. 6.368/76) — COCAÍNA — GRANDE QUANTIDADE — PROVA — DEPOIMENTOS DE POLICIAIS — RÉU VICIADO — CAPACIDADE DE ENTENDIMENTO — CIRCUNSTÂNCIAS DO ART. 37 DA LEI ANTITÓXICOS — CRIME CARACTERIZADO — DESCLASSIFICAÇÃO PARA USO PRÓPRIO INVIÁVEL — CONDENAÇÃO MANTIDA — CONFISSÃO QUALIFICADA — DISTINÇÃO DA ESPONTÂNEA — ATENUANTE NÃO RECONHECIDA — EXCLUSÃO DA CAUSA DE AUMENTO DECORRENTE DA ASSOCIAÇÃO EVENTUAL PORQUE JÁ AFASTADA DO CO-RÉU — PENA ADEQUADA.
LEI PENAL ESPECIAL — REGRAS GERAIS — INTELIGÊNCIA E APLICAÇÃO DO ART. 12, DO CÓDIGO PENAL.
As regras gerais do Código Penal aplicam-se aos fatos incriminados por lei especial, salvo se esta dispuser de modo diferente; em caso contrário, quando a lei especial não ditar regras gerais a respeito dos fatos que descreve, serão aplicadas as do Código.

PENA CRIMINAL — TRÁFICO DE ENTORPECENTES — RECLUSÃO EM REGIME INTEGRALMENTE FECHADO (LEI N. 8.072/90) — POSSIBILIDADE DE SUBSTITUIÇÃO POR PENAS RESTRITIVAS DE DIREITO (LEI N. 9.714/98) — REQUISITOS.
A Lei n. 8.072/90, que trata dos crimes hediondos e a eles equiparados, proíbe progressão do regime, concessão de anistia, graça e indulto, assim como de liberdade provisória, mas não contém comando proibitivo à substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, nem ao sursis.
Observado o princípio da reserva legal (CF, art. 5º, XXXIX e CP, art. 1º), na falta de proibição expressa na norma incriminadora especial e diante da nova sistemática penal advinda com a Lei n. 9.714/98, admite-se, em tese, a substituição da pena privativa de liberdade aplicada não superior a 4 (quatro) anos aplicada por crime denominado de tráfico de entorpecentes, por penas restritivas de direito, chamadas "alternativas", tendo em vista que, de regra, não são praticados com violência ou grave ameaça à pessoa.
O tratamento mais leve, entretanto, condiciona-se à presença das circunstâncias objetivas e subjetivas, estas referentes à pessoa do agente e à gravidade do crime, previstas nos incisos II e III do art. 44 do CP, pois a nova lei "confia na prudência dos operadores jurídicos", porque cada caso é um caso e "não se irá valorar do mesmo modo a conduta de um jovem que cede gratuitamente a droga numa reunião de amigos a outro companheiro, com a conduta de quem explora o tráfico com ânimo de lucro ou para aliciar menores" (LUIZ FLÁVIO GOMES).


Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 99.002222-6, da comarca da Capital (1ª Vara Criminal), em que é apelante Valdir Antônio de Moraes, sendo apelada a Justiça Pública, por seu Promotor:

ACORDAM, em Segunda Câmara Criminal, por votação unânime, conhecer do recurso e dar-lhe provimento parcial, unicamente para afastar a causa de especial aumento prevista no art. 18, III, da Lei n. 6.368/76, adequando-se a pena privativa de liberdade para 3 (três) anos de reclusão em regime integralmente fechado.

Custas na forma da lei.


Na comarca da Capital, VALDIR ANTÔNIO DE MORAES, ALDO OTÁVIO DA SILVA, GILSON OTÁVIO DA SILVA E LUÍS GONZAGA LOCH, foram denunciados como incursos nas sanções do art. 12 c/c art. 18, III, ambos da Lei n. 6.368/76, porque:

Consta dos autos que em data de 07 de julho do ano em curso (1998), por volta das 21:00 hs, através do telefone Disk Denúncia, policiais federais desta Capital receberam informações sobre um descarregamento de material entorpecente que ocorreria na localidade do Bairro Costeira do Pirajubaé, nesta comarca, mais precisamente na Rua Jorge Lacerda, defronte a um telefone público, nas proximidades de um bar, droga esta que chegaria dentro de um veículo VW/voyage, tipo táxi.

Dirigindo-se para o local, aguardando nas proximidades, acabaram os agentes policiais por constatarem a chegada do veículo de características fornecidas, com dois ocupantes no seu interior, na verdade os denunciados Luís Gonzaga Loch e Valdir Antônio de Moraes, sendo que este último, tão logo o automóvel parou, entregou um pacote de cor parda a um elemento que saíra do interior do mencionado bar, este o denunciado Gilson Otávio da Silva, acabou por repassar o material para um quarto elemento, posteriormente identificado como o também denunciado Aldo Otávio da Silva, sendo que os policiais após efetuarem a abordagem dos mesmos acabaram por constatar no interior do referido invólucro, acondicionada em dois sacos plásticos, uma quantidade total de 348,0g (trezentos e quarenta e oito gramas) de cocaína, droga entorpecente capaz de causar dependência física e psicológica.

O processo foi desmembrado para que Valdir Antônio de Moraes fosse submetido a exame de dependência toxicológica.

Processado regularmente (preso desde o flagrante) restou condenado ao cumprimento da pena de 4 (quatro) anos de reclusão, em regime fechado e pagamento de 68 (sessenta e oito) dias-multa, cada dia no valor mínimo legal, vigente à época dos fatos, por infração ao art. 12 c/c art. 18, III, da Lei n. 6.368/76, sendo imposto, ainda, tratamento ambulatorial (art. 11, da mesma lei), haja vista o exame de dependência toxicológica ter demonstrado ser ele dependente em grau leve ao uso de tóxicos; foi-lhe concedido o direito de recorrer em liberdade.

Irresignado, apelou o condenado, argüindo, preliminarmente, nulidade da sentença por inobservância do princípio da identidade física do juiz; descumprimento do disposto no par. único do art. 248, do Código de Divisão e Organização Judiciária; ausência de fundamentação e falta de apreciação de tese defensiva, verberando, ainda, contra a aplicação do art. 11 da lei especial.

No mérito, pleiteou a absolvição, ao argumento da anemia probatória, ou, alternativamente, a desclassificação do delito para o art. 16 da Lei de Tóxicos. Pugnou, ainda, pelo reconhecimento da atenuante da confissão espontânea; afastamento da causa especial de aumento insculpida no artigo 18, inciso III, da lei especial e aplicação da substituição de pena prevista na nova Lei n. 9. 714/98.

Após as contra-razões, os autos ascenderam a esta Instância, manifestando-se a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Dr. Anselmo Jerônimo de Oliveira, pelo conhecimento e não provimento do recurso.

É o relatório.


1. As nulidades suscitadas não têm acolhida, porque:

1.1. O simples fato de um magistrado ter presidido a instrução criminal e outro prolatado a sentença, não torna o julgamento nulo, uma vez que é sabido que no processo penal não vigora o princípio da identidade física do juiz.

Há correntes que sustentam aplicação deste princípio no processo penal, como o ilustre magistrado e professor doutor MARCO ANTÔNIO MARQUES DA SILVA, que entende ser necessária a observância ao princípio da identidade física do juiz, não como mais uma regra processual, mas como um instrumento na busca da verdade real, embora tanto em leis como em projetos de lei, dita vinculação no campo penal, nunca vingou (A Vinculação do Juiz no Processo Penal, SP: Saraiva, 1993).

É da jurisprudência:

"Nossa lei processual penal não adota o princípio da identidade física do juiz. Assim, nada impede que a decisão venha a ser proferida por magistrado diverso daquele que presidir a instrução e audiência de julgamento" (JTACRrim/SP - LEX, 51/263).

