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Breve análise sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente

Breve análise sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente

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1. Anotações sobre a Lei nº 8.069/90

O Século XVIII trouxe à civilização importantes conquistas. No campo tecnológico, iniciou-se a Revolução Industrial, e, com ela, o capitalismo tomou um notável impulso. No campo político, as chamadas "Grandes Revoluções" firmaram os ideais do Iluminismo como diretrizes de construção dos Estados Modernos.

No Direito Penal, os princípios iluministas deram origem à Escola Clássica, que entendia o ser humano dotado de livre arbítrio, devendo ser punido em razão dos atos que escolheu praticar, sempre na proporção do mal que causara à sociedade. Para que houvesse punição, era preciso que o delito fosse anteriormente previsto em lei, e que ao acusado fossem dadas as garantias do devido processo legal, dessa forma legalidade e proporcionalidade constituíram-se como os princípios fundamentais dessa nova era.

Nesta época, crianças e adolescentes eram submetidas às mesmas regras dos adultos para o julgamento e punição dos delitos praticados. Havia apenas uma idade mínima para submeter-se ao castigo (em geral por volta dos nove anos), mas o cumprimento da pena, dava-se nos mesmos locais dos adultos.

O Século XIX assistiu ao triunfar do positivismo científico, que, no Direito Penal, trouxe a visão do criminoso como um doente social, fruto da sua constituição biológica (fatores endógenos) e do meio em que vivia (fatores exógenos), e o crime era apenas o efeito (reflexo) dessas causas. Logo, a punição do indivíduo não seria regulada pela gravidade do ato – já que não o controlava – mas sim pela necessidade de tratamento do paciente.

Chegou-se ao extremo de se admitir que um indivíduo fosse submetido à pena sem que houvesse cometido qualquer delito, desde que apresentasse características típicas do criminoso.

O que refreou o impulso positivista foi a importância política do princípio da legalidade penal e seus corolários (anterioridade e tipicidade), sendo consenso de que não pode existir democracia sem que o direito de punir do Estado tenha tais limitações.A derrota do nazismo e do fascismo enterrou de vez a possibilidade de submeter alguém à privação de liberdade sem que haja praticado um delito (pelo menos em tese, pois sabemos que, hoje, tem-se centenas de pessoas presas injustamente, devido à desorganização do sistema judiciário, mas esta é uma outra questão que será abordada oportunamente).

Mas se isso funcionou para os adultos, as crianças e adolescentes teriam um tratamento diferente.

O antigo "Direito do Menor", elaborado a partir das experiências dos chamados Tribunais dos Menores, tinha por função exercer o controle sobre determinados grupos de crianças e adolescentes, excluídos do processo de produção capitalista. A utilização do Direito Penal propriamente dito contra esses grupos, apresentava alguns empecilhos(1). Em primeiro lugar, as crianças e adolescentes excluídos, embora incomodassem a sociedade, nem sempre praticavam atos que podiam ser considerados criminosos, como, por exemplo, perambular pelas ruas.

Um caminho possível para privar tais pessoas de sua liberdade e, conseqüentemente, "limpar as vistas" da classe mais favorecida, seria criar tipos penais que proibissem tais condutas. Mas aí surgia outro porém: para privar alguém da liberdade, em razão da prática de delito, era necessário garantir o devido processo legal, inclusive com ampla defesa através de profissional habilitado, etc. Isso demandava tempo e trabalho...

Não sendo possível alterar-se a essência das medidas a serem aplicadas, especialmente a privação de liberdade, a solução encontrada foi mudar os nomes dados a essas medidas. Desta forma, o julgamento virou tutela e a prisão virou internamento.

