Jurisprudência Destaque dos editores

Limitação constitucional dos juros:

análise judiciária e legislativa

Exibindo página 2 de 4
01/04/2002 às 00:00
Leia nesta página:

DOS JUROS E DA CAPITALIZAÇÃO

Na ADIn nº 4-7/DF o Supremo Tribunal Federal já se posicionou quanto a não ser auto-aplicável o § 3º do art. 192 da Carta Magna. Entretanto, a inexistência de súmula vinculante em nosso ordenamento jurídico permite que se façam algumas considerações sobre o assunto, cabendo, até mesmo, um entendimento diverso do proferido pela Suprema Corte.

Nesse sentido, o Desembargador Raymundo Liciano de Carvalho, Relator da Ap. 12.486/99- 4ª Câm., MA:

"Ainda hoje (incompreensivelmente, diante da política econômica vigente desde 1994) é objeto de discussão a aplicabilidade do § 3º do art. 192 da CR de 1988, principalmente pela orientação da maioria dos Senhores Ministros da Corte Máxima do país, veiculada a partir da decisão proferida no julgamento da ADIn 4-7/DF, que tem socorrido as instituições financeiras no sentido da não auto-aplicabilidade da norma.

Apesar do comando prescrito no art. 557 do CPC, em razão da matéria objeto central do apelo, ouso dar seguimento ao recurso ainda que sob aparente confronto com a jurisprudência dominante da Corte Máxima.

É que os votos dissidentes dos Senhores Ministros do STF melhor e mais conscientemente enfocam a questão da limitação constitucional das taxas de juros." (RT -791/321, set/01)

Primeiramente, mister se faz observar que a referida ADIn foi proposta ainda em outubro de 1988, logo após a promulgação da Constituição, sendo o pedido de medida cautelar indeferido, por unanimidade, em fevereiro de 1989. Já em março de 1991, por ocasião do julgamento da ação principal, a auto-aplicabilidade da limitação constitucional de juros em 12 % (doze por cento) anuais não foi reconhecida pela maioria dos Ministros votantes.

Em que pese ter a votação ocorrido sem que houvesse transcorrido ainda lapso temporal significativo para consolidação do entendimento jurisprudencial sobre o texto constitucional, há que se observar que, já naquela oportunidade, a divergência entre a posição dos Ministros do STF foi significativa.

Votaram a favor da auto-aplicabilidade os Ministros Marco Aurélio, Carlos Velloso, Paulo Brossard e o Presidente, Ministro Néri da Silveira. O entendimento majoritário deu-se através dos votos dos Ministros Sydney Sanches, Celso de Mello, Célio Borja, Octávio Gallotti, Aldir Passarinho e Moreira Alves. O Ministro Sepúlveda

Pertence se deu por impedido, em função de haver sustentado a inadmissibilidade da ADIN quando em exercício da Procuaradoria-Geral da República, resultando em um placar geral de 06 a 04, com um impedimento.

Transcorridos mais de dez anos, encontram-se ainda em atividade no STF sete dos Ministros que julgaram a ADIn nº 4-7/DF, sendo três dos que se manifestaram a favor da eficácia da norma (Ministros Marco Aurélio, Néri da Silveira e Carlos Velloso), três dos que se manifestaram contra (Ministros Moreira Alves, Sydney Sanches e Celso de Mello) e o Ministro Sepúlveda Pertence, que deve continuar impedido.

O Ministro Ilmar Galvão, no Mandado de Injunção nº 326-2, já em 20/02/92, tratando do mesmo assunto, embora não tenha emitido parecer a respeito da auto-aplicabilidade do § 3º do art. 192 da CF, pronunciou-se favorável à adoção da teoria concretista individual, em face da mora legislativa, nos seguintes termos:

"Tenho ainda por adequado, na conformidade dos votos que tenho pronunciado sobre o assunto, o manejo do mandado de injunção não para obrigar o Poder Competente a elaborar lei regulamentadora da Constituição, mas para compelir o Poder Judiciário a suprir a omissão legislativa que está a obstaculizar o exercício de direito previsto na Constituição. Por fim, não vejo óbice a que sejam atendidas, por via do importante instrumento processual, quando possível, pretensões de índole privada"

No presente caso, como se sabe, foi este Tribunal que concluiu pela impossibilidade de aplicação da norma do art. 192, § 3º da CF/88, antes da edição de lei complementar regulamentadora do Sistema Financeiro Nacional, prevista no caput do dispositivo, verificando-se, portanto, até agora, a omissão legislativa justificadora de mandado de injunção."

Já os Ministro Nelson Jobim e Maurício Corrêa, no Recurso Extraordinário 256.383-8, votaram de acordo com o entendimento do plenário do STF, remetendo à ADIN 4-7/DF, de que a referida norma constitucional não é auto-aplicável, sem, no entanto, exararem opinião própria sobre a questão.

A posição da Ministra Ellen Gracie, assim como a do Ministro Ilmar Galvão, não é conhecida até o momento.

Mediante tal análise, chegamos às seguintes conclusões:

a)o entendimento do STF em relação a não ser auto-aplicável a limitação de juros deu-se na ADIN nº 4-7/DF por diferença de apenas um voto;

b)a posição da maioria do atual colegiado de Ministros da Suprema Corte ainda é desconhecida;

c)dado o transcurso de mais de uma década sem que o Poder Legislativo tenha "purgado" sua mora, editando a Lei Complementar exigida (segundo o entendimento daqueles que votaram ser a mesma necessária), é possível que estes venham a rever a posição tomada anteriormente, adotando até mesmo a teoria concretista individual, conforme aduzido pelo Ministro Ilmar Galvão.

Tendo sido abordado, no início deste tópico, que não se encontram os Juízes de primeiro grau subordinados aos efeitos de súmulas vinculantes, liberdade maior têm ainda em adotar posições divergentes quando as questões são tormentosas para o próprio Supremo Tribunal. Corroborando tal assertiva encontramos as palavras do atual presidente do STF, Ministro Marco Aurélio, proferidas em agosto de 2000 no Agravo de Instrumento nº 275.635-1:

" Repetem-se os processos versando sobre o limite de juros previsto no § 3º do artigo 192 da Constituição Federal, em decorrência única e exclusiva, de um só procedimento: em especial, as instituições financeiras vêm praticando juros muito acima da taxa-limite imposta pelo texto constitucional. Em época de inflação a girar em menos de um por cento ao mês, cobram-se juros que chegam a 75% ao ano no desconto de duplicatas, sessenta por cento ao ano relativamente a empréstimos para capital de giro e 187% ao ano em se tratando de crédito ao consumidor...