No Supremo Tribunal Federal, vide RTJ, vols. 53/652 e 79/326, dentre outros.

Nesta Corte já se decidiu, em acórdão deste Relator, na Apelação Criminal n. 34.240, de São José:

"PROCESSO - CRIME - VINCULAÇÃO DO JUIZ - INEXISTÊNCIA.

"Nossa lei processual penal não adota o princípio da identidade física do juiz, nada impedindo que a decisão venha a ser proferida por magistrado diverso daquele que presidir a instrução".

Idem Ap. Crim. n. 30.341, de Imbituba, Rel. Des. Cláudio Marques, j. em 4.10.93.

E, do corpo de acórdão desta Câmara:

"(...) rejeita-se a alegada nulidade da sentença em razão da identidade física do juiz, trazida por Reginaldo Antônio Sobrinho. É que o princípio é inaplicável no processo penal eis que, não se tratando da aferição da periculosidade para fins de imposição de medida de segurança, não há vinculação do juiz que interrogou o réu e presidiu a instrução criminal, inclusive no sumário, porque, no processo penal não introduziu a lei adjetiva, o princípio do juiz certo. Neste sentido JUTACrim. 9/49; 10/108 e outras" (Ap. crim. n. 27.135, de São Francisco do Sul, Rel. Des. José Roberge, j. em 21 de junho de 1991).

A argüição de ofensa ao "princípio da concentração" cai por terra diante do § 3º, do art. 23, da Lei n. 6.368/76, que, tivesse sido lido pelo apelante, evitaria alegações inúteis.

1.2. Igualmente improcede o argumento da incompetência do magistrado por tratar-se de juiz substituto, pois este, ainda que não vitaliciado, exerce a função jurisdicional em toda a sua extensão, não existindo qualquer óbice legal que o impeça de prolatar sentenças em processos criminais.

A lei é clara sobre o tema, determinando que os juízes de direito, substitutos ou não, "mesmo que não hajam adquirido a vitaliciedade, poderão praticar todos os atos reservados por lei aos juízes vitalícios" (art. 22, da LOMAN ainda em vigor); ademais, o art. 112 da Lei 5.624/76, dispõe que "o juiz de direito substituto não vitalício (..), tendo competência plena para praticar todos os atos reservados por lei ao juiz vitalício".

De outra parte, a defesa não logrou trazer nenhuma prova da alegação de que o ilustre magistrado a quo teria acumulado várias varas simultaneamente, fato que, em tese, poderia contrariar ao disposto no par. único do art. 248, da Lei n. 5.624/97, mas não o impedia de sentenciar.

1.3. Em confusas razões, pleiteia-se, também, nulidade da sentença por ausência de fundamentação e falta de apreciação de tese defensiva.

Todavia, razão ainda não lhe assiste, pois o jovem e ilustre magistrado fundamentou sua sentença com propriedade, cotejando os elementos de convicção trazidos aos autos, examinando os escólios doutrinários e entendimentos jurisprudenciais aplicáveis à espécie, demonstrando os fundamentos, fáticos e jurídicos, de sua decisão; nenhum ponto ficou sem apreciação.

Especificamente em relação à alegada falta de apreciação da tese defensiva (da não caracterização do art. 14 da Lei de Entorpecentes), tem-se tal pleito como despropositado, porquanto o magistrado, expressamente, afastou este delito autônomo pelo fato de o réu não ter sido dado como incurso na prática deste crime (fls. 198), não obstante tenha colacionado os ensinamentos doutrinários que sustentam a não caracterização do referido tipo diante da ausência do animus associativo estável, demonstrando, com isto, que a conduta do apelante caracterizava, ao contrário, tão-só a causa de especial aumento prevista no art. 18, inc. III da Lei 6.368/76 (e não o crime autônomo previsto no art. 14 do mesmo diploma legal).

Assim, não procedem as preliminares argüidas pelo apelante.


2. No concernente ao mérito da quaestio, a materialidade está consubstanciada no laudo de constatação de fls. 17 e laudo pericial de exame em substância de fls. 44/45, enquanto a autoria do delito imputado ao apelante está lastreada em amplo acervo probatório, suficiente para a formação da certeza necessária à prolação do decreto condenatório.

Vejamos.

No dia 07 de julho de 1998 as autoridades policiais receberam denúncia anônima dando conta que seria realizada uma operação de compra-e-venda de substâncias entorpecentes, e que o vendedor de drogas dirigir-se-ia ao local de táxi, em veículo do tipo VW/Voyage branco.

Seguindo as orientações fornecidas pela denúncia, os policiais federais vigiaram o local onde seria realizada a transação um bar localizado na Rua Jorge Lacerda presenciando, então, a chegada do referido automóvel táxi, quando seu passageiro, o apelante Valdir Antônio de Moraes, dele desceu e entregou um pacote de cor parda a uma pessoa que estava no estabelecimento comercial.

Ato contínuo, os agentes policiais abordaram os suspeitos e constataram que, dentro do pacote conduzido por Valdir e lá entregue, estavam acondicionados dois sacos plásticos contendo 348g (trezentos e quarenta e oito gramas) de cocaína.

Embora nada tenha declarado na fase inquisitorial, pois utilizou seu direito ao silêncio, o apelante confirmou, em juízo, que portava a substância ilícita, afirmando, contudo, que o entorpecente destinava-se, unicamente, a seu uso próprio: "que adquiriu a droga de um tal de Jorginho, na subida do Morro do 25, na rua; que adquiriu a droga para consumo próprio já que o interrogando é viciado" (fls. 93).

Submetido ao exame de dependência toxicológica, concluiu-se por sua responsabilidade penal, afirmando-se que o examinado possuía, ao tempo do fato, plena capacidade de entender a ilicitude de sua conduta e de determinar-se de acordo com este entendimento (fls. 150).

O depoimento do policial Jorge Aírton Leão Ortiz confirmou que Valdir Antônio de Moraes detinha o pacote da droga ilícita consigo, passando-a ao terceiro (Gilson), conduta esta tipificada no art. 12 da Lei n. 6.368/76.

Sobre a validade dos testemunhos de policiais, o entendimento pretoriano é reiterado que "o testemunho policial não pode ser rejeitado pela só condição funcional do depoente, merecendo valor probante se isento de má-fé ou suspeita" (JC 62/283).

Dessarte, tem-se como incontroversa a posse pelo réu da substância estupefaciente (que a transportou e entregou ao co-réu), havendo contestação apenas no que se refere à sua destinação = uso próprio ou não.


3. Neste tópico, desde logo tem-se que não procede a pretensão de desclassificação do delito do art. 12, da Lei n. 6.368/76, para o previsto no art. 16 do mesmo diploma legal, pois a destinação à terceiros transparece clara nos autos, realçando-se da observação da norma contida no art. 37, da repetida lei de tóxicos, no sentido de que a "caracterização dos crimes definidos nesta Lei, a autoridade atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação criminosa, às circunstâncias da prisão, bem como à conduta e os antecedentes do agente".

Assim, no tocante à natureza e quantidade da substância, os autos revelam que o apelante detinha consigo 348g (trezentos e quarenta e oito gramas) de cocaína, vale dizer, quantidade excessiva para admitir-se que a destinava exclusivamente para seu próprio consumo, concluindo-se logicamente que só poderia ter a finalidade do comércio ilegal.

Esta Câmara já decidiu:

"Narcotraficância - Apreensão de grande quantidade de substância entorpecente - Confissão da propriedade - Depósito e guarda do estupefaciente - Réu que se declarou viciado - Exame toxicológico concluindo pela dependência do apelante em relação à maconha em grau moderado - Circunstâncias do art. 37 da Lei n. 6.368/76 que indicam a caracterização do delito descrito no art. 12 da Lei de Tóxicos - Absolvição ou desclassificação para crime menos grave (art. 16) impossível - Condenação mantida" (Ap. Crim. n. 98.010394-0, de Itajaí, Rel. Des. Jorge Mussi, j. em 22 de setembro de 1998).