Para operacionalizar esses conceitos, foram utilizados dois institutos jurídicos: a menoridade e a situação irregular. Assim, o menor em situação irregular passaria à égide do Juiz de Menores, que, em seu "favor", aplicar-lhe-ia as medidas para sua "proteção". O menor, assim, não era julgado, mas tutelado; não era condenado, mas sim protegido e não era preso, mas internado. Não se admitia que o menor fosse estigmatizado pela sentença penal, assim, exorcizava-se o juízo criminal pelos aspectos retributivo e punitivo, mas encaminhavam-se crianças e adolescentes a celas iguais às da pior carceragem, sem garantir um dos mais elementares dos direitos: o devido processo legal. Garantias como tipicidade, antijuridicidade, culpabilidade, presunção de inocência eram ignoradas, tudo em nome do superior interesse do menor.

Até o Ministério Público quando pleiteava "internação" como resposta pela prática de atos delinquenciais, rotulados de "desvios de conduta", estava "defendendo"os interesses do menor.

A despeito de atentarem contra a inteligência, tais conceitos perduraram em nosso direito por quase um século, e ainda constituem a base da legislação menorista em inúmeros países. Em virtude disso, as Nações Unidas promoveram amplas discussões sobre o tema e editaram, através de convenções subscritas e ratificadas por quase todos os seus integrantes, uma extensa normativa internacional.

No Brasil, o Código de Menores, que foi substituído pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, data de 1979, justamente quando foi comemorado o Ano Internacional da Criança, com grandes promessas de melhor proteção ao menor carente, abandonado e infrator(2).

Deflagrou-se, a partir daí, um grande movimento político, reunindo pessoas das mais diversas áreas do conhecimento, e que resultou na aprovação, pela Assembléia Constituinte, dos arts. 227 e 228 da Constituição Federal, e, posteriormente, pelo Congresso Nacional, da Lei nº 8.069/90 – o nosso Estatuto da Criança e do Adolescente.

O novo sistema se restringe aos limites do Estado Democrático de Direito, onde as decisões judiciais para terem validade, carecem do pressuposto da fundamentação, onde os operadores têm papéis definidos: Juiz é o experto em Direito que julga de acordo com a hermenêutica; o Ministério Público, o titular das ações necessárias à defesa dos interesses da sociedade e dos incapazes e, o advogado, o representante (junto com o Ministério Público) e defensor de direitos, que atua, como os demais, na constituição do devido processo legal.

O Estatuto da Criança e do Adolescente ("nova esperança" (3)) trasladou as garantias do Direito Penal, propiciando como resposta à delinqüência juvenil, em vez da severidade das penas criminais, medidas predominantemente pedagógicas.


2. O papel do Ministério Público no E.C.A. – Críticas

O Ministério Público, instituição da qual fazem parte os Promotores e os Procuradores de Justiça, é essencial à função jurisdicional do Estado e a ele incumbe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. É o que está escrito no artigo 127 da Constituição Federal.

Ao Promotor de Justiça, entre outras atribuições, compete zelar pelo efetivo respeito aos direitos e garantias legais assegurados à criança e ao adolescente, atuando em todos os casos em que houver necessidade de defesa desses interesses, bem como nos casos em que se atribui ao adolescente a prática de ato infracional. Sim, porque não é verdade o que se costuma dizer no sentido de que nada acontece ao adolescente autor de ato infracional.

O adolescente que pratica ato infracional é apresentado ao Promotor de Justiça que pode, dependendo da hipótese, promover o arquivamento dos autos, conceder a remissão ou representá-lo ao Juiz para aplicação de medida sócio-educativa. Essa representação dará início ao processo, no qual o adolescente poderá se defender e será sempre representado por advogado. Ao final, ao jovem poderá ser aplicada medida de proteção ou sócio-educativa.

Entretanto, apesar de reconhecida a grandeza do Ministério Público e a sua importância, encontra-se, não raro, alguns comportamentos funcionais intoleráveis para quem exerce uma parcela da soberania estatal(4).