...Então, a esta altura, indaga-se: qual o móvel da volta à matéria se houve a emissão de entendimento a respeito pelo Colegiado Maior? A resposta é única e diz respeito à força do convencimento, à força da consciência do próprio julgador, em conflito, considerado o precedente. Quando cobrado, no âmbito da coerência, da necessidade de preservar-se a hegemonia do Direito e a uniformidade do arcabouço normativo constitucional, costumo dizer que a disciplina na atividade judicante não conduz, por si só, a um efeito vinculante automático, colocando em plano secundário, até mesmo, o dever do magistrado de buscar a máxima eficácia do preceito constitucional, procedendo com submissão, tão-somente, à idéia que forme sobre o alcance da norma em tela. Oito anos passaram-se após o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4-7...

...Assim, a conseqüência foi única: de um lado, o §3º do artigo 192, no que limita os juros anuais a doze por cento ao ano, não tem aplicação imediata; de outro, em que pese à previsão sobre o mandado de injunção, aquele tomador de empréstimo — com juros extorsivos a conduzirem, fatalmente, à morte civil — não conta com meio hábil a tornar prevalecente o direito assegurado constitucionalmente. O resultado desta visão, distanciada dos interesses maiores do povo brasileiro, está aí mesmo, com o desemprego grassando, a economia paralisada e o País partindo para situação inconcebível. Por isso, resolvi reexaminar a matéria e, mesmo correndo o risco de ser mal compreendido, tornar claro e preciso o meu entendimento sobre o que se contém na Carta da República. Dir-se-á que haverá, apenas, mais um voto vencido. A mim, isso não importa, porquanto devo cumprir o dever assumido de tornar eficaz a Carta Política da República, honrando a toga que tenho sobre os ombros até que me falte entusiasmo para tanto e a deixe em definitivo. Vozes que calam são vozes coniventes, contribuindo para o que Barbara Tuchman aponta como ‘a marcha da insensatez’..."

Demonstrada a controvérsia ainda reinante no seio na Corte Suprema, curial se faz a abordagem em relação à matéria de fundo: os juros e sua limitação constitucional.

A questão sobre a abusividade na cobrança de juros remonta aos primórdios da civilização, havendo provas de que o percentual constitucional de 12% ao ano não é fruto de mero acaso. Vejamos o parecer do então Consultor-Geral da República, Saulo Ramos, reproduzido na ADIn 4-7/DF às fls. 87:

"82- A angústia brasileira contra os juros altos é idêntica à de todos os povos, em todos os tempos. Aristóteles afirmava que pecunia nom parit pecuniam e Jesus Cristo, segundo Lucas, pregava: ‘ mutum date, nihil sperantes’:

‘Em Atenas a taxa de juros era de 12% ao ano; na China habitualmente cobrava-se 12%, elevando-se a taxa se o empréstimo era a longo prazo, podendo atingir até 30%; em Roma a taxa era de 12%, mas efetuavam-se empréstimos até 48%; na Idade Média os lombardos e judeus cobravam a taxa de 20%. Henrique VIII, na Inglaterra, em 1546, proibiu taxa superior a 10%; mas nas colônias inglesas, notadamente na Índia, cobrava-se até de 60%. A Doutrina da Igreja Católica opôs-se à cobrança de juros. Pensadores e filósofos esposaram a teoria de que não era lícito cobrar-se um preço pela utilização de moeda, valendo-se notar a tese de Aristóteles que a moeda, ao contrário dos seres vivos, não se reproduz’ (‘in’ ‘Repertório da Enciclopédia do Direito Brasileiro’,p.296, vol.30)"

Mostrada a antigüidade da questão que se apresenta, mister se faz a exegese do princípio constitucional guerreado, iniciando-se por sua transcrição:

Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, será regulado em lei complementar, que disporá, inclusive, sobre:

I - a autorização para o funcionamento das instituições financeiras, assegurado às instituições bancárias oficiais e privadas acesso a todos os instrumentos do mercado financeiro bancário, sendo vedada a essas instituições a participação em atividades não previstas na autorização de que trata este inciso;

II - autorização e funcionamento dos estabelecimentos de seguro, resseguro, previdência e capitalização, bem como do órgão oficial fiscalizador. (Redação dada ao inciso pela E.C. nº 13/96)

III - as condições para a participação do capital estrangeiro nas instituições a que se referem os incisos anteriores, tendo em vista, especialmente:

a) os interesses nacionais;

b) os acordos internacionais;

IV - a organização, o funcionamento e as atribuições do Banco Central e demais instituições financeiras públicas e privadas;

V - os requisitos para a designação de membros da diretoria do Banco Central e demais instituições financeiras, bem como seus impedimentos após o exercício do cargo;

VI - a criação de fundo ou seguro, com o objetivo de proteger a economia popular, garantindo créditos, aplicações e depósitos até determinado valor, vedada a participação de recursos da União;

VII - os critérios restritivos da transferência de poupança de regiões com renda inferior à média nacional para outras de maior desenvolvimento;

VIII - o funcionamento das cooperativas de crédito e os requisitos para que possam ter condições de operacionalidade e estruturação próprias das instituições financeiras.

§ 1º. A autorização a que se referem os incisos I e II será inegociável e intransferível, permitida a transmissão do controle da pessoa jurídica titular, e concedida sem ônus, na forma da lei do sistema financeiro nacional, a pessoa jurídica cujos diretores tenham capacidade técnica e reputação ilibada, e que comprove capacidade econômica compatível com o empreendimento.

§ 2º. Os recursos financeiros relativos a programas e projetos de caráter regional, de responsabilidade da União, serão depositados em suas instituições regionais de crédito e por elas aplicados.

§ 3º. As taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a doze por cento ao ano; a cobrança acima deste limite será conceituada como crime de usura, punido, em todas as suas modalidades, nos termos que a lei determinar. (

destaquei)

A vexata quaestio se refere a ser, ou não, auto-aplicável o § 3º do artigo 192, acima transcrito. Os Ministros do STF, debatendo o assunto, posicionaram-se em duas correntes distintas, com, basicamente, as seguintes argumentações:

a. não é norma auto-aplicável, pois:

__o conceito de juros reais é controverso, carecendo de conceituação jurídica;

__o índice de inflação oficial a ser aplicado também não foi estabelecido;

__a necessidade de Lei Complementar requerida no caput do art. 192 se estende aos demais incisos e parágrafos, eis que in fine, dispõe "...inclusive, sobre ", vinculando os incisos e parágrafos subseqüentes;

b. é norma auto-aplicável, pois:

__o §3º está dissociado, sem interligação com o caput do artigo, existindo vários outros exemplos em que o legislador constituinte não primou pela boa técnica redacional.