Da mesma forma, as condições de desenvolvimento da ação criminosa também denotam que a posse da droga ilícita não visava a auto-satisfação, mas sim à narcotraficância, pois o apelante não ficou com o pacote consigo, entregando-o para o co-denunciado Gilson Otávio da Silva, que, por sua vez, estava plenamente ciente do conteúdo ilícito daquele pacote, eis que tentou livrar-se do mesmo quando foi abordado pelos policiais.

Destaque-se que por uma das versões apresentadas pela defesa, aduzindo que o apelante seria apenas um laranja a serviço do real traficante (fls. 216), por si só, já bastaria para determinar a narcotraficância, pois incide nas penas previstas no art. 12 da Lei Antitóxicos todo aquele que transporta ou traz consigo substância entorpecente para terceiro, não sendo necessária prova da mercancia.

A propósito, vale colacionar, do Colendo Supremo Tribunal Federal:

"Não é necessária, para a consumação do tipo previsto no art. 12 da Lei n. 6.368-76, a consumação da venda da substância entorpecente, bastando tê-la o agente em depósito, com essa finalidade" (RTJ, 167/243).

Por outro lado, a outra afirmação (contraditória) também apresentada pelo apelante, fundada no argumento de que a cocaína era sua e "tinha a intenção de deixar o pacote com Gilson, por alguns instantes, já que não queria chegar em casa com a droga" (fls. 93) não merece crédito por tentar excluir o fato de que inevitavelmente ele teria que, em algum momento, levar o pacote para sua residência, pois se realmente fosse viciado, onde consumiria tanta droga? E porque não queria levá-la naquele instante?

Não bastasse, há outro indício veemente que comprova a correta capitulação dada em primeira instância, decorrente das circunstâncias da prisão do apelante, resultado da confirmação de denúncias anônimas que indicaram a forma precisa de como a transação criminosa ocorreria, apontando o local e o veículo utilizado para o transporte da droga.

Assim relatou Roberto Mário da Cunha: "através do Disk Denúncia receberam a informação anônima de que em uma rua da Costeira, haveria uma negociação de drogas envolvendo dois elementos que se encontravam dentro de um táxi e mais dois que aguardavam no local" (fls. 177).

De outra parte, o fato de o apelante ser viciado não afasta a sua qualidade de narcotraficante, sendo da lição do mestre VICENTE GRECO FILHO que "a lei, ao contrário de confundir, distinguiu o vício, que é o uso da droga que determinou dependência física ou psíquica (toxicomania), da alteração que esse estado físico e mental causa em relação ao discernimento intelectivo e volitivo, porquanto nem todo vício (= dependência = toxicomania) provoca a supressão do entender ou do querer a prática delituosa: venda, guarda, posse, compra etc. de entorpecentes. A pergunta que deve fazer o Juiz, baseado em laudos médicos-legais, para absolver o réu é a seguinte: ele é viciado (dependente) e além disso não tinha, in casu, a capacidade de entender ser lícita a posse ou comércio de entorpecentes ou de determinar-se segundo esse entendimento? Pode, perfeitamente, um viciado (dependente) manter o entendimento de que a venda de entorpecente é lícita, podendo resistir à vontade de vendê-lo" (Tóxicos, Prevenção - Repressão, 7ª ed., 1991, p. 137).

A jurisprudência desta Corte não destoa:

"Se a dependência ao uso de tóxico não ocasiona supressão da capacidade de entendimento e autodeterminação, comprovando sua capacidade intelectiva e volitiva, vale dizer, o viciado (dependente) mantém o entendimento de que a venda do entorpecente é ilícita, podendo resistir à vontade de vendê-lo, deverá ser condenado como qualquer outro criminoso, porque o dependente pode ser traficante" (Ap. Crim. n. 97.015114-4, de Biguaçu, deste relator, j. em 10 de março de 1998).

Vê-se claramente que, embora seja dependente (conforme o laudo respectivo) e não tenha sido colhido em ato mercantil (como reclamou), o apelante detinha a substância ilícita com o propósito de comercializá-la, fato demonstrado pelo conjunto de circunstâncias e indícios presentes nos autos, todos firmes e convergentes apontando a real finalidade da droga apreendida.

Em casos como o dos autos, nesta Câmara já se fixou:

"Para a tipificação do tráfico do artigo 12, da lei própria, não é exigido que o infrator seja colhido no próprio ato de mercancia. A certeza que a condenação exige pode emergir do conjunto de circunstâncias e indícios que cercam o indivíduo" (Ap. Crim. n. 32.615, de Laguna, Rel. Des. José Roberge, j. em 24 de fevereiro de 1995).

Por estes motivos, improcedem os pleitos de absolvição e para desclassificação.


4. A defesa também se rebelou contra a aplicação do tratamento previsto no art. 11 da Lei de Tóxicos, por entender que esta medida implicaria em dupla punição ao condenado; entretanto, este raciocínio é completamente infundado e decorrente de erro do causídico ao afirmar que o tratamento ambulatorial implicaria em aplicação de medida de segurança prevista no Digesto Penal.

Neste momento, faz-se necessário relembrar que referido dispositivo prescreve que "ao dependente que, em razão da prática de qualquer infração penal, for imposta pena privativa de liberdade ou medida de segurança detentiva será dispensado tratamento em ambulatório interno do sistema penitenciário onde estiver cumprindo a sanção respectiva".

Ora, o exame do texto legal indica, claramente, que o tratamento ambulatorial deverá ser prestado tanto aos casos de imposição de reprimenda privativa de liberdade quanto nas hipóteses de cumprimento de medida de segurança, não existindo, portanto, diante da clareza do texto, qualquer incompatibilidade ou dupla sanção com o tratamento imposto para tentar excluí-lo do vício.

Constata-se, aqui, ser o pleito defensivo contrário aos interesses do próprio apelante, pois o tratamento ambulatorial é medida benéfica, pois visa não só minorar os efeitos da abstinência durante o período em que o usuário dependente de entorpecentes cumpre pena privativa de liberdade, como procurar livrá-lo do terrível mal.


5. A pretensão ao reconhecimento da atenuante da confissão espontânea não pode ser acolhida, não só porque a pena-base foi fixada no mínimo legal, estando impedida redução abaixo desse patamar, assim como embora reconhecida a posse, o apelante negou que a substância estupefaciente fosse destinada ao narcotráfico, afirmando que detinha o entorpecente para uso próprio.

Não custa lembrar que preso em flagrante por diversos policiais, seria impossível negar a posse da substância ilícita, e, portanto, a admissão deste fato em nada indica que o apelante tinha a intenção real de auxiliar na busca da verdade.

Ao revés, assim agindo, o apelante não confessou os fatos incriminadores na extensão real dos acontecimentos e imputados na denúncia, tentando, ao contrário, dar versão irreal para, com isto, afastar a reprimenda penal iminente, com o que pode-se configurar, no caso, a chamada confissão qualificada (ou limitada), assim conceituada por antiga e sólida doutrina:

"Confissão qualificada é a que não compreende o crime em toda a sua extensão, ou não assinala certos caracteres do fato incriminado, ou, ainda, a que contém certas restrições, que impedem os seus efeitos quanto à aplicação da pena, ou tem por fim provocá-la menos rigorosa. A apreciação desta confissão é coisa particularmente delicada.