Nenhum problema há com um escritor, professor ou ator, que não tenha compromisso com a realização da justiça, não é sua função, porém tal característica é incompatível com quem exerce qualquer função pública, notadamente quando revestida do poder de influir no destino das pessoas, ou melhor, no destino das pessoas que legitimam os "operadores" das leis a trabalharem em seu benefício.

Já dizia o Ministro Luis Vicente Cernicchiaro que, "o Direito é o trânsito para concretizar o justo". De fato, é afirmado que os juristas, de uma forma geral, constituem uma elite intelectual, supostamente habilitada a encontrar ou apontar a solução justa para todo conflito. O que se vê é tal inteligência, muitas vezes, servindo como um mero produto de raciocínio lógico e matemático, despido de qualquer avaliação crítica e valorativa do caso concreto. Às vezes, culpa-se o legislador pelas suas falhas e lacunas, como se a lei não admitisse múltiplas interpretações.

Assim o é na aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente. Muitas vezes, aqueles que deveriam fiscalizar e aplicar o que dispõe este diploma legal, simplesmente se esquecem da sua finalidade, qual seja a garantia de todos os direitos fundamentais e sociais, principalmente de proteção, decorrência de se encontrarem (os sujeitos daquela lei) na posição de pessoas em desenvolvimento e, ainda, qual o caráter das medidas (sócio-educativas e de proteção) ali previstas – essencialmente pedagógicas e construtivas.

Agindo assim, não fiscalizam os estabelecimentos onde estas crianças e adolescentes ficam internados, quando é o caso de internação (é só assistir à televisão e perceber que quase toda semana há rebeliões nos "estabelecimentos destinados à recuperação" dos menores infratores), não atentando para o fato de que esses jovens lá estão para se tornarem pessoas melhores e se desenvolverem de acordo com as regras da sociedade (que muitas vezes nem são tão justas como querem aparentar); não se preocupam com o destino daquele "cheira-cola" que é posto novamente no convívio da família, muitas vezes problemática, o que se constata pelas estatísticas, sendo ela (a família) um dos maiores fatores que levam esses jovens a permanecerem nas ruas.

Abre-se o olho quando o fato ilícito é atribuído aos adolescentes, principalmente depois do advento do ECA - posto que se criou o mito da impunidade devido às regras protecionistas que lhe formam o conteúdo -, mas fecha quando o agente da ilicitude é o poder público que não cumpre a lei; familiares negligentes e adultos corruptores.

O Ministério Público, como defensor desses interesses, tem uma verdadeira arma poderosa – o ECA – para realizar e fazer cumprir todas as normas ali presentes. A lei está feita e é muito boa, o que falta é o compromisso, de muitos, com a sua realização, em todos os seus termos e condições.


3. Das Medidas de Proteção

          A partir do artigo 98 da Lei nº 8.069/90 (ECA) são estabelecidas medidas de proteção à criança e ao adolescente, quando estes tiverem direitos reconhecidos na Lei ameaçados ou violados, tais medidas escalonam os menores em três categorias: os carentes ou em situação irregular, os menores vítimas e aqueles que praticam atos infracionais.

As medidas de proteção à criança e adolescente são genéricas e específicas.

As genéricas decorrem da ação ou omissão da sociedade ou do Estado, da falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável, e da conduta do menor, com a finalidade de protegê-lo.

As específicas estão previstas no art. 101, incisos I a VIII, e serão determinadas pela autoridade competente.

O primeiro caso previsto pelo art. 98 é daquelas crianças ou adolescentes que têm seus direitos violados/ameaçados por ação ou omissão da sociedade ou do Estado, tratando basicamente dos menores carentes.

O Juiz de Menores de Brasília, Prof. José Manuel Coelho, conceitua esta categoria como "aqueles que são pobres, porque pobres são os seus pais", podendo, por isso, serem abandonados por conta da indigência dos pais, que os inabilita para o exercício do pátrio poder.