__a menção "nos termos da lei", existente no final do parágrafo, refere-se tão-somente ao crime de usura e não à limitação dos juros;

__existe consonância do dispositivo legal com o estabelecido no artigo 1.062 do Código Civil;

__a inclusão das "...comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito..." suprem qualquer necessidade de se definir o que sejam juros reais, havendo ainda outros conceitos imprecisos no texto constitucional que, nem por isso, são desprovidos de eficácia, tais como "tratamento desumano ou degradante" (art. 5º, LIII), "iminente perigo público" (art. 5º, XXV), "consumidor" (art. 5º, XXXII); "contraditório e ampla defesa" (art. 5º, LV);

__por ser norma proibitória ou vedatória, ela é de eficácia plena e aplicabilidade imediata;

__ainda que se entenda ser necessária Lei Complementar para regulamentar a matéria, não poderá a mesma divergir da limitação de 12% ao ano estipulada § 3º do art. 192;

Mister se faz uma análise dos pontos fundamentais sustentados pelos Ministros que se posicionaram contrariamente à auto-aplicabilidade do § 3º.

Em relação à falta de conceituação do que sejam juros reais, oportuna se faz a abordagem sobre a definição de juros encontrada em dois respeitáveis dicionários, sendo um deles eminentemente jurídico:

JURO (1)- [do lat. Jure} S.m. 1- Lucro, calculado sobre determinada taxa, de dinheiro emprestado ou de capital empregado ; rendimento, interesse 2- Fam.. Recompensa (2) 3- Ant. Jus, direito • Juro simples. O que não se soma ao capital para o cálculo de novos juros nos tempos seguintes. Juro composto. O que se soma ao capital para o cálculo de novos juros nos tempos seguintes. (Aurélio Buarque de Holanda Ferreira - Novo Dicionário da Língua Portuguesa - Editora Nova Fronteira- 14 ª edição, p.808)

JURO (2)- Derivado de jus, juris, originalmente era empregado na mesma acepção de direito.

Aplicado notadamente no plural, juros quer exprimir propriamente os interesses ou lucros, que a pessoa tira da inversão de seus capitais ou dinheiros, ou que recebe do devedor, como paga ou compensação, pela demora no pagamento do que lhe é devido. Neste sentido, pois, possui significado equivalente a ganhos, usuras, interesses, lucros. Tecnicamente, dizem-se os frutos do capital, representado pelos proventos ou resultados, que ele rende ou produz. Os juros provêm de convenção ou são determinados por lei. E, assim, se dizem convencionais ou legais. Costumam dar como equivalentes juros e prêmios. Em verdade, seus sentidos se assemelham. Mas, tecnicamente, o prêmio tem sentido próprio, sendo, mesmo, empregado em acepção diversa da de juros, para exprimir uma bonificação ou uma taxa a respeito de certos contratos, que não se entendem de mútuo ou de empréstimo. É o que ocorre em relação ao prêmio de seguro, que é devido pelo segurado à companhia seguradora, como taxa dos riscos, segurados por esta. Não traz, pois, sentido de interesse nem de fruto do capital empregado, que é o caráter de juros. Juros, no sentido atual, são tecnicamente os frutos do capital, ou seja, os justos proventos ou recompensas que dele se tiram, consoante permissão e determinação própria da lei, sejam resultantes de uma convenção ou exigíveis por faculdade escrita em lei. No entanto, embora prêmios, dividendos, interesses, compreendidos como lucros possam ser tomados como juros, em verdade bem se distinguem entre si. Prêmios são a contribuição ou a compensação pelo risco assumido ou a paga do risco. Dividendo é o lucro devido ou que compete ao capital aplicado nas sociedades por ações. Interesse é a participação nos resultados ou lucros obtidos.

Assim, juros se mostram particularmente os resultados obtidos com os empréstimos em dinheiro, conseqüentes notadamente de mútuos, fundados na percentagem que se estabelece na base anual ou de mês.

A rigor, portanto, juros significa a usura dos romanos. E por esta razão é que também era denominado de fenus, originado de fetus, de que adveio a terminologia de frutos.

Era então definida: "Usura est incrementum fenoris ab usu credit nuncupata"

Ainda assim dividiam os romanos a usura em:

a. ususrae quae in obligatione consistunt, para exprimir as que se fundam nos testamentos ou nas convenções, ou seja, as que se geram de uma condcitio certi, instituída numa doação ou legado, ou de uma stipulatio, de que resulta uma condictio ex stipulato.

b. usurae quae officio judicis praestantur

, nas quais, notadamente, se incluíram os juros legais ou as recompensas prometidas por um dos contratantes, ou devido às pessoas, em virtude de direito que lhes assiste.

Na técnica do Direito, por vezes, os juros se integram no sentido do dano, não para ser tido em seu conceito, mas para ser parte dele. O dano se constitui, também, pelo prejuízo decorrente da falta de rendimento ou de frutos produzidos pelos bens ou pelos capitais. (De Plácido e Silva - Vocabulário Jurídico - Editora Forense, 15ª ed., 1999, p.469)

JUROS CONVENCIONAIS - É a denominação dada aos juros que se estabelecem ou se estipulam em contratos, para que sejam cumpridos pelo devedor, enquanto vigente a obrigação.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

No entanto, é tido em sentido mais amplo, significando toda a espécie de juros instituídos ou estabelecidos em um contrato, não somente enquanto vigente a obrigação, como pelo não cumprimento dela, isto é, pelo seu retardamento. Dessa forma, os juros moratórios, em regras legais, podem ser também convencionados.

Assim, o caráter dos juros convencionais está em virem estipulados em contrato.

E, nesse particular, é que se usa das expressões compensatórias e moratórias para distingui-los: os primeiros, os que se originam naturalmente como frutos do capital, pela decorrência do contrato; os segundos, devidos pelo retardamento no cumprimento da obrigação principal.

Mas, o sentido de juros convencionais também não exclui a idéia de legais, quando esta se refere à taxa dos juros, determinada ou instituída por lei Neste caso, os juros convencionais devem ser estabelecidos segundo as regras legais para a sua estipulação, pois que a ninguém é lícito cobrar juros além da taxa legal.(De Plácido e Silva - Vocabulário Jurídico - Editora Forense, 15ª ed., 1999, p.469) (grifei)

JUROS LEGAIS - Exprime a expressão: os juros que podem ser exigido em virtude da imposição ou determinação legal, embora não convencionados ou contratados.

Em regra, os juros moratórios são legais, pois que a exigência deles decorre de norma jurídica.

Restritamente, no entanto, é a denominação aplicada para designar a taxa de juros autorizada por lei.

Assim sendo, em sentido amplo, juros legais entendem-se os que possam ser exigidos legalmente, seja a respeito do direito que assiste ao credor para exigi-los, seja relativamente à taxa, que os deve determinar. (De Plácido e Silva - Vocabulário Jurídico - Editora Forense, 15ª ed., 1999, p.469)

JUROS ORDINÁRIOS - É a expressão que designa os juros simples, ou seja, aqueles que não se acumulam ou não se capitalizam. São devidos pelo transcurso do prazo, em que vigora a obrigação ou a prestação pecuniária, mas não se computam no capital, para que passem, também, a render juros.