"Essa definição comum, compreende-se, abrange uma multidão de casos. Tal é a confissão em que o crime confessado é menos grave que o imputado; outras vezes o acusado, reconhecendo a existência de certos fatos acessórios, nega outros, cuja não existência destrói a possibilidade do crime, (grifei) ou lhe atenua a natureza..." (C.J.A. MITTERMAIER, Tratado da Prova em Matéria Criminal, 3ª ed., Bookseller, 1997, p. 216).

O Supremo Tribunal Federal, em caso semelhante ao dos autos, já afirmou:

"Não configura confissão espontânea procedimento que, visando demonstrar o simples consumo de tóxico, apenas alcança a admissão do porte, não se estendendo à quantidade encontrada na residência do réu. A confissão espontânea suficiente a ensejar a observância da atenuante é aquela se revela quanto à imputação" (STF HC 71334/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, DJU 19.5.95, p. 13994).

No mesmo rumo, esta Corte já decidiu:

"REVISÃO CRIMINAL (...) ADMISSÃO DO FATO MAS SEM A CARACTERIZAÇÃO DO TIPO HIPÓTESE QUE DESCONFIGURA A CONFISSÃO ESPONTÂNEA PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS.

"(...).

" Não deve ser considerada na fixação da pena a atenuante da confissão espontânea prevista no art. 65, III, d, do CP, se no interrogatório do réu este não assinala certos caracteres do fato criminoso, ou seja, limita-se à confissão qualificada (Ementa da Redação - RT 741/558 - STF - HC 74.148-7/GO - 2ª T. - j. 17.12.1996 - rel. Min. Carlos Velloso - DJU 21.3.1997).

"Estupro em que o réu admitiu a prática de relações sexuais, mas justificou-se negando a grave ameaça (Rev. Crim. n. 97.007962-1, de Chapecó, Rel. Des. Amaral e Silva, j. em 29 de outubro de 1997).

Assim, também não procede este pleito recursal.


6. No pertinente à causa de especial aumento insculpida no art. 18, III, da Lei n. 6.368/76, o apelo deve vingar porquanto este aumento legal foi afastado, por maioria de votos quando do julgamento da apelação dos demais co-denunciados — Aldo Otávio da Silva, Gilson Otávio da Silva e Luís Gonzaga Loch — sendo impossível a manutenção do reconhecimento de vínculo associativo apenas para o apelante quando, para aqueles, já não existe tal relação fática.

Com efeito, foram absolvidos Aldo Otávio da Silva (em primeira instância) e Luiz Gonzaga Loch neste Tribunal (Ap. Crim. n. 98.017062-1) e, no tocante ao único co-denunciado efetivamente condenado, Gilson Otávio da Silva, a causa de aumento especial prevista no art. 18, III, da Lei 6.368/76 foi afastada (Ap. Crim. n. 98.017062-1), vencido este relator que a mantinha.

Assim, não existindo associação eventual dos co-denunciados com o apelante, é lógico e irrefutável que também não haverá vínculo entre este e aqueles, e, por este motivo, afasta-se o aumento especial previsto no art. 18, III, da Lei n. 6.368/76, adequando-se a pena irrogada em primeira instância para o montante de 3 (três) anos de reclusão, em regime integralmente fechado.


7. Por fim, no tocante ao pleito de substituição da pena privativa de liberdade imposta, a ser cumprida em regime integralmente fechado, por restritivas de direito nos moldes fixados pela Lei n. 9.714/98, tem-se que tal providência é possível, em tese, porquanto a lei nova, posterior ao crime imputado ao apelante, tem efeitos e conseqüências benéficas, especialmente porque evita o encarceramento.

Discorrendo sobre quando a lei penal pode ser considerada mais favorável, o Prof. RENÉ ARIEL DOTTI, citando MAGGIORE (Principii di diritto penale. Bologna: Nicola Zanichelli Editore, 1961. Vol. I, Tomo 1º, p. 152), afirma que isto ocorre quando, dentre outras disposições, tratar de "diversa determinação da espécie e duração da pena e dos efeitos penais" (A Retroatividade da Lex Mitior e o Critério da Combinação de Leis, apud JUSTIÇA PENAL, v. 10, p. 344).

É o caso dos autos: lei nova, com diversa determinação da espécie da pena.

Não há dúvida que a lei posterior que, de qualquer modo, beneficiar o réu (lex mitior), deve ser aplicada imediatamente, inclusive com efeito retroativo por ser direito e garantia individual consagrado na Constituição (A lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu - CF, art. 5º, XL) e no Código Penal (art. 2º e par. único), justificando-se a sua aplicação em qualquer circunstância ou estágio do processo, assim como aos fatos já decididos com sentença condenatória transitada em julgado.

Diante da importância do tema suscitado, deve ser bem analisada a possibilidade da substituição pleiteada aos casos de crimes hediondos e aos a eles equiparados, em especial de tráfico ilícito de entorpecentes para, após, determinar-se se ela pode, ou não, ser operada no caso dos autos.

O texto constitucional, norma fundamental e sustento de validade de todo o ordenamento pátrio, deve ser analisado sistematicamente, cotejando-se seus artigos e seus significados para, então, extrair-se as conseqüências jurídicas dele advindas, garantindo-se, sempre, os valores supremos que orientam o Estado Democrático de Direito: exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça (preâmbulo da CF).

A violação de "um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não só a um específico mandamento obrigatório, mas a todo sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, por que representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Isto porque, com ofendendo, abatem-se as vigas que o sustêm e alui-se toda estrutura nela esforçada" (CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, Curso de Direito Administrativo, 5ª ed., p. 451).

Nesse vértice, o magistrado como membro de um Poder e, como tal, representante do próprio Estado, deve observar e garantir, primordialmente, os valores e princípios norteadores da Carta Magna, dela destacando-se a garantia de que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa se não em virtude de lei (art. 5º, II), e que não haverá crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal (art. 5º, XXXIX).

A pena, inserida nos dispositivos constitucionais citados, é usada em sentido amplo, significando não só aquela sanção imposta pela prática de conduta tipificada como crime, mas também reprimenda aplicada ao indivíduo que descumpre qualquer outro preceito legal, seja civil, administrativo, etc..

Quanto às penas decorrentes da prática de crimes, não custa lembrar que a Carta elenca no art. 5º, XLVI, o rol daquelas que a lei individualizará, dentre outras: a) privação ou restrição da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de direitos.

O Código Penal, por sua vez, como lei geral, em simetria com o comando constitucional, dividiu-as em privativas de liberdade, restritivas de direitos, e multa (art. 32), regulando a forma de imposição e substituição, ditando também as regras básicas pelas quais deverão ser executadas (a especificação da execução está na Lei de Execução Penal), destacando-se que são reprimendas distintas, possuindo, cada qual, características próprias e diferenciadas entre si.

A nova redação do art. 44, do Código Penal, advinda com a Lei n. 9.714/98 (em complemento à reforma penal procedida com a Lei n. 7.209/84 - vide Exposição de Motivos da nova parte geral do Código Penal, ítem 29), fixa requisitos objetivos e subjetivos para substituição da pena privativa de liberdade pelas restritivas de direito (alcunhadas doutrinariamente de "penas alternativas"), tendo-se como condições objetivas, que sempre deverão ser cumpridas: a) pena inferior ou igual a 4 (quatro) anos, se o crime for doloso; b) crime praticado sem violência ou grave ameaça à pessoa; c) réu não reincidente em crime doloso.

Cumpre observar no tocante à reincidência, que havendo condenação anterior e não se tratando de réu reincidente específico, ainda assim poderá obter a substituição desde que presente um elemento subjetivo adicional: a medida seja socialmente recomendável (§ 3º, art. 44).

De outra banda, o requisito subjetivo que sempre deverá ser observado para determinação da substituição é a suficiência desta operação, verificada a partir da análise dos seguintes elementos: a) culpabilidade, b) antecedentes, c) conduta social e a personalidade do condenado, d) motivos e as circunstâncias e do crime.