Muitos desses menores que se tornam mendigos, no sentido exato da palavra, assim o são por falta de melhores condições materiais e até emocionais de seus pais. Estes menores "abandonados" à própria sorte, problema que não é só deles, mas de todas as nações, tornam-se "perigosos vadios", encontrando nas ruas todos os "ensinamentos" necessários para se tornarem elementos negativos e maginalizados.

Antônio Chaves(5), em seu livro, mostra as estatísticas desastrosas destas afirmações: cerca de 20 milhões em todo o Brasil, 7 milhões só em São Paulo, o menor carente apresenta uma parcela de 17% da população. Só isso já seria mais do que suficiente para que o problema fosse encarado com maior seriedade e preocupação.

Ressalte-se, ainda, a enorme confusão que se faz entre menor carente e menor delinqüente, esclarecendo que tal fato contribui ainda mais para a descriminação e estigmatizarão desses jovens.

O mesmo autor se questiona a respeito do futuro das nações que não dão a devida importância aos problemas de suas crianças, justamente o segmento da população responsável por esse futuro. E conclui profetizando que, se nada mudar, nossos filhos e netos vão pagar uma conta muita cara pela nossa omissão.

O segundo caso previsto pelo referido artigo diz respeito aos menores vítimas dos pais ou responsáveis, seja pela falta, omissão ou abuso.

Como já foi dito anteriormente, muitas vezes os próprios pais ou responsáveis também são vítimas, fazendo, por conseqüência, de seus filhos, vítimas como eles.

É notório o fato de que a maior parte da violência e dos maus tratos contra crianças, são cometidos por aquelas famílias de menor condição social. Na maior parte das vezes, não há estrutura familiar estabelecida e, quando há, é formada de pessoas desequilibradas moral e emocionalmente, pois como já dizia o mestre Tobias Barreto: " A dor da fome é maior do que a dor moral". Dessa forma, a criança se desenvolve em ambiente pouco propício à honestidade e ao discernimento.

Utilizando a mesma linha de raciocínio, observamos que a última categoria abordada pelo artigo em tela, é a dos menores infratores. Ora, se o menor vive numa sociedade profundamente desumana e injusta, como exigir que ele não delinqua e tenha comportamento louvável? Como já dizia Tobias Barreto...

Ninguém nasce menor infrator. Para se chegar à delinqüência, passa-se pelo abandono e vai dos pequenos furtos até o latrocínio.

É por essas e outras reflexões, que o Estatuto se propõe a estabelecer medidas de proteção de caráter, essencialmente, pedagógico, levando em consideração a peculiaridade dos sujeitos-objetos das mesmas.

O art. 101 da Lei, determina que são medidas de proteção:

          I. Encaminhamento aos pais ou responsáveis à não se trata de mero documento burocrático, tendo em vista que as diretrizes são traçadas por uma equipe interdisciplinar. Aconselha-se dar preferência a essa medida, porque ela permite que o menor permaneça em seu meio natural, junto à família e na sociedade, desde que este não seja prejudicial à sua educação e desenvolvimento de sua personalidade.

A concessão da medida está condicionada ao estudo social do caso, em que se verifique a preponderância de fatores positivos em prol da permanência do menor no lar, devendo-se atentar para a ausência de situações perigosas, bem como a certeza de que os pais são capazes de satisfazer as necessidades básicas do filho.

          II. Orientação, Apoio e Acompanhamento Temporário à esta medida está implícita na primeira, o encaminhamento aos pais. Pode ocorrer tanto na família, como em estabelecimentos de educação ou aprendizagem profissional. Isto porque se sabe que nem sempre a família, instituição primeira e mais importante na formação da personalidade, está apta a oferecer condições a um perfeito desenvolvimento educacional, moral e físico ao menor, sendo que, situações de risco como a falta de investimento afetivo por parte dos pais, a sua ausência, a rejeição do filho, são casos nos quais se encontram em perigo a sua segurança, saúde e formação moral.

