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Limitação constitucional dos juros

análise judiciária e legislativa

Limitação constitucional dos juros: análise judiciária e legislativa

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Extenso e profundado estudo sobre a limitação constitucional dos juros, analisando jurisprudência do STF, doutrina e legislação, bem como os conceitos de juros reais e “spread”. Também aborda os temas da multa convencional, comissão de permanência e da inconstitucionalidade da Medida Provisória nº 2.170.

Estado do Acre

Poder Judiciário

Comarca de Rio Branco - AC - Primeira Vara Cível

PROC. N.º : 001.99.002525-0

AÇÃO : EMBARGOS DO DEVEDOR

AUTOR : GUILHERME NAIF CHALUB FILHO

ADVOGADOS : EDINILSON CRUZ NASCIMENTO e

CLARA RÚBIA ROQUE PINHEIRO

RÉU : BANCO DO BRASIL S.A.

ADVOGADOS: PEDRO RAPOSO BAUEB


Vistos etc.

, qualificado, interpôs os presentes Embargos do Devedor em face de BANCO DO BRASIL S.A., também qualificado, aduzindo, em síntese, o que adiante segue:


DA INICIAL (1)

1) Preliminarmente, requereu o Embargante a concessão dos benefícios da gratuidade processual nos termos do art.5º, inc. LXXIV, da Constituição Federal e da Lei nº1.060/50 por ser juridicamente pobre;

2) Alegou que em 19/06/94 adquiriu com o Banco, ora Embargado, um crédito de R$ 3.000,00 (três mil reais), com juros de 4,10% ao mês, a ser pago em onze prestações mensais no valor base de R$ 344,30 (trezentos e quarenta e quatro reais e trinta centavos), vencendo a primeira em 19/11/94, e que com o advento do Plano Real não teve condições de honrar o compromisso assumido;

3) Que, em razão desses fatos, renegociou por três vezes o débito contraído, tendo tais renegociações ocorrido em 08/08/95, 13/12/96 e 07/05/97, frisando ainda que as mesmas deram-se na forma de contratos de adesão, sendo-lhe impostas cláusulas abusivas nas quais os juros pactuados eram ilegais, assim como as multas contratuais, fatos que majoraram a dívida inicial, que passou de R$3.000,00 para o valor de R$ 104.612,41 (cento e quatro mil, seiscentos e doze reais e quarenta e um centavos), atualizado até fevereiro de 1999;

4) Relatou o Embargante que em função de pressão exercida por seu avalista para ser desonerado do vínculo contratual assumido, viu-se obrigado a hipotecar o único imóvel de que dispunha, sendo este o imóvel residencial familiar, local em que seu cônjuge exerce, inclusive, suas atividades comerciais no Salão de Beleza ali instalado. Informou que mesmo com a hipoteca do imóvel foi mantido o avalista como co-obrigado, faltando o Embargante com o compromisso verbal assumido de excluí-lo da relação comercial, havendo ainda indevida penhora sobre sua renda mensal, eis que tais valores eram depositados naquela instituição bancária e automaticamente retidos, ocorrendo ainda a indevida inclusão de seu nome no SERASA;

5) Requereu o acolhimento dos Embargos do Devedor interpostos, e, no mérito:

a- a declaração da nulidade dos abusivos contratos firmados;

b- em caso de continuidade da execução, a revisão das taxas de juros e multas aplicadas, limitando-as, respectivamente, em 12%a.a. (doze por cento ao ano) e 2% (dois por cento) sobre o valor da dívida, com a devida correção monetária, excluindo-se a Comissão de Permanência e anulando todas as demais cláusulas leoninas e abusivas, com amparo na Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor);

c- a condenação do embargado nas custas judiciais e honorários advocatícios do Embargante, avençados em 20% (vinte por cento) sobre o valor da Execução;

d- a exibição em juízo pelo Embargado, do demonstrativo da evolução do débito, bem como da quantia que já foi dada em pagamento, desde o primeiro contrato;

e- o depoimento pessoal do Banco Exeqüente;

f- a prova testemunhal;

g- a participação do Ministério Público no feito, a fim de tomar conhecimento da possível prática de crime de usura pelos representantes da instituição financeira;

h- a devolução em dobro das verbas remuneratórias indevidamente retidas pelo Embargado.


DA IMPUGNAÇÃO (2)

1) Aduziu o Embargado, em preliminar, sobre a tempestividade da impugnação apresentada, apontando ainda ser indevida a gratuidade de justiça requerida pelo Embargante, bem como ser este carecedor do direito de ação, em face da força executiva do título extrajudicial na execução que deu azo aos Embargos interpostos;

2) No mérito, alegou que a execução não se funda em contrato de adesão, mas em Cédula Bancária e Escritura Pública de Confissão de Dívida, sendo propiciado ao Embargante a livre manifestação de vontade;

3)Colou diversas jurisprudências, aduzindo sobre o aspecto da legalidade da aplicação da correção monetária, da multa contratual, dos encargos básicos calculados pelo método hamburguês e da cobrança dos juros pactuados, apontando não ter ocorrido acumulação de comissão de permanência e correção monetária, inexistindo, destarte, excesso na execução;

4) Relatou que diferentemente do que aduziu o Embargante, é visível que se tratam de contratos firmados de boa-fé, não sendo aplicável, in casu, a Teoria da Lesão Enorme;

1. Rechaçou a possibilidade de inexigibilidade do título executado, não cabendo revisão dos contratos para redução dos juros, sendo os Embargos protelatórios e inconsistentes;

2. Requereu, ao final, pelo acolhimento das preliminares suscitadas, com a extinção do feito sem julgamento do mérito, e, em não sendo estas acolhidas, sejam os Embargos julgados improcedentes, com a condenação do Embargante nas custa processuais e honorários advocatícios, estes na ordem de vinte por cento, assim como nas penas previstas por litigância de má-fé.


DA RÉPLICA DA IMPUGNAÇÃO (3)

1) Manifestou-se o Embargante pela concessão da gratuidade de justiça pleiteada, eis que preenche os requisitos da Lei nº 1060/50;

2) Afastou as preliminares suscitadas pelo Embargado, aduzindo que os pressupostos processuais se encontram presentes, reafirmando que a força executiva do título cede frente ao caráter de contrato de adesão e da abusividade constante nos contratos firmados;

3) Ratificou os argumentos expendidos na exordial, pugnando pelo acolhimento dos Embargos e pela improcedência da Execução.


DA AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO (4)

Proposta a conciliação, não foi possível o acordo entre as partes.


DO SANEADOR (5)

1) Deferida a gratuidade processual requerida pelo Embargante, eis que presentes os requisitos para sua concessão. A impugnação da gratuidade pelo Embargado não apresentou provas suficientes para afastar a alegada miserabilidade jurídica, além de ter sido interposta no bojo dos autos principais, junto com a Impugnação, e não em autos apartados, conforme procedimento da Lei nº 1.060/50;

2) As preliminares suscitadas não foram acolhidas no saneador, eis que seu cabimento somente poderia ser analisado com a apreciação do mérito.

3) Versando a lide sobre matéria bancária, taxas de juros e de multa, comissão de permanência, eficácia de cláusulas contratuais, dentre outros temas, e já tendo sido carreados aos autos documentos e provas suficientes, desnecessária tornou-se a audiência de instrução e julgamento, dispensada por tratar-se de questão de direito apenas.

Relatados, passo a D E C I D I R:


DOS ASPECTOS PROCESSUAIS

Trata-se de Embargos do Devedor interpostos com estribo nos arts. 736 e seguintes do Código de Processo Civil.

Presentes os pressupostos processuais e as condições da ação, de forma que a ação está corretamente proposta entre partes capazes, legítimas e bem representadas.

Primeiramente, mister se faz verificar a questãodos sucessivos contratos firmados, visando delimitar a lide, analisando a ocorrência de novações e a amplitude sobre a qual deverá versar a demanda.

O Superior Tribunal de Justiça tem mantido o entendimento de que, ocorrendo novação, deve-se apurar a existência de cláusulas ilegais nos contratos anteriores, visando apurar a legalidade do conjunto obrigacional, eis que "não se podem validar por novação obrigações nulas ou extintas", ex vi do art. 1.007 do Código Civil. Nesse sentido, assim se manifestou o Excelso Tribunal:

Acórdão REsp 132565/RS ; Fonte DJ DATA:12/02/2001 Relator Min. ALDIR PASSARINHO JR. Data da Decisão 12/09/2000 Órgão Julgador T4- Quarta Turma

Ementa: CIVIL E PROCESSUAL. ACÓRDÃO. NULIDADE. OMISSÃO NÃO CONFIGURADA. NOTAS DE CRÉDITO COMERCIAL. REPACTUAÇÃO POSTERIOR EM CONTRATO DE CONFISSÃO DE DÍVIDA. PROVA PERICIAL. INVESTIGAÇÃO DA LEGIMITIMIDADE DE CLÁUSULAS ANTERIORES. SEQÜÊNCIA CONTRATUAL. POSSIBILIDADE. NECESSIDADE DA PERÍCIA. REEXAME. MATÉRIA DE FATO. RECURSO ESPECIAL.

I. Não se configura nulidade quando o acórdão, inobstante não descendo a todos os múltiplos aspectos suscitados pela parte, se acha corretamente fundamentado relativamente aos pontos essenciais ao deslinde da controvérsia.

II. Possível a revisão de cláusulas contratuais celebradas antes da novação por instrumento de confissão de dívida, se há uma seqüência na relação negocial e a discussão não se refere, meramente, ao acordo sobre prazos maiores ou menores, descontos, carências, taxas compatíveis e legítimas, limitado ao campo da discricionariedade das partes, mas à verificação da própria legalidade do repactuado, tornando necessária a retroação da análise do acordado desde a origem, para que seja apreciada a legitimidade do procedimento bancário durante o tempo anterior, em que por atos sucessivos foi constituída a dívida novada.

III. Devidamente justificada pelo Tribunal a quo a imprescindibilidade da realização da prova técnica, cuja dispensa levou à anulação da sentença por cerceamento da defesa, o reexame da matéria recai no âmbito fático, vedado ao STJ, nos termos da Súmula n. 7.

IV. Recurso especial não conhecido.

Decisão: Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, Decide a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, à unanimidade, não conhecer do recurso, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Sálvio de Figueiredo Teixeira, Barros Monteiro, César Asfor Rocha e Ruy Rosado de Aguiar. Custas, como de lei.

Oportuna ainda a transcrição de parte do relatório do REsp.307530/RS, de 19/11/2001, em que Relator, Ministro Ruy Rosado de Aguiar, esclarece mais uma vez:

"Finalmente, esclareço que o fato da novação não impedia o exame das teses apresentadas pelos devedores sobre a abusividade dos critérios usados para a apuração do saldo devedor e conseqüente valor consignado na nota promissória em cobrança, isso porque nos termos do artigo 1.007 do CCivil ‘não se podem validar por novação obrigações nulas ou extintas’ (REsp nº 218.701 / RS)’ REsp 251.007 /RS, Quarta Turma, de minha relatoria, DJ 11-09-2000).

Também no REsp 251.968 /RS:

‘...em mais de uma oportunidade já me manifestei no sentido de que a renovação dos contratos bancários, com o pagamento de saldo apurado ou a confissão de dívida, com ou sem renegociação de cláusulas e condições, não significa a perda do direito de ir a juízo discutir a eventual ilegalidade do que foi contratado. Isso fica ainda mais nítido quando se trata de contratos de adesão, com prorrogação automática. O direito a declaração de invalidade de cláusula contratual não se extingue com a prestação nele prevista, pois muitas vezes o obrigado cumpre a sua parte exatamente para poder submeter a causa a juízo, ou, o que é mais freqüente, para evitar o dano decorrente da inadimplência, com protestos, registro no SPC, SERASA e outros efeitos.

Por isso, não há razão para limitar o exercício jurisdicional na revisão de contratos sucessivamente renovados, especialmente quando a dívida, que é no último reconhecida, ou que serve de ponto de partida para o cálculo do débito, resulta da aplicação de cláusulas previstas em contratos anteriores, em um encadeamento negocial que não pode ser visto isoladamente, apenas no último contrato.

Ainda que se entendesse novada a dívida, não se validaria a obrigação nula (art 1007 do CCivil).

Portanto, não tem razão o Banco quando pretende estreitar o âmbito da revisão judicial à cédula de crédito comercial.’ (REsp nº 250.111 /SP, 4ª Turma, de minha relatoria, DJ 02/04/2001)"

Assim sendo, evidenciada está a necessidade de se apurar a existência de cláusulas ilegais ab initio, ou seja, desde o contrato originário que deu azo às sucessivas novações, o que afasta as alegadas preliminares do Embargado de carência de ação por falta de interesse de agir e de preponderância do título executivo.

Delimitada a amplitude, analisemos a rigidez da obrigação contraída. Não se configura atentado à segurança jurídica o requerimento do Embargante de anulação dos contratos celebrados, eis que a possibilidade de revisão contratual em caso de ocorrência de lesão à uma das partes encontra fundamento no longínquo Direito Romano. Silvio Rodrigues, abordando o tema, assim dispõe:

"Ocorria tal lesão no direito romano quando, num contrato comutativo, havia tal desproporção entre as prestações fornecidas pelas partes, que uma recebia de outra menos da metade do valor que entregava. Verificada a hipótese, tinha o contratante prejudicado a prerrogativa de pedir ao juiz que declarasse rescindido o contrato. Dizia a célebre Lei Segunda, de Dioclesiano e Maximiliano, do ano 285 (Cód. L. IV, Tít.44, ‘De rescindenda venditione’, L.2):

‘Rem majoris prtii, situ vel pater tuus minoris distraxerit: humanum est, ult vel petium te restituente emptoribus, fundum venundatum recipias, auctoritate judicis intercedente; vel si emptor elegerit, quod deest justo pretio recipias. Minus autem petium esse videtur, si nec dimidia (veri) pretti soluta sit’

A tradução do texto é a seguinte:

Se tu ou teu pai venderam por menor preço coisa que valia muito mais: é eqüitativo que, mediante a interferência do juiz, ou receba de volta o fundo vendido devolvendo ao comprador o preço; ou, se o comprador preferir, recebas a diferença entre o que recebeste e justo preço. O preço será menor se não atingiu nem a metade do valor da coisa.

Trata-se de instituição fundada na eqüidade, como bem diz a lei citada, ao empregara expressão humanum est; e decerto se inspira na idéia de equivalência das prestações, que deve existir nos contratos comutativos." (Silvio Rodrigues in Direito Civil, Parte Geral, Vol. I, Ed. Saraiva, 25ª ed., 1995, p.216/217) sublinhei

Todavia, a interpretação do aludido conceito deve ser feita à luz do Direito moderno, encontrando-se a solução no atual Código de Defesa do Consumidor, que assim dispõe:

"Capítulo VI - Da proteção contratual

SEÇÃO II - Das cláusulas abusivas

1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vontade que:

I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence;

II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual;

III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.

A nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto quando de sua ausência, apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes." (sublinhei)

De igual forma, já preceituava o Código Civil Pátrio em seu art. 115, in verbis:

"São lícitas, em geral, todas as condições, que a lei não vedar expressamente. Entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo o efeito o ato, ou o sujeitarem ao arbítrio de uma das partes."

Apontadas as normas legais que servirão de fundamento para a anulação de cláusulas consideradas abusivas, desnecessária se torna a análise dos contratos firmados serem de adesão, como sustentado pelo Embargante, ou não, como defendido pelo Embargado, uma vez que para invocar a proteção contratual que a lei outorga basta a ocorrência de "ônus excessivo a qualquer das partes", não havendo no Código de Defesa do Consumidor exigência quanto ao tipo de contrato celebrado.

Insurge-se o Embargante em relação aos seguintes aspectos contratuais: cobrança abusiva e capitalização de juros; cobrança abusiva de multa contratual; constituição de hipoteca sobre imóvel considerado bem de família; retenção indevida de salários e utilização de expressões com falta de clareza nos contratos ferindo o disposto no art. 46 do CDC.


DA AMORTIZAÇÃO DA DÍVIDA

Juntou o Embargante aos autos diversos comprovantes de depósito e recibos de amortização de parcelas vencidas (fls.48/51), assim como extratos de folhas de pagamento de salários (fls.38/44) que alegou terem sido retidos indevidamente pelo Embargado (fls. 45/46), apresentando o demonstrativo de cálculo com os seguintes valores à título de amortização da dívida:

a)09/12/96

R$ 5.580,00

b)10/12/96

R$ 2.420,00

c)16/01/97

R$ 1.460,00

d)10/07/97

R$ 800,00

e)18/08/97

R$ 770,30

f)18/08/97

R$ 85,00

g)08/09/97

R$ 1.195,70

h)09/09/97

R$ 514,30

i)07/10/97

R$ 1.000,00

j)07/11/97

R$ 900,00

k)10/11/97

R$ 600,00

l)08/12/97

R$ 936,00

m)07/01/98

R$ 700,00

n)13/02/98

R$1.300,00

o)13/02/98

R$ 564,63

p)09/03/98

R$ 1.191,09

q)07/04/98

R$ 448,00

r)07/05/98

R$ 476,27

s)08/06/98

R$ 945,92

t)22/07/98

R$ 1.021,53

u)12/08/98

R$ 619,51

v)13/08/98

R$ 1.100,41

x)13/09/98

R$ 695,00

y)13/10/98

R$ 695,00

w)13/11/98

R$ 625,00

     

Em sua Impugnação, limitou-se o Embargado em aduzir às fls. 78 que:

"alega, equivocadamente o Embargante que o título executivo apresentado pelo Banco Exeqüente, ora Embargado, acha-se desprovido de força executiva, uma vez que, em decorrência de inexistente de dívida (sic), por ter cumprido todas as obrigações, estando, inclusive, com crédito junto ao ora Embargado, face aos juros excessivamente cobrado (sic)"

Mais adiante, às fls. 89, continuou:

"ainda mais, não se encontra o devedor, ora Embargante, em mora contratual, e sim em inadimplemento absoluto, ficando dessa feita, o Executado-Embargante submetido ao que o Código Civil prescreve sobre a inexecução das obrigações (art. 1.056 e seguintes)"

Não tendo o Banco-Embargado impugnado de forma específica as amortizações efetuadas, eis que cingiu-se apenas a firmar posição de credor através da força vinculante do último contrato firmado, declaro válidas as amortizações discriminadas, devendo os respectivos valores ser abatidos da dívida nas datas do efetivo pagamento ou do depósito a título de amortização, cada um de per si.

Passemos a uma análise pormenorizada sobre as questões contratuais suscitadas pelo Embargante.


DOS JUROS E DA CAPITALIZAÇÃO

Na ADIn nº 4-7/DF o Supremo Tribunal Federal já se posicionou quanto a não ser auto-aplicável o § 3º do art. 192 da Carta Magna. Entretanto, a inexistência de súmula vinculante em nosso ordenamento jurídico permite que se façam algumas considerações sobre o assunto, cabendo, até mesmo, um entendimento diverso do proferido pela Suprema Corte.

Nesse sentido, o Desembargador Raymundo Liciano de Carvalho, Relator da Ap. 12.486/99- 4ª Câm., MA:

"Ainda hoje (incompreensivelmente, diante da política econômica vigente desde 1994) é objeto de discussão a aplicabilidade do § 3º do art. 192 da CR de 1988, principalmente pela orientação da maioria dos Senhores Ministros da Corte Máxima do país, veiculada a partir da decisão proferida no julgamento da ADIn 4-7/DF, que tem socorrido as instituições financeiras no sentido da não auto-aplicabilidade da norma.

Apesar do comando prescrito no art. 557 do CPC, em razão da matéria objeto central do apelo, ouso dar seguimento ao recurso ainda que sob aparente confronto com a jurisprudência dominante da Corte Máxima.

É que os votos dissidentes dos Senhores Ministros do STF melhor e mais conscientemente enfocam a questão da limitação constitucional das taxas de juros." (RT -791/321, set/01)

Primeiramente, mister se faz observar que a referida ADIn foi proposta ainda em outubro de 1988, logo após a promulgação da Constituição, sendo o pedido de medida cautelar indeferido, por unanimidade, em fevereiro de 1989. Já em março de 1991, por ocasião do julgamento da ação principal, a auto-aplicabilidade da limitação constitucional de juros em 12 % (doze por cento) anuais não foi reconhecida pela maioria dos Ministros votantes.

Em que pese ter a votação ocorrido sem que houvesse transcorrido ainda lapso temporal significativo para consolidação do entendimento jurisprudencial sobre o texto constitucional, há que se observar que, já naquela oportunidade, a divergência entre a posição dos Ministros do STF foi significativa.

Votaram a favor da auto-aplicabilidade os Ministros Marco Aurélio, Carlos Velloso, Paulo Brossard e o Presidente, Ministro Néri da Silveira. O entendimento majoritário deu-se através dos votos dos Ministros Sydney Sanches, Celso de Mello, Célio Borja, Octávio Gallotti, Aldir Passarinho e Moreira Alves. O Ministro Sepúlveda

Pertence se deu por impedido, em função de haver sustentado a inadmissibilidade da ADIN quando em exercício da Procuaradoria-Geral da República, resultando em um placar geral de 06 a 04, com um impedimento.

Transcorridos mais de dez anos, encontram-se ainda em atividade no STF sete dos Ministros que julgaram a ADIn nº 4-7/DF, sendo três dos que se manifestaram a favor da eficácia da norma (Ministros Marco Aurélio, Néri da Silveira e Carlos Velloso), três dos que se manifestaram contra (Ministros Moreira Alves, Sydney Sanches e Celso de Mello) e o Ministro Sepúlveda Pertence, que deve continuar impedido.

O Ministro Ilmar Galvão, no Mandado de Injunção nº 326-2, já em 20/02/92, tratando do mesmo assunto, embora não tenha emitido parecer a respeito da auto-aplicabilidade do § 3º do art. 192 da CF, pronunciou-se favorável à adoção da teoria concretista individual, em face da mora legislativa, nos seguintes termos:

"Tenho ainda por adequado, na conformidade dos votos que tenho pronunciado sobre o assunto, o manejo do mandado de injunção não para obrigar o Poder Competente a elaborar lei regulamentadora da Constituição, mas para compelir o Poder Judiciário a suprir a omissão legislativa que está a obstaculizar o exercício de direito previsto na Constituição. Por fim, não vejo óbice a que sejam atendidas, por via do importante instrumento processual, quando possível, pretensões de índole privada"

No presente caso, como se sabe, foi este Tribunal que concluiu pela impossibilidade de aplicação da norma do art. 192, § 3º da CF/88, antes da edição de lei complementar regulamentadora do Sistema Financeiro Nacional, prevista no caput do dispositivo, verificando-se, portanto, até agora, a omissão legislativa justificadora de mandado de injunção."

Já os Ministro Nelson Jobim e Maurício Corrêa, no Recurso Extraordinário 256.383-8, votaram de acordo com o entendimento do plenário do STF, remetendo à ADIN 4-7/DF, de que a referida norma constitucional não é auto-aplicável, sem, no entanto, exararem opinião própria sobre a questão.

A posição da Ministra Ellen Gracie, assim como a do Ministro Ilmar Galvão, não é conhecida até o momento.

Mediante tal análise, chegamos às seguintes conclusões:

a)o entendimento do STF em relação a não ser auto-aplicável a limitação de juros deu-se na ADIN nº 4-7/DF por diferença de apenas um voto;

b)a posição da maioria do atual colegiado de Ministros da Suprema Corte ainda é desconhecida;

c)dado o transcurso de mais de uma década sem que o Poder Legislativo tenha "purgado" sua mora, editando a Lei Complementar exigida (segundo o entendimento daqueles que votaram ser a mesma necessária), é possível que estes venham a rever a posição tomada anteriormente, adotando até mesmo a teoria concretista individual, conforme aduzido pelo Ministro Ilmar Galvão.

Tendo sido abordado, no início deste tópico, que não se encontram os Juízes de primeiro grau subordinados aos efeitos de súmulas vinculantes, liberdade maior têm ainda em adotar posições divergentes quando as questões são tormentosas para o próprio Supremo Tribunal. Corroborando tal assertiva encontramos as palavras do atual presidente do STF, Ministro Marco Aurélio, proferidas em agosto de 2000 no Agravo de Instrumento nº 275.635-1:

" Repetem-se os processos versando sobre o limite de juros previsto no § 3º do artigo 192 da Constituição Federal, em decorrência única e exclusiva, de um só procedimento: em especial, as instituições financeiras vêm praticando juros muito acima da taxa-limite imposta pelo texto constitucional. Em época de inflação a girar em menos de um por cento ao mês, cobram-se juros que chegam a 75% ao ano no desconto de duplicatas, sessenta por cento ao ano relativamente a empréstimos para capital de giro e 187% ao ano em se tratando de crédito ao consumidor...

...Então, a esta altura, indaga-se: qual o móvel da volta à matéria se houve a emissão de entendimento a respeito pelo Colegiado Maior? A resposta é única e diz respeito à força do convencimento, à força da consciência do próprio julgador, em conflito, considerado o precedente. Quando cobrado, no âmbito da coerência, da necessidade de preservar-se a hegemonia do Direito e a uniformidade do arcabouço normativo constitucional, costumo dizer que a disciplina na atividade judicante não conduz, por si só, a um efeito vinculante automático, colocando em plano secundário, até mesmo, o dever do magistrado de buscar a máxima eficácia do preceito constitucional, procedendo com submissão, tão-somente, à idéia que forme sobre o alcance da norma em tela. Oito anos passaram-se após o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4-7...

...Assim, a conseqüência foi única: de um lado, o §3º do artigo 192, no que limita os juros anuais a doze por cento ao ano, não tem aplicação imediata; de outro, em que pese à previsão sobre o mandado de injunção, aquele tomador de empréstimo — com juros extorsivos a conduzirem, fatalmente, à morte civil — não conta com meio hábil a tornar prevalecente o direito assegurado constitucionalmente. O resultado desta visão, distanciada dos interesses maiores do povo brasileiro, está aí mesmo, com o desemprego grassando, a economia paralisada e o País partindo para situação inconcebível. Por isso, resolvi reexaminar a matéria e, mesmo correndo o risco de ser mal compreendido, tornar claro e preciso o meu entendimento sobre o que se contém na Carta da República. Dir-se-á que haverá, apenas, mais um voto vencido. A mim, isso não importa, porquanto devo cumprir o dever assumido de tornar eficaz a Carta Política da República, honrando a toga que tenho sobre os ombros até que me falte entusiasmo para tanto e a deixe em definitivo. Vozes que calam são vozes coniventes, contribuindo para o que Barbara Tuchman aponta como ‘a marcha da insensatez’..."

Demonstrada a controvérsia ainda reinante no seio na Corte Suprema, curial se faz a abordagem em relação à matéria de fundo: os juros e sua limitação constitucional.

A questão sobre a abusividade na cobrança de juros remonta aos primórdios da civilização, havendo provas de que o percentual constitucional de 12% ao ano não é fruto de mero acaso. Vejamos o parecer do então Consultor-Geral da República, Saulo Ramos, reproduzido na ADIn 4-7/DF às fls. 87:

"82- A angústia brasileira contra os juros altos é idêntica à de todos os povos, em todos os tempos. Aristóteles afirmava que pecunia nom parit pecuniam e Jesus Cristo, segundo Lucas, pregava: ‘ mutum date, nihil sperantes’:

‘Em Atenas a taxa de juros era de 12% ao ano; na China habitualmente cobrava-se 12%, elevando-se a taxa se o empréstimo era a longo prazo, podendo atingir até 30%; em Roma a taxa era de 12%, mas efetuavam-se empréstimos até 48%; na Idade Média os lombardos e judeus cobravam a taxa de 20%. Henrique VIII, na Inglaterra, em 1546, proibiu taxa superior a 10%; mas nas colônias inglesas, notadamente na Índia, cobrava-se até de 60%. A Doutrina da Igreja Católica opôs-se à cobrança de juros. Pensadores e filósofos esposaram a teoria de que não era lícito cobrar-se um preço pela utilização de moeda, valendo-se notar a tese de Aristóteles que a moeda, ao contrário dos seres vivos, não se reproduz’ (‘in’ ‘Repertório da Enciclopédia do Direito Brasileiro’,p.296, vol.30)"

Mostrada a antigüidade da questão que se apresenta, mister se faz a exegese do princípio constitucional guerreado, iniciando-se por sua transcrição:

Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, será regulado em lei complementar, que disporá, inclusive, sobre:

I - a autorização para o funcionamento das instituições financeiras, assegurado às instituições bancárias oficiais e privadas acesso a todos os instrumentos do mercado financeiro bancário, sendo vedada a essas instituições a participação em atividades não previstas na autorização de que trata este inciso;

II - autorização e funcionamento dos estabelecimentos de seguro, resseguro, previdência e capitalização, bem como do órgão oficial fiscalizador. (Redação dada ao inciso pela E.C. nº 13/96)

III - as condições para a participação do capital estrangeiro nas instituições a que se referem os incisos anteriores, tendo em vista, especialmente:

a) os interesses nacionais;

b) os acordos internacionais;

IV - a organização, o funcionamento e as atribuições do Banco Central e demais instituições financeiras públicas e privadas;

V - os requisitos para a designação de membros da diretoria do Banco Central e demais instituições financeiras, bem como seus impedimentos após o exercício do cargo;

VI - a criação de fundo ou seguro, com o objetivo de proteger a economia popular, garantindo créditos, aplicações e depósitos até determinado valor, vedada a participação de recursos da União;

VII - os critérios restritivos da transferência de poupança de regiões com renda inferior à média nacional para outras de maior desenvolvimento;

VIII - o funcionamento das cooperativas de crédito e os requisitos para que possam ter condições de operacionalidade e estruturação próprias das instituições financeiras.