Expressamente prevista no Código Penal (derivada do comando constitucional), a substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direitos não se subordina ao cumprimento ou preenchimento de quaisquer outros requisitos que não sejam aqueles já enumerados, sendo certo que as normas fixadas neste diploma legal, como lei geral, são aplicáveis aos fatos incriminados em leis especiais, se estas não regularem a matéria dispondo de forma diversa (art. 12, do CP).

Este dispositivo (art. 12, CP) não suscita qualquer dúvida, tendo a doutrina assentado, com firmeza:

"A essas leis, a menos que disponham de forma diferente, aplicam-se as regras gerais do Código Penal, não apenas as contidas em sua Parte Geral, como também as que se encontram na Parte Especial, como a que conceitua funcionário público, por exemplo (art. 327)" (EDMUNDO JOSÉ DE BASTOS JÚNIOR, Código Penal em Exemplos Práticos, Florianópolis: Ed. Terceiro Milênio, 1998, p. 30).

DAMÁSIO E. DE JESUS já comentou, incisivamente, na mesma linha:

"Regras gerais do Código são as normas não incriminadoras, permissivas ou complementares, previstas na Parte Geral ou Especial. Em regra, estão contidas na Parte Geral, mas também podem estar descritas na Especial (ex: conceito de funcionário público - art. 327). Por outro lado, a legislação especial, conjunto de leis extravagantes, também pode conter regras gerais diversas das do Código. Neste caso, prevalecem aquelas. Em caso contrário, quando a lei especial não ditar regras gerais a respeito dos fatos que descreve, serão aplicadas as do Código" (Direito Penal, 13ª ed., SP: Saraiva, 1988, v. 1, p. 127-128).

Pois bem, a Lei n. 8.072/90, que é especial, definiu os crimes hediondos e seus equiparados, dentre eles o tráfico ilícito de entorpecentes, aumentou as sanções penais e proibiu expressamente a concessão de anistia, graça, indulto, fiança e liberdade provisória, acrescentando que o cumprimento da pena privativa de liberdade imposta deverá se dar em regime integralmente fechado (art. 2º, I, II e §1º), nada dispondo quando à impossibilidade ou incompatibilidade tanto de suspensão condicional da execução da pena (sursis), muito menos de substituição por penas restritivas de direito.

Desse modo, diante da omissão da lei especial (que não pode ser entendida como "lacuna no processo de auto-integração da lei", como lecionou WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO, in Curso de Direito Civil, Parte Geral, 17ª ed., SP: Saraiva, 1978, p. 38) as regras gerais do Código Penal referentes à aplicação e dosimetria da pena, inclusive as atinentes à substituição das penas privativas por restritivas de direito, são aplicáveis aos crimes de que trata a Lei n. 8.072/90 (claro excluídos aqueles cujas penas aplicadas excedam de 4 anos e aos praticados mediante violência ou grave ameaça à pessoa), com as ressalvas explícitas contidas no art. 2º, I, II e § 1º.

A previsão na lei especial de regime integralmente fechado para cumprimento da pena de reclusão, em nada impede a possibilidade de sua substituição por penas restritivas de direito, porquanto tratam-se de coisas distintas e independentes entre si, de exame sucessivo no art. 59, do CP, devendo a viabilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito ser verificada obrigatória e subseqüentemente, de ofício (inciso IV), somente após quantificada aquela e fixado seu regime (inciso III).

Sobre este tema leciona, com precisão, LUIZ FLÁVIO GOMES:

"As penas substitutivas e particularmente as restritivas não admitem sursis, que somente é cabível em relação à execução da pena privativa de liberdade, nos termos do art. 77 do CP (v. TACrimSP, rel. Silva Pinto, in RT 631, p. 312 e ss.). Penas restritivas e sursis, aliás, são conceitos excludentes, porque este somente pode ter incidência quando 'não seja indicada ou cabível a substituição prevista no art. 44 deste Código' (CP, art. 77, III). Como se vê, a preferência deve ser dada à substituição da prisão por outra pena alternativa. Não sendo 'indicada' ou 'cabível' essa substituição, então deve-se averiguar a pertinência do sursis" (Penas e Medidas Alternativas à Prisão, SP:RT, 1999, p. 106).

A propósito, decidiu-se, recentemente nesta Câmara, em acórdão da lavra deste Relator:

"PENA CRIMINAL. SUBSTITUIÇÃO POR PENAS RESTRITIVAS DE DIREITO OU CONCESSÃO DO SURSIS. SEQÜÊNCIA LEGAL A SER OBSERVADA.

"Quando da aplicação da pena privativa de liberdade, obedecida a seqüência prevista no art. 59, do CP, ou seja, após quantificá-la observando as três fases exigidas pelo art. 68, do CP, o juiz deve fixar o regime inicial de seu cumprimento (inciso III c/c art. 111, da LEP) para, depois examinar obrigatoriamente, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, a substituição "por outra espécie de pena, se cabível (inciso IV); o exame sobre a possibilidade de concessão do sursis somente ocorre após verificar não ser indicada ou não cabível a substituição anterior (CP, art. 77, inciso III) (Ap. Criminal n. 99.002676.0, de Itajaí, j. em 13 de abril de 1999).

Bem por isto, de forma garantista e favorável ao agente, anteriormente à Lei n. 9.714/98, diante da ausência de proibição expressa na Lei n. 8.072/90, já se concedia a suspensão condicional da execução da pena (sursis) aos condenados por crime hediondo mesmo que praticado com violência ou grave ameaça à pessoa, como nos casos de estupro na modalidade tentada (quando a pena ficava no patamar de dois anos de reclusão), valendo citar precedente mais recente do colendo Superior Tribunal de Justiça:

"PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. ESTUPRO TENTADO. AUMENTO DO ART. 9º DA LEI N. 8.072/90. SURSIS.

"I - O acréscimo de pena previsto no art. 9º da Lei n. 8.072/90 somente se aplica na eventualidade de lesão corporal grave ou morte. Precedentes.

"II - Desde que preenchidos os requisitos legais, a serem verificados via de cognição mais ampla, o sursis pode ser concedido em caso de ilícito penal qualificado de hediondo. Precedentes" (HC n. 7919/SP (98/0063715-0), rel. Min. Félix Fischer, DJU 22.2.99, p. 00114).

Neste Tribunal de Justiça também já se decidia neste sentido, como se vê das Apelações Criminais ns. 33.175, de São Carlos, rel. Des. Álvaro Wandelli (j. em 28.8.95, in DJ n. 9.355, de 10.11.95, p. 12) e 97.003588-8, de Mafra, rel. Des. Amaral e Silva, j. em 10.6.97, com a seguinte chamada na ementa:

"Estupro. Tentativa. Vítima menor de 14 anos. Presunção de violência. Prova. Declarações da ofendida e de sua mãe. Admissibilidade. Condenação mantida. Precedentes jurisprudenciais. Recurso parcialmente provido para a concessão do sursis".

Especificamente em crimes contra a saúde pública, na espécie tráfico ilícito de entorpecentes, para que não se diga da inexistência de precedente, não fossem os argumentos já expendidos, registra-se valioso julgado concessivo de sursis em rara hipótese de reconhecimento de tentativa (com o que a pena ficou em quantum que admitia a suspensão trazendo a obrigação de ser examinada sua concessão ou não), da lavra do eminente Des. José Roberge, com a seguinte ementa:

"CRIME CONTRA A SAÚDE PÚBLICA. ARTIGO 12, PARTE FINAL (ADQUIRIR SEM AUTORIZAÇÃO OU EM DESACORDO COM A DETERMINAÇÃO LEGAL OU REGULAMENTAR) DA LEI DE TÓXICOS. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS.