          III. Matrícula e Freqüência Obrigatória em Estabelecimento de Ensino Fundamental à a matrícula e freqüência em estabelecimento fundamental caracterizam-se como medida de higiene social, porque previne o analfabetismo e a marginalidade. Tal medida tem em vista o fato de que, muitos atribuem à má educação ou à falência da escola, a crescente criminalidade, defendendo a tese de que a escola é um dos meios de socialização, e o seu fracasso responderá por muitos casos de delinqüência.

De fato, a escola é o primeiro sistema oficial da sociedade com o qual o menor toma contato; através dela fará o conceito positivo ou negativo da sociedade. Entretanto, é também na escola que o menor verifica pela primeira vez se é igual ou diferente dos outros e, se essa diferença é natural ou criada pela estratificação social, gerando, daí, um complexo de inferioridade.

Sob esse prisma, a escola pode até vir a ser a fonte de um conflito cultural, causando um comportamento anti-social, reação à inferioridade. Dessa forma, a escola deve ter muito cuidado em não acentuar esse tipo de diferença, mas tão-somente aquilo que houver em comum.

          IV. Programa Comunitário à o art. 101, incisos IV e VI, prevê dois tipos de programa comunitário: um de auxílio à família e ao menor e outro de tratamento a alcoólatras e toxicômanos.

Trata-se de instrumento eficaz da comunidade, através do qual se efetiva a participação ativa da sociedade com o Estado na execução da política social de proteção à infância e à adolescência.

          V. Tratamento Médico, Psicológico ou Psiquiátrico à o tratamento tutelar, sob o enfoque médico, psicológico e psiquiátrico, é específico das medidas sócio-educativas, por se tratar de um tipo de internação provisória, visando à saúde do menor. Na aplicação desta medida, o órgão responsável terá que se certificar da eficácia e cumprimento da mesma e das condições do serviço a ser prestado, posto que se assim não o for, ter-se –ia um retrocesso ao eufemismo do antigo Código de Menores: internação para fins meramente paliativos, sem finalidade nenhuma.

          VI. Orientação e Tratamento a Alcoólatras e Toxicômanos à no caso em tela, prefere-se o tratamento ambulatorial, pois está comprovada a nocividade da instituição psiquiátrica.

O legislador teve essa preocupação porque está comprovada a correlação entre alcoolismo e criminalidade, encarando o mesmo como uma enfermidade psíquica, tratando-se, portanto, de uma patologia e, assim, devendo ser tratada como tal.

O alcoólatra é uma pessoa dependente e, por isso, deve ser tratado como tal, necessitando de apoio psicológico e ambulatorial por um longo período.

O álcool ou a droga não é causa de criminalidade somente quando se está sob seus efeitos, mas a própria abstinência pode levar ao crime, tendo em vista as reações orgânico-fisiológicas que acarreta. Ressalte-se, ainda, que num meio desequilibrado é muito difícil se libertar do vício, provando-se, assim, a necessidade de verdadeiro apoio e tratamento.

          VII/VIII . Abrigo em Entidade/Colocação em Família Substituta à o abrigo é medida provisória e excepcional, caracterizando-se como fase de transição ou preparação para a sociedade (colocação em família substituta). Trata-se de medida inconveniente e contra-indicada para a formação da personalidade do menor. Entretanto, é um mal necessário e provisório, posto que na maioria das vezes, quando se determina a colocação do menor em família substituta, é porque a família natural realmente não tinha condições de educar e manter o menor. Ressaltando que, o menor só deve ser internado em último caso.


4. Das Medidas Sócio-Educativas

As medidas sócio-educativas destinam-se ao menor "delinqüente". Entretanto, as medidas de proteção também são medidas sócio-educativas, sendo que o que distingue as duas espécies é que as primeiras são aplicadas pelo Conselho Tutelar, enquanto que as segundas pelo Juiz de Menores.