§ 1º. A autorização a que se referem os incisos I e II será inegociável e intransferível, permitida a transmissão do controle da pessoa jurídica titular, e concedida sem ônus, na forma da lei do sistema financeiro nacional, a pessoa jurídica cujos diretores tenham capacidade técnica e reputação ilibada, e que comprove capacidade econômica compatível com o empreendimento.

§ 2º. Os recursos financeiros relativos a programas e projetos de caráter regional, de responsabilidade da União, serão depositados em suas instituições regionais de crédito e por elas aplicados.

§ 3º. As taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a doze por cento ao ano; a cobrança acima deste limite será conceituada como crime de usura, punido, em todas as suas modalidades, nos termos que a lei determinar. (destaquei)

A vexata quaestio se refere a ser, ou não, auto-aplicável o § 3º do artigo 192, acima transcrito. Os Ministros do STF, debatendo o assunto, posicionaram-se em duas correntes distintas, com, basicamente, as seguintes argumentações:

a. não é norma auto-aplicável, pois:

__o conceito de juros reais é controverso, carecendo de conceituação jurídica;

__o índice de inflação oficial a ser aplicado também não foi estabelecido;

__a necessidade de Lei Complementar requerida no caput do art. 192 se estende aos demais incisos e parágrafos, eis que in fine, dispõe "...inclusive, sobre ", vinculando os incisos e parágrafos subseqüentes;

b. é norma auto-aplicável, pois:

__o §3º está dissociado, sem interligação com o caput do artigo, existindo vários outros exemplos em que o legislador constituinte não primou pela boa técnica redacional.

__a menção "nos termos da lei", existente no final do parágrafo, refere-se tão-somente ao crime de usura e não à limitação dos juros;

__existe consonância do dispositivo legal com o estabelecido no artigo 1.062 do Código Civil;

__a inclusão das "...comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito..." suprem qualquer necessidade de se definir o que sejam juros reais, havendo ainda outros conceitos imprecisos no texto constitucional que, nem por isso, são desprovidos de eficácia, tais como "tratamento desumano ou degradante" (art. 5º, LIII), "iminente perigo público" (art. 5º, XXV), "consumidor" (art. 5º, XXXII); "contraditório e ampla defesa" (art. 5º, LV);

__por ser norma proibitória ou vedatória, ela é de eficácia plena e aplicabilidade imediata;

__ainda que se entenda ser necessária Lei Complementar para regulamentar a matéria, não poderá a mesma divergir da limitação de 12% ao ano estipulada § 3º do art. 192;

Mister se faz uma análise dos pontos fundamentais sustentados pelos Ministros que se posicionaram contrariamente à auto-aplicabilidade do § 3º.

Em relação à falta de conceituação do que sejam juros reais, oportuna se faz a abordagem sobre a definição de juros encontrada em dois respeitáveis dicionários, sendo um deles eminentemente jurídico:

JURO (1)- [do lat. Jure} S.m. 1- Lucro, calculado sobre determinada taxa, de dinheiro emprestado ou de capital empregado ; rendimento, interesse 2- Fam.. Recompensa (2) 3- Ant. Jus, direito • Juro simples. O que não se soma ao capital para o cálculo de novos juros nos tempos seguintes. Juro composto. O que se soma ao capital para o cálculo de novos juros nos tempos seguintes. (Aurélio Buarque de Holanda Ferreira - Novo Dicionário da Língua Portuguesa - Editora Nova Fronteira- 14 ª edição, p.808)

JURO (2)- Derivado de jus, juris, originalmente era empregado na mesma acepção de direito.

Aplicado notadamente no plural, juros quer exprimir propriamente os interesses ou lucros, que a pessoa tira da inversão de seus capitais ou dinheiros, ou que recebe do devedor, como paga ou compensação, pela demora no pagamento do que lhe é devido. Neste sentido, pois, possui significado equivalente a ganhos, usuras, interesses, lucros. Tecnicamente, dizem-se os frutos do capital, representado pelos proventos ou resultados, que ele rende ou produz. Os juros provêm de convenção ou são determinados por lei. E, assim, se dizem convencionais ou legais. Costumam dar como equivalentes juros e prêmios. Em verdade, seus sentidos se assemelham. Mas, tecnicamente, o prêmio tem sentido próprio, sendo, mesmo, empregado em acepção diversa da de juros, para exprimir uma bonificação ou uma taxa a respeito de certos contratos, que não se entendem de mútuo ou de empréstimo. É o que ocorre em relação ao prêmio de seguro, que é devido pelo segurado à companhia seguradora, como taxa dos riscos, segurados por esta. Não traz, pois, sentido de interesse nem de fruto do capital empregado, que é o caráter de juros. Juros, no sentido atual, são tecnicamente os frutos do capital, ou seja, os justos proventos ou recompensas que dele se tiram, consoante permissão e determinação própria da lei, sejam resultantes de uma convenção ou exigíveis por faculdade escrita em lei. No entanto, embora prêmios, dividendos, interesses, compreendidos como lucros possam ser tomados como juros, em verdade bem se distinguem entre si. Prêmios são a contribuição ou a compensação pelo risco assumido ou a paga do risco. Dividendo é o lucro devido ou que compete ao capital aplicado nas sociedades por ações. Interesse é a participação nos resultados ou lucros obtidos.

Assim, juros se mostram particularmente os resultados obtidos com os empréstimos em dinheiro, conseqüentes notadamente de mútuos, fundados na percentagem que se estabelece na base anual ou de mês.

A rigor, portanto, juros significa a usura dos romanos. E por esta razão é que também era denominado de fenus, originado de fetus, de que adveio a terminologia de frutos.

Era então definida: "Usura est incrementum fenoris ab usu credit nuncupata"

Ainda assim dividiam os romanos a usura em:

a. ususrae quae in obligatione consistunt, para exprimir as que se fundam nos testamentos ou nas convenções, ou seja, as que se geram de uma condcitio certi, instituída numa doação ou legado, ou de uma stipulatio, de que resulta uma condictio ex stipulato.

b. usurae quae officio judicis praestantur, nas quais, notadamente, se incluíram os juros legais ou as recompensas prometidas por um dos contratantes, ou devido às pessoas, em virtude de direito que lhes assiste.

Na técnica do Direito, por vezes, os juros se integram no sentido do dano, não para ser tido em seu conceito, mas para ser parte dele. O dano se constitui, também, pelo prejuízo decorrente da falta de rendimento ou de frutos produzidos pelos bens ou pelos capitais. (De Plácido e Silva - Vocabulário Jurídico - Editora Forense, 15ª ed., 1999, p.469)

JUROS CONVENCIONAIS - É a denominação dada aos juros que se estabelecem ou se estipulam em contratos, para que sejam cumpridos pelo devedor, enquanto vigente a obrigação.

No entanto, é tido em sentido mais amplo, significando toda a espécie de juros instituídos ou estabelecidos em um contrato, não somente enquanto vigente a obrigação, como pelo não cumprimento dela, isto é, pelo seu retardamento. Dessa forma, os juros moratórios, em regras legais, podem ser também convencionados.

Assim, o caráter dos juros convencionais está em virem estipulados em contrato.

E, nesse particular, é que se usa das expressões compensatórias e moratórias para distingui-los: os primeiros, os que se originam naturalmente como frutos do capital, pela decorrência do contrato; os segundos, devidos pelo retardamento no cumprimento da obrigação principal.

Mas, o sentido de juros convencionais também não exclui a idéia de legais, quando esta se refere à taxa dos juros, determinada ou instituída por lei Neste caso, os juros convencionais devem ser estabelecidos segundo as regras legais para a sua estipulação, pois que a ninguém é lícito cobrar juros além da taxa legal.(De Plácido e Silva - Vocabulário Jurídico - Editora Forense, 15ª ed., 1999, p.469) (grifei)

JUROS LEGAIS - Exprime a expressão: os juros que podem ser exigido em virtude da imposição ou determinação legal, embora não convencionados ou contratados.

Em regra, os juros moratórios são legais, pois que a exigência deles decorre de norma jurídica.

Restritamente, no entanto, é a denominação aplicada para designar a taxa de juros autorizada por lei.

Assim sendo, em sentido amplo, juros legais entendem-se os que possam ser exigidos legalmente, seja a respeito do direito que assiste ao credor para exigi-los, seja relativamente à taxa, que os deve determinar. (De Plácido e Silva - Vocabulário Jurídico - Editora Forense, 15ª ed., 1999, p.469)

JUROS ORDINÁRIOS - É a expressão que designa os juros simples, ou seja, aqueles que não se acumulam ou não se capitalizam. São devidos pelo transcurso do prazo, em que vigora a obrigação ou a prestação pecuniária, mas não se computam no capital, para que passem, também, a render juros.

Opõem-se, assim, aos juros capitalizados ou compostos, que vão integrando periodicamente (ano ou semestre) ao capital, para produzir novos juros.

(De Plácido e Silva -ob. cit., p.470)

JUROS MORATÓRIOS - São juros decorrentes da mora, isto é, os que se devem, por convenções ou legalmente, em virtude do retardamento no cumprimento da obrigação. São os juros ditos de propter moram, fundados numa demora imputável ao devedor de dívida exigível. Nesta razão, os juros moratórios se fundam em dois elementos dominantes:

a) a existência de uma dívida exigível;

b) a demora do não-pagamento dela, imputável ao devedor.

Os juros moratórios podem ser convencionados ou não. Quando não estipulados e devidos, dizem-se legais e se cobram pela taxa legal. Em regra, os juros de mora ou moratórios somente são devidos da interpelação judicial ou de qualquer outro meio judicial que venha a constituir o devedor em mora. No entanto, casos há em que eles se contam mesmo antes dessa interpelação.

Nas obrigações líquidas e certas, onde se assina prazo, eles correm do vencimento da dívida: é a mora ex re. Se não há prazo, da interpelação, notificação ou protesto: é a mora ex persona. Nas indenizações, os juros moratórios devidos, segundo as circunstâncias, computam-se da data do evento danoso. Mas, em regra, não constituindo em prestação ou obrigação de natureza pecuniária, somente se fixam e são devidos, quando o decisório judicial vem determinar pecuniariamente a indenização, consistente no valor do dano. Eles se contam, pois, do momento em que há uma dívida ou um direito pecuniário exigível. (De Plácido e Silva -ob. cit., p.470)

JUROS COMPENSATÓRIOS - Assim se entendem os frutos naturais do capital empregado.

Representam, pois, a justa compensação, que se deve tirar dos dinheiros aplicados nos negócios, notadamente de empréstimos.

Nesta circunstância, deve ser a denominação tida em sentido genérico, aplicável a toda a espécie de juros, visto que compensar quer exprimir equilibrar, indenizar, ressarcir.

E os juros, sejam os convencionais ou os legais, vêm para atender a justa recompensa ou paga pelo uso de capitais de outrem, ou como indenização a lesões promovidas ou causadas a outrem. Quer isto dizer que os juros compensatórios vêm suprir o que falta, para promover o equilíbrio, ou vêm ressarcir o que é justo. (De Plácido e Silva -ob. cit., p.469).

Os conceitos acima expostos, embora muito elucidativos, não trazem em seu bojo a coincidência com a expressão "juros reais" utilizada pelo legislador constituinte. Analisando os trabalhos da autoridade maior em assuntos monetários, o Banco Central do Brasil, buscamos a complementação necessária para a conceituação requerida.

Os trabalhos sobre "Juros e Spread Bancário no Brasil", elaborados nos últimos três anos pelo Banco Central, em 10/99, 11/00 e 11/01, fornecem a análise de várias taxas de juros e a decomposição das taxas de "spread" praticadas pelas instituições financeiras. Curial, nesse primeiro momento, a definição do que vem a ser "spread". Obtivemos o conceito do próprio Banco Central, que assim dispõe:

"1- Introdução - As taxas de juros brasileiras estão atualmente entre as mais elevadas do mundo. Isso deve-se em parte, às condições macroeconômicas que caracterizaram o período recente, e que hoje começaram a reverter-se. No entanto, essa é só parte da explicação, pois a diferença entre as taxas de juros básicas (de captação) e as taxas finais (custo ao tomador), a qual denominamos de ‘spread’, também tem sido expressiva, como demonstram as taxas de juros cobradas nos empréstimos." (Banco Central do Brasil, Juros e Spread Bancário no Brasil, outubro de 1999) (destaquei)

No mesmo sentido:

"spread -econ. 1 diferença vigente entre o menor dos preços de oferta e o maior dos preços de demanda de um bem ou ativo, anunciados pelos participantes de um mercado 2 diferença, apropriada pelo intermediário financeiro, entre a taxa de juros cobrada ao tomador de um empréstimo e a taxa de juros que remunera o aplicador de recursos 3 diferença entre a taxa de juros cobrada a um cliente em particular e uma taxa de referência reservada a clientes preferenciais 4 ativo resultante da combinação de uma opção de compra com uma opção de venda sobre um mesmo ativo primário, em que o preço de exercício da primeira fica abaixo do preço de exercício da segunda 5 taxa de risco cobrada pelo emprestador, além dos juros, e que varia de acordo com o tomador." (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, Ed. Objetiva, 1ª Ed., 2001, p.2.617)

De posse do aludido conceito, analisemos a decomposição do "spread" no decorrer dos últimos três anos.

spread (% a.m.)