Opõem-se, assim, aos juros capitalizados ou compostos, que vão integrando periodicamente (ano ou semestre) ao capital, para produzir novos juros.

(De Plácido e Silva -ob. cit., p.470)

JUROS MORATÓRIOS - São juros decorrentes da mora, isto é, os que se devem, por convenções ou legalmente, em virtude do retardamento no cumprimento da obrigação. São os juros ditos de propter moram, fundados numa demora imputável ao devedor de dívida exigível. Nesta razão, os juros moratórios se fundam em dois elementos dominantes:

a) a existência de uma dívida exigível;

b) a demora do não-pagamento dela, imputável ao devedor.

Os juros moratórios podem ser convencionados ou não. Quando não estipulados e devidos, dizem-se legais e se cobram pela taxa legal. Em regra, os juros de mora ou moratórios somente são devidos da interpelação judicial ou de qualquer outro meio judicial que venha a constituir o devedor em mora. No entanto, casos há em que eles se contam mesmo antes dessa interpelação.

Nas obrigações líquidas e certas, onde se assina prazo, eles correm do vencimento da dívida: é a mora ex re. Se não há prazo, da interpelação, notificação ou protesto: é a mora ex persona. Nas indenizações, os juros moratórios devidos, segundo as circunstâncias, computam-se da data do evento danoso. Mas, em regra, não constituindo em prestação ou obrigação de natureza pecuniária, somente se fixam e são devidos, quando o decisório judicial vem determinar pecuniariamente a indenização, consistente no valor do dano. Eles se contam, pois, do momento em que há uma dívida ou um direito pecuniário exigível. (De Plácido e Silva -ob. cit., p.470)

JUROS COMPENSATÓRIOS - Assim se entendem os frutos naturais do capital empregado.

Representam, pois, a justa compensação, que se deve tirar dos dinheiros aplicados nos negócios, notadamente de empréstimos.

Nesta circunstância, deve ser a denominação tida em sentido genérico, aplicável a toda a espécie de juros, visto que compensar quer exprimir equilibrar, indenizar, ressarcir.

E os juros, sejam os convencionais ou os legais, vêm para atender a justa recompensa ou paga pelo uso de capitais de outrem, ou como indenização a lesões promovidas ou causadas a outrem. Quer isto dizer que os juros compensatórios vêm suprir o que falta, para promover o equilíbrio, ou vêm ressarcir o que é justo. (De Plácido e Silva -ob. cit., p.469).

Os conceitos acima expostos, embora muito elucidativos, não trazem em seu bojo a coincidência com a expressão "juros reais" utilizada pelo legislador constituinte. Analisando os trabalhos da autoridade maior em assuntos monetários, o Banco Central do Brasil, buscamos a complementação necessária para a conceituação requerida.

Os trabalhos sobre "Juros e Spread Bancário no Brasil", elaborados nos últimos três anos pelo Banco Central, em 10/99, 11/00 e 11/01, fornecem a análise de várias taxas de juros e a decomposição das taxas de "spread" praticadas pelas instituições financeiras. Curial, nesse primeiro momento, a definição do que vem a ser "spread". Obtivemos o conceito do próprio Banco Central, que assim dispõe:

"1- Introdução - As taxas de juros brasileiras estão atualmente entre as mais elevadas do mundo. Isso deve-se em parte, às condições macroeconômicas que caracterizaram o período recente, e que hoje começaram a reverter-se. No entanto, essa é só parte da explicação, pois a diferença entre as taxas de juros básicas (de captação) e as taxas finais (custo ao tomador), a qual denominamos de ‘spread’, também tem sido expressiva, como demonstram as taxas de juros cobradas nos empréstimos." (Banco Central do Brasil, Juros e Spread Bancário no Brasil, outubro de 1999) (destaquei)

No mesmo sentido:

"spread -econ. 1 diferença vigente entre o menor dos preços de oferta e o maior dos preços de demanda de um bem ou ativo, anunciados pelos participantes de um mercado 2 diferença, apropriada pelo intermediário financeiro, entre a taxa de juros cobrada ao tomador de um empréstimo e a taxa de juros que remunera o aplicador de recursos 3 diferença entre a taxa de juros cobrada a um cliente em particular e uma taxa de referência reservada a clientes preferenciais 4 ativo resultante da combinação de uma opção de compra com uma opção de venda sobre um mesmo ativo primário, em que o preço de exercício da primeira fica abaixo do preço de exercício da segunda 5 taxa de risco cobrada pelo emprestador, além dos juros, e que varia de acordo com o tomador." (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, Ed. Objetiva, 1ª Ed., 2001, p.2.617)

De posse do aludido conceito, analisemos a decomposição do "spread" no decorrer dos últimos três anos.

spread (% a.m.)

02/99

08/99

02/00

08/00

02/01

08/01

margem líquida do banco

1,03%

1,16%

1,08%

0,99%

0,96%

0,99%

impostos diretos

0,51%

0,68%

0,56%

0,51%

0,49%

0,51%

impostos indiretos (+ FGC)

0,41%

0,38%

0,22%

0,22%

0,21%

0,22%

despesas administrativas

0,79%

0,63%

0,53%

0,46%

0,44%

0,51%

inadimplência/empréstimos

0,84%

0,36%

0,34%

0,34%

0,36%

0,42%

total

3,58%

3,21%

2,73%

2,52%

2,46%

2,65%

Fonte : Juros e Spread Bancário no Brasil 2001, p. 8 http://www.bc.gov.br

Tomemos por base, então, a remissão feita pelo Ministro Carlos Velloso na ADIn 4-7, em seu voto, in verbis:

"Em Ciência Econômica, registra o Juiz Sérgio Gischkow Pereira, forte em Antônio Carlos Marques de Matos (‘A inflação Brasileira’, Vozes, 1987, pág.74), ‘os vocábulos ‘valor nominal’ e ‘valor real’ são assim definidos: valor nominal é o valor que se apresenta; o valor real é o nominal deflacionado (se houver inflação), ou inflacionado (se houver deflação).’ E acrescenta o Juiz Gischkow, alicerçado no magistério de Paul Singer (‘Curso de Introdução à Economia Política, Forense, 11ª ed, 1987, págs. 105/107): ‘Dentro dessa visão, a taxa de juros reais não é apenas constituída pelo juro puro ou básico, compreendido como remuneração pela renúncia à liquidez, mas abrange o elemento de risco e os custos da transação ou remuneração do intermediário.’ (‘A Luta contra a Usura’, citada, pág.64)." (sublinhei)

Considerando que o dinheiro captado em aplicações de poupança é remunerado com base na TR acrescida de meio por cento de juros remuneratórios, havendo ainda incidência de impostos diretos e indiretos nas operações bancárias, a aplicação do aludido conceito, incorporando aos juros reais todos esses elementos e limitando-os em 1% ao mês, aponta para uma inversão da onerosidade contratual, com a possível falência dos bancos, que estariam recebendo pelo capital emprestado menos do que pagariam na captação, ferindo o equilíbrio contratual.