São modalidades do tratamento tutelar: o institucional, o de semiliberdade (meio aberto) e o meio livre. Das medias do art.112, incluem-se em meio aberto a advertência, reparação do dano, prestação de serviços à comunidade; em regime meio aberto, as de inserção em regime aberto ; e como fechado, a de internação em estabelecimento educacional.

A advertência (art. 115) é a primeira medida judicial aplicada ao menor que delinqüe e, consiste numa entrevista do mesmo com o Juiz, tendo sentido essencialmente educativo. Não se trata de simples "conversa de rotina", tendo em vista que dela resultará um termo de advertência, no qual estarão contidos os deveres do menor e as obrigações do pai ou responsável, com vista a sua recuperação, sendo-lhe permitido permanecer em seu meio natural.

O art. 116 prevê a obrigação de reparar o dano, com finalidade essencialmente educativa, despertando e desenvolvendo o senso de responsabilidade do menor em face do que não lhe pertence. Entretanto, deve-se ter em vista que tal medida será muito pouco aplicada, porque a grande maioria de menores que praticam atos infracionais, é de famílias bem pobres e que não têm condições de reparar o dano que causaram. Para casos assim, o parágrafo único do citado artigo prevê a substituição dessa medida por outra adequada, ficando ao arbítrio do Juiz.

Uma alternativa que pode ser dada a esses casos é a prestação de serviços à comunidade, prevista pelo art. 117. Tal medida, ao meu ver, é das mais eficazes, pois ao se encontrar trabalhando (prestando serviços), o menor, sente-se útil e inserido dentro da sociedade (dos meios de produção), de forma que, em não ficando ocioso, não tem tempo para pensar na descriminação que recai em si próprio; ter contato com elementos perversos e corruptores, sem falar que está colaborando, de certa forma, para a melhoria de uma sociedade que não deixa de ser sua. Alguém já disse que o trabalho engrandece o homem.

Há casos de menores infratores que não comportam total liberdade de ação, sendo que, mesmo que permaneça em meio à sociedade, necessitam de maior fiscalização e acompanhamento. É o que prevê o art. 118, na liberdade assistida.

Aqui, o menor não é privado do convívio familiar o que é muito saudável (em alguns casos), sendo que sua liberdade e alguns de seus direitos são limitados, tendo em vista a reeducação e a não reincidência.

Sob o enfoque das ciências humanas, a liberdade assistida se caracteriza como modalidade de tratamento tutelar em meio livre, com prévio estudo médico-psicológico e social, elaboração do programa de tratamento e execução por pessoal especializado.

A liberdade assistida deve ser aplicada aos adolescentes reincidentes ou habituais na prática de infrações e que demonstrem tendência para reincidir, já que os primários devem ser apenas advertidos, com a entrega aos pais ou responsável.

Tal medida não comporta prazo máximo, devendo perdurar enquanto houver necessidade da assistência.

O art. 120 prevê o regime de semi-liberdade, ou melhor, dois regimes de semi-liberdade: o que é determinado desde o início, e o que representa a transição para o meio aberto.

No primeiro tipo, semi-liberdade propriamente dita, o menor passará da instituição para a liberdade. No segundo tipo, que é o semi-internato, o menor passa da liberdade para a instituição, onde o "menor" deveria passar o dia trabalhando externamente e só se recolher à noite ao estabelecimento.

A aplicação da medida de regime de semi-liberdade deve ser acompanhada de escolarização e profissionalização obrigatórias.

Convém salientar que, tal medida pressupõe casas especializadas e preparadas para o recebimento desses jovens e, infelizmente, não se dispõe dessas casas para o recolhimento dos jovens, como forma de transição para o regime aberto, que seria o da liberdade assistida.

Ora, não existem "prisões suficientes, casas de albergado, recolhimento de menores e abrigos de velhos, e demais prédios indispensáveis, previstos em diversas leis (...). Os próprios legisladores têm conhecimento de nossa realidade ao promulgarem determinada lei, mas assim mesmo a aprovam, conscientes de que não será devidamente cumprida, o que concorre para que seja desmoralizada, tornando-se inexeqüível" (6).