"TENTATIVA. O réu exauriu os atos de execução, e não meros atos preparatórios, não chegando ao seu final, por circunstâncias alheias a sua vontade, haja vista que o destinatário que seria mera peça no esquema, assustado com a quantidade do remédio e a qualidade, comunicou à polícia.

"RECURSO PRETENDENDO A ABSOLVIÇÃO, OU, ALTERNATIVAMENTE, A DESCLASSIFICAÇÃO DO DELITO PARA ESTELIONATO NA SUA FORMA TENTADA. IMPOSSIBILIDADE. Incabível a desclassificação pretendida, pois a verdadeira intenção do agente, não era obter vantagem em prejuízo de outrem, mas sim, o fornecimento, sem nota fiscal, dos medicamentos controlados pelo ministério da saúde, evitando a fiscalização.

"CONCESSÃO DO SURSIS. ADMISSIBILIDADE. A LEI QUE DEFINE O CRIME HEDIONDO NÃO INIBE A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. NÃO SE PODE DAR INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA, A REFLETIR ANALOGIA IN MALAM PARTEM, DE FORMA A AFLIGIR A SITUAÇÃO DO CONDENADO. O QUE O DISPOSITIVO EM ANÁLISE VEDA É A ANISTIA, A GRAÇA, O INDULTO E A PROGRESSÃO DE REGIME, MAS NÃO O SURSIS. SE TAL FOSSE, ESTARIA EXPLÍCITO NA REDAÇÃO DO TEXTO LEGAL, NÃO SE PODENDO DAR A ELE UMA INTERPRETAÇÃO VIRTUAL" (Ap. Criminal n. 33.846, de São José, j. 16 de abril de 1996).

Do corpo do acórdão traz-se a fundamentação garantidora do benefício por falta de proibição expressa na norma incriminadora, cuja argumentação é aplicável como luva à hipótese em exame:

"No que pertine à concessão do benefício do sursis, esclarece-se que o recorrente foi condenado por infração ao artigo 12, porém na sua forma tentada. Conforme salienta o doutor Maurílio Moreira Leite, em seu parecer 'embora exista corrente asseverando a impossibilidade da tentativa nos crimes definidos no artigo 12, o contrário já vem sendo afirmado, conforme Vicente Greco Filho: 'Consumação e tentativa. Como vimos, consuma-se o delito com a prática de uma das ações previstas no tipo. Alguns atos de execução, eventualmente caracterizadores da tentativa, são por si mesmos, condutas igualmente puníveis, daí ser difícil a existência da forma tentada. O conatus, porém, em princípio, não está nem lógica nem juridicamente, excluído, dependendo da análise do caso concreto' (Tóxicos - Prevenção - Repressão; Editora Saraiva 1993, p. 91). E o caso concreto diz bem da possibilidade aventada, porquanto o réu exauriu os atos de execução que lhe diziam respeito, somente não chegando ao seu final por circunstâncias alheias a sua vontade, haja vista que o 'destinatário' que seria mera peça no esquema, assustado com a quantidade de remédio e sua qualidade, comunicou o fato à polícia.

"Por último, data venia ao entendimento do ilustre Procurador de Justiça, o sursis é de ser concedido. Satisfeitos os pressupostos subjetivos e objetivos do artigo 77 e seus itens, do Código Penal, não é o disposto no artigo 2º, § 1º, da Lei n. 8.072/90, óbice a sua concessão: 'A pena por crime previsto neste artigo será cumprida integralmente em regime fechado'. Sem qualquer filiação, a alegada inconstitucionalidade do dispositivo, devidamente improcedente, tantas vezes proclamada pelas Cortes Superiores, a razão está simplesmente na não vedação da concessão do sursis no dispositivo em questão.

"É que 'não existe qualquer norma penal que defina a possibilidade da concessão ou não do benefício em decorrência da classificação do crime cometido'. Assim, a lei que define o crime hediondo não inibe a concessão do sursis. Não se pode dar, in casu, interpretação extensiva, 'a refletir analogia in malam partem, de forma a afligir a situação do condenado. Tal se mostra intolerável perante um sistema que prestigiou sensivelmente a presunção de inocência e a plenitude da defesa, razão pela qual, a teor do disposto no artigo 697, do Código de Processo Penal, deve o juiz se pronunciar a respeito da concessão do sursis' (Renato Nalini - RT 676/298). O que o dispositivo em análise veda é a anistia, a graça, o indulto e a progressão de regime, mas não o sursis. Se tal fosse, estaria explícito na redação do texto legal, não se podendo dar a ele uma interpretação virtual. O regime, até que ultime a sentença, com seu total cumprimento, é o fechado, o que significa dizer que se as condições que forem impostas não restarem devidamente cumpridas, resultando rescindido o sursis, o réu será recolhido ao regime fechado".

Neste ponto, considerando a argumentação contrária centrada no fato de a lei especial prever expressamente que a pena privativa de liberdade deve ser cumprida integralmente em regime fechado, sendo este absolutamente incompatível com a substituição, invoca-se a doutrina de DAMÁSIO E. DE JESUS quando afirma, diante da lei nova:

"As penas alternativas não são absolutamente incompatíveis com os delitos previstos na Lei dos Crimes Hediondos. São admissíveis em alguns casos. Cremos que não se apresenta como obstáculo o disposto no art. 2°, § 1°, da Lei n. 8.072/90, que disciplinou os delitos hediondos e deu outras providências, segundo o qual a pena deve ser executada integralmente em regime fechado. De ver-se que as penas alternativas constituem medidas sancionatórias de natureza alternativa, nada tendo que ver com os regimes de execução. Estes são próprios do sistema progressivo. De maneira que o juiz tem dois caminhos: se impõe pena privativa de liberdade por crime hediondo, incide a Lei n. 8.072/90; se a substitui por pena alternativa, não fala-se em regimes (fechado, semi-aberto e aberto). Nesse detalhe, a Lei de Crimes Hediondos disciplina a 'execução da pena privativa de liberdade, não se relacionando com os pressupostos de aplicação das penas alternativas. Encontramos parâmetro no sursis, que também admite, em tese, sua incidência nos delitos hediondos, como vem entendendo a jurisprudência, embora não unânime. Como já dissemos, a execução da pena imposta em face do crime hediondo, presentes seus pressupostos objetivos e subjetivos, não é incompatível com o sursis. Ex.: tentativa de atentado violento ao pudor com violência imprópria, imposta a pena mínima de dois anos de reclusão. Não impede o disposto no art. 2°, § 1°, da Lei n. 8.072/90, segundo o qual a pena deve ser executada integralmente em regime fechado. Ocorre que o sursis constitui uma medida penal sancionatória de natureza alternativa, não se relacionando com os regimes de execução. Nesse sentido: ANTÔNIO SCARANCE FERNANDES, Considerações sobre a Lei 8.072, de 25 de julho de 1990, crimes hediondos, RT, 660:266; CLÁUDIA VIANA GARCIA, A Lei n. 8.072/90 e o sursis: possível a concessão?, Boletim do IBCCrim, São Paulo, maio 1997, 54:8; TJSP, HC 112.809, RT, 676:298; TJSP, ACrim 112.837, JTJ, 134:417 (tentativa de estupro); TJSP ACrim 166.011, 3ª Câm. Crim., j. 27-6-1994, JTJ, 161:311; TJSP ACrim 153.487, rel. Des.Canguçu de Almeida, RT, 719:391; STJ, REsp 91.851, 5ª T., RT, 739:572. Contra: STJ, REsp 60.733, 5ª T., DJU, 12 jun. 1995, p.17637; STJ, REsp 91.852, 6ª T., DJU, 5 maio 1997, p. 17197. A argumentação referente ao sursis é aplicável ao tema das penas alternativas. Contra, no sentido de que, cuidando-se de crimes hediondos, é inadmissível a aplicação do sistema vicariante: CÉZAR ROBERTO BITENCOURT e LUIZ RÉGIS PRADO, Código Penal anotado, 2ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais (no prelo)" (Penas Alternativas. SP: Saraiva, 1999, p. 95/96).