02/99

08/99

02/00

08/00

02/01

08/01

margem líquida do banco

1,03%

1,16%

1,08%

0,99%

0,96%

0,99%

impostos diretos

0,51%

0,68%

0,56%

0,51%

0,49%

0,51%

impostos indiretos (+ FGC)

0,41%

0,38%

0,22%

0,22%

0,21%

0,22%

despesas administrativas

0,79%

0,63%

0,53%

0,46%

0,44%

0,51%

inadimplência/empréstimos

0,84%

0,36%

0,34%

0,34%

0,36%

0,42%

total

3,58%

3,21%

2,73%

2,52%

2,46%

2,65%

Fonte : Juros e Spread Bancário no Brasil 2001, p. 8 http://www.bc.gov.br

Tomemos por base, então, a remissão feita pelo Ministro Carlos Velloso na ADIn 4-7, em seu voto, in verbis:

"Em Ciência Econômica, registra o Juiz Sérgio Gischkow Pereira, forte em Antônio Carlos Marques de Matos (‘A inflação Brasileira’, Vozes, 1987, pág.74), ‘os vocábulos ‘valor nominal’ e ‘valor real’ são assim definidos: valor nominal é o valor que se apresenta; o valor real é o nominal deflacionado (se houver inflação), ou inflacionado (se houver deflação).’ E acrescenta o Juiz Gischkow, alicerçado no magistério de Paul Singer (‘Curso de Introdução à Economia Política, Forense, 11ª ed, 1987, págs. 105/107): ‘Dentro dessa visão, a taxa de juros reais não é apenas constituída pelo juro puro ou básico, compreendido como remuneração pela renúncia à liquidez, mas abrange o elemento de risco e os custos da transação ou remuneração do intermediário.’ (‘A Luta contra a Usura’, citada, pág.64)." (sublinhei)

Considerando que o dinheiro captado em aplicações de poupança é remunerado com base na TR acrescida de meio por cento de juros remuneratórios, havendo ainda incidência de impostos diretos e indiretos nas operações bancárias, a aplicação do aludido conceito, incorporando aos juros reais todos esses elementos e limitando-os em 1% ao mês, aponta para uma inversão da onerosidade contratual, com a possível falência dos bancos, que estariam recebendo pelo capital emprestado menos do que pagariam na captação, ferindo o equilíbrio contratual.

Assim, na condição mais desfavorável para o devedor, interpretemos os juros reais como sendo o lucro líquido dos bancos. Acrescentemos ao custo do dinheiro tomado, consistente este na taxa de juros básica (de captação), os demais custos operacionais, conforme explicitado na tabela citada. Nada estaria sendo embutido no conceito de "juros reais", sendo esta a interpretação mais abrangente que se poderia fazer em favor das instituições bancárias, até a regulamentação definitiva da matéria.

Note-se que a margem líquida do banco apontada na tabela já se encontra muito próxima da limitação constitucional de 12% anuais, sendo de cerca de 1% ao mês, embora capitalizada.

A tabela a seguir demonstra a taxa média de juros praticados para cheque especial e os índices inflacionários dos últimos três anos.

EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS ÍNDICES NO PERÍODO 01/99 a 12/01 (em %)

Data

TR

Poupança

INPC (IBGE)

IPC

(FGV)

IGP-M (FGV)

CDB

SPREAD P.Física

JUROS

Ch.Espec.

excesso

01/1999

0,5163

1,0189

0,65

0,64

0,84

2,20

4,80

8,96

+1,96

02/1999

0,8298

1,3339

1,29

1,41

3,61

2,50

5,04

9,72

+ 2,18

03/1999

1,1614

1,6672

1,28

0,95

2,83

2,40

4,78

8,74

+ 1,56

04/1999

0,6092

1,1122

0,47

0,52

0,71

1,98

5,24

9,39

+ 2,17

05/1999

0,5761

1,0790

0,05

0,08

-0,29

1,66

5,05

8,74

+ 2,03

06/1999

0,3108

0,8124

0,07

0,65

0,36

1,50

4,95

8,56

+ 2,11

07/1999

0,2933

0,7948

0,74

1,20

1,55

1,49

4,85

8,38

+ 2,04

08/1999

0,2945

0,7960

0,55

0,48

1,56

1,47

4,75

8,18

+ 1,96

09/1999

0,2715

0,7729

0,39

0,19

1,45

1,45

4,78

8,34

+ 2,11

10/1999

0,2265

0,7276

0,96

0,92

1,70

1,42

4,71

8,37

+ 2,24

11/1999

0,1998

0,7008

0,94

1,12

2,39

1,43

4,46

8,08

+ 2,19

12/1999

0,2998

0,8013

0,74

0,60

1,81

1,43

4,07

7,52

+ 2,02

01/2000

0,2149

0,7160

0,61

1,01

1,24

1,42

3,80

7,75

+ 2,53

02/2000

0,2328

0,7340

0,05

0,05

0,35

1,40

3,92

8,03

+ 2,71

03/2000

0,2242

0,7253

0,13

0,51

0,15

1,40

3,57

7,75

+ 2,78

04/2000

0,1301

0,6308

0,09

0,25

0,23

1,39

3,56

8,02

+ 3,07

05/2000

0,2492

0,7504

-0,05

0,40

0,31

1,40

3,35

7,64

+ 2,89

06/2000

0,2140

0,7151

0,30

-0,01

0,85

1,35

3,50

8,40

+ 3,55

07/2000

0,1547

0,6555

1,39

1,91

1,57

1,28

3,41

8,18

+ 3,49

08/2000

0,2025

0,7035

1,21

0,86

2,39

1,24

3,37

7,98

+ 3,37

09/2000

0,1038

0,6043

0,43

0,04

1,16

1,25

3,34

8,00

+ 3,41

10/2000

0,1316

0,6323

0,16

0,02

0,38

1,26

3,31

7,98

+ 3,41

11/2000

0,1197

0,6203

0,29

0,40

0,29

1,26

3,20

8,07

+ 3,61

12/2000

0,0991

0,5996

0,55

0,62

0,63

1,19

3,15

8,03

+ 3,69

01/2001

0,1369

0,6376

0,77

0,64

0,62

1,17

3,02

8,03

+ 3,84

02/2001

0,0368

0,5370

0,49

0,40

0,23

1,16

3,17

7,95

+ 3,62

03/2001

0,1724

0,6733

0,48

0,56

0,56

1,18

3,00

7,89

+ 3,71

04/2001

0,1546

0,6554

0,84

0,86

1,00

1,24

3,11

7,76

+ 3,41

05/2001

0,1827

0,6836

0,57

0,41

0,86

1,28

3,04

7,78

+ 3,46

06/2001

0,1458

0,6465

0,60

0,52

0,98

1,33

3,04

7,83

+ 3,46

07/2001

0,2441

0,7453

1,11

1,36

1,48

1,45

3,06

7,94

+ 3,43

08/2001

0,3436

0,8453

0,79

0,54

1,38

1,46

3,28

8,25

+ 3,51

09/2001

0,1627

0,6635

0,44

0,12

0,31

1,45

3,35

8,28

+ 3,48

10/2001

0,2913

0,7928

0,94

0,71

1,18

1,45

3,49

8,30

+ 3,36

11/2001

0,1928

0,6938

1,29

0,85

1,10

1,42

3,31

8,30

+ 3,57

2/2001

nd

nd

nd

nd

nd

nd

nd

nd

nd

TOTAL

9,7293

27,2782

21,61

21,79

37,77

51,36

133,83

287,12

101,93

fontes: índices econômicos- www.cálculos.com; spread, CDB e juros –BC www.bcb.gov.br/ftp/depep/nitj200112.xls

Considerando que o dinheiro emprestado tenha como única fonte de origem os CDBs, em muito superiores à remuneração da poupança, foram acrescidos aos mesmos os valores obtidos do "spread", comparando-se o resultado com os valores de juros praticados. Todos índices médios, oriundos da mesma fonte, o Banco Central do Brasil. Obteve-se na coluna

"excesso" valores positivos, que indicam a prática de juros sempre superiores ao resultado da soma do custo (CDB) e dos acréscimos (Spread). Levando-se em conta que no "Spread" já se encontra embutida a margem de lucro do banco, tal resultado aponta para evidente abusividade na aplicação da taxa de juros. Há que se ressaltar ainda que os valores são crescentes, havendo expressivo aumento ao longo dos dois últimos anos.

Tendo em vista que todos os valores fornecidos pelo Banco Central do Brasil se referem à média dos valores praticados por diversas instituições financeiras, vejamos o caso específico do Banco do Brasil em período recente.

Banco do Brasil S.A.- Taxas praticadas nas Operações de Crédito

Tipo de Encargo: PREFIXADO Fonte: Banco Central

 

Data-base

   

12/12/2001

13/12/2001

14/12/2001

Modalidade/Tipo/Clientela

Ranking

Taxa Mínima %

Taxa Máxima %

Taxa Média %

Taxa Mínima %

Taxa Máxima %

Taxa Média %

Taxa Mínima %

Taxa Máxima %

Taxa Média %

Pessoa Jurídica

DESC. DUPLICATA

13

1,83

4,70

2,58

1,75

4,50

2,53

1,72

4,30

2,39

DESC. PROMISSÓRIA

25

2,13

9,10

4,15

1,62

9,10

4,31

1,08

6,55

4,27

CAPITAL DE GIRO

26

1,90

9,40

2,33

1,81

9,40

2,37

1,22

6,75

2,33

CONTA GARANTIDA

60

2,15

8,30

5,62

2,15

8,30

5,62

2,15

8,30

3,35

VENDOR

16

1,94

4,50

1,94

1,81

4,50

1,81

1,78

4,45

1,78

Pessoa Física

CHEQUE ESPECIAL

31

2,05

8,30

7,89

2,05

8,30

7,88

2,05

8,30

7,89

CRÉDITO PESSOAL

55

2,75

5,50

4,97

2,75

5,50

4,97

2,75

5,50

4,52

AQUI. BENS (VA)- PF

24

2,72

2,82

2,72

2,72

2,82

2,72

2,59

2,82

2,59

AQUI. BENS (OU)- PF

26

3,57

3,70

3,57

3,57

3,70

3,57

3,39

3,70

3,39

OBS.:

1.. As taxas efetivas mês resultam da capitalização das taxas efetivas-dia pelo número de dias úteis existentes no intervalo de 30 dias corridos, excluindo-se o primeiro dia útil e incluindo o último. Caso a data final seja dia não útil, será considerado o próximo dia útil subsequente.

2..Nas datas em que a taxa não é apresentada, a instituição não realizou concessões ou não prestou informações ao Banco Central estando, neste segundo caso, sujeita às penalidades previstas na legislação vigente.

3..A posição na coluna ranking representa a colocação da modalidade no ranking geral de taxas, em ordem crescente, para o último período divulgado.

4..Fonte: Banco Central :www.bcb.gov.br /dados e estatísticas/Sistema Financeiro Nacional / Operações de Crédito / Dados por Instituição Financeira / taxas médias praticadas por instituição

LUCRO LÍQUIDO DO BANCO DO BRASIL

DATA BASE

SETEMBRO 2001

DATA BASE

DEZEMBRO 2000

R$ 445.548.000,00

R$ 584.250.000,00

Fonte: Banco Central - 50 maiores Bancos

Fica evidenciado que na mesma Instituição Bancária, ora Embargada, os juros praticados para a mesma operação financeira (cheque especial) nas datas apontadas, variaram entre o mínimo de 2,05 % (dois pontos e cinco centésimos percentuais) e 8,3% (oito pontos e três décimos percentuais) ou seja, houve uma variação de mais de quatro vezes entre os valores mínimo e máximo, sendo tal ocorrência evidenciada também em outras modalidades de crédito. Entretanto, outras operações, apresentam índices muito inferiores, com valores máximos não superiores a 4%, não sendo crível que nesses casos o Banco estivesse atuando com prejuízo, haja vista os enormes lucros auferidos anualmente nas casa dos Quatrocentos E Quinhentos Milhões De Reais, conforme quadro acima.

Isso mostra que a discrepância encontrada no cálculo da tabela antecedente, aonde se verifica significativa variação entre os juros praticados e a soma do "spread" e CDB, tem razão de ser, encontrando fundamento na própria "variação interna de taxas" praticada pelos bancos.

Os presentes Embargos abordam a questão sobre a exorbitância na cobrança de juros sobre crédito concedido em cheque especial. Inexplicável a aplicação de taxas de juros tão diferenciadas se os componentes que formam a taxa final (captação, impostos, despesas administrativas, inadimplência e margem de lucro) são basicamente os mesmos.

Aliás, tendo em vista que o Embargante já efetuou diversos pagamentos e que, vindo a saldar a dívida porventura existente, extinguiria a álea, solvendo sua obrigação original, há que se considerar ainda que a aplicação da taxa de inadimplência apresenta caráter de transferência de custo de outros contratos, fomentando a inadimplência, cabendo ao banco analisar criteriosamente a solvabilidade do tomador antes da concessão do crédito, garantindo-se através dos meios legais (v.g., com fiadores, como fez nos sucessivos contratos firmados com o Embargante) e tomando as medidas legais em caso de inadimplemento. E não repassar os "possíveis" prejuízos que venha a ter ou que já teve por descuido seu.

Analisando a possibilidade de que não ocorra a esperada inadimplência "embutida" nos juros cobrados pelo Banco, o enriquecimento sem causa da instituição bancária tornar-se-ia flagrante. A não ser que, posteriormente, venha o Banco a "estornar" os valores excedentes ao mútuo, em operação similar a realizada pelos Consórcios que, ao término do grupo, restituem a cota de fundo de reserva.

Há ainda outro relevante fator a ser considerado como "nivelador" das taxas praticadas. A concessão de crédito na modalidade "cheque especial" já foi fruto de observação pelo próprio Banco Central na sua primeira análise sobre "Juros e Spread":

"Uma das taxas que mais chamam a atenção do Banco Central é a das operações de cheque especial. São as maiores taxas de juros médias verificadas em todo o conjunto de taxas coletadas pelo BC, conforme pode-se ver no gráfico 2. No período maio/julho deste ano, o custo médio cobrado pela rede bancária em operações de cheque especial atingiu 8,90% ao mês, o que significa encargos de 178% ao ano. Considerando a taxa média de captação de CDB do período, o spread cobrado pelos bancos foi de 7,30% ao mês, ou 157% ao ano.

Esse elevado spread cobrado, a rigor, não tem correspondência com o risco de crédito ou com os custos administrativos. O acesso às operações de cheque especial normalmente é concedido apenas a clientes dito especiais, com bom cadastro junto aos bancos, o que teoricamente afasta a hipótese de elevada inadimplência e da necessidade de grandes acréscimos a título de risco de crédito. Da mesma forma, com a uniformização das operações bancárias, não se justificam grandes acréscimos às taxas em função de despesas administrativas. Afinal, os bancos normalmente já cobram tarifas quando dos contratos de abertura de crédito especial e de renovação de cadastro." (Banco Central - Juros e Spread Bancário no Brasil - 1999, pág. 10/11) (sublinhei)

Vejamos os valores e índices aplicados aos sucessivos contratos firmados entre o Embargante e o Banco:

Data

Valor em reais

Prazo (meses)

Total em reais

Juros a.m.

multa

IOC (R$)

taxa ab. crédito

19/10/1994

3.000,00

11

3.783,30

TR + 4,1 %

10%

165,00

9,45

08/08/1995

16.152,15

24

50.993,67 *

TBF + 2%

10%

iof/ioc

--

13/12/1996

33.879,94

24

33.879,94

TBF+1,2%

10%

--

--

07/05/1997

61.701,46 **

24

36.550,21

TBF+1,2%

10%

--

--

* em 12/12/1996 ** abatido valor novamente

Da tabela acima verifica-se que o Banco do Brasil, ora Embargado, em duas oportunidades, reduziu seu crédito substancialmente. Na primeira, em 13/12/1996, refinanciou a dívida de R$ 50.993,67, aceitando receber R$ 33.879,94. Na segunda vez, em 07/05/1997, reduziu o débito de R$ 61.701,46 para R$ 36.550,21. Sempre, diga-se de passagem, fazendo constar cláusulas de que os débitos eram referentes à liquidação de saldo devedor de Cheque-Ouro e que em caso de não cumprimento das obrigações a dívida retornaria ao valor original, ou seja, sem o desconto concedido.

Também foram repassados ao Embargante a Taxa de Abertura de Crédito, Impostos (IOC e IOF), sendo que já na primeira operação, concedidos R$ 3.000,00 de crédito, foi-lhe debitado o valor de R$ 165,00 sob a rubrica IOC, correspondente a 5,5% do capital, e R$ 9,45 como Taxa de Serviços para Abertura de Crédito.

Na hipótese presente, tenho convicção de ser o caso de limitação constitucional de juros em 12% ao ano, nos moldes explanados anteriormente, pelas seguintes razões:

a) a uma, porque é explícito o comando contido no § 3º, do art. 192 da Constituição Federal, sendo norma auto-áplicável, acolhendo a posição sustentada pelos Ministros Marco Aurélio, Carlos Velloso, Paulo Brossard e Néri da Silveira na ADIn 4-7-DF, e pela maioria da doutrina (Araken de Assis ( artigo e decisões publicadas em A Luta contra a usura, Organização Fernando Gasparian, Coordenação de Roberto Fernandes de Almeida, José Afonso da Silva (Curso de Direito Constitucional Positivo, RT, 5 ed., p. 692 à 693 ), Nagib Slaib Filho ( Anotações à Constituição Federal de 1988, Forense, 1989, p. 400 à 406 ) Graal ed. p. 37 à 123 ), Régis Fernandes de Oliveira (RT666/233),Edvaldo Brito (A Constituição Brasileira, 1988, vários autores, Forense Universitária, p. 393 e segs.), Eros Roberto Grau, Sergio Gischklow, e Luís Roberto Barroso (O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas)) e pelos Tribunais Estaduais (TARGS: AC 197100423; Ap. Cível 192079796, 7ª Câm. Cível; Ap. Cível 191024199 1ª. Cam. Cível; AC 191159515 in "Julgados do TARGS", 81/314; 76/298 ; 81/207; TJPR: Ap Cível 0042946100, 2ª Câm Cível; Ap. Cível 0056200900, 6ª Câm. Cível; Ap. Cível 0050280300, 8ª Câm. Cível; TJSC: Ap. Cível 96.006262-9; TAMG: AC 0318713-3 e AC 178.804-1/00 ; TJMA: Ap. Cível 12.486/99 - RT 791/321); TACivSP: Emb. Infring. nº 502.605-3-1(abusividade dos juros)

b) a duas, porque ainda que fosse necessária Lei Complementar para regulamentar a matéria e conceituar o que venham a ser "juros reais", não poderia a mesma ultrapassar os 12 % contidos na Carta Magna, bem como a interpretação dos juros reais aqui contida, conforme dito anteriormente, é a mais favorável ao Banco Embargado;

c) a três, porque o inc. I, do art. 25, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, revogou, " a partir de cento e oitenta dias da promulgação da Constituição, sujeito esse prazo a prorrogação por lei, todos os dispositivos legais que atribuam ou deleguem a órgão do Poder Executivo competência assinalada pela Constituição ao Congresso Nacional, especialmente no que tange a: I- ação normativa ". Assim sendo, a especificação de índices e valores a serem adotados nas operações financeiras por órgãos que não os estabelecidos no Texto Constitucional é eivada de inconstitucionalidade, estando ainda em vigor a Lei de Usura (Decreto 22.626/33) que dispõe em seu artigo 1º que é vedado estipular em quaisquer contratos taxas de juros superiores ao dobro da taxa legal (Código Civil, artigo nº 1.062) Nesse sentido:

EMBARGOS DEVEDOR – LIMITAÇÃO DE JUROS À LEI DE USURA – REVOGAÇÃO ART. 4º, LEI 4.595/64 PELO ART. 25, ADCT – EMBARGOS DECLARATÓRIOS – LEI 8.056, DE 28.6.90, LEI 8.127, DE 20.12.90, LEI 8.201, DE 29.6.91 E LEI 8.392, DE 30.12.91 QUE PRORROGAM O DISPOSITIVO DITO REVOGADO – Ultrapassado o prazo prescrito no art. 25 do ADCT, restaram revogadas as disposições do art. 4º da Lei 4.595/64, quando mais que a primeira lei ordinária que o prorrogava não pode alcançar a limitação de juros (art. 192 Constituição Federal), que desafia a edição de lei complementar, e foi sancionada após consumar os desígnios da disposição transitória, que por sua própria natureza não admite a sua prorrogação por tempo indeterminado, não fosse ferir direito adquirido pretender retroagir os seus efeitos. (TAMG – EDcl 0282754-9/01 – 3ª C.Cív. – Rel. Juiz Duarte de Paula – J. 22.09.1999)

A-a quatro, porque além de todas as argumentações expendidas, a mora do Congresso Nacional em editar a aludida Lei Complementar é superior a um decênio, não se podendo olvidar alguns fatos importantes ocorridos em duas oportunidades: __ADIN nº4-7/DF (julgada 25/06/93)- Relator Ministro Sydney Sanches:

" Ademais, já está em andamento, na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei Complementar nº 162, de 1989, que dispõe sobre a regulamentação do Sistema Financeiro Nacional, cria a Comissão Mista Permanente para Assuntos Econômicos e Financeiros do Congresso Nacional, estatui competência para a condução da política econômica e dá outras providências"

Buscando o Projeto de Lei Complementar no Portal Legislativo do Senado encontramos:

CD PLP 162 1989

Ementa: DISPÕE SOBRE A REGULAMENTAÇÃO DO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL, CRIA A COMISSÃO MISTA PERMANENTE PARA ASSUNTOS ECONOMICOS E FINANCEIROS DO CONGRESSO NACIONAL, EXTINGUE O CONSELHO MONETARIO NACIONAL, ESTATUI COMPETENCIA PARA CONDUÇÃO DA POLITICA ECONOMICA E DA OUTRAS PROVIDENCIAS. APLICANDO O ARTIGO 192, O ARTIGO 58, PARAGRAFO TERCEIRO E O ARTIGO 52, INCISO V DA NOVA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). (PELA TRANSFORMAÇÃO DO PL. 983/88).

Outros Números: CD PLP 00162 1989

Autor: DEPUTADO - FERNANDO GASPARIAN PMDB

Última Ação: Data: 02/02/1991

Local: CD - (CD) MESA – MESA

Situação: ARQVD - ARQUIVADO DEFINITIVAMENTE

CD PL 982 1988

Ementa: DEFINE O CRIME DE USURA E DA OUTRAS PROVIDENCIAS. CONSTITUINDO CRIME DE USURA A COBRANÇA DE JUROS REAIS SUPERIORES A DOZE POR CENTO AO ANO, DE ACORDO COM O ARTIGO 192, PARAGRAFO TERCEIRO DA NOVA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E DEFININDO JUROS REAIS).

Outros Números: CD PL. 00982 1988

Autor: DEPUTADO - FERNANDO GASPARIAN PMDB

Última Ação: Data: 25/04/1990

Local: CD - (CD) MESA – MESA

Situação: RTPA - RETIRADO PELO AUTOR

_Já no Mandado de Injunção nº 636-9 /PR (julgada em 29/08/2001), assim se manifestou o relator, Ministro Maurício Corrêa:

"Indeferi a liminar às fls. 678 e solicitei informações ao Congresso Nacional, que se manifestou às fls. 682/688, esclarecendo que estão em tramitação em ambas as Casas legislativas proposições que tratam da matéria, inclusive Proposta de Emenda Constitucional nº 41/95, que revoga o §3º do artigo 192 da Carta Federal "

Eis que, ao buscarmos novamente informações no Congresso Nacional, deparamo-mos com o mesmo resultado:

SF PEC 00041/95 de 22/06/1995

Autor: SENADO SÉRGIO MACHADO

Ementa: REVOGA O PARÁGRAFO TERCEIRO DO ARTIGO 192 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, QUE LIMITA AS TAXAS DE JUROS REAIS EM 12% (DOZE POR CENTO) AO ANO

Última Ação: Data: 29/01/1999

Local: SGM- SECRETARIA GERAL DA MESA

Situação: ARQUIVADA AO FINAL DA LEGISLATURA

Embora não se tenha conseguido informações suficientes para apurar se os projetos já se encontravam arquivados por ocasião das informações prestadas, não se pode olvidar que, pelo menos, na segunda ocorrência, no Mandado de Injunção julgado em agosto de 2001, já havia transcorrido mais de 10 anos desde que a mesma "promessa" de regulamentação da matéria havia sido feita, sendo de causar espécie que tal fato tenha passado despercebido pelo Relator.

Cabível a transcrição de texto do eminente jurista Jorge Alcibíades Perrone de Oliveira, citado por Celso de Oliveira em sua brilhante monografia sobre Direito Bancário (Juros Bancários - Limitação Constitucional dos Juros - encontrada em www.direitobancário.com):

" Norberto Bobbio, analisando as dificuldades de implantação de uma efetiva Democracia, num país que emergiu do totalitarismo (referia-se à Itália pós-fascismo), aponta que uma delas reside em que os defensores do conservadorismo costumam se valer de expedientes dessa natureza, para deixar de fazer cumprir os preceitos Constitucionais democráticos. Afirma que após a constituição de 1.948 esse fenômeno se evidenciou na prática italiana. A fim de contornar e evitar a aplicação de certos princípios determinados pela Nação, por seus representantes, os conservadores de toda ordem buscaram na necessidade de legislação ordinária complementar - cuja edição retardavam ao máximo, ou simplesmente impediam - a desculpa para a não implantação imediata como se impunha.

É o mesmo fenômeno que aqui ocorre atualmente, a exigir do aplicador da lei uma interpretação mais atual e consentânea com a realidade. Cada vez mais nota-se que o intérprete deve se afastar das meras interpretações literais ou gramaticais, que, em geral, não levam à verdadeira vontade da lei, que é a que deve prevalecer sobre a própria vontade do legislador.

Exige-se hoje a busca da chamada interpretação sistemática do direito, ou seja os preceitos interpretados não isoladamente, mas integrados dentro de todo sistema que constitui o ordenamento jurídico do país."

A Lei de Introdução ao Código Civil dispõe em seu artigo 4º que "quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito." Uma vez que, conforme apontado no item "c", a revogação contida no art. 25 do ADCT não foi suprida pelo Poder Legislativo até o momento, sendo flagrantes sua mora e omissão, eis a quarta razão para que sejam limitados os juros.

Resta demonstrada que a auto-aplicabilidade da taxa constitucional de 12% de juros ao ano se dá mediante a interpretação dos juros reais como margem líquida do banco, eis que fica comprovada, de igual forma, a impossibilidade dessa taxa cobrir todos os encargos do Embargado. De outro giro, fica evidenciado que as abusivas taxas praticadas devem ser reduzidas, mediante a aplicação dos princípios constitucionais da eqüidade e da razoabilidade. Tendo por base as tabelas e fundamentos desenvolvidos neste decisum, firmo in concreto a taxa de juros remuneratórios em 3% (três por cento) ao mês, e não 4,1% (quatro vírgula um por cento) ao mês como originalmente contratado.

Assim sendo, de tudo o que foi explanado, este Juízo decide pelo arbitramento da atualização do capital mutuado e dos juros remuneratórios da seguinte forma:

I-aplicação da Taxa Referencial (TR), mantendo-a como originariamente pactuada o pacto originário efetivado pelos contratantes no primeiro contrato, servindo a referida taxa como atualização do valor da moeda, devendo a mesma incidir sobre todo o período, eis que nulos são os contratos posteriores;

II-aplicação da taxa de juros remuneratórios de 3% (três por cento) ao mês em substituição da taxa de 4,1% pactuada no primeiro contrato, com a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta-corrente de ano a ano (capitalização anual), nos termos do art. 4º da Lei de Usura- Nesse sentido, TJAC na Ap. Cível nº 606/95). Esse percentual de 3% de juros remuneratórios, comparado com os índices apontados e praticados pelo Banco Embargado, incorpora, na média, todos os componentes da operação bancária referendados pelo Banco Central, como alhures exposto, sem prejuízo ao Embargado de uma razoável margem de lucro, condizente com a atual realidade econômica do país.


DA MULTA CONVENCIONAL

Insurge-se o Embargante em relação à multa contratual de (dez por cento), alegando ser o valor abusivo.

Nesse ponto não prosperaria o pedido formulado pelo Embargante, eis que a Lei nº 9.298/96, que limitou a multa prevista no § 1º do art. 52 do Código de Defesa do Consumidor em dois por cento, foi sancionada em 1º de agosto de 1996, entrando em vigor com a sua publicação.

Nesse sentido apontam os REsps 218.008/MS (25/10/99), 188.434/ RS (05/04/99) e 192.181/MG, dispondo o acórdão deste último:

Acórdão REsp 192181/MG; RECURSO ESPECIAL (1998/0076872-6) DATA:25/09/2000 Fonte DJ PG:00105

Relator(a) Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA (1088) Data da Decisão 29/06/2000 Órgão Julgador T4 - 4ª TURMA Ementa: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CONTRATO CELEBRADO E OBRIGAÇÃO VENCIDA ANTES DA LEI 9.298/96. INAPLICABILIDADE DO LIMITE PREVISTO NO ART. 52 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.MULTA CONTRATUAL. INADIMPLEMENTO DA OBRIGAÇÃO EM SUA INTEGRALIDADE. REDUÇÃO PROPORCIONAL DESA- CONSELHADA NA ESPÉCIE. RECURSO PROVIDO. I - Na linha dos precedentes desta Corte, não se aplica o limite de 2% (dois por cento) previsto no Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), art. 52, aos contratos celebrados antes da vigência da Lei 9.298/96, que alterou o dispositivo para estabelecer esse limite. II - Não se mostra razoável, na espécie, a redução da multa livremente pactuada em dez por cento sobre o valor do débito, tanto em face da inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor quanto do descumprimento da obrigação em sua integralidade. III - Tendo a sentença fixado o ajuizamento da ação como termo inicial da correção monetária e vedado a comissão de permanência, não incorre em reformatio in pejus o acórdão que concede a correção desde o vencimento da obrigação, uma vez melhorada a situação do recorrente. Decisão :Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer em parte do recurso e, nessa parte, dar-lhe provimento. Votaram com o Relator os Mins. Barros Monteiro, Cesar Asfor Rocha e Aldir P. Júnior. Ausente, justificadamente, o Min. Ruy Rosado de Aguiar.