O problema está no fato de que nossos governantes sofrem pressões de todos os lados, de forma que têm de responder às reivindicações da população de alguma forma, sendo que a solução por eles encontrada é a edição de leis que muitas vezes não têm como serem cumpridas e não passam de letra morta(7).

A comunidade tem papel de relevância, na medida que cobra do Estado a execução correta das leis, porém nada terá sucesso se não houver verbas e recursos públicos, indispensáveis ao sucesso de qualquer programa assistencial.

4.1. A co-responsabilidade do Estado e da Sociedade frente à marginalidade

A criança, de uma forma geral, é credora de proteção integral em razão de sua condição de pessoa em desenvolvimento e necessita de prioridades, de proteção e socorro, no atendimento dos serviços públicos ou de relevância pública, na preferência da formulação e execução das políticas sociais públicas e destinação privilegiada de recursos.

Contudo, o que se vê são criança nas ruas, sem condição nenhuma de sobrevivência digna, desenvolvimento, saúde ou educação. Todos os dias presenciamos crianças e adolescentes perambulando pelas ruas, como verdadeiros mendigos e a nossa reação é de medo, na maioria das vezes, desprezo e até mesmo "asco".

Ressalte-se que o medo que sentimos, não é pelo que essas crianças irão se tornar no futuro(8) não muito distante, mas de sermos lesados em nosso patrimônio, pegarmos alguma doença, etc. Que visão pequena e egoísta!

De fato, a violência dentre os "pequenos" é muito comum e, é natural que temamos pela nossa integridade física. Entretanto, é absurdamente anormal a nossa condescendência, podia-se dizer até "criminosa", com a situação de inteiro abandono e miséria daqueles, repito, que são responsáveis pelo futuro de nossos filhos e netos.

O Estado é responsável pela política de bem-estar do menor, porém a sociedade tem que se conscientizar da sua co-responsabilidade, sob pena de malogro na realização dessa política social, que visa a resgatar a infância abandonada.

A co-responsabilidade da sociedade funda-se em sua própria culpa na "gênese" do abandono e marginalidade da infância, a começar pela falta de escrúpulos na escolha daqueles responsáveis pela feitura das leis de proteção ao menor, passando pela falta de cobrança destes mesmos indivíduos. Sim, porque que nós que somos alfabetizados e, na maioria das vezes, muito bem informados, temos a obrigação de reivindicar os direitos daqueles que não tiveram as mesmas chances que nós. É nosso dever moral contribuir com o mínimo para a construção de uma Nação, no sentido exato da palavra.

Ressalte-se, ainda que, muitas das vezes que crianças ou adolescentes delinqüem, tem um adulto como orientador e mentor desses "crimes". Dessa forma, criança e adolescentes = autores de delitos, são vítimas (quase sempre) da ação violenta e covarde de adultos , contudo a opinião pública é levada a olhar para essas vítimas como agentes exclusivos de violência.

A sociedade e o Estado agiriam mais "decentemente" se resolvessem ou, pelo menos, tentassem resolver este problema começando pela sua causa, pois se deveria agir "contra os adultos que corrompem crianças ao invés de continuá-las segregando, atribuindo-lhes a responsabilidade pela violência que as vitimiza".

4.2. A imputabilidade Penal x imputabilidade Estatutária

O Direito Penal encara o crime como uma violação das normas de comportamento estabelecidas no Código e leis complementares. Tais normas têm o objetivo de conceituar, reprimir e penalizar ações ou omissões anti-sociais.

A imputabilidade penal, normalmente de todos, não incide em duas hipóteses: em razão (exclusivamente) da idade (menos de dezoito anos) ou por ausência da capacidade de entender o caráter ilícito do fato e determinar-se segundo este entendimento.