LUIZ FLÁVIO GOMES também entende que "o regime fechado determinado pela lei dos crimes hediondos somente é válido para a fase de execução da pena de prisão. Se o juiz entende que a prisão imposta deve ser substituída por outra sanção alternativa, não se chega à execução da pena de prisão (isto é, não se chega a sua fase executiva). Logo, não é o caso de se aplicar a regra do 'regime fechado'. Só se pode falar em 'regime' na fase de execução da pena de prisão" (ob. cit., p. 113).

Ademais, o fato de a pena privativa de liberdade ser cumprida integralmente em regime fechado será um reforço adicional e estímulo para que o condenado cumpra e observe o regramento da pena restritiva substitutiva com que foi agraciado, pois esta será convertida naquela se houver o seu descumprimento (art. 44, §4º, do CP).

Embora possa existir disparidade entre a situação do condenado a uma pena privativa de liberdade cumprida integralmente em regime fechado e a condição daquele que obtém substituição por "pena alternativa", tal distinção é natural e facilmente justificável, posto que, na prática, diversas são as situações individuais dos agentes as formas das ações criminosas, tendo, cada uma delas, graus de reprovabilidade social diferenciadas e a sanção deve ser aplicada com observância do princípio constitucionalizado da individualização da pena.

Assim, o agente que, por uma única vez buscou, em situação que caracteriza crime de tráfico de entorpecentes, uma forma talvez desesperada de sustentar seu vício, merece reprimenda completamente diferente daquele que se revela grande traficante e fornece quilos ou até toneladas de substâncias estupefacientes a pessoas dependentes, pratica violência, alicia crianças para o mundo das drogas e envolve outras pessoas ("mulas", "olheiros", e etc...) para a prática de diversos ilícitos, com intuito lucrativo e para manter sua impunidade.

Por outra, como lembra LUIZ FLÁVIO GOMES, "cada caso é um caso. Nunca um magistrado irá valorar do mesmo modo a conduta de um jovem que cede gratuitamente a droga numa reunião de amigos e outro companheiro, com a conduta de quem explora o tráfico com ânimo de lucro ou para aliciar menores. A nova lei confia na prudência dos operadores jurídicos, que existem precisamente para construir a jurisprudência" (ob. cit., p. 112).

Torna-se evidente, portanto, que enquanto ao primeiro deve ser aplicada pena que permita sua plena ressocialização e até tratamento, ao segundo, narcotraficante repulsivo movido pelo lucro fácil, a sanção deve ser firme e contundente, com cunho repressivo e preventivo, exemplarmente dissuadindo a entrada de outras pessoas no mundo do crime.

Daí revelar-se como oportuna a aplicabilidade das novas sanções aos crimes em comento (sem se pensar que a nova lei "foi longe demais"), com rígida observância do requisito subjetivo incluído pelo legislador no inciso III, do art. 44, do CP, cabendo ao sentenciante análise da suficiência da substituição da prisão pelo cumprimento de pena "alternativa", com o que poderão ser evitadas injustiças que derivaram da lei na forma anterior, como por exemplo quando o pequeno e infeliz usuário, flagrado em situação de tráfico, era apenado com a mesma sanção que seria devida ao grande traficante; a lei, ao texto ainda vigente, não tem meio termo: a posse, por exemplo, se não provar seja para uso próprio (art. 16), será tida como conduta tipificada no art. 12, da Lei n. 6.368/76, com todas as suas circunstâncias e derivações negativas.

Neste tópico, mais uma vez importante trazer a opinião atualíssima do mestre DAMÁSIO E. DE JESUS, em comentários à nova lei geral:

"Tráfico de drogas. Admite, em tese, a imposição de penas alternativas, tendo em vista que a pena mínima cominada nos arts. 12, 13 e 14 da Lei n. 6.368/76 é de três anos de reclusão. Nesse sentido, pronunciamento do Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, Dr. Luiz Antônio Guimarães Marrey, criticando a lei nova por se aplicar à hipótese (Folha de S. Paulo, O Globo e O Estado de S. Paulo, edição de 25 de novembro de 1998). O tratamento mais leve, entretanto, condiciona-se à presença das circunstâncias pessoais e objetivas, estas referentes à gravidade do crime, previstas nos incisos II e III do art. 44 do CP" (Penas Alternativas, SP: RT, 1999, p. 89-90).

De outra parte, com a devida vênia, não se sustenta o argumento expendido contrário à aplicabilidade das penas restritivas de direito especificamente para os crimes de tráfico de entorpecentes, pelo fundamento de, por serem equiparados a hediondos, não podem ser considerados de menor gravidade e que somente estes mereceriam a aplicação de penas "alternativas", diante da mens legis motivadora da Lei n. 9.714/98 (em sua exposição de motivos menciona-se direção até crimes de média gravidade).

Ora, na lei geral em exame não se encontra escrita tal proibição de substituição seja de forma expressa (reserva legal) nem mesmo implícita (e "implícita" contra o réu não se admite), no texto ou mesmo na ementa (esta que não faz parte do comando normativo), sua aplicabilidade restrita aos crimes de menor gravidade (está, sim, na exposição de motivos); ao contrário, na lei foram definidos os critérios legais para aferição da possibilidade de operar-se a substituição de forma geral, desde que preenchidos os requisitos do art. 44, do CP.

Nem se diga, para criar dúvida, que em crimes de tráfico ilícito de entorpecentes, o verbete n. 171 da súmula do colendo Superior Tribunal de Justiça tenha força de impedir a substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direito, pois tal enunciado nega, sim, substituição da prisão por multa quando a lei especial comina estas penas cumulativamente; decisão resultante do lógico argumento de que é impossível ao magistrado suprir uma pena trocando-a por outra, quando o legislador expressamente determinou a aplicação de ambas, o que é circunstância completamente diversa daquela em que são aplicadas penas pecuniária e privativa de liberdade, substituindo-se somente esta por uma restritiva de direito.

Assim, se a nova de caráter geral não vedou expressamente a aplicação de penas alternativas aos crimes hediondos e equiparados, o intérprete não poderá fazê-lo por conta própria, pois o princípio da legalidade insculpido no texto constitucional garante ao cidadão que o Estado não lhe aplicará sanção que não esteja amparada em lei anterior que a comine, valendo invocar a máxima ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus, ou seja, se a lei não distingue, não pode o intérprete distinguir, especialmente quando esta distinção resultar em prejuízo ao réu.

O princípio da legalidade, também conhecido como da reserva legal ou da anterioridade da lei penal, advindo do enunciado formulado por ANSELMO FEUERBACH - nullum crimem, nulla poena sine praevia legem -, consagrado no art. 1º, do Código Penal e constitucionalizado no art. 5º, incisos XXXIX e XL, da Constituição Federal de 1988, garante descrição específica, individualizadora e prévia de condutas e sanções na lei federal (só a União pode legislar direito penal), não bastando simples referência ao bem juridicamente tutelado, nem descrição genérica.

O tipo expresso exerce função de garantia, e esta "só se justifica, do ponto de vista material, desde que especifique a conduta-infração penal. A generalidade é insuficiente. Não alcança a finalidade, para concretamente registrar a garantia ínsita à prévia descrição do comportamento ilícito penal", como bem escreveram os doutos Min. LUIZ VICENTE CERNICCHIARO e Prof. PAULO JOSÉ DA COSTA JÚNIOR (Direito Penal na Constituição, 2ª ed., SP: RT, 1991, p. 16); a seguir sentenciam os grandes penalistas contemporâneos:

"A descrição genérica enseja, ao intérprete, liberdade ainda maior. Consequentemente, perigosa. Fragrantemente oposta ao mandamento constitucional. O crime não é qualquer ação, mas ação determinada. E determinada na lei" (ob. cit., p. 17).