Assim, na condição mais desfavorável para o devedor, interpretemos os juros reais como sendo o lucro líquido dos bancos. Acrescentemos ao custo do dinheiro tomado, consistente este na taxa de juros básica (de captação), os demais custos operacionais, conforme explicitado na tabela citada. Nada estaria sendo embutido no conceito de "juros reais", sendo esta a interpretação mais abrangente que se poderia fazer em favor das instituições bancárias, até a regulamentação definitiva da matéria.

Note-se que a margem líquida do banco apontada na tabela já se encontra muito próxima da limitação constitucional de 12% anuais, sendo de cerca de 1% ao mês, embora capitalizada.

A tabela a seguir demonstra a taxa média de juros praticados para cheque especial e os índices inflacionários dos últimos três anos.

EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS ÍNDICES NO PERÍODO 01/99 a 12/01 (em %)

Data

TR

Poupança

INPC (IBGE)

IPC

(FGV)

IGP-M (FGV)

CDB

SPREAD P.Física

JUROS

Ch.Espec.

excesso

01/1999

0,5163

1,0189

0,65

0,64

0,84

2,20

4,80

8,96

+1,96

02/1999

0,8298

1,3339

1,29

1,41

3,61

2,50

5,04

9,72

+ 2,18

03/1999

1,1614

1,6672

1,28

0,95

2,83

2,40

4,78

8,74

+ 1,56

04/1999

0,6092

1,1122

0,47

0,52

0,71

1,98

5,24

9,39

+ 2,17

05/1999

0,5761

1,0790

0,05

0,08

-0,29

1,66

5,05

8,74

+ 2,03

06/1999

0,3108

0,8124

0,07

0,65

0,36

1,50

4,95

8,56

+ 2,11

07/1999

0,2933

0,7948

0,74

1,20

1,55

1,49

4,85

8,38

+ 2,04

08/1999

0,2945

0,7960

0,55

0,48

1,56

1,47

4,75

8,18

+ 1,96

09/1999

0,2715

0,7729

0,39

0,19

1,45

1,45

4,78

8,34

+ 2,11

10/1999

0,2265

0,7276

0,96

0,92

1,70

1,42

4,71

8,37

+ 2,24

11/1999

0,1998

0,7008

0,94

1,12

2,39

1,43

4,46

8,08

+ 2,19

12/1999

0,2998

0,8013

0,74

0,60

1,81

1,43

4,07

7,52

+ 2,02

01/2000

0,2149

0,7160

0,61

1,01

1,24

1,42

3,80

7,75

+ 2,53

02/2000

0,2328

0,7340

0,05

0,05

0,35

1,40

3,92

8,03

+ 2,71

03/2000

0,2242

0,7253

0,13

0,51

0,15

1,40

3,57

7,75

+ 2,78

04/2000

0,1301

0,6308

0,09

0,25

0,23

1,39

3,56

8,02

+ 3,07

05/2000

0,2492

0,7504

-0,05

0,40

0,31

1,40

3,35

7,64

+ 2,89

06/2000

0,2140

0,7151

0,30

-0,01

0,85

1,35

3,50

8,40

+ 3,55

07/2000

0,1547

0,6555

1,39

1,91

1,57

1,28

3,41

8,18

+ 3,49

08/2000

0,2025

0,7035

1,21

0,86

2,39

1,24

3,37

7,98

+ 3,37

09/2000

0,1038

0,6043

0,43

0,04

1,16

1,25

3,34

8,00

+ 3,41

10/2000

0,1316

0,6323

0,16

0,02

0,38

1,26

3,31

7,98

+ 3,41

11/2000

0,1197

0,6203

0,29

0,40

0,29

1,26

3,20

8,07

+ 3,61

12/2000

0,0991

0,5996

0,55

0,62

0,63

1,19

3,15

8,03

+ 3,69

01/2001

0,1369

0,6376

0,77

0,64

0,62

1,17

3,02

8,03

+ 3,84

02/2001

0,0368

0,5370

0,49

0,40

0,23

1,16

3,17

7,95

+ 3,62

03/2001

0,1724

0,6733

0,48

0,56

0,56

1,18

3,00

7,89

+ 3,71

04/2001

0,1546

0,6554

0,84

0,86

1,00

1,24

3,11

7,76

+ 3,41

05/2001

0,1827

0,6836

0,57

0,41

0,86

1,28

3,04

7,78

+ 3,46

06/2001

0,1458

0,6465

0,60

0,52

0,98

1,33

3,04

7,83

+ 3,46

07/2001

0,2441

0,7453

1,11

1,36

1,48

1,45

3,06

7,94

+ 3,43

08/2001

0,3436

0,8453

0,79

0,54

1,38

1,46

3,28

8,25

+ 3,51

09/2001

0,1627

0,6635

0,44

0,12

0,31

1,45

3,35

8,28

+ 3,48

10/2001

0,2913

0,7928

0,94

0,71

1,18

1,45

3,49

8,30

+ 3,36

11/2001

0,1928

0,6938

1,29

0,85

1,10

1,42

3,31

8,30

+ 3,57

2/2001

nd

nd

nd

nd

nd

nd

nd

nd

nd

TOTAL

9,7293

27,2782

21,61

21,79

37,77

51,36

133,83

287,12

101,93

fontes: índices econômicos- www.cálculos.com; spread, CDB e juros –BC www.bcb.gov.br/ftp/depep/nitj200112.xls

Considerando que o dinheiro emprestado tenha como única fonte de origem os CDBs, em muito superiores à remuneração da poupança, foram acrescidos aos mesmos os valores obtidos do "spread", comparando-se o resultado com os valores de juros praticados. Todos índices médios, oriundos da mesma fonte, o Banco Central do Brasil. Obteve-se na coluna

"excesso" valores positivos, que indicam a prática de juros sempre superiores ao resultado da soma do custo (CDB) e dos acréscimos (Spread). Levando-se em conta que no "Spread" já se encontra embutida a margem de lucro do banco, tal resultado aponta para evidente abusividade na aplicação da taxa de juros. Há que se ressaltar ainda que os valores são crescentes, havendo expressivo aumento ao longo dos dois últimos anos.

Tendo em vista que todos os valores fornecidos pelo Banco Central do Brasil se referem à média dos valores praticados por diversas instituições financeiras, vejamos o caso específico do Banco do Brasil em período recente.