O critério dos 18 anos é de política criminal, nada tem a ver com capacidade ou incapacidade de discernimento, ou seja, "admitir que a imputabilidade (penal-comum) aos 18 anos se baseia na falta de entendimento do caráter ilícito, anti-social ou reprovado dos crimes, implica comparar adolescentes a insanos mentais, o que nada tem de "coerente" (9).

Observe-se, assim, que a idade é critério adotado para melhor execução de política criminal, pois a criminologia concluiu resultar por demais danoso aos próprios fins de prevenção e repressão da criminalidade, submeter crianças e jovens ao sistema carcerário comum destinado aos adultos, sendo que isto não implica impunidade aos jovens, mas tão-somente que aos adolescentes (12 a 18 anos) não se pode imputar responsabilidade frente à legislação comum, mas pode-se atribuir responsabilidade com base nas normas do Estatuto, respondendo pelos delitos que praticarem e submetendo-se às medidas sócio-educativas (de caráter penal especial), que têm caráter pedagógico apresentando-se como respostas justas e adequadas, de boa política criminal, à prática de crimes por jovens.

Reconhece-se, não é de hoje, a falência dos sistemas penitenciários. A pena privativa de liberdade não reeduca, ressocializa ou cumpre qualquer das suas funções de reintegração do preso à sociedade, mas ao contrário, perverte, deforma e corrompe. Dessa forma, encaminhar jovens a tal sistema seria concorrer para o aumento e não diminuição da criminalidade.

Entretanto, não se conclua que as medidas sócio-educativas são brandas e flexíveis, posto que não configura a verdade. Tais medidas não deixam de ter o caráter sancionatório e retributivo das penas impostas pelo Código Penal. A diferença reside no caráter pedagógico das mesmas e na preocupação verdadeira de recuperação, ressocialização e reintegração do menor delinqüente na sociedade, utilizando-se, para isso, de alternativas outras que não somente a pena de prisão.

Isto posto, acreditamos na proposta oferecida pelo ECA como tentativa de melhorar a qualidade de vida nossa e, sobretudo desses pequenos cidadãos, que muitas vezes são tão vítimas quanto nós, seja por meio das medidas sucintamente expostas ou por meio de melhor fiscalização das leis, enfim o primeiro passo para uma solução já está dado, o resto depende de nós.


Notas

  1. NOGUEIRA, Paulo Lúcio, Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, p. 4.
  2. Expressão de Paulo Lúcio Nogueira, op. cit.
  3. A Quem Servimos?, Rogério Schietti Machado Cruz – Promotor de Justiça do MPDFT
  4. CHAVES, Antônio, Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente, p. 457.
  5. NOGUEIRA, Paulo Lúcio, op. cit., p. 187.
  6. Observe-se que, para tentar diminuir a criminalidade, em 1990 foi promulgada a Lei de Crimes Hediondos (Lei nº 8072/90), sendo que de lá para cá a violência só aumentou. Por quê? Porque não adianta fazer leis severas, aumentar a quantidade de crimes a serem previstos, etc., deve-se investir em prevenção, ou seja, colocar polícia na rua, fiscalizar, dar condições à sociedade para coibir a criminalidade, pois aumentar quantidade de pena não faz o delinqüente parar de delinqüir.
  7. Quem assistiu às manchetes de jornais há poucos dias atrás, pôde constatar o que acontece com crianças desprezadas que se tornam adultos revoltados, tendo em vista o caso do MENOR DE RUA SOBREVIVENTE DA CHACINA DA CANDELÁRIA que seqüestrou e matou uma jovem num ônibus no Rio de Janeiro.
  8. SILVA, Antônio Fernando do Amaral , Mandar jovens de 16 anos para o sistema carcerário vai resolver a questão da violência e criminalidade?, p. 2.


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MELO, Sírley Fabiann Cordeiro de Lima. Breve análise sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 45, 1 set. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1645. Acesso em: 20 abr. 2024.