Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/peticoes/16417
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Primeira ação contra o apagão, em Taubaté (SP): petição indeferida

Primeira ação contra o apagão, em Taubaté (SP): petição indeferida

||

Publicado em . Elaborado em .

Esta foi a primeira ação em todo o Brasil contra as medidas do apagão, antes mesmo que elas fossem formalizadas juridicamente. Trata-se de uma obrigação de não fazer, impetrada pelo provedor de Internet ATN contra a concessionária de energia Bandeirantes, contra a ameaça iminente de suspensão do fornecimento de energia elétrica. A petição foi indeferida pela juíza Amélia dos Santos, da 4ª Vara Cível de Taubaté, sob o argumento de que "não há interesse de agir, uma vez que não há risco de cortes de energia no País".

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DE UMA DAS VARAS CÍVEIS DA COMARCA DE TAUBATÉ

A T N Internet S C Ltda, já qualificada nos autos, por seus advogados que esta subscrevem (procuração anexa), é presente à V.Exª para propor AÇÃO CONDENATÓRIA DE OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER, COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DA TUTELA, Em face da empresa Bandeirante Energia S/A, com sede à Rua Bandeira Paulista, 530, Chácara Itaim, São Paulo, SP, CNPJ 02.302.100/0001-06, Inscrição Estadual 115.026.474.116, através de seu representante em Taubaté, sito à Rua Santos Dumont, nº 55, com fundamento nos fatos e no Direito que pede, concessa venia, para expor.


LIMINARMENTE

Em função dos fatos a seguir aduzidos, a AUTORA requer ANTECIPAÇÃO DA TUTELA PRETENDIDA, nos moldes do artigo 461, parágrafo 3º, devido ao fundado receio de dano irreparável, com a concessão de MEDIDA LIMINAR e EXPEDIÇÃO DO RESPECTIVO MANDADO para que a RÉ se abstenha de efetuar cortes no fornecimento de energia para a AUTORA.


SEÇÃO I

Nosso país está sob a ameaça da ocorrência de cortes em seu fornecimento de energia elétrica a partir do dia 1º de junho, em decorrência de uma série de fatores conjunturais e administrativos.

Segundo noticiam todos os veículos de imprensa e até mesmo os órgãos governamentais, o racionamento começará em 1º de junho irá até o dia 30 de novembro, mas poderá ser estendido por mais tempo, dependendo das chuvas e do aumento de oferta de energia(1). Estas informações, prestadas a imprensa pelo Ministro das Minas e Energia, José Jorge, são de caráter definitivo e a extensão dos cortes e sua duração ainda estão sendo objeto de deliberação.

Os critérios técnicos para esta operação, apesar de desconhecidos, prevêem cortes de duas a até quatro horas de duração. Em São Paulo, as previsões são de que os cortes no fornecimento tenham duração de duas horas nos horários de maior consumo (17h30 até as 21h30) em um dia e quatro horas (ainda indefinidas mas durante o dia, em horário comercial) no outro(2). Segundo a empresa responsável pela capital e região, um corte de duas horas no horário de maior consumo equivale a um apagão de quatro ou cinco horas durante o dia.

A energia deve ser cortada da seguinte maneira: faz-se uma divisão das cidades por blocos e, para não deixar nenhum bairro totalmente apagado, cada bloco deve conter ruas de diferentes bairros e regiões das cidades paulistas. As empresas prestadoras do serviço afirmam que é impossível preservar-se determinados prédios do corte de energia, mesmo aqueles essenciais, como hospitais e delegacias. Assim, uma vez cortada a região, todos ali, sejam serviços supérfluos, serviços públicos não essenciais, imóveis residenciais, comércio, empresas prestadoras de serviço, indústrias e todas as outras instalações, serão afetadas indiscriminadamente.