Banco do Brasil S.A.- Taxas praticadas nas Operações de Crédito

Tipo de Encargo: PREFIXADO Fonte: Banco Central

 

Data-base

   

12/12/2001

13/12/2001

14/12/2001

Modalidade/Tipo/Clientela

Ranking

Taxa Mínima %

Taxa Máxima %

Taxa Média %

Taxa Mínima %

Taxa Máxima %

Taxa Média %

Taxa Mínima %

Taxa Máxima %

Taxa Média %

Pessoa Jurídica

DESC. DUPLICATA

13

1,83

4,70

2,58

1,75

4,50

2,53

1,72

4,30

2,39

DESC. PROMISSÓRIA

25

2,13

9,10

4,15

1,62

9,10

4,31

1,08

6,55

4,27

CAPITAL DE GIRO

26

1,90

9,40

2,33

1,81

9,40

2,37

1,22

6,75

2,33

CONTA GARANTIDA

60

2,15

8,30

5,62

2,15

8,30

5,62

2,15

8,30

3,35

VENDOR

16

1,94

4,50

1,94

1,81

4,50

1,81

1,78

4,45

1,78

Pessoa Física

CHEQUE ESPECIAL

31

2,05

8,30

7,89

2,05

8,30

7,88

2,05

8,30

7,89

CRÉDITO PESSOAL

55

2,75

5,50

4,97

2,75

5,50

4,97

2,75

5,50

4,52

AQUI. BENS (VA)- PF

24

2,72

2,82

2,72

2,72

2,82

2,72

2,59

2,82

2,59

AQUI. BENS (OU)- PF

26

3,57

3,70

3,57

3,57

3,70

3,57

3,39

3,70

3,39

OBS.:

1.. As taxas efetivas mês resultam da capitalização das taxas efetivas-dia pelo número de dias úteis existentes no intervalo de 30 dias corridos, excluindo-se o primeiro dia útil e incluindo o último. Caso a data final seja dia não útil, será considerado o próximo dia útil subsequente.

2..Nas datas em que a taxa não é apresentada, a instituição não realizou concessões ou não prestou informações ao Banco Central estando, neste segundo caso, sujeita às penalidades previstas na legislação vigente.

3..A posição na coluna ranking representa a colocação da modalidade no ranking geral de taxas, em ordem crescente, para o último período divulgado.

4..Fonte: Banco Central :www.bcb.gov.br /dados e estatísticas/Sistema Financeiro Nacional / Operações de Crédito / Dados por Instituição Financeira / taxas médias praticadas por instituição

LUCRO LÍQUIDO DO BANCO DO BRASIL

DATA BASE

SETEMBRO 2001

DATA BASE

DEZEMBRO 2000

R$ 445.548.000,00

R$ 584.250.000,00

Fonte: Banco Central - 50 maiores Bancos

Fica evidenciado que na mesma Instituição Bancária, ora Embargada, os juros praticados para a mesma operação financeira (cheque especial) nas datas apontadas, variaram entre o mínimo de 2,05 % (dois pontos e cinco centésimos percentuais) e 8,3% (oito pontos e três décimos percentuais) ou seja, houve uma variação de mais de quatro vezes entre os valores mínimo e máximo, sendo tal ocorrência evidenciada também em outras modalidades de crédito. Entretanto, outras operações, apresentam índices muito inferiores, com valores máximos não superiores a 4%, não sendo crível que nesses casos o Banco estivesse atuando com prejuízo, haja vista os enormes lucros auferidos anualmente nas casa dos Quatrocentos E Quinhentos Milhões De Reais, conforme quadro acima.

Isso mostra que a discrepância encontrada no cálculo da tabela antecedente, aonde se verifica significativa variação entre os juros praticados e a soma do "spread" e CDB, tem razão de ser, encontrando fundamento na própria "variação interna de taxas" praticada pelos bancos.

Os presentes Embargos abordam a questão sobre a exorbitância na cobrança de juros sobre crédito concedido em cheque especial. Inexplicável a aplicação de taxas de juros tão diferenciadas se os componentes que formam a taxa final (captação, impostos, despesas administrativas, inadimplência e margem de lucro) são basicamente os mesmos.

Aliás, tendo em vista que o Embargante já efetuou diversos pagamentos e que, vindo a saldar a dívida porventura existente, extinguiria a álea, solvendo sua obrigação original, há que se considerar ainda que a aplicação da taxa de inadimplência apresenta caráter de transferência de custo de outros contratos, fomentando a inadimplência, cabendo ao banco analisar criteriosamente a solvabilidade do tomador antes da concessão do crédito, garantindo-se através dos meios legais (v.g., com fiadores, como fez nos sucessivos contratos firmados com o Embargante) e tomando as medidas legais em caso de inadimplemento. E não repassar os "possíveis" prejuízos que venha a ter ou que já teve por descuido seu.

Analisando a possibilidade de que não ocorra a esperada inadimplência "embutida" nos juros cobrados pelo Banco, o enriquecimento sem causa da instituição bancária tornar-se-ia flagrante. A não ser que, posteriormente, venha o Banco a "estornar" os valores excedentes ao mútuo, em operação similar a realizada pelos Consórcios que, ao término do grupo, restituem a cota de fundo de reserva.

Há ainda outro relevante fator a ser considerado como "nivelador" das taxas praticadas. A concessão de crédito na modalidade "cheque especial" já foi fruto de observação pelo próprio Banco Central na sua primeira análise sobre "Juros e Spread":

"Uma das taxas que mais chamam a atenção do Banco Central é a das operações de cheque especial. São as maiores taxas de juros médias verificadas em todo o conjunto de taxas coletadas pelo BC, conforme pode-se ver no gráfico 2. No período maio/julho deste ano, o custo médio cobrado pela rede bancária em operações de cheque especial atingiu 8,90% ao mês, o que significa encargos de 178% ao ano. Considerando a taxa média de captação de CDB do período, o spread cobrado pelos bancos foi de 7,30% ao mês, ou 157% ao ano.