Todavia, o Superior Tribunal acolheu a redução do valor da multa convencional antes da vigência da referida Lei, com fulcro no art. 924 do Código Civil (v.g., REsps 72.431/DF e 11.527/SP), tendo tal entendimento por base a análise do caso concreto, conforme explicitado no REsp 192.181/MG, in verbis:

" A redução proporcional, como se vê, depende das circunstâncias de cada caso concreto, em que se deve avaliar o comportamento das partes envolvidas. Neste sentido, a lição de Marco Aurélio S. Viana:

‘Ressaltamos que, na hipótese do art. 924, a redução não é obrigatória, encerrando o preceito mera faculdade. O juiz reduz segundo as circunstâncias do caso. Examinará a boa-fé do devedor, seu bom procedimento, os resultados auferidos pelo credor com a execução parcial, a atuação das partes no feito, etc. A redução, nessa hipótese, não é inflexível, podendo ser desaconselhada pelas circunstâncias’ (Curso de Direito Civil, v. 4, Del Rey, 1995, cap.14, nº5, p.145).

Na espécie, o inadimplemento se deu em totalidade e não parcialmente, não se mostrando razoável e recomendável a redução de multa convencionada abaixo de dez por cento, ante a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor. Aliás, nos casos de devolução de prestações pagas, esta Corte tem em regra admitido o abatimento da décima parte das parcelas como aplicação da razoabilidade e análise da situação concreta. A respeito, dentre tantos, os REsps 45.333-SP (DJ 20/11/95) e 41.493-RS (DJ 29/10/96), de que fui relator, ambos com esta ementa no particular:

‘— Mesmo celebrado o contrato antes da vigência do Código de Defesa do Consumidor, o que impunha considerar eficaz previsão contratual de perda das quantias pagas pelo promissário adquirente, pode o juiz, autorizado pelo disposto no art. 924, CC, reduzi-la a patamar justo, com o fito de evitar enriquecimento sem causa, que de sua imposição integral adviria à promitente vendedora. Circunstâncias específicas do caso impõem a perda de 10% (dez por cento) do que foi pago pelos compradores’. "

Compulsando os autos verifica-se que a dívida foi contraída em 19/10/94, com vencimentos mensais e término em 19/09/95. Conforme os cálculos apresentados pelo próprio Embargante às fls. 53, o primeiro pagamento deu-se apenas em 09/12/96, ou seja, mais de ano após o prazo para término da obrigação. Todavia, a análise da abrupta elevação da dívida contraída, passando de R$ 3.000,00 para R$ 16.152,15 em menos de 10 meses, só é explicável mediante a abusiva aplicação mensal da multa de 10% (dez por cento) sobre o valor total da dívida, e não das prestações vencidas.

O primeiro contrato celebrado (fls.25) dispõe que:

"08- INADIMPLEMENTO- Sobre os valores da obrigação em atraso, incidirão, em substituição aos encargos da normalidade: a)COMISSÂO DE PERMANÊNCIA calculada a taxa de mercado, conforme facultam as Resoluções 1.129 e 1.572, de 15.08.86 e 18.01.89, respectivamente, do Banco Central do Brasil; MULTA DE 10% incidente, nas datas das amortizações, sobre os valores atualizados e na liquidação final, sobre o saldo devedor apresentado naquela data; c)JUROS MORATÓRIOS a taxa de 1% ao ano, calculados pelo método exponencial. Os encargos de que tratam os itens "a", "b" e "c" retro serão calculados, debitados/capitalizados e exigidos nas datas das amortizações e na liquidação da dívida" (destaquei)

Ainda que pudesse pairar alguma dúvida quanto a correta interpretação da aplicação da multa, elucidativa se torna a mesma cláusula de inadimplemento no contrato posterior (fls.29), que evidencia a prática abusiva na cobrança da multa :

"TERCEIRA INADIMPLEMENTO- Em caso de inadimplência desta operação, sobre os valores em atraso, incidirão, em substituição, aos encargos de normalidade: a) COMISSÂO DE PERMANÊNCIA calculada a taxa de mercado, conforme facultam as Resoluções 1.129 e 1.572, de 15.08.86 e 18.01.89, respectivamente, do Banco Central do Brasil; b) Multa de 10% (dez por cento) incidente, nas datas das amortizações, sobre os valores a dele oriundas, aí compreendidos: principal, comissão, reajuste monetário, juros, outros acessórios e quaisquer despesas, independentemente de qualquer aviso ou interpelação judicial ou extrajudicial (destaquei)

O Superior Tribunal de Justiça, julgando esta mesma questão da aplicação da multa, afastou esse tipo de conduta, assim se manifestando:

Acórdão REsp 231208/PE ; Fonte DJ DATA:19/03/2001

Relator(a) Min. RUY ROSADO DE AGUIAR (1102)

Data da Decisão 07/12/2000 Orgão Julgador T4 - 4ª TURMA Ementa :CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. Financiamento para aquisição de automóvel. Aplicação do CDC.

O CDC incide sobre contrato de financiamento celebrado entre a CEF e o taxista para aquisição de veículo. A multa é calculada sobre o valor das prestações vencidas, não sobre o total do financiamento (art. 52, § 1º, do CDC). Recurso não conhecido.

Decisão Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da QUARTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Votaram com o Relator os Srs. Ministros ALDIR PASSARINHO JUNIOR, SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, BARROS MONTEIRO e CESAR ASFOR ROCHA. (destaquei)

Destarte, provada a abusividade cometida pelo Banco Embargado, aplicável, in casu, a redução da multa convencionada, com fulcro no art. 924 do CC, o que ora faço, fixando-a em 2% (dois por cento) sobre o valor das prestações vencidas.


DA COMISSÃO DE PERMANÊNCIA

Imprescindível, primeiramente, a definição da natureza jurídica da comissão de permanência:

"A comissão de permanência e a correção monetária são institutos afins que têm a mesma finalidade de atualizar o valor da dívida, havendo de preferir-se esta àquela, que deriva da lei, formal e materialmente." TAMG- Apelação Cível 0326391-2 DJ: 04/04/2001."

"A comissão de permanência possui o mesmo objetivo da correção monetária, qual seja, manter o valor da dívida atualizado. É o entendimento que norteia os Tribunais do país, inclusive esse egrégio Tribunal.

Pelo fato da comissão de permanência representar um encargo excessivamente alto para a atualização da dívida, melhor se afigura a sua substituição pelo INPC, conforme tem-se decidido constantemente nessa douta Câmara, devendo proceder-se com a reforma do julgado. comissão de permanência representa encargo alto para a atualização da dívida e, por ter natureza de correção monetária, deve ser substituída pelo INPC."

TAMG- Apelação Cível 0331149-1 Ano: 2001 DJ: 28/03/2001

Em função de possuírem a mesma natureza jurídica, qual seja, atualização da moeda em função da inflação durante o período, incide a Súmula 30 do STJ, de 09/10/1991, que dispõe que "a comissão de permanência e a correção monetária são inacumuláveis".

Além do mais, a estipulação de uma taxa cujo percentual é desconhecido para o mutuário, sendo estabelecida unilateralmente pela instituição bancária, encontra óbice no artigo 115 do Código Civil e na súmula 176 do STJ, que dispõem, respectivamente:

Art. 115. São lícitas, em geral, todas as condições, que a lei não vedar expressamente. Entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o ato, ou o sujeitarem ao arbítrio de uma das partes.

Súmula 176 - É nula a cláusula contratual que sujeita o devedor à taxa de juros divulgada pela ANBID/CETIP.

Nesse sentido manifestou-se o TJRS nas Apelações Cíveis nº 70000021667, nº 700000928747, nº 197185630 e nº 70000067306, dispondo este último acórdão:

Contrato particular de confissão de dívida. Ação revisional cumulada com repetição de indébito. Revisão dos contratos extintos. Impossibilidade, salvo na hipótese do art. 1007 do CC. Resguardo aos princípios da segurança jurídica e a boa-fé objetiva. Encargos ilegais. É ilegal a adoção da TBF como referencial de correção monetária, pois constitui-se em índice de remuneração do capital ao nuto exclusivo de uma das partes. Mantidos os juros de 1,2% a. m., porque não abusivos. Adota-se o IGPM, pois tido pela jurisprudência como melhor forma de repor as perdas monetárias. Repetição do indébito. É indevida quando a parte não demostra que o pagamento se deu por erro. Art.965 do C. Civil. Órgãos de proteção ao crédito. Inscrição. Estando em discussão a dívida, não cabe o cadastramento do nome do devedor junto aos órgãos de proteção ao crédito. Revisão contratual. Possibilidade. Não é carecedor de ação de autor, quando o mero exame do pacto esclarece sobre os abusos praticados pelo banco. Os princípios da liberdade contratual e da força obrigatória dos contratos tem se tornado relativos, em face da evolução doutrinária e jurisprudencial. Capitalização. O possível é a anual. Hipótese que não se enquadra em qualquer das exceções legais. Multa. Não cabe a redução para 2% quando tanto o contrato como a consolidação da dívida se deram em data anterior à lei 9298/96. A alteração legislativa tem aplicação imediata, mas não tem efeito retroativo. Decisão que deve respeitar ao ato jurídico perfeito. Encargos moratórios. Ilegalidade da cláusula que prevê a cobrança de comissão de permanência, no caso de inadimplemento, com base em taxas de mercado. Violação do art. 115, do C. Civil e da súmula 176 do STJ. Apelos parcialmente providos ( Apelação Cível nº 70000067306, 20ª Câmara Cível do TJRS, Espumoso, Rel. José Aquino Flores de Camargo, j. 14.09.1999)

Mutatis mutantis, acompanha o Código de Defesa do Consumidor, que assim dispõe:

Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:

I-omissis

II-omissis

III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem; (sublinhei)

A simples utilização no contrato da expressão "comissão de permanência", assim como do termo "Sistema Price" (fls 26), já mostram clara infringência ao art. 46 do mesmo diploma legal:

CDC - Art. 46. Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance. (sublinhei)

No caso concreto, além de estar pactuada, há que se considerar ainda que, sendo a TR a taxa utilizada para atualização do valor da moeda na poupança, referência maior para a imensa maioria da população brasileira, nada mais justo que seja este o índice utilizado para corrigir o capital emprestado. Além do mais, repise-se, foi este o índice pactuado ab initio.

RE-175678 / MG Relator(a) Min. CARLOS VELLOSO Publicação DJ04-08-95

EMENTA:CONSTITUCIONAL. CORRECAO MONETARIA. UTILIZACAO DA TR COMO INDICE DE INDEXACAO.

I. - O Supremo Tribunal Federal, no julgamento das ADIns 493, Relator o Sr. Ministro Moreira Alves, 768, Relator o Sr. Ministro Marco Aurélio e 959-DF, Relator o Sr. Ministro Sydney Sanches, não excluiu do universo jurídico a Taxa Referencial, TR, vale dizer, não decidiu no sentido de que a TR não pode ser utilizada como índice de indexação. O que o Supremo Tribunal decidiu, nas referidas ADIns, e que a TR não pode ser imposta como índice de indexação em substituição a índices estipulados em contratos firmados anteriormente a Lei 8.177, de 01.03.91. Essa imposição violaria os princípios constitucionais do ato jurídico perfeito e do direito adquirido. C.F., art. 5., XXXVI.

II. - No caso, não há falar em contrato em que ficara ajustado um certo índice de indexação e que estivesse esse índice sendo substituído pela TR. E dizer, no caso, não ha nenhum contrato a impedir a aplicação da TR.

III. - R.E. não conhecido.

Acórdão AGA 322628/RS ; AGR. REG. NO AGR. INSTR. Fonte :DJ DATA:11/12/2000 PG:00201

Relator(a) Min. CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO Data da Decisão 09/11/2000 Orgão Julgador T3 - 3ª TURMA Ementa : Agravo regimental. Recurso especial não admitido. Contrato bancário. Correção monetária. TR.

1. O entendimento desta Corte é firme no sentido de que a TR pode ser utilizada como índice de correção monetária, desde que pactuada.

2. No presente caso não ficou esclarecido qual o índice efetivamente pactuado. Nessa hipótese, deveria o recorrente opor os competentes embargos de declaração para esclarecer o Acórdão recorrido e viabilizar o exame da questão em sede de recurso especial, o que não logrou fazer.

3. Agravo regimental desprovido.

Decisão: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Senhores Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Participaram do julgamento os Senhores Ministros Nancy Andrighi e Ari Pargendler. Ausentes, justificadamente, os Senhores Min. Antônio de Pádua Ribeiro e Waldemar Zveiter.


DA REPETIÇÃO DE INDÉBITO

O Embargante inclui em seu petitório a devolução, em dobro, das parcelas pagas a mais, aduzindo quanto à ilegalidade da retenção de proventos para compensação do débito existente em conta corrente.

Dado o caráter alimentar dos salários depositados em conta corrente, realmente abusiva é a retenção dos mesmos.

Nesse sentido:

27081531 – RESPONSABILIDADE CIVIL – BANCO – RETENÇÃO DE SALÁRIOS – INADIMPLÊNCIA DO CORRENTISTA – Mostra-se abusiva a retenção integral dos vencimentos de servidor público para cobertura de débito relativo a cheque especial. Procedimento que não se confunde com as operações normais de débito e crédito durante a execução normal do contrato. (TJRS – AC 599.319.506 – 9ª C.Cív. – Relª Desª Maria Isabel Broggini – J. 29.03.2000)

9017752 JCPC.649.IV JCPC.649 JCF.5.LIV JCF.5 JCF.7.X JCF.7 – AGRAVO DE INSTRUMENTO – BANCO – CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO EM CONTA CORRENTE – RETENÇÃO DE SALÁRIO PARA SATISFAÇÃO DE CRÉDITO – INADMISSIBILIDADE – CONDUTA QUE FERE AS DISPOSIÇÕES DOS ARTS. 5º, LIV E 7º, X, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, OS QUAIS VISAM A PROTEÇÃO DO SALÁRIO E IMPEDE A PRIVAÇÃO DE BENS DO DEVEDOR SEM UM ANTERIOR PROVIMENTO JURISDICIONAL – IMPENHORABILIDADE DOS VENCIMENTOS DOS SERVIDORES PÚBLICOS (ART. 649, IV, DO CPC) RECURSO DESPROVIDO – 1. Se os valores de salário não podem sofrer constrição judicial, exceto na hipótese de execução por dívida de alimentos, muito menos o banco credor tem o direito à retenção "sponte" própria dos vencimentos do devedor creditados em conta corrente, porque tais verbas têm natureza alimentar. 2. Nas contas de cheque especial, a contar do momento que o banco passa a impedir a sua livre movimentação, não pode reter os vencimentos do cliente, funcionário público, para cobertura do saldo devedor, compete-lhe buscar seu crédito por outros meios. (TAPR – AI 0152408-1 – (11610) – 7ª C.Cív. – Rel. Juiz Waldemir Luiz da Rocha – DJPR 27.10.2000)

Este juízo, via de regra, em sede de Execução assim tem decidido, impedindo que os vencimentos que venham a ser depositados em conta corrente sofram constrição judicial, e, permitindo ainda, que sejam levantados os recentemente bloqueados.

Porém, tratam-se de casos em que os devedores, logo assim que desprovidos das verbas de caráter alimentar, requereram o desbloqueio da conta. Dado a especificidade da destinação das verbas, que deveriam ser utilizadas para o sustento próprio e familiar do Embargante, oportuna se faz a perquirição sobre o lapso temporal em que as referidas verbas mantém seu caráter alimentar. Vejamos:

"Acórdão HC 15612/BA;HABEAS CORPUS (2001/000311-7) Fonte DJ DATA:27/08/2001 PG:00338

Relator(a) Min. BARROS MONTEIRO (1089)

Data da Decisão 22/05/2001 Orgão Julgador T4 - 4ª TURMA Ementa :EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. INTIMAÇÃO DO ALIMENTANTE PARA PAGAR A INTEGRALIDADE DAS PRESTAÇÕES, DE UMA SÓ VEZ. INADMISSIBILIDADE. PAGAMENTO DASTRÊS ÚLTIMAS PARCELAS. INADIMPLEMENTO QUANTO ÀS VINCENDAS. - Segundo a jurisprudência firmada por esta Corte, a prisão civil do alimentantes apenas se justifica quando se tratar de débito atual. Havendo o paciente solvido as três últimas parcelas devidas quando do momento de sua intimação, deve continuar pagando as que se vencerem posteriormente até ulterior deliberação do Juízo. As prestações pretéritas serão executadas segundo o disposto no art. 732 do CPC. Ordem concedida parcialmente."

Entende a melhor doutrina, assim como a jurisprudência, que as verbas de caráter alimentar perdem essa característica com a inércia da parte credora. Nesse sentido:

"Art. 733:7: ‘ A prisão civil não deve ser tida como meio de coação para o adimplemento de parcelas atrasadas de obrigação alimentícia — acumuladas por inércia da credora — já que, com o tempo, a quantia devida perde o cunho alimentar e passa a ter caráter de ressarcimento de despesas realizadas (HC 75.180-MG, rel. Min. Moreira Alves, j. 10.06.97; ‘apud’ Inf STF 75, de 9.6.97, p.2)" in Theotônio Negrão, CPC, 31ª Ed., 2000, p. 730)

Tendo sido a ação proposta em 19/04/99 e a última retenção de salário se dado em 23/12/98, afastada fica a incidência de caráter alimentar sobre os valores retidos.

Quanto ao pedido de devolução em dobro, mister se faz observar a argumentação expendida pelo Ministro Marco Aurélio, por ocasião de seu voto na ADin 4-7 /DF:

"Mas, Senhor Presidente, Senhores Ministros, ouso lançar, no caso, um temperamento.

Considerando que na aplicação da lei o julgador deve ter presente o bem social, repousando este, principalmente, na estabilidade das relações jurídicas; considerando que a decisão proferida na ação direta de inconstitucionalidade tem, a par do conteúdo declaratório, como ocorre com as decisões em geral, efeito constitutivo, sendo sedimentada a jurisprudência desta Corte quanto à desnecessidade de comunicação do que decidido ao Senado Federal para que suspenda a eficácia do ato normativo, ao contrário do que ocorre no controle incidental; considerando que até aqui as taxas cobradas tiveram rótulo discrepante do conteúdo, sendo utilizadas também para compensar alegada falta de sintonia entre a inflação e os fatores de correção monetária; considerando a data do ajuizamento da demanda e o fato de se haver requerido a concessão de liminar, negada pela Corte, concluo no sentido do estabelecimento de efeitos ex nunc, potencializando, assim, o cunho constitutivo negativo da decisão."

Tal entendimento quanto a necessidade de ser observada a estabilidade jurídica veio a ser corroborado, posteriormente, na Lei nº 9.868/99, que dispôs em seu artigo 27:

"Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de 2/3 (dois terços) de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado"

Assim sendo, indefiro o pedido de restituição das parcelas retidas indevidamente pela instituição bancária, o que faço com base nos seguintes motivos:

a) a uma, porque, dado o tempo transcorrido para interposição da ação, não se podem caracterizar os valores retidos como verbas alimentícias, conforme explicado alhures, não havendo ainda o Embargante comprovado qualquer prejuízo;

b) a duas, pelo fato do Embargante, pelo menos em duas oportunidades, em 11/03/98 e 16/04/98, conforme conta dos extratos bancários carreados aos autos às fls. 46, haver efetuado saques, evitando a indevida retenção. O primeiro deu-se no mesmo dia do depósito e o segundo cerca de uma semana após, mostrando que o mesmo dispunha da faculdade de evitar que o banco compensasse automaticamente os débitos existentes. Aplicável, in casu, o adágio latino "dormientibus nom succurrit ius";

c) a três, porque o parágrafo único do art. 42 do Código de Defesa do Consumidor estabelece a exceção "salvo hipótese de engano justificável", para afastar a repetição do indébito, sendo que a doutrina e a jurisprudência vacilam quanto à possibilidade de retenção. Nesse sentido:

DANO MORAL – CHEQUE OURO – RETENÇÃO DE VENCIMENTOS NA CONTA BANCÁRIA – E próprio dos chamados cheques especiais que, sendo utilizado o limite, os depósitos feitos na conta sirvam para amortizar ou cobrir o saldo negativo. Indemonstrado que a correntista não era livre para receber os vencimentos por outro banco, não há fundamento para o alegado dano moral. Recurso improvido. (TJRS – APC 599432952 – 1ª C.Cív.Esp. – Rel. Des. Adão Sergio do Nascimento Cassiano – J. 11.04.2000) (destaquei)

d) a quatro, em razão da necessidade da manutenção da segurança e da estabilidade jurídica, conforme aduzido anteriormente, haja vista que a repetição de indébito somente seria possível em relação a valores pagos a mais em período recente, não sendo o caso da presente ação, que foi proposta após transcorridos mais de dois anos do primeiro pagamento.


DA NULIDADE DOS CONTRATOS POSTERIORES

Mediante a conduta abusiva da instituição financeira, acarretando extrema dificuldade para o Embargante purgar sua mora, através da cobrança de multa sobre o total da dívida, além da exigência de juros em muito superiores aos que o próprio Banco Central aponta como média, julgo nulos os contratos posteriores, devendo a dívida (empréstimo originário) ser atualizada conforme explicitado alhures.

Com a anulação dos contratos posteriores ao primeiro perece também a hipoteca e conseqüente penhora realizada sobre o imóvel do Embargante, devendo a mesma ser cancelada, assim como o nome do Embargante deve ser excluído de qualquer órgão de restrição de crédito.

DA OMISSÃO DO ÓRGÃO FISCALIZADOR

— O BANCO CENTRAL DO BRASIL —

PROCURANDO JUSTIFICAR ATO NORMATIVO

— A MEDIDA PROVISÓRIA Nº 2.170-36 —

FLAGRANTEMENTE INCONSTITUCIONAL

Dentre as atribuições do Banco Central do Brasil, explanadas em sua "home page", encontra-se o seguinte:

"Para atingir os objetivos propostos nos macroprocessos, tendo em vista o conjunto de atribuições legais e regulamentares, as funções do Banco Central são:

a) formulação, execução e acompanhamento da política monetária;

b) controle das operações de crédito em todas as suas formas;

c) formulação, execução e acompanhamento da política cambial e de relações financeiras com o exterior;

d) organização, disciplinamento e fiscalização do Sistema Financeiro Nacional e ordenamento do mercado financeiro;

e) emissão de papel-moeda e de moeda metálica e execução dos serviços do meio circulante."

"2 - CONTROLE DAS OPERAÇÕES DE CRÉDITO

O Banco Central divulga as decisões do Conselho Monetário Nacional, baixa normas complementares e executa o controle e a fiscalização a respeito das operações de crédito em todas as suas modalidades. Nesse sentido, de acordo com os objetivos estabelecidos pela política econômica, pode atuar inclusive no contingenciamento do crédito ao setor público, monitorando o cumprimento de limites para o seu endividamento por intermédio do sistema financeiro. Semelhante procedimento pode ser adotado para o setor privado." (grifei)

Mediante a omissão do Banco Central, o Ministério Público Federal, através de sua Procuradoria da República no Estado do Acre, ajuizou ação civil pública para impedir que vários bancos do Estado do Acre, com amparo na Medida Provisória nº 2.087-29 de 2001, praticassem a capitalização de juros em períodos inferiores a um ano, mesmo que convencionado em contrato. Tal M.P., reeditada sucessivamente, teve os atos praticados com base na vigência de sua última reedição, a de numero 35, "convalidados" pela M.P. nº 2.170-36 que dispõe em seu artigo 5º :

Art. 5º Nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, é admissível a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano.

Parágrafo único. Sempre que necessário ou quando solicitado pelo devedor, a apuração do valor exato da obrigação, ou de seu saldo devedor, será feita pelo credor por meio de planilha de cálculo que evidencie de modo claro, preciso e de fácil entendimento e compreensão, o valor principal da dívida, seus encargos e despesas contratuais, a parcela de juros e os critérios de sua incidência, a parcela correspondente a multas e demais penalidades contratuais.

Fundou-se a ação na inconstitucionalidade daquela MP, em face da ausência de urgência e relevância, requisitos constitucionais para a edição de medidas provisórias (art. 62, CF 88), além de ofender frontalmente o disposto no artigo 192 da Carta Magna, que reserva exclusivamente à Lei Complementar a regulamentação do Sistema Financeiro Nacional.

Já tendo sido abordada exaustivamente a questão da necessidade, ou não, de lei complementar, cabe a análise apenas sobre os fundamentos dessa referida ação civil pública, a fim de se evitar tautologia.

Vejamos primeiramente o contexto em que tal artigo foi inserido no ordenamento jurídico. O artigo guerreado originou-se como a MP nº1.963-17 de 30/03/2000, sucedendo-se então as M.P.s nº 2.087 e nº 2.170 que "convalidaram", em suas diversas edições, as imediatamente anteriores. Assim, após a edição da primeira M.P. que tratou do assunto, ou seja, a M.P. nº 1.782 de 14/12/98, foi inserido o artigo 5º, já havendo naquela data decorridos mais de dois anos da MP originária.

Os argumentos expendidos à época para justificar a edição da referida M.P. são uma verdadeira "pérola", não se prestando para o fim a que inicialmente se destinavam, mas sim para robustecer, hoje, o acerto da decisão tomada neste processo.

Com a palavra os Procuradores do Banco Central do Brasil:

"O chamado anatocismo, como se sabe, é a incorporação dos juros ao valor principal da dívida, sobre a qual incidem novos encargos. Na prática usual no mercado financeiro, os juros sobre o capital referentes a um determinado período (mensal, semestral, anual) são incorporados ao respectivo capital, compondo um montante que servirá de base para nova incidência da taxa de juros convencionada."

"O Supremo Tribunal Federal - STF, interpretando o art. 4º da Lei de Usura, e conferindo a este dispositivo caráter público, editou a Súmula nº 121, cujo enunciado explicita a vedação à capitalização de juros em período inferior ao anual, ainda que expressamente convencionada. Nas operações regidas por leis especiais onde haja expressa autorização legal, contudo, sempre entendeu o Supremo Tribunal Federal que é permitida a capitalização de juros de acordo com o período avençado (R.E nº 90.341/PA e R.E nº 96.875/RJ)."

"No mesmo sentido, o entendimento sumulado do Eg. Superior Tribunal de Justiça – STJ expresso na Súmula nº 93, verbis- "A legislação sobre cédulas de crédito rural, comercial e industrial admite o pacto de capitalização de juros". O tema, aliás, também não é alvo de qualquer controvérsia no âmbito dos Tribunais Regionais Federais e Tribunais Estaduais, que têm conferido plena exeqüibilidade a estes títulos"

"Conforme assevera Gustavo Loyola, no artigo "A pior maneira de reduzir os juros", publicado no jornal "O Estado de São Paulo", de 23/04/2000, a possibilidade de capitalização de juros, ao contrário do que sustentam os opositores da medida, é prática usual no mercado financeiro internacional e representa um forte fator de redução das taxas de juros, mormente num sistema como o nosso, em que as taxas são livres, fixadas pelo próprio mercado. E prossegue acentuando que "a vedação à capitalização de juros sobre juros...apenas prejudica a necessária transparência que deve haver nos contratos financeiros por forçar os bancos a embutir nas taxas nominais de juros um adicional equivalente à capitalização".

A Exposição de Motivos da Medida Provisória nº 1963-17, subscrita pelo Ministro da Fazenda Pedro Malan, lembra a necessidade de adequação das taxas primárias (com base nas quais as instituições remuneram os recursos nelas aplicados) e aquelas cobradas dos tomadores de financiamentos (o chamado "spread"), e ressalta a capitalização de juros em período inferior ao anual como forma de redução da diferença entre as taxas praticadas, pela diminuição do riscos das operações. Conclui ainda que, mantida a disciplina do Decreto nº 22.626/33, "o devedor pontual em seus pagamentos está, pela via reflexa, financiando aqueles que deixam de honrar seus compromissos".

"A vedação à cobrança de juros sobre juros, portanto, não reduziria os encargos para os mutuários, influindo diretamente no aumento das taxas para todos os devedores, onerando injustamente a grande maioria composta pelos que solvem seus compromissos pontualmente. Mantida a vedação da capitalização de juros em período inferior ao anual, os devedores de grandes quantias seriam, estes sim, beneficiados, em detrimento dos pequenos mutuários, vez que o risco de crédito seria repassado a todos os tomadores de recursos."

De todo o exposto, verifica-se que a capitalização de juros é permitida pelo nosso sistema jurídico desde o Código Comercial de 1850, variando, a partir de então, apenas a periodicidade de sua cobrança. A Medida Provisória nº 1963-17 apenas possibilitou a capitalização em período inferior ao anual, e somente nas operações realizadas por instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional. A vedação à capitalização de juros, conforme demonstrado, pode influir no aumento das taxas de juros nominais, em detrimento da desejada queda das taxas de mercado." In Presidência da República Subchefia para Assuntos Jurídicos. Revista Jurídica Virtual Nº 12 - MAIO / 2000 A capitalização de juros no nosso sistema jurídico - José Coelho Ferreira Procurador-Geral do Banco Central; Paulo Álvares Babilônia e Theresa Karina de F. G. Barbosa Procuradores do BC.

Fossem os Srs. Procuradores banqueiros a defender as teses acima apontadas, e não operadores do direito, não seria tanto o espanto em detectar tão grave ofensa ao nosso ordenamento jurídico e, diga-se de passagem, ofensa até mesmo ao próprio bom senso.

Em uma linha de raciocínio que aponta súmulas do STF e do STJ (neste com exceções) como impeditivas para a capitalização em períodos inferiores a um ano, os citados Procuradores do BC referendam a prática abusiva, usurária e, conforme se depreende das suas próprias referências, ILEGAL, das instituições bancárias, visando com isso justificar a malfadada Medida Provisória.

É bem verdade que a supramencionada medida provisória, editada mais recentemente, não acoberta em nenhuma hipótese a pretensão de capitalizar juros no período anterior à sua edição, em respeito ao direito adquirido do mutuário.

Porém, sendo óbvia a capitalização de juros pelo Embargado no caso sub examine, antes e depois da M.P., resta averiguar se este ato normativo (a M.P. 2.170-36), tem ou não alguma eficácia frente aos princípios e normas da Carta Maior.

Mesmo com o advento dessa M.P., não vingaria a pretensão do Banco-Embargado, como se verá adiante, em face da sua flagrante inconstitucionalidade, já que se trata de uma medida provisória, naufragando em seu desiderato em função de:

a) a uma, conflitar com o texto constitucional, em função da auto-aplicabilidade do § 3º do artigo 192 CF, pois a limitação das taxas de juros em 12% anuais implica, caso seja permitida a capitalização, na definição de juros mensais, com certeza inferiores a 1% (um por cento);

b) a duas, em não se entendendo como auto-aplicável o disposto no artigo 192 da CF, deveria este ser regulamentado por Lei Complementar, sendo inadmissível sua substituição por medida provisória;

c) a três, admitindo-se tal hipótese apenas por exercício de raciocínio, não subsiste a medida provisória por si só, eis que ausentes os seus requisitos essenciais, ou seja, o caráter de urgência e de relevância;

Os atos normativos, como ocorre com as MP não escapam do controle difuso do juiz sentenciante, reconhecendo-a inconstitucional diante do caso in concreto.

"... No sistema-jurídico-constitucional brasileiro, o juiz é essencial e substancialmente julgador, função jurisdicional estritamente vinculada à lei, encastoando-se do poder do jus dicere, descabendo-lhe recusar cumprimento à legislação em vigor (salvante se lhe couber declarar-lhe a inconstitucionalidade), sob pena de exautorar princípios fundamentais do direito público nacional.... " (REsp nº 201972/RS, 1ª Turma do STJ, Rel. Demócrito Reinaldo).

A inconstitucionalidade resulta flagrante no caso em apreço, cabendo a este Juízo sobre ela se manifestar, eis que a parte Embargante suscitou a cobrança abusiva, ilegal e inconstitucional dos juros por parte do Embargante.

Cabe ressaltar, mais uma vez, que essa MP vem sendo considerada inconstitucional em face da ausência de urgência e relevância, requisitos constitucionais para a edição de medidas provisórias (art. 62, CF 88), além de ofender frontalmente o disposto no artigo 192 da Carta Magna, que reserva exclusivamente à Lei Complementar a regulamentação do Sistema Financeiro Nacional.

Sobre essa matéria o E.Tribunal Regional Federal da 1ª região já se manifestou em quatro oportunidades distintas (Agravos de Instrumento nº 2001.01.00.023787-2/AC, nº 2001.01.00.025630-3/AC e nº 2001.01.00.023074-6/AC, e Suspensão de Segurança nº 2001.01.00.026332-6/AC ), mantendo a decisão do juízo a quo, diga-se de passagem, oriunda da Seção Judiciária do Estado do Acre.

As personalidades do Banco Central citadas no referido artigo acabam por dirimir qualquer dúvida quanto à ciência das autoridades maiores em relação ao sistemático descumprimento da lei. Com isso, evidencia-se que em face da mora do Poder Legislativo e da inércia do Poder Judiciário ex surge o Poder Executivo, a todos atropelando e, através da "permanente convalidação dos atos praticados", usurpa os poderes dos demais, fazendo ouvidos de mercador às inúmeras decisões de primeiro e segundo grau que há muito vem coibindo a usura que, reconhecidamente institucionalizada, se quer agora legalizar.

Não se pode olvidar que no texto acima transcrito encontram-se remissões de dois ex-presidentes do Banco Central do Brasil, devendo ser ressaltado que o atualmente em exercício foi guindado do posto de renomado agente do mercado financeiro ao que ora ocupa, corroborando a assertiva de que os procuradores que assim se manifestaram sobre o comportamento das instituições financeiras o fizeram com respaldado conhecimento de causa.

Finalizando, cape repisar que, conforme exaustivamente explanado em tópicos anteriores:

a) existem outros fatores embutidos na taxa de spread que são reconhecidos pelo próprio Banco Central como forma de burlar a vedação legal da capitalização, em flagrante afronta ao ordenamento jurídico ainda em vigor;

b) os possíveis prejuízos sofridos pelas instituições bancárias são repassados aos novos tomadores, através de juros "embutidos", mostrando que em nenhuma hipótese arcam os bancos com qualquer prejuízo, devendo ser apurada ainda possível fraude tributária, eis que os valores "ditos não recebidos", consistentes no excesso de cobrança que o banco pratica, são lançados como "prejuízos", reduzindo a base de cálculo para tributação;

c) diferentemente do que aduziram os Procuradores, mesmo com a sucessiva reedição da MP, não houve a esperada redução dos valores das taxas de juros que viessem a refletir a conveniência da referida norma. Tal fato torna-se tão mais evidente quando presenciamos a guerra travada pelo governo para reduzir o preço dos combustíveis nas bombas quando da ocorrência da redução nas refinarias, comprovando a inércia existente do "capital" em reduzir suas margens de lucro quando o consumidor já se encontra descrente e subserviente às regras que lhe são unilateralmente impostas.

d) a esdrúxula tentativa de regulamentar a capitalização de juros através da medida provisória nº 2170-36, e das MPs que lhe antecederam e sucederam, é obviamente inconstitucional, havendo, inclusive, a confissão explícita de procuradores e ex-presidente do Banco Central do Brasil reconhecendo a prática bancária de burlar a lei através da cobrança abusiva de juros. Pelas razões expostas, por uma questão de Justiça e de sobrevivência dos tomadores de empréstimos, DECLARO inconstitucional a Medida Provisória nº 2.170-36.

DA PARTE DISPOSITIVA

Considerando que o próprio Banco Central, conforme apontado anteriormente, não encontra fundamentação para justificar os altos encargos cobrados, reconhecendo, todavia, que "as taxas de juros brasileiras estão atualmente entre as mais elevadas do mundo." (Juros e Spread Bancário - outubro de 1999, introdução, p.3);

Considerando que com o advento do Plano Real, ainda que às custas de recessão econômica, agravamento da distribuição de renda no país, aumento da dívida externa e outras mazelas mais que não cabem aqui discutir, conseguiu-se estancar o processo inflacionário a nível anual de um dígito, sendo os índices mensais, em muitos dos meses, decimais;

Considerando que, como resultado, evidencia-se uma disparidade absurda nas taxas de juros pagas pelas instituições financeiras na captação e das que são cobradas em operações de crédito;

Considerando que o Legislativo, por sua vez, limita-se a apresentar ocasionalmente projetos de lei que venham a regulamentar a matéria, em aparente mise-en-scène, eis que o Poder Judiciário, com sua cota de responsabilidade pela usura institucionalizada pelos bancos, limita-se simplesmente a apontar a flagrante mora legislativa, sepultando a intenção dos legisladores constituintes que estabeleceram o instituto do Mandado de Injunção na Carta de 88 como remédio adequado para correção dessa mazela que já compromete os rumos e o destino do país;

Considerando que o receio de usurpação de poder do Legislativo, faz com que, conforme proclamado por membros da própria Corte Suprema, haja um nivelamento de institutos, passando a ter o Mandado de Injunção eficácia diversa, nivelando-se à Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão;

Considerando que com isso o sistema de "check and balances", ou "freios e contra-pesos", fica limitado apenas ao "check", para muitos sem fundo, ou freios, da economia, do desenvolvimento e, lamentavelmente, da prestação jurisdicional, que se encontra parada há mais de uma década, sem conseguir explicar ao jurisdicionado o motivo de não se poder limitar as taxas de juros, ou, pelo menos, desvendar o mistério do que venham a ser os "juros reais" fixados na Constituição Federal;

Considerando que os bancos, enquanto isso, encontrando terreno fértil e desprovido de guardião, seguem semeando e colhendo os frutos que, embora lhe sejam devidos, dada a falta de controle dos órgãos responsáveis, acabam por tornar estéril o solo em que são plantados, ocasionando a redução do consumo, o fechamento de indústrias, o desemprego e assim por diante, num círculo vicioso que pode ser considerado como verdadeiro "câncer" social;

Considerando que urge neste momento uma revisão dos princípios e teses sustentados pelas autoridades maiores, antes que, fatalmente, venhamos a sofrer conseqüências nefastas, tal como nossos vizinhos argentinos, que, submetendo-se às regras estipuladas pelos capitais alieníginas, vieram a sucumbir em verdadeiro caos institucional;

Considerando que restou evidenciado que a auto-aplicabilidade da taxa constitucional de 12% de juros ao ano se dá mediante a interpretação dos juros reais como margem líquida do banco, eis que comprovado, de igual forma, a impossibilidade dessa taxa cobrir todos os encargos do Embargado demonstrados nas informações do Banco Central do Brasil, e que, de outro giro, restou também cristalino que as abusivas taxas praticadas devem ser reduzidas;

Considerando que a remuneração do capital neste decisum, na forma que foi arbitrada, atende aos interesses de ambas as partes contendoras, em primazia, sobretudo, da aplicação dos princípios da eqüidade e da razoabilidade para afastar a usura que vem assolando o país há mais de uma década;

Considerando que a Medida Provisória nº 2.170-36 é inconstitucional, pois:

a) conflita com o texto constitucional, em função da auto-aplicabilidade do § 3º do artigo 192 CF, eis que a limitação das taxas de juros em 12% anuais implica, caso seja permitida a capitalização, na definição de juros mensais, com certeza inferiores a 1% (um por cento);

b) em não se entendendo como auto-aplicável o disposto no artigo 192 da CF, deveria este ser regulamentado por Lei Complementar, sendo inadmissível sua substituição por medida provisória;

c) por último, admitindo-se tal hipótese apenas por exercício de raciocínio, não subsiste a medida provisória por si só, eis que ausentes os seus requisitos essenciais, ou seja, o caráter de urgência e de relevância;

Considerando, por fim, todos os demais fundamentos já expostos, julgo parcialmente procedentes os presentes Embargos, nos termos do artigo 269, inc. I, do CPC, para:

a. declarar a validade parcial apenas do primeiro contrato firmado entre o Embargante e o Banco do Brasil S.A.;

b. declarar a nulidade de todas as supostas novações posteriores;

c. determinar a aplicação da Taxa Referencial (TR), mantendo o pacto originário efetivado pelos contratantes em seu primeiro contrato, servindo a referida taxa como atualização do valor da moeda, devendo a mesma incidir sobre todo o período, eis que nulos são os contratos posteriores;

d. determinar aplicação da taxa de juros remuneratórios de 3% (três por cento) ao mês em substituição da taxa de 4,1% pactuada no primeiro contrato, com a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta-corrente de ano a ano (capitalização anual), nos termos do art. 4º da Lei de Usura- Nesse sentido, TJAC na Ap. Cível nº 606/95). Esse percentual de 3% de juros remuneratórios, comparado com os índices apontados e praticados pelo Banco Embargado, incorpora, na média, todos os componentes da operação bancária referendados pelo Banco Central, como alhures exposto, sem prejuízo ao Embargado de uma razoável margem de lucro, condizente com a atual realidade econômica do país.

e. determinar a redução da multa, fixando-a em 2% (dois por cento) sobre o valor originário do empréstimo atualizado;

f. determinar a aplicação de juros de mora de 1%(um por cento)ao ano, conforme pactuado;

g. determinar o cancelamento da hipoteca realizada sobre o imóvel residencial do Embargante, devendo ser oficiado ao respectivo Cartório Imobiliário;

h. declarar a nulidade da penhora efetivada sobre o referido imóvel,

i. determinar a exclusão do nome do Embargante de qualquer órgão de restrição de crédito;

j. declarar a impossibilidade de repetição de indébito sob qualquer rubrica.

K. declarar válidas as amortizações e pagamentos discriminados na presente decisão, devendo os respectivos valores ser abatidos da dívida nas datas do efetivo pagamento ou do depósito a título de amortização, cada um de per si;

l. declarar, ainda, a inconstitucionalidade da Medida Provisória nº 2.170-36 pelos motivos anteriormente expostos.

Como os Embargos foram julgados parcialmente procedentes, sobretudo pelo não reconhecimento do abusivo pacto de Comissão de Permanência, da indevida capitalização mensal usurária de juros e da exorbitante metodologia de aplicação de elevada multa, nos mesmos moldes, reconheço a sucumbência recíproca, razão pela qual determino o rateamento meio a meio das custas processuais e a compensação dos honorários advocatícios, nos termos do art. 21 do Código de Processo Civil. Fica fixada a verba honorária no percentual de 15% (quinze por cento) sobre o valor a ser apurado em liquidação.

Determino ao Cartório que junte cópia da presente decisão aos autos principais de execução forçada de título extrajudicial, correndo o prazo de 10 (dez dias), após o trânsito em julgado, para que o Banco-Embargado apresente na execução memória de cálculo discriminado em conformidade com os parâmetros do presente "decisum", caso ainda remanesça algum crédito, em face das amortizações da dívida realizadas pelo Embargante.

Determino, ainda, sejam remetidas cópias da presente decisão ao Ministério Público Estadual e Federal, para conhecimento e providências que entender necessárias.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Rio Branco - Acre, 18 de janeiro de 2002.

___Adair José Longuini___

Juiz de Direito


Notas

1..Fls. 2/22 e documentos de fls. 23/70

2..Fls. 75/102

3..Fls. 105/118

4..Fls. 42/43

5..Fls. 42/43


Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LONGUINI, Adair José. Limitação constitucional dos juros: análise judiciária e legislativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 56, 1 abr. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/jurisprudencia/16484. Acesso em: 5 maio 2024.