A questão tem, assim, resposta certa, clara e cristalina:

A substituição da pena privativa de liberdade, uma vez preenchidos os requisitos objetivos e subjetivos previstos no art. 44 e incisos do Código Penal, é direito público subjetivo do réu, ainda mais por se tratar, inegavelmente, de medida sancionatória mais benéfica, sendo sabido, ademais, que as normas que excluem ou privam direitos e garantias individuais devem ser interpretadas restritivamente e consoante reserva legal.

Há outro fundamento constitucional amparador do princípio da legalidade com previsão de tipo penal fechado e expresso -, que consiste na garantia da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, inciso III), vale dizer, o direito à liberdade individual só pode suportar ameaça diante da necessidade de tutela de outro bem jurídico concreto, não se devendo permitir haja intervenção estatal na liberdade da pessoa com uma simples "presunção legal" de que a Lei n. 9.714/98, diante da omissão de texto expresso vedando sua incidência aos crimes hediondos ou a eles equiparados, não permitiria tal abrangência porque sua exposição de motivos exclui crime de maior gravidade, sob pena de inversão da ordem jurídica e transformar em tábula rasa o espírito e o texto da Carta Maior, que tem na dignidade da pessoa humana um de seus pilares.

Assim temos: é flagrantemente inconstitucional o argumento de que o novo sistema de penas substitutivas advindo com a Lei n. 9.714/98, não se aplica aos crimes de maior gravidade, hediondos e a estes equiparados, como tráfico ilícito de entorpecentes, simplesmente porque sua exposição de motivos não os inclui ou porque haveria incompatibilidade com o regime integralmente fechado.

Mas, ainda que fosse dúbia a interpretação do texto legal (e não é), a solução não poderia ser diferente daquela ministrada pelo festejado DAMÁSIO E. DE JESUS quando, analisando à exaustão o tema da interpretação da norma penal, demonstra:

"Que fazer quando, apesar do trabalho hermenêutico, mediante cuidadosa interpretação literal e lógica, persiste a dúvida quanto à vontade da norma? Abrem-se três caminhos ao intérprete: 1º) admitir que dúvida deva ser resolvida contra o agente (in dubio pro societate); 2º) admitir que seja resolvida contra o agente ou contra a sociedade, segundo o livre convencimento do intérprete; 3º) resolver a questão da forma mais favorável ao agente. Em outros termos, se a vontade da lei não se torna nítida, se não chegar o juiz a saber se a lei quis isso ou aquilo, ou se nem ao menos consegue determinar o que ela pretendeu, deverá seguir a interpretação mais favorável o réu (desde que usados todos os meios interpretativos). A terceira solução é adotada por nós" (Direito Penal, 14ª ed., SP: Saraiva, 1990, v. 1, p. 37).

Por fim há que se justificar mais duas situações:

- Anteriormente à Lei n. 9.714/98 não se cogitava da substituição e apreciava-se apenas o sursis para os crimes hediondos e equiparados porque, na melhor hipótese, chegava-se às situações antes enfocadas, quando as penas totalizavam no mínimo até 2 (dois) anos (isto em face da causa especial de diminuição da tentativa), sabido que o limite para substituição era de até 1 (um) ano nos casos de crimes dolosos; agora, no entanto, o teto permissivo à substituição foi elevado para 4 (quatro) anos, tornando obrigatório o exame para sua admissibilidade quando a reprimenda for aplicada neste parâmetro.

- Nada se alterará aos casos de prisão em flagrante com a proibição de liberdade provisória (art. 2º, II, da Lei n. 8.072/90), ao argumento de que seria injusta a manutenção do preso quando, na perspectiva de condenação, poderia ser agraciado com a substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas. É que os institutos têm pressupostos distintos e, enquanto não há sentença, a pena possível em tráfico de entorpecentes será de até 15 (quinze) anos de reclusão, fora do limite permissivo da nova benesse. Não fosse isto, também sempre há possibilidade de mutatio libelli e a prisão processual guarda simetria com o texto constitucional, desde que fundamentada (CF, art. 5º, LXI).

Por todos estes motivos, a conclusão lógica e irrefutável: em crimes hediondos ou a ele equiparados, como tráfico ilícito de entorpecentes enquanto não houver texto legal restritivo expresso, é cabível a substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direito, pois não há qualquer outra vedação legal à sua concessão, sendo direito público subjetivo do réu tal substituição quando lhe for mais benéfica, desde que preenchidos todos os requisitos estipulados pelo art. 44 do CP, com a nova redação dada pela Lei n. 9.714/98.


8. Todavia, no caso dos autos, conquanto o réu satisfaça às três primeiras condições legais, tem-se que a substituição pleiteada não é suficiente para a repressão e prevenção do crime, destacando-se que a sentença irrogada em primeira instância foi prolatada em 13.1.99, já em plena vigência da Lei n. 9.714/98, norma que introduziu a possibilidade da substituição pleiteada pelo apelante.

O exame da sentença guerreada revela que o magistrado sentenciante próximo aos fatos, expressamente declarou que são descabidas quaisquer substituições da reprimenda aplicada, demonstrando, assim, não ser possível permutar a pena privativa de liberdade pela restritiva de direito.

E nem poderia ser diferente, pois os autos demonstram que a sanção mais benéfica não é suficiente à prevenção e repressão do crime, não sendo preenchido, portanto, o requisito essencial previsto no art. 44, III, do CP.

O laudo de dependência toxicológica revela a personalidade do apelante, ao afirmar que "durante as avaliações aqui realizadas, observa-se certa displicência e arrogância no decorrer das entrevistas" (fls. 149).

Inquestionável que os motivos do crime foram o lucro fácil, pois sendo trabalhador e percebendo pouca renda, o apelante não demonstrou que agiu com o exclusivo objetivo de satisfazer o vício decorrente da sua dependência em grau leve.

Além disto, a expressiva quantidade de drogas apreendida com o apelante (trezentos e quarenta e oito gramas de cocaína) indica, claramente, que não se trata de uma pequena operação motivada por interesse abonador, denotando, ao contrário, que a droga seria comercializada para diversos consumidores finais.

Não bastasse isto, a denúncia anônima dando conta da operação ilícita flagrada demonstrou que não foi uma transação eventual, pois a indicação do modus operandi dos envolvidos só poderia ser fornecida por alguém que já vira aquela conduta ilícita ser cometida diversas vezes.

A verdade que se descortina deste cenário é que a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito (art. 44, §2º, in fine, do CP) não é suficiente para a repressão e prevenção do crime.


9. Diante do exposto, conhece-se do recurso e dá-se-lhe provimento parcial unicamente para, mantida a condenação no art. 12, da Lei n. 6.368/76, afastar a causa de especial aumento prevista no art. 18, III e adequar a pena privativa de liberdade, fixando-a em 3 (três) anos de reclusão em regime integralmente fechado.

Participou do julgamento, com voto vencedor, o Exmo. Des. Jorge Mussi, e lavrou parecer, pela douta Procuradoria-Geral de Justiça, o Exmo. Sr. Dr. Anselmo Jerônimo de Oliveira.

Florianópolis, 20 de abril de 1999.

José Roberge
PRESIDENTE

Nilton Macedo Machado
RELATOR



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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROBERGE, José; MACHADO, Nilton Macedo. Aplicabilidade das penas alternativas a crimes hediondos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 33, 1 jul. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/jurisprudencia/16382. Acesso em: 23 abr. 2024.