Esse elevado spread cobrado, a rigor, não tem correspondência com o risco de crédito ou com os custos administrativos. O acesso às operações de cheque especial normalmente é concedido apenas a clientes dito especiais, com bom cadastro junto aos bancos, o que teoricamente afasta a hipótese de elevada inadimplência e da necessidade de grandes acréscimos a título de risco de crédito. Da mesma forma, com a uniformização das operações bancárias, não se justificam grandes acréscimos às taxas em função de despesas administrativas. Afinal, os bancos normalmente já cobram tarifas quando dos contratos de abertura de crédito especial e de renovação de cadastro." (Banco Central - Juros e Spread Bancário no Brasil - 1999, pág. 10/11) (sublinhei)

Vejamos os valores e índices aplicados aos sucessivos contratos firmados entre o Embargante e o Banco:

Data

Valor em reais

Prazo (meses)

Total em reais

Juros a.m.

multa

IOC (R$)

taxa ab. crédito

19/10/1994

3.000,00

11

3.783,30

TR + 4,1 %

10%

165,00

9,45

08/08/1995

16.152,15

24

50.993,67 *

TBF + 2%

10%

iof/ioc

--

13/12/1996

33.879,94

24

33.879,94

TBF+1,2%

10%

--

--

07/05/1997

61.701,46 **

24

36.550,21

TBF+1,2%

10%

--

--

* em 12/12/1996 ** abatido valor novamente

Da tabela acima verifica-se que o Banco do Brasil, ora Embargado, em duas oportunidades, reduziu seu crédito substancialmente. Na primeira, em 13/12/1996, refinanciou a dívida de R$ 50.993,67, aceitando receber R$ 33.879,94. Na segunda vez, em 07/05/1997, reduziu o débito de R$ 61.701,46 para R$ 36.550,21. Sempre, diga-se de passagem, fazendo constar cláusulas de que os débitos eram referentes à liquidação de saldo devedor de Cheque-Ouro e que em caso de não cumprimento das obrigações a dívida retornaria ao valor original, ou seja, sem o desconto concedido.

Também foram repassados ao Embargante a Taxa de Abertura de Crédito, Impostos (IOC e IOF), sendo que já na primeira operação, concedidos R$ 3.000,00 de crédito, foi-lhe debitado o valor de R$ 165,00 sob a rubrica IOC, correspondente a 5,5% do capital, e R$ 9,45 como Taxa de Serviços para Abertura de Crédito.

Na hipótese presente, tenho convicção de ser o caso de limitação constitucional de juros em 12% ao ano, nos moldes explanados anteriormente, pelas seguintes razões:

a) a uma, porque é explícito o comando contido no § 3º, do art. 192 da Constituição Federal, sendo norma auto-áplicável, acolhendo a posição sustentada pelos Ministros Marco Aurélio, Carlos Velloso, Paulo Brossard e Néri da Silveira na ADIn 4-7-DF, e pela maioria da doutrina (Araken de Assis ( artigo e decisões publicadas em A Luta contra a usura, Organização Fernando Gasparian, Coordenação de Roberto Fernandes de Almeida, José Afonso da Silva (Curso de Direito Constitucional Positivo, RT, 5 ed., p. 692 à 693 ), Nagib Slaib Filho ( Anotações à Constituição Federal de 1988, Forense, 1989, p. 400 à 406 ) Graal ed. p. 37 à 123 ), Régis Fernandes de Oliveira (RT666/233),Edvaldo Brito (A Constituição Brasileira, 1988, vários autores, Forense Universitária, p. 393 e segs.), Eros Roberto Grau, Sergio Gischklow, e Luís Roberto Barroso (O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas)) e pelos Tribunais Estaduais (TARGS: AC 197100423; Ap. Cível 192079796, 7ª Câm. Cível; Ap. Cível 191024199 1ª. Cam. Cível; AC 191159515 in "Julgados do TARGS", 81/314; 76/298 ; 81/207; TJPR: Ap Cível 0042946100, 2ª Câm Cível; Ap. Cível 0056200900, 6ª Câm. Cível; Ap. Cível 0050280300, 8ª Câm. Cível; TJSC: Ap. Cível 96.006262-9; TAMG: AC 0318713-3 e AC 178.804-1/00 ; TJMA: Ap. Cível 12.486/99 - RT 791/321); TACivSP: Emb. Infring. nº 502.605-3-1(abusividade dos juros)

b) a duas, porque ainda que fosse necessária Lei Complementar para regulamentar a matéria e conceituar o que venham a ser "juros reais", não poderia a mesma ultrapassar os 12 % contidos na Carta Magna, bem como a interpretação dos juros reais aqui contida, conforme dito anteriormente, é a mais favorável ao Banco Embargado;

c) a três, porque o inc. I, do art. 25, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, revogou, " a partir de cento e oitenta dias da promulgação da Constituição, sujeito esse prazo a prorrogação por lei, todos os dispositivos legais que atribuam ou deleguem a órgão do Poder Executivo competência assinalada pela Constituição ao Congresso Nacional, especialmente no que tange a: I- ação normativa ". Assim sendo, a especificação de índices e valores a serem adotados nas operações financeiras por órgãos que não os estabelecidos no Texto Constitucional é eivada de inconstitucionalidade, estando ainda em vigor a Lei de Usura (Decreto 22.626/33) que dispõe em seu artigo 1º que é vedado estipular em quaisquer contratos taxas de juros superiores ao dobro da taxa legal (Código Civil, artigo nº 1.062) Nesse sentido:

EMBARGOS DEVEDOR – LIMITAÇÃO DE JUROS À LEI DE USURA – REVOGAÇÃO ART. 4º, LEI 4.595/64 PELO ART. 25, ADCT – EMBARGOS DECLARATÓRIOS – LEI 8.056, DE 28.6.90, LEI 8.127, DE 20.12.90, LEI 8.201, DE 29.6.91 E LEI 8.392, DE 30.12.91 QUE PRORROGAM O DISPOSITIVO DITO REVOGADO – Ultrapassado o prazo prescrito no art. 25 do ADCT, restaram revogadas as disposições do art. 4º da Lei 4.595/64, quando mais que a primeira lei ordinária que o prorrogava não pode alcançar a limitação de juros (art. 192 Constituição Federal), que desafia a edição de lei complementar, e foi sancionada após consumar os desígnios da disposição transitória, que por sua própria natureza não admite a sua prorrogação por tempo indeterminado, não fosse ferir direito adquirido pretender retroagir os seus efeitos. (TAMG – EDcl 0282754-9/01 – 3ª C.Cív. – Rel. Juiz Duarte de Paula – J. 22.09.1999)

A-a quatro, porque além de todas as argumentações expendidas, a mora do Congresso Nacional em editar a aludida Lei Complementar é superior a um decênio, não se podendo olvidar alguns fatos importantes ocorridos em duas oportunidades: __ADIN nº4-7/DF (julgada 25/06/93)- Relator Ministro Sydney Sanches:

" Ademais, já está em andamento, na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei Complementar nº 162, de 1989, que dispõe sobre a regulamentação do Sistema Financeiro Nacional, cria a Comissão Mista Permanente para Assuntos Econômicos e Financeiros do Congresso Nacional, estatui competência para a condução da política econômica e dá outras providências"

Buscando o Projeto de Lei Complementar no Portal Legislativo do Senado encontramos:

CD PLP 162 1989

Ementa: DISPÕE SOBRE A REGULAMENTAÇÃO DO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL, CRIA A COMISSÃO MISTA PERMANENTE PARA ASSUNTOS ECONOMICOS E FINANCEIROS DO CONGRESSO NACIONAL, EXTINGUE O CONSELHO MONETARIO NACIONAL, ESTATUI COMPETENCIA PARA CONDUÇÃO DA POLITICA ECONOMICA E DA OUTRAS PROVIDENCIAS. APLICANDO O ARTIGO 192, O ARTIGO 58, PARAGRAFO TERCEIRO E O ARTIGO 52, INCISO V DA NOVA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). (PELA TRANSFORMAÇÃO DO PL. 983/88).