Juntamente com notícias da iminência destes cortes no fornecimento de energia elétrica, os meios de comunicação mostram de maneira clara que não são fatores fortuitos ou de força maior que levam o Ministério das Minas e Energia e o Governo Federal, à ordenarem estas interrupções no fornecimento de energia pelas concessionárias mas, antes disso, a má-gestão do setor energético e a falta de investimentos, como confirmam as palavras de Rodolpho Tourinho, ex-Ministro das Minas e Energia em recente artigo para o jornal Folha de São Paulo(3), in verbis:

"O Brasil cruzou a década de 80 e a primeira metade dos anos 90 convivendo com um quadro crônico de falta de investimentos no setor elétrico..." (grifo nosso)

O próprio Presidente Fernando Henrique Cardoso, quando candidato à Presidência da República em 1994, já previa a crise energética que hoje o surpreende e para a qual não destinou a devida atenção após sua eleição:

"Em setores como energia e comunicações, estamos próximos do estrangulamento e o colapso só não ocorreu devido ao menor ritmo de crescimento econômico da última década". (grifo nosso)

Rodolpho Tourinho alegou ainda, em outra reportagem publicada pelo jornal Folha de São Paulo(4), que ele próprio alertou o presidente sobre a gravidade da crise que hoje vivemos "há pelo menos um ano":

´´Eu não seria louco de saber de uma crise e não informar ao presidente...´´

´´O risco de déficit no sistema, apontado em relatório do ONS [Operador Nacional do Sistema Elétrico], foi passado para o presidente. A crise era discutida com todos, com o presidente e com o Pedro Parente [ministro-chefe da Casa Civil]. O presidente tinha conhecimento de tudo!´´

[Relatório do ONS informava, em abril de 2000, que...] ´´o risco mais severo observado [de desabastecimento de energia] corresponde ao subsistema Sudeste/Centro-Oeste e ocorre no biênio 2000/2001.´´ (grifo nosso)

Tais palavras, de uma pessoa que ocupava a pasta do Ministério das Minas e Energia, comprovam o descaso e a falta de seriedade com que o problema foi tratado pelo Governo Federal. Apesar do discurso do então candidato Fernando Henrique Cardoso, em seu primeiro mandato o governo aplicou menos em geração e transmissão de energia elétrica do que seus antecessores, Fernando Collor e Itamar Franco, apesar dos esforços do próprio Governo Federal para privatizar e trazer novas empresas ao país e, assim, contribuir para aumentar a demanda por eletricidade e o risco de estrangulamento.

Segundo os dados apurados pelo especialista Maurício Tolmasquin, coordenador do Programa de Planejamento Energético da Coppe (Coordenadoria de Programas de Pós-Graduação em Engenharia), da Universidade Federal do Rio de Janeiro, o governo FHC (de 95 a 98) aplicou, em média, R$ 5,3 bilhões por ano em projetos de geração e transmissão, enquanto Itamar investiu R$ 6,4 bilhões por ano e Collor, R$ 8,9 bilhões(5). Uma reportagem da revista Época, publicada em 14 de maio(6), mostra os números e o alcance da incompetência no gerenciamento desta crise anunciada:

"... A crise foi prevista em incontáveis estudos técnicos oficiais sobre o abastecimento de energia nos últimos cinco anos. Nenhuma autoridade levantou-se da poltrona para buscar uma solução. A octanagem da crise aumentou com os cortes dos investimentos em infra-estrutura. As duas dezenas de bilhões de dólares arrecadadas na venda das estatais do setor elétrico, desde 1990, foram usadas para abater dívidas. Sempre com a preocupação em manter equilibrado o caixa do governo federal."

"O governo optou por cortes sucessivos no orçamento das estatais de energia, para cumprir compromissos com o Fundo Monetário Internacional (FMI). O ministro da Fazenda, Pedro Malan, por exemplo, vetou o projeto de investimento de R$ 1 bilhão (US$ 454 milhões) para construir uma linha de transmissão ligando a região Norte ao Sul do país. Esse tronco permitiria a importação de energia da Venezuela e de usinas amazônicas como Tucuruí para abastecer o Sudeste em situações críticas. Agora, o próprio governo calcula perdas de até US$ 3 bilhões na arrecadação de impostos em conseqüência do racionamento. Conclusão: o corte deu prejuízo. Trocou-se o equilíbrio fiscal pela escuridão." (grifo nosso)

Divulga-se hoje na mídia que a falta de energia decorre de um fator imprevisível aos administradores, ou seja, a falta de chuvas nos últimos anos e meses. Ao contrário do Governo Federal, dados pluviométricos dos últimos cinco anos na região da hidrelétrica de Furnas, reforçam o argumento, segundo especialistas do setor energético, de que a falta de chuvas não é o problema principal da crise de energia que ameaça se instalar(7). Luiz Pinguelli Rosa, da Coppe (Coordenação de Pós-Graduação da Engenharia) da Universidade Federal do Rio de Janeiro, atribui o problema verificado nos reservatórios à falta de investimento na geração e transmissão de energia. O gráfico abaixo mostra que houve crescimento da demanda e redução de investimentos:

Em assim sendo, o corte de energia elétrica anunciado, se efetivado, trará imensos e irreversíveis prejuízos a autora, empresa provedora de serviços via Internet, cuja atuação se dá em tempo real, não só fornecendo acesso local à rede mundial de computadores mas, antes disso e com muito maior relevância, efetuando a hospedagem de páginas e sites que são acessados de forma global, tanto no Brasil quanto no restante do mundo. Seus clientes, necessitam da manutenção deste serviço de forma permanente e ininterrupta, sendo a autora, meio para a realização de negócios de seus usuários.

Em havendo a iminente e anunciada paralisação no fornecimento de energia elétrica pela ré, haverá quebra do dever de continuidade que reveste a prestação de serviços públicos, baseada em hipótese diversa da prevista para a não caracterização da descontinuidade do serviço público, como se verá a seguir, dando esta situação, de acordo com a legislação aplicável, responsabilidade objetiva de reparação dos danos a que der causa a concessionária de serviços públicos.


SEÇÃO II

A legislação em nosso país acerca do tema Energia Elétrica e sua distribuição, está baseada na concessão de serviços públicos pelo União. Esta concessão é regida pela Lei nº 8.987 de 13 de fevereiro de 1995, de acordo com o que dispõe o artigo 175 da Constituição Federal:

Art. 175. - Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

Parágrafo único - A lei disporá sobre:

...

IV - a obrigação de manter serviço adequado. (grifo nosso)

Em seu artigo 37, parágrafo 6º, nossa Carta Magna expressamente prevê ainda que:

"As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa." (grifo nosso)

A Lei nº 8.987/95 define em seu artigo 6º e parágrafos, o que é considerado um serviço adequado, de acordo com o que prevê o texto constitucional:

Art. 6º Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato.

§ 1º Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.

...

§ 3º Não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua interrupção em situação de emergência ou após prévio aviso, quando:

I - motivada por razões de ordem técnica ou de segurança das instalações; e,

II - por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade.

As razões de ordem técnica ou de segurança das instalações mencionadas acima, não se confundem com o caso concreto, uma vez que tais somente podem ser justificadas em se tratando de problemas ou danos físicos aos suportes utilizados para a prestação do serviço contratado ou, na possibilidade da ocorrência de danos físicos ao sistema em caso de continuação do serviço. Porém, a situação atual é de incapacidade geratória e de transmissão de energia, que por si só não causam danos ou ameaça de ordem técnica ou a segurança às instalações das empresas fornecedoras, mas a eventual falta de energia. Sobre esta questão, acerca do que vem a ser ameaça de ordem técnica ou de segurança das instalações, anexamos parecer de um profissional da área, engenheiro eletricista, que dirime todas as possíveis dúvidas neste sentido. Não há também de se pensar que os motivos desta iminente paralisação no fornecimento de energia elétrica sejam motivados por caso fortuito ou força maior, pois estes exigem ou a causa natural ou a imprevisibilidade do fato causador, respectivamente, como moto de um dano, in verbis:

CASO FORTUITO

"Imprevisto, inevitável, estranho a vontade, irresistível, como terremotos, morte natural, tempestade, naufrágio, o que não pode ser previsto por meio humano."(8)

"... Acontecimento de ordem natural que gera efeitos jurídicos, por exemplo erupções vulcânicas, queda de raio, estiagens, avalancha, bem como aluvião (...)"(9)

FORÇA MAIOR

"Fato imprevisível, resultante de ato alheio que vai além das forças do indivíduo para supera-lo, ao qual a pessoa não tem meios de se contrapor, como guerra, greve, revolução, desapropriação."(10)

"Fato imprevisível, resultante de ação humana, que gera efeitos jurídicos para uma relação jurídica, independentemente da vontade das partes desta."(11)

A doutrina(12) entende por serviço adequado de utilidade pública, aquele que atende aos requisitos de permanência (impõe a continuidade do serviço), o da generalidade (que impõe serviço igual para todos), o da eficiência (que exige a atualização do serviço), o da modicidade (que exige tarifas razoáveis) e o da cortesia (que traduz-se no bom tratamento para o público). Assim, a relação entre consumidores e distribuidoras de energia elétrica deve pautar-se pela continuidade, entre outros requisitos, excepcionando este dever em casos de situação de emergência em razão de problemas de ordem técnica, o que efetivamente não é o problema atual, de natureza conjuntural, causado por problemas administrativos, previstos e deliberadamente ignorados, pela administração federal. Há, inclusive, excendente de energia em algumas regiões, que não serão afetadas pelos cortes planejados, mas que em virtude da falta de linhas de transmissão, não podem chegar aos locais onde há maior demanda do que capacidade geradora.(13) O gráfico abaixo mostra claramente a relação entre o risco de déficit no fornecimento de energia e os valores das tarifas, que subiram muito além da inflação após a privatização:

Vislumbra-se que, após contratada a demanda de que necessita, o usuário tem o direito de receber aquilo pelo qual paga e, em função do que, concebe e realiza suas atividades, sejam elas particulares ou comerciais. Caso este direito seja afetado em virtude da não execução, por parte de uma concessionária de serviço público, diz o artigo 25 da Lei nº 8.987/95 que:

Incumbe à concessionária a execução do serviço concedido, cabendo-lhe responder por todos os prejuízos causados ao poder concedente, aos usuários ou a terceiros, sem que a fiscalização exercida pelo órgão competente exclua ou atenue sua responsabilidade. (grifo nosso)

A Lei nº 9.074 de 07 de julho de 1995, que complementa o disposto na Lei nº 8.987/95, estabelece em seu artigo 3º que:

Na aplicação dos arts. 42, 43 e 44 da Lei nº 8.987, de 1995 (artigos referentes as concessões anteriores a lei em apreço), serão observadas pelo poder concedente as seguintes determinações:

I - garantia da continuidade na prestação dos serviços públicos; (grifo nosso)

Esta é mais uma clara referência ao fato de que os serviços públicos devem ser contínuos, exceto em momentos em que sejam paralisados por casos fortuitos ou de força maior, o que claramente não é o da situação que vivemos.

Em 1996, a Lei nº 9.427 de 26 de dezembro, instituiu a ANEEL, Agência Nacional de Energia Elétrica, disciplinou o regime das concessões de serviços públicos de energia elétrica e deu outras providências, estabelecendo em seu artigo 2º que ela (ANEEL) deverá:

... regular e fiscalizar a produção, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica, em conformidade com as políticas e diretrizes do governo federal. (grifo nosso)

Logo, mais uma vez a União reconheceu e assumiu a responsabilidade de fiscalizar a produção, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica, através de um órgão criado especificamente para tal fim e com diretor-geral e os demais diretores sendo nomeados diretamente pelo Presidente da República, como dispõe seu artigo 5º. Mesmo assim, sem que medidas efetivas para reverter o quadro de desequilíbrio entre demanda e capacidade de fornecimento fossem tomadas, a situação agravou-se até o estágio atual, obrigando o Presidente da República, através da Medida Provisória nº 2.147 de 15 de maio de 2001, a criar a GCE, Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica, além de um conselho de governo, estabelecendo diretrizes para programas de enfrentamento da crise de energia elétrica, cujo artigo 1º estabelece:

Fica criada e instalada a Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica - GCE com o objetivo de propor e implementar medidas de natureza emergencial para compatibilizar a demanda e a oferta de energia elétrica, de forma a evitar interrupções intempestivas ou imprevistas do suprimento de energia elétrica. (grifo nosso)

Em seu artigo 2º, a União lhe concede poderes especiais, entre os quais destacamos:

I - estabelecer e gerenciar o Programa Emergencial de Redução do Consumo de Energia Elétrica;

...

V - propor o reconhecimento de situação de calamidade pública;

VI - estabelecer limites de uso de energia elétrica;

VII - estabelecer medidas compulsórias de redução do consumo de energia elétrica; (grifo nosso)

Vê-se que, claramente, tenta-se dar a situação, um contorno de fato emergencial e imprevisto quando, por tudo o que já foi demonstrado, não o é. É, ao contrário, uma situação que acarretará grandes prejuízos financeiros ao país, pessoas físicas e jurídicas, além de ameaças até mesmo a segurança pública, causada principalmente por incapacidade administrativa do Governo Federal que, por este motivo, será em última instância, responsável por sua omissão, devendo ser acionado com base no disposto em nosso Código Civil, artigo 159, ressalvado que, neste caso, os consumidores e usuários de serviços públicos devem acionar estas pessoas jurídicas, sejam elas de direito público ou de direito privado e estas, acionaram a União, em virtude de expressa determinação constitucional neste sentido, prevista no artigo 37, parágrafo 6º.


SEÇÃO III

Ainda sobre o caráter de continuidade do serviço público e a distribuição de energia elétrica em função da proteção aos consumidores, a ANEEL, utilizando dos poderes outorgados, baixou a Resolução nº 024 em 27 de janeiro de 2000, onde estabelece as normas para interrupções no serviço, prazos prévios para sua comunicação aos consumidores e, em 29 de novembro de 2000, a Resolução nº 456 (em anexo), através da qual estabeleceu, de forma atualizada e consolidada, as condições gerais do fornecimento de energia elétrica. A Resolução nº 456/2000 fixa em seus artigos 90 e 91, as hipóteses nas quais a concessionária poderá efetuar a suspensão do fornecimento de energia, entre as quais não é previsto o racionamento. Além disso, o artigo 95 diz que:

"A concessionária é responsável pela prestação de serviço adequado a todos os consumidores, satisfazendo as condições de regularidade, generalidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, modicidade das tarifas e cortesia no atendimento, assim como prestando informações para a defesa de interesses individuais e coletivos."

"Parágrafo Único: não se caracteriza como descontinuidade do serviço a suspensão do fornecimento efetuada nos termos dos artigos 90 e 91 desta resolução, tendo a vista a prevalência do interesse da coletividade" (grifo nosso)

Logo, a própria ANEEL não enquadra a hipótese de racionamento entre aquelas que justificariam a descontinuidade do serviço. Sobre a responsabilidade da concessionária perante os usuários e consumidores, aplica-se integralmente o disposto na Resolução nº 456/2000 que no seu artigo 101 diz:

"Na utilização do serviço público de energia elétrica fica assegurado ao consumidor, dentre outros, o direito de receber o ressarcimento dos danos que, porventura, lhe sejam causados em função do serviço concedido". (grifo nosso)

Ocorre que a própria Resolução nº 456/2000 diz em suas "Disposições Gerais", mais precisamente em seu artigo 117, diz que:

"Ocorrendo à restrição ou insuficiência dos meios para o atendimento aos consumidores, nos termos do Decreto nº 93.901 de 09 de janeiro de 1987, as condições estabelecidas nesta Resolução poderão, a critério da ANEEL, ser suspensas parcial ou integralmente, enquanto persistir a limitação." (grifo nosso)

Porém, o Decreto nº 93.901 de 09 de janeiro de 1987, que dispõe sobre o estabelecimento de medidas e procedimentos, relativos ao racionamento de energia elétrica, exige o emprego de uma ordem específica para o corte no fornecimento, que deverá ser observada nos seguintes termos:

Art. 4° A execução do racionamento de energia elétrica deverá obedecer à seguinte ordem de prioridade:

1ª) utilização supérflua;

2ª) iluminação pública;

3ª) poder público, não compreendidos os serviços públicos essenciais;

4ª) residência;

5ª) comércio e serviço;

6ª) indústria e classe rural;

7ª) transporte e comunicações;

8ª) instalações militares;

9ª) estabelecimentos hospitalares;

10ª) serviços essenciais. (grifo nosso)

Logo, nos moldes que a lei exige, não se pode aceitar o desligamento puro e simples da energia de toda uma região ou blocos de região, como vem sendo proposto pelas concessionárias, sob orientação do Poder Público. Em Direito, as normas não contém palavras inúteis, ou seja, se há uma ordem esta deve ser seguida em toda a sua extensão, não havendo a possibilidade de se cortar, no presente caso, a energia do comércio ou indústria, por exemplo, antes de se esgotarem os cortes em utilização supérflua, iluminação pública, Poder Público (serviços não essenciais) e residências. Assim, do modo em que se propõe o corte no fornecimento de energia elétrica, ele é ILEGAL e não pode ser aceito.


SEÇÃO IV

Pelo princípio da eventualidade, imaginando ser necessária a discussão de matéria constitucional em sede de recurso, a AUTORA pré-questiona o que segue: em obediência à vontade do legislador constitucional, evidenciada no artigo 175 da Constituição Federal, a omissão do Poder Público em antever e garantir meios adequados ao suprimento da demanda por energia elétrica, feriu a sua incumbência de prestar este serviço à sociedade, devendo pois, ser obrigado, através das concessionárias destes serviços a mantê-los ou, na impossibilidade, indenizar pelos danos, conforme os seguintes artigos da Carta Magna:

Art. 175. - Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. (grifo nosso)

Art.37 -As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. (grifo nosso)


SEÇÃO V

Dos fatos expostos, percebe-se que houveram indícios suficientes de que o sistema energético brasileiro, conforme conhecimento anterior dos órgãos responsáveis e do Governo Federal, encaminhava-se para um ponto de estrangulamento e nada foi feito. A situação que hoje vivemos sempre foi, então, previsível, evitável e desnecessária, obrando o Poder Público com inarredável culpa pelo atual iminência de colapso energético.

Em razão dos argumentos jurídicos sobre a concessão dos serviços públicos e das garantias legais e constitucionais que devem ser observadas, não há dúvida de que as concessionárias causarão prejuízos aos usuários e consumidores de energia elétrica com os cortes previstos, prejuízos muitas vezes irreparáveis. Também ficou claro a responsabilidade objetiva das concessionárias para com os usuários e consumidores pelos seus atos e prejuízos que eventualmente dêem causa e, além disso, que o sistema de racionamento deve seguir uma forma pré-ordenada, sob pena de considerarem-se ilegais os cortes que contrariem esta ordem legal definida. Porém, evidencia-se que, mesmo seguindo a ordem, os prejuízos deverão ser ressarcidos aos usuários e consumidores, uma vez que o Poder Público, ao qual responde a concessionária, obrou com culpa pelo problema que levará ao corte no fornecimento.

Os autores, em particular, demonstraram a necessidade do pedido ora formulado, em razão do caráter irreversível dos danos que podem vir a sofrer com os cortes de energia elétrica aos seus equipamentos, uma vez que o serviço que presta tem caráter de imediatidade, não podendo ser interrompido ou reposto.


SEÇÃO VI

De acordo com o Dr. José Roberto Spoldari, a ação cominatória, hoje, está disciplinada pelo artigo 461 do Código de Processo Civil, na redação da Lei 8.952/94. Por conseguinte, no dizer de Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, "A ação prevista no Código de Processo Civil, artigo 461 é condenatória e, portanto, de conhecimento. Nada obstante, tem eficácia executivo-mandamental, pois abre ensejo à antecipação da tutela (artigo 461, parágrafo 3º), vale dizer, autoriza a emissão de mandado para execução específica e provisória da tutela de mérito ou de seus efeitos".

Esclarecem, ainda, que "Agora, portanto, a regra do direito privado brasileiro – civil, comercial, do consumidor - quanto ao descumprimento da obrigação de fazer ou não fazer é da execução específica, sendo exceção à resolução em perdas e danos. Trata-se de regra mista, de direito material e de direito processual, inserida no Código de Processo Civil. Lei federal que é, o Código de Processo Civil pode conter normas de direito processual e de direito material. Assim como existem regras de direito processual no Código Civil (e.g. artigos 136, 178, 363, 366, 623 II, 1116 e outros), no Código de Processo Civil também há dispositivos reguladores de direito material, notadamente nas ações que se processual por procedimento especial (ação possessória, consignação em pagamento, usucapião, depósito etc.). O caso no Código de Processo Civil, artigo 461 é um desses, já que nele existem regras materiais e processuais ao mesmo tempo (Código de Processo Civil Comentado, 3ª edição, Ed. RT, notas 2 e 6 ao artigo 461).

De outro lado, como esclarece o conceituado Desembargador Kazuo Watanabe, "O legislador de 1994 (Lei nº 8952), em vez de ação especial, preferiu criar um provimento especial de processo de conhecimento para a tutela das obrigações de fazer ou não fazer. Embora aluda simplesmente a "obrigação de fazer ou não fazer", o artigo 461 tutela não só a obrigação negocial como também o dever decorrente de lei" ( Reforma do Código de Processo Civil, coordenação do Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, Saraiva, 1996, págs.43/47). Acrescenta que "tutela específica das obrigações de não fazer pode ser obtida por demandas repressivas e também através de demandas preventivas (...)". Valeu-se o legislador, no artigo 461, da conjugação de vários tipos de provimento, especialmente do mandamental e do executivo lato sensu, para conferir a maior efetividade possível à tutela das obrigações de fazer ou não fazer".

Tem-se, pois, que o disposto no artigo 461 do Código de Processo Civil cuida não somente de obrigações de fazer ou não fazer de origem negocial, como também de deveres legais de abstenção, tolerância, permissão ou prática de fato ou ato. O mesmo Desembargador Watanabe esclarece que "As obrigações de não fazer, como bem observa Barbosa Moreira, podem consistir em a) não fazer; b) tolerar(não oferecer resistência); c) permitir; d) abster-se. A violação dessa espécie de obrigação pode consistir em ato instantâneo ou em atos sucessivos ou ainda em violação de caráter permanente. O Capítulo III do Livro II cogitou apenas de violação por ato instantâneo. Fala, assim, em desfazimento do ato ou em perdas e danos, não sendo possível o desfazimento do ato (artigos 642 e 643). Ocorre, no entanto, que há violações que são permanentes (v.g. uso indevido do nome comercial) e que podem ensejar a tutela específica consistente em cessação da violação. E as violações sucessivas (v.g. repetidas exibições de uma peça em violação do direito de alguém), hipótese em que, relativamente às exibições futuras, é possível cogitar-se de tutela específica da obrigação de não fazer. Bem se percebe, assim, que tutela específica das obrigações de não fazer podem ser obtidas por demandas repressivas e também através de demandas preventivas. Estas, por prevenirem a violação são mais eficazes. Igualmente em relação às demandas preventivas, os provimentos mandamental e executivo latu sensu têm particular importância, na conformidade do que ficou acima exposto".

Acrescenta, ainda, que "A execução específica ou a obtenção do resultado prático correspondente à obrigação pode ser alcançado através do provimento mandamental ou do provimento executivo lato sensu ou da conjugação de ambos. Através do provimento mandamental, que deve ser cumprida sob pena de configuração de crime de desobediência, portanto mediante imposição de medida coercitiva indireta. Isto, evidentemente, sem prejuízo da execução específica, que pode ser alcançada através de meios de atuação que sejam adequados e juridicamente possíveis, e que não se limitam ao pobre elenco que tem sido admitido pela doutrina dominante. E aqui entra a conjugação do provimento mandamental com o provimento executivo lato sensu, permitindo este último que os atos de execução do comando judicial sejam postos em prática no próprio processo de conhecimento, sem necessidade de ação autônoma".

Assevera que dentre os vários meios de execução possíveis, as medidas de sub-rogação de uma obrigação em outra de tipo diferente são bastante eficazes, pois "Bem se percebe que não estamos falando de sub-rogação comum, que é a conversão da obrigação de fazer ou não fazer descumprida em perdas e danos. E sim de sub-rogação propiciadora da execução específica da obrigação de fazer e não fazer ou obtenção do resultado prático-jurídico equivalente". Exemplificando, lembra o dever legal de não poluir (obrigação de não fazer). Descumprida, poderá a obrigação de não fazer ser sub-rogada em obrigação de fazer (v.g. colocação de filtro, construção de um sistema de tratamento de efluente etc...) e, descumprida esta obrigação sub-rogada de fazer poderá ela ser novamente convertida desta feita em outra de não fazer, como cessar a atividade nociva. A execução desta última poderá ser alcançada coercitivamente, inclusive através de atos executivos determinados pelo Juiz e atuados por seus auxiliares, inclusive com a requisição, se necessário, de força policial (parágrafo 3º do artigo 461).

Já Candido Dinamarco, em seu conhecido "A reforma do Código de Processo Civil", esclarece que o artigo 461 do Código de Processo Civil é oriundo do Código de Defesa do Consumidor e "deve ser interpretado em sistema com o artigo 83 daquele, segundo o qual (mutatis mutandis), todas as espécies de ações são admissíveis, para a tutela jurisdicional nas obrigações de fazer e não fazer". Assim, falar "em todas as espécies de ações significa incluir as espécies de tutela que se obtém no processo de conhecimento (constitutiva, condenatória ou meramente declaratória) e também a tutela executiva e a cautelar". Esclarece que o caput do artigo 461 foi redigido com vista ao processo de conhecimento, tanto que dita regras para o conteúdo da sentença que julgar procedente o pedido. Entende-se que se tratará de sentença condenatória, constitutiva ou meramente declaratória. E, "Conceder a tutela específica em sentença significa constituir ou desconstituir uma situação jurídica, segundo os desígnios do direito material, ou condenar o demandado a fazer ou não fazer a que estava obrigado (segundo os critérios acima: violação a proibições ou a comandos positivos). O objetivo é sempre a obtenção do resultado prático que deveria ter sido produzido mediante o adimplemento, ou seja, mediante a conduta do obrigado. As atividades jurisdicionais, nesses casos, são substitutivas do adimplemento e, na medida do possível, buscam realizar situações finais desejadas pela ordem jurídica. A chamada tutela condenatória não tem, por sí só, capacidade de oferecer ao titular de direitos o resultado que ele veio a juízo buscar. Toda condenação só produzirá efeitos se acatada pelo obrigado mediante adimplemento superveniente ou se efetivada mediante as atividades inerentes ao processo de execução. Em vista disso é que, para a efetivação dos resultados práticos ditados em sentença, os parágrafos do artigo 461 dispõe uma série de medidas de apoio a esta, seja motivar o obrigado (multas), seja para remover coercitivamente a resistência oposta (v. parágrafo 5º)." ( pags.152/153)


SEÇÃO VII

Em face ao exposto, com base dos artigos 273, Inciso I e 461 do Código de Processo Civil, requer:

1. Que seja LIMINARMENTE determinado que a RÉ NÃO REALIZE corte no fornecimento de energia elétrica a AUTORA a partir de 1º de junho, ainda que sob determinação do Governo Federal, visto que os danos deste ato, se houverem, serão irreversíveis e que seja estabelecida multa diária pelo descumprimento de ordem judicial que impeça o corte;

2. Que esta condenação LIMINAR seja confirmada posteriormente por Sentença;

3. Caso a RÉ com ou sem a antecipação da tutela, efetue cortes no fornecimento de energia, que seja obrigada a ressarcir a AUTORA pelos prejuízos decorrentes desta atitude, com base em apuração dos prejuízos apurados posteriormente em relação ao tempo e extensão dos cortes efetuados;

4. Que seja estabelecida multa diária pelo descumprimento de ordem judicial que impeça o corte.

Dá-se a causa, para efeitos de alçada, o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil Reais).

Protesta provar o alegado por todos os meios de provas permitidos e, especialmente, por depoimento pessoal da RÉ, por seu representante legal, o que desde já, requer.

Taubaté, 17 de maio de 2001


Notas

1. Matéria "Governo confirma cortes a partir de 1º de junho" – Jornal Folha de São Paulo on-line (https://www.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u21175.shl)

2. Matéria "Eletropaulo vai propor apagões em sistema de rodízio" – Jornal Folha de São Paulo on-line (https://www.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u21733.shl)

3. https://www.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u18470.shl

4. https://www.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u21783.shl

5. Matéria "FHC investiu menos do que Collor e Itamar em energia" – Jornal Folha de São Paulo on-line (https://www.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u21301.shl)

6. Reportagem "O país no escuro", edição nº 156, páginas 82-94. Na Internet: https://epoca.globo.com/semanal/_materias/brasil9a.htm

7. Matéria "Chuva pode não ser culpada por crise" – Jornal Folha de São Paulo on-line (https://www.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u18491.shl)

8. Definição de Deocleciano Torrieri Guimarães in "Dicionário Técnico Jurídico", editora Rideel, 1995.

9. Definição de Marcus Cláudio Acquaviva in "Dicionário Jurídico Brasileiro Acquaviva", editora Jurídica Brasileira, 1993.

10. Definição de Deocleciano Torrieri Guimarães in "Dicionário Técnico Jurídico", editora Rideel, 1995.

11. Definição de Marcus Cláudio Acquaviva in "Dicionário Jurídico Brasileiro Acquaviva", editora Jurídica Brasileira, 1993.

12. Hely Lopes Meirelles in "Direito Administrativo Brasileiro", 23ª Edição, editora Malheiros.

13. Reportagem "O país no escuro", edição nº 156, páginas 82-94. Na Internet: https://epoca.globo.com/semanal/_materias/brasil9a.htm



Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GONÇALVES, Sérgio; LOPES, Rogério et al. Primeira ação contra o apagão, em Taubaté (SP): petição indeferida. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. -822, 1 abr. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16417. Acesso em: 19 abr. 2024.