Outros Números: CD PLP 00162 1989

Autor: DEPUTADO - FERNANDO GASPARIAN PMDB

Última Ação: Data: 02/02/1991

Local: CD - (CD) MESA – MESA

Situação: ARQVD - ARQUIVADO DEFINITIVAMENTE

CD PL 982 1988

Ementa: DEFINE O CRIME DE USURA E DA OUTRAS PROVIDENCIAS. CONSTITUINDO CRIME DE USURA A COBRANÇA DE JUROS REAIS SUPERIORES A DOZE POR CENTO AO ANO, DE ACORDO COM O ARTIGO 192, PARAGRAFO TERCEIRO DA NOVA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E DEFININDO JUROS REAIS).

Outros Números: CD PL. 00982 1988

Autor: DEPUTADO - FERNANDO GASPARIAN PMDB

Última Ação: Data: 25/04/1990

Local: CD - (CD) MESA – MESA

Situação: RTPA - RETIRADO PELO AUTOR

_Já no Mandado de Injunção nº 636-9 /PR (julgada em 29/08/2001), assim se manifestou o relator, Ministro Maurício Corrêa:

"Indeferi a liminar às fls. 678 e solicitei informações ao Congresso Nacional, que se manifestou às fls. 682/688, esclarecendo que estão em tramitação em ambas as Casas legislativas proposições que tratam da matéria, inclusive Proposta de Emenda Constitucional nº 41/95, que revoga o §3º do artigo 192 da Carta Federal "

Eis que, ao buscarmos novamente informações no Congresso Nacional, deparamo-mos com o mesmo resultado:

SF PEC 00041/95 de 22/06/1995

Autor: SENADO SÉRGIO MACHADO

Ementa: REVOGA O PARÁGRAFO TERCEIRO DO ARTIGO 192 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, QUE LIMITA AS TAXAS DE JUROS REAIS EM 12% (DOZE POR CENTO) AO ANO

Última Ação: Data: 29/01/1999

Local: SGM- SECRETARIA GERAL DA MESA

Situação: ARQUIVADA AO FINAL DA LEGISLATURA

Embora não se tenha conseguido informações suficientes para apurar se os projetos já se encontravam arquivados por ocasião das informações prestadas, não se pode olvidar que, pelo menos, na segunda ocorrência, no Mandado de Injunção julgado em agosto de 2001, já havia transcorrido mais de 10 anos desde que a mesma "promessa" de regulamentação da matéria havia sido feita, sendo de causar espécie que tal fato tenha passado despercebido pelo Relator.

Cabível a transcrição de texto do eminente jurista Jorge Alcibíades Perrone de Oliveira, citado por Celso de Oliveira em sua brilhante monografia sobre Direito Bancário (Juros Bancários - Limitação Constitucional dos Juros - encontrada em www.direitobancário.com):

" Norberto Bobbio, analisando as dificuldades de implantação de uma efetiva Democracia, num país que emergiu do totalitarismo (referia-se à Itália pós-fascismo), aponta que uma delas reside em que os defensores do conservadorismo costumam se valer de expedientes dessa natureza, para deixar de fazer cumprir os preceitos Constitucionais democráticos. Afirma que após a constituição de 1.948 esse fenômeno se evidenciou na prática italiana. A fim de contornar e evitar a aplicação de certos princípios determinados pela Nação, por seus representantes, os conservadores de toda ordem buscaram na necessidade de legislação ordinária complementar - cuja edição retardavam ao máximo, ou simplesmente impediam - a desculpa para a não implantação imediata como se impunha.

É o mesmo fenômeno que aqui ocorre atualmente, a exigir do aplicador da lei uma interpretação mais atual e consentânea com a realidade. Cada vez mais nota-se que o intérprete deve se afastar das meras interpretações literais ou gramaticais, que, em geral, não levam à verdadeira vontade da lei, que é a que deve prevalecer sobre a própria vontade do legislador.

Exige-se hoje a busca da chamada interpretação sistemática do direito, ou seja os preceitos interpretados não isoladamente, mas integrados dentro de todo sistema que constitui o ordenamento jurídico do país."

A Lei de Introdução ao Código Civil dispõe em seu artigo 4º que "quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito." Uma vez que, conforme apontado no item "c", a revogação contida no art. 25 do ADCT não foi suprida pelo Poder Legislativo até o momento, sendo flagrantes sua mora e omissão, eis a quarta razão para que sejam limitados os juros.

Resta demonstrada que a auto-aplicabilidade da taxa constitucional de 12% de juros ao ano se dá mediante a interpretação dos juros reais como margem líquida do banco, eis que fica comprovada, de igual forma, a impossibilidade dessa taxa cobrir todos os encargos do Embargado. De outro giro, fica evidenciado que as abusivas taxas praticadas devem ser reduzidas, mediante a aplicação dos princípios constitucionais da eqüidade e da razoabilidade. Tendo por base as tabelas e fundamentos desenvolvidos neste decisum, firmo in concreto a taxa de juros remuneratórios em 3% (três por cento) ao mês, e não 4,1% (quatro vírgula um por cento) ao mês como originalmente contratado.

Assim sendo, de tudo o que foi explanado, este Juízo decide pelo arbitramento da atualização do capital mutuado e dos juros remuneratórios da seguinte forma:

I-aplicação da Taxa Referencial (TR), mantendo-a como originariamente pactuada o pacto originário efetivado pelos contratantes no primeiro contrato, servindo a referida taxa como atualização do valor da moeda, devendo a mesma incidir sobre todo o período, eis que nulos são os contratos posteriores;

II-aplicação da taxa de juros remuneratórios de 3% (três por cento) ao mês em substituição da taxa de 4,1% pactuada no primeiro contrato, com a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta-corrente de ano a ano (capitalização anual), nos termos do art. 4º da Lei de Usura- Nesse sentido, TJAC na Ap. Cível nº 606/95). Esse percentual de 3% de juros remuneratórios, comparado com os índices apontados e praticados pelo Banco Embargado, incorpora, na média, todos os componentes da operação bancária referendados pelo Banco Central, como alhures exposto, sem prejuízo ao Embargado de uma razoável margem de lucro, condizente com a atual realidade econômica do país.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Adair José Longuini

juiz de Direito em Rio Branco (AC)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LONGUINI, Adair José. Limitação constitucional dos juros:: análise judiciária e legislativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 56, 1 abr. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/jurisprudencia/16484. Acesso em: 19 dez. 2024.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos