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ACP contra tarifa de esgotos e suspensão de fornecimento de água

ACP contra tarifa de esgotos e suspensão de fornecimento de água

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Inicial de ação civil pública contra cobrança de tarifa de esgoto, por falta de adequação do serviço aos parâmetros das normas ambientais pertinentes, bem como a implementação das medidas cabíveis para solução do problema e reparação dos prejuízos causados ao meio ambiente. A ação também pede a proibição da suspensão do fornecimento de água em caso de inadimplência.

EXCELENTÍSSIMO DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA CÍVEL DA COMARCA DE ASSIS CHATEAUBRIAND - PARANÁ

O MINISTÉRIO PÚBLICO, por seu Promotor de Justiça abaixo subscrito, no uso de suas atribuições legais e com especial amparo no art.129 incisos II e III da Constituição Federal, no art.25 inciso IV letra ´b´ da Lei n° 8.625/93, nos arts.2° inciso II, 3º, 5º, 11 e 12 da Lei n° 7.347/85, nos arts. 2º, 3º, 6º inciso VII, X, 81 par. único, 84, 91, 92, 93 inciso I e 94 da Lei nº 8078/90, arts.3º e 14 da Lei Federal nº 6.938/81 e demais disposições da legislação processual civil, vêm respeitosamente perante Vossa Excelência, para o fim de ajuizar a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR DANOS AO MEIO AMBIENTE, À SAÚDE PÚBLICA E AOS DIREITOS DO CONSUMIDOR, em face da

COMPANHIA DE SANEAMENTO DO ESTADO DO PARANÁ - SANEPAR, sociedade de economia mista, inscrita no CNPJ nº 76.484.013/0001-45, com sede à Rua Engenheiro Rebouças, nº 1376, CEP 80.215-900, na cidade de Curitiba-PR, pelas razões a seguir expostas:


I - Dos fatos:

Aos 05 de setembro do ano 2000 a 1ª Promotoria de Justiça desta Comarca instaurou o Procedimento Administrativo Investigatório nº 25/2000, visando a averiguar a regularidade da cobrança da Taxa de Esgoto no Município de Assis Chateaubriand.

Referido procedimento foi iniciado através de expediente oriundo da Câmara de Vereadores Municipal, onde questionou-se a legalidade do excessivo valor cobrado pela taxa (fls.04/07).

Visando à análise da questão, esta Promotoria de Justiça requisitou ao município de Assis Chateaubriand documentos acerca da concessão dos serviços outorgados à SANEPAR (fls.11).

Através dos documentos encartados às fls.12/32, observa-se que aos 02 de março de 1973 o Poder Executivo do Município de Assis Chateaubriand sancionou a Lei nº 98/73, com a seguinte Súmula:

"Autoriza o Poder Executivo a conceder à Companhia de Saneamento do Paraná – SANEPAR, o estudo, projeto, execução, exploração e operação dos sistemas de abastecimento de água potável e remoção de esgotos sanitários municipais e dá outras providências"

A teor do art.9º da Lei Municipal nº 98/73, referida concessão foi outorgada pelo prazo de 30(trinta) anos, prorrogável por igual ou menor prazo.

Concretizando a mencionada concessão, aos 04 de maio de 1973, o MUNICÍPIO DE ASSIS CHATEAUBRIAND travou o Contrato de Concessão nº 28/73 com a SANEPAR, regulamentando e disciplinando a forma de exploração dos serviços de abastecimento de água e remoção de esgotos sanitários na cidade.

Posteriormente, vários Termos Aditivos estabeleceram regras para o abastecimento de água e implantação do sistema de esgotos sanitários no Município de Assis Chateaubriand (fls.21/32).

Para constatar a abrangência da rede de esgoto no município, esta Promotoria requisitou documentos pertinentes à SANEPAR (fls.36).

Através da documentação acostada às fls.54/79, a SANEPAR suscitou a legalidade da tarifa cobrada pelo fornecimento de água e coleta de esgoto, além da eficiência de tais serviços.

Durante o trâmite do Procedimento Investigatório Ministerial, inúmeros consumidores passaram a procurar a Promotoria de Justiça para reclamar do elevado custo dos serviços de esgoto, como também da interrupção do abastecimento de água.

Para ilustrar a insatisfação dos munícipes, dezenas de faturas passaram a integrar os autos através de termos de recebimento (fls.36/53 e 80/101).

No mesmo sentido, durante as investigações, constatamos a ocorrência de cobrança de esgoto de consumidor que nem mesmo tinha sua residência ligada à rede coletora, como ocorreu com o Sr. LUIZ CARLOS DE SOUZA, caso em que a SANEPAR acabou restituindo os valores ao munícipe (fls.147/149).

Posteriormente, a Câmara de Vereadores e esta Promotoria de Justiça requisitaram junto ao INSTITUTO AMBIENTAL DO PARANÁ a coleta de amostras de água no Rio Baiano, receptor da água que provêm da estação de tratamento de esgoto da SANEPAR, localizada nos fundos do Conjunto Bela Vista (fls.102/104).

Para o espanto do Ministério Público, o laudo confeccionado pelo INSTITUTO AMBIENTAL DO PARANÁ aos 05 de setembro de 2001, constatou que o Rio Baiano está altamente poluído, com excessivo número de coliformes fecais e totais (fls.107/145).

No segmento, constatou o Ministério Público através das matérias jornalísticas acostadas ao procedimento, que a SANEPAR é empresa reticente em poluição ambiental, apresentando problemas semelhantes nos municípios de Londrina e Guaíra, onde inclusive foi determinado judicialmente a suspensão da cobrança da Taxa de Esgoto (fls.151/152 e 160/161).

Em resenha, os tão propalados benefícios que estariam sido trazidos pelo abastecimento de água e tratamento de esgoto no Município de Assis Chateaubriand constituem propaganda enganosa, pois a população está pagando para a SANEPAR poluir nossos mananciais d’água, como também está sendo compelida ao pagamento forçado de tais serviços, sob pena de corte no abastecimento de água.

Além disto, mesmo sendo empresa que vêm prestando serviços deficientes, a SANEPAR cobra tarifas de água e esgoto altíssimas, sendo a 2ª maior do Brasil, conforme dados colhidos junto à Bolsa de Informações sobre Tarifas de Água e Esgoto, extraído em 21 de setembro de 2001 do site "saneamentobasico.com.br" (fls.150).

Também constatamos durante o trâmite do procedimento, que a SANEPAR vêm adotando odiosa política empresarial, interrompendo o fornecimento de água potável à população como forma coercitiva de pagamento, violando normas constitucionais e de proteção ao consumidor.

Por fim, também constatamos pelas faturas inseridas nos autos, que inúmeros consumidores de bairros reconhecidamente pobres não estão sendo beneficiados pela chamada TARIFA SOCIAL, provavelmente por falta de informação ou omissão da própria SANEPAR.

Nesse caso, também será questionado nesta ação, à luz do art.6º incisos II e III do Código de Defesa do Consumidor, o dever da SANEPAR em informar os consumidores acerca da possibilidade de concessão do referido benefício.


II - A poluição ambiental provocada pela sanepar - A deficiência dos serviços de coleta de esgoto sanitário prestados pela sanepar:

Preliminarmente, comprova-se pelo croqui juntado às fls.73/79 pela SANEPAR, que a rede coletora de esgoto de Assis Chateaubriand abrange tão somente uma parte da cidade, ou seja, partes dos JARDINS PROGRESSO, ALVORADA, PRIMAVERA, AMÉRICA, PARANÁ, EUROPA, e pequena parte do CENTRO, ficando excluída a quase totalidade dos prédios urbanos situados em outros bairros da cidade.

Em outras palavras, demonstra-se graficamente pela planta da cidade que a absoluta maioria da população urbana de Assis Chateaubriand sequer possui a possibilidade de ligação com o sistema de tratamento de esgoto local.

Nesse contexto, extrai-se que os propagados benefícios advindos da obrigatória ligação das residências servidas com rede coletora de esgoto são relativizados pela absoluta maioria de residências que continuam esgotando as águas servidas mediante fossas.

Ademais, destaque-que a rede coletora existente atinge bairros notoriamente pobres da cidade, tais como os Jardins Progresso, Primavera e Alvorada, fator que onera ainda mais os hipossuficientes, pois a própria SANEPAR afirma às fls.68 que "Em relação aos motivos que a SANEPAR executou a obra na região com maior número de pessoas carentes temos a esclarecer que os fatores são técnicos e social....."

Consoante explanação a ser efetivada nos tópicos seguintes, os consumidores atualmente ligados à rede de esgoto da SANEPAR estão pagando para a empresa poluir o meio ambiente, fato constatado por exames periciais lavrados pelo IAP, numa clarividente demonstração de que os serviços em questão são inadequados e ineficientes.

A teor do Decreto Estadual nº 3731 de 04 de novembro de 1997, o atual valor da tarifa de esgoto representa 80% do valor da tarifa de água. Nesse prisma, destaca o art.3º de tal decreto:

"A tarifa relativa à coleta e remoção de esgotos sanitários fica mantida no valor equivalente a 80% (oitenta por cento) do valor da tarifa de água, exceto para os usuários que façam parte do cadastro social, de acordo com os critérios do art.2ª, cujo valor será equivalente a 50% (cinqüenta por cento) do valor da tarifa de água"

Consoante se vislumbra pelas dezenas de faturas juntadas ao procedimento investigatório, referido percentual vêm sendo aplicado indistintamente pela SANEPAR.

Em que pese a cobrança, resta cabalmente comprovado que o sistema de tratamento do esgoto implantado pela empresa não tem satisfeito as necessidades da população, já que a eficiência apresentada pelo mesmo não atende as exigências necessárias para a remoção de coliformes fecais e controle da poluição.

Através de perícia técnica requisitada pelo Ministério Público e também pela Câmara de Vereadores, o Instituto Ambiental do Paraná concluiu que central de tratamento de esgoto da Sanepar está provocando desastrosa poluição ambiental no Rio Baiano, o qual é receptor da estação de tratamento da SANEPAR, localizada nos fundos do Conjunto Bela Vista. Em resumo, destacam os profissionais que efetivaram a coleta e exame da água:

Senhor Promotor:

"Em atenção ao ofício nº 82/2001 no qual solicita parecer sobre a qualidade da água do Rio Baiano, informamos o seguinte:

Foram realizada 05(cinco) amostragens de água seguindo frequência recomendada pela RESOLUÇÃO CONAMA nº 20/86 para classificação da qualidade dos cursos de água. As coletas foram realizadas a montante, no efluente final e a jusante, no período entre 18/06/01 a 04/07/01, cujos resultados encontram estampados no relatório em anexo.

Salientamos que os resultados para o parâmetro coliforme fecal, que é considerado indicativo das condições sanitárias das águas, foi verificado que durante o monitoramento, os valores encontrados tanto a montante como a jusante, não atenderam ao limite recomendado de até 1000 coliformes fecais/100 ml em 80% das amostras, para rios de classe II.

Destacamos que para o parâmetro DBO/5 o índice máximo recomendado para rios de classe II é de 5,0 mg/l, no monitoramento realizado obtivemos valores superiores tanto a montante como a jusante no corpo receptor, em uma oportunidade a montante e em duas a jusante.

Com relação ao efluente final da estação o parâmetro previsto no licenciamento ambiental é de 60 mg/l para lançamento DBO/5, porém em média os resultados obtidos indicam valores superiores, estando, portanto, a estação em desacordo com a normatização legal.

Frisamos que os resultados obtidos demonstraram que houve desqualificação da água no trecho monitorado, estando a empresa passível da sanções previstas na legislação ambiental vigente.

Atenciosamente,

MARIA GLÓRIA G. POZZOBON

Chefe Regional – IAP/ERTOL

ADIR AIRTON PARIZOTTO

Eng. Agrícola – CREA 18.8859

Em resumo, pelo teor do laudo supra, constatamos a gravidade da situação provocada pela SANEPAR, numa total contradição dos ventilados benefícios trazidos pela Rede Coletora de Esgoto, já que a população está pagando um preço altíssimo por um serviço de péssima qualidade, serviço este totalmente prejudicial aos mananciais da região.

Desta forma, a explícita deficiência apresentada pelo sistema de tratamento não atende à exigência contida na Resolução CONAMA nº 20/86, bem como não apresenta eficiência de Remoção de coliformes no que concerne ao aspecto bacteriológico.

Importa destacar que o Rio Baiano é um importante afluente do Município de Assis Chateaubriand, comprovando-se pela mapa incluso às fls.146, que sua destinação final é a bacia hidrográfica do Rio Piquiri.

Conforme informações encaminhadas a esta Promotoria pela Vigilância Sanitária, destaca-se a importância do Rio Baiano no município de Assis Chateaubriand:

"A nascente do Rio Baiano é nos Fundos da Assema – Associação dos Servidores Municipais de Assis Chateaubriand-PR. Sendo afluente do Rio Piquiri, ainda no município de Assis Chateaubriand. Portanto, este é um rio legítimo chateaubriandense, pois nasce e deságua (morre) dentro do território do nosso município. Tem um total de 20.500 mts. de extensão, passando pelas Chácara Tupassi (Ramal A, B e C), Gleba Massapé (Ramal Diacui) e Gleba Borba (Ramal Aroma, Ramal Jacutinga, Ramal Kawaberi e Ramal Calunga). Tendo como afluente os córregos Nashi, Porá, Arroio, Diacuí, Aroma e Jacutinga".

Nesse prisma, constata-se que o Rio Baiano é um importante manancial do município, possuindo mais de 20 quilômetros de extensão, desaguando no Rio Piquiri, que notoriamente é um dos maiores e mais importantes rios do Estado do Paraná.

Não obstante, imagine-se como será a situação do Rio Baiano e seus afluentes nos próximos anos se a SANEPAR continuar lançando diariamente em seu leito, 1.320.000 (hum milhão trezentos e vinte mil) litros de água poluída proveniente da rede de esgoto, já que ela mesma informa às fls.54 que "A estação de tratamento está localizada nos fundos do Conjunto Residencial Bela Vista e tem como receptor de efluente o Rio Baiano. A capacidade de tratamento da estação é de aproximadamente 50 litros por segundo. Atualmente são beneficiados com os serviços os bairros, partes do Jardim Progresso, Alvorada, Primavera, Centro, partes do América, partes do jardim Paraná e Europa. O volume médio de efluentes destes bairros somam uma média de 1.320.000 litros dia".

Resumidamente, conclui-se que o real interesse da empresa é a obtenção de lucros, sem a efetiva preocupação com a saúde pública ou ambiental, à medida em que implantou a rede de esgoto em pequena parte da cidade, ao passo em que prejudica a comunidade como um todo, quando cobrando elevada tarifa pelo serviço de coleta e tratamento do esgoto, lança em águas públicas dejetos em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos.

Na prática, a atitude da SANEPAR não só lesiona o direito dos consumidores, como também amplia o risco de doenças decorrentes da falta de água tratada, podendo ocasionar a contaminação da população, se é que isto já não vêm ocorrendo.

Em síntese, diante da situação constatada, nada impede que a deficiência da rede coletora de esgoto da SANEPAR venha a propagar doenças altamente contagiosas e letais à população, tais como o cólera e a hepatite, dentre outras.

Caso tal atitude não seja prontamente coibida, danos irreparáveis poderão sofrer a população, sem contar a danificação ao meio ambiente, já constatado por visíveis danos ao Rio Baiano e a outros afluentes do município de da região.

Portanto, inegável é o interesse público advindo desta situação provocada pela SANEPAR, devendo ser prontamente repelida e punida esta prática ilegal.

Sob outro norte, insta destacarmos o teor das matérias jornalísticas inclusas ao feito, onde salta aos olhos a política anti-ambientalista provocada pela SANEPAR, que somente visando a desmedidos lucros, pouco se importa como o meio ambiente paranaense.

Através do artigo encartado às fls.151, publicado na Folha de Londrina aos 19/10/2001, consta que somente no ano 2001 a SANEPAR já sofreu seis notificações na cidade de Londrina por promover poluição ambiental através do lançamento de esgoto em rios locais.

No mesmo prisma, a matéria publicada aos 18/10/2001 na Folha de Londrina (fls.152), noticia que na cidade de Guairá-PR, a SANEPAR foi proibida judicialmente de cobrar a taxa de esgoto, pois estava lançando dejetos diretamente no Rio Paraná, considerando o precário funcionamento de sua estação de tratamento de esgoto.

No mesmo segmento, a matéria publicada aos 05/11/2001 pela Folha de Londrina (fls.160), destaca que a "SANEPAR É POLUIDORA REINCIDENTE", frisando no artigo que "A Sanepar mais uma vez é multada em Londrina, em R$300 mil, por despejar esgoto no Lago Igapó I, uma das principais áreas de lazer da cidade. A empresa já tinha recebido outras seis multas neste ano por poluir cinco mananciais londrinenses, em um deles com dois despejos seguidos.....Todos esses problemas tornam-se ainda mais graves porque são provocados pela empresa pública responsável por todo o fornecimento de água, coleta e tratamento de esgoto no Paraná. E o que é pior: a Sanepar é mantida com dinheiro da população, para oferecer os serviços, e não para ser a causadora da poluição ambiental. Com um detalhe: quando o usuário não paga, a empresa suspende os serviços".

Ao final da matéria jornalística, um fato trágico serve como luvas ao caso em voga, onde o jornal relembra a epidemia de cólera ocorrida na Europa em 1854 em decorrência da contaminação de água pelo esgoto:

"Em 1854, em uma epidemia de cólera em Londres verificou-se que a disseminação de doença ocorreu pela água da bomba de um poço. Nesse poço havia um vazamento de uma linha de esgoto que drenava justamente a casa onde foi registrado um caso de cólera"

Finalmente, para comprovar os péssimos serviços de esgoto que a SANEPAR vêm prestando no Estado do Paraná, a matéria jornalística untada às fls.161, deixa entrever que após sofrer várias multas a empresa continua poluindo o meio ambiente, inclusive em área de preservação ambiental.

Em resumo, é inadmissível sob o ponto de vista de legislação ambiental e consumeirista, que a SANEPAR, auto-entitulada como empresa de "qualidade garantida", continue agindo de forma prejudicial à população e ao meio ambiente, podendo propagar dezenas de doenças através de sua atividade explicitamente ineficaz.

Não bastasse isso, a malfadada premissa de que a SANEPAR preza pela eficiência, quando em verdade está prestando serviços deficitários e ineficazes, também gera repulsa ao constatarmos que o preço de seus serviços é o 2º mais caro do Brasil, somente ficando atrás da empresa CORSAN, do Espírito Santo.

Nesse sentido, somente à título de ilustração, extrai-se da tabela inclusa às fls.150 que no Estado do Paraná, o Município de BANDEIRANTES cobra R$5,25 para cada 10 m3 de água e esgoto; o Município de IBIPORÃ cobra R$6,80 pelo mesmo serviço; o Município de JAGUAPITÃ cobra R$8.82; o Município de JATAIZINHO cobra R$9.60; o Município de RIBEIRÃO CLARO cobra R$5,60, o Município de SÃO JORGE DO IVAÍ, cobra R$7,50.

Outras centenas de municípios brasileiros também cobram valores que variam entre R$5,00 e R$10.00 por cada 10 metros cúbicos de água e esgoto.

E quanto cobra a SANEPAR pelo mesmo serviço?

Nada mais nada menos que R$18,45 (dezoito reais e quarenta e cinco centavos) por cada 10m3 da água e esgoto, valor totalmente incompatível com a propalada eficiência em seus serviços.


III - Do direito ambiental e consumeirista violado:

Preliminarmente, destaque-se que a legitimidade do Ministério Público para interpor a presente ação decorre dos preceitos insculpidos no artigo 129 da Constituição Federal, art.82 inciso I do Código de Defesa do Consumidor, artigo 5º da Lei 7.347/85 e artigo 14 § 1º da Lei 6.938/81, uma vez ser inegável a relação de consumo existente entre a requerida e a universalidade de consumidores, como também diante do dever ministerial de velar pela proteção ao meio ambiente.

"A priori", a prestação de serviços tidos como essenciais, tais como o fornecimento de água e coleta de esgoto, devem visar à saúde e segurança do consumidor, além de serem prestados de forma adequada e eficaz, conforme estipula o art.6º incisos I e X da Lei 8078/90 (Código de Defesa do Consumidor):

"Art. 6º - São direitos básicos do consumidor:

I - a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos;

X – a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral."

Nesse mesmo vértice, o art.22 do Código de Defesa do Consumidor prevê o dever das concessionárias em prestar serviços eficazes, sob pena de gerar sua responsabilidade civil:

"Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.

"Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste Código".

Sob outro polo, o art.37 "caput" da Constituição Federal, alterado pela Emenda Constitucional nº 19/98, passou a prever expressamente como uma das premissas fundamentais da administração pública, e conseqüentemente das empresas que exploram tais serviços, a eficiência de seus serviços.

Inadvertidamente, na presente ação deparamo-nos com provas cabais indicando a total ineficiência dos serviços de coleta de esgoto realizados pela SANEPAR.

Sob outro prisma, o art.196 da Constituição Federal:estabelece regra primordial acerca do direito à saúde:

Art. 196. "A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação".

Referido dispositivo impõe ao Estado, e consequentemente àqueles que prestam serviços públicos mediante concessão estatal, a garantia do direito à saúde de cada cidadão, sobretudo como forma preventiva para evitar o risco de doenças.

Nesse caso, a previsão legal de efetivação da saúde em Assis Chateaubriand passa a ser ameaçada por atitude da SANEPAR, na medida em que presta serviço altamente poluidor, com riscos de ocasionar uma epidemia generalizada no município.

No mesmo norte, dispõe o art.225 da Constituição Federal que todos tem direito ao meio ambiente equilibrado, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de preservá-lo:

" Art. 225 - Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial a sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e a coletividade o dever de preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Por seu turno, definindo expressamente o que é degradação ambiental e quais as atividades poluidoras, destaca o art.3° incisos I, II e III da Lei 6.938/81, que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente:

" Art. 3º - Para fins previstos nesta Lei, entende-se por

I - Meio Ambiente - o conjunto de condições, leis, influências e interações, de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas;

II - Degradação da qualidade ambiental - a alteração adversa das características do meio ambiente;

III - Poluição e degradação da qualidade ambiental resultante das atividades que direta ou indiretamente:

a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem estar da população;

b) criem condições adversas as atividades sociais e econômicas;

c) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;

d) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões estabelecidos."

Em complemento, o art.1º inciso IV da Resolução nº 01/86 do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA), define o que é impacto ambiental:

" Art. 1º - Para efeito desta Resolução, considera-se impacto ambiental qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetam:

(...)

IV - as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente."

Da mesma forma, com tal atividade a SANEPAR também infringe o que estabelece o próprio art.2º § 2º do Decreto 82.587/78, que dispõe sobre o saneamento básico, ao prever que o sistema de esgoto deve, obrigatoriamente, dar destino final adequado às águas coletadas:

"Os serviços públicos de saneamento básico compreendem:

b) os sistemas de esgotos, definidos como o cojunto de obras, instalações e equipamentos, que têm por finalidade coletar, transportar e dar destino final adequado às águas residuárias ou servidas"

Destarte, chega ao cúmulo que uma empresa do porte da SANEPAR, a qual possui quase o monopólio da atividade de água e esgoto no Estado do Paraná, viole literalmente mandamentos constitucionais. Sendo uma sociedade de economia mista, e portanto possuindo capital público, tem o dever de contribuir para a efetivação do direito à saúde do cidadão, que em última análise, direcionou seus impostos para a criação da empresa.

Ao contrário disto, a SANEPAR contribui para a proliferação de uma série de doenças que ao final terão de ser tratadas nas redes de saúde pública, acarretando maiores ônus ao erário do que manter-se a prestação de serviço eficiente. Em suma, ao contaminar o meio ambiente e possibilitar a propagação de doenças, a SANEPAR passará a atingir o próprio Estado.

Importa ressaltar que pela previsão contida no art.14 parágrafo único da Lei 6.938/81, a responsabilidade da SANEPAR pela poluição no Rio Baiano é objetiva:

(.....)

" Parágrafo Único - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal por danos causados ao meio ambiente."

Nesse vértice, não pode a SANEPAR se eximir da atividade poluidora através de subterfúgios, pois se isto está ocorrendo, é pelo fato de que sua central de tratamento de esgoto é ineficiente, tal como demonstrado nos demais municípios que estão sofrendo os mesmos problemas.

Em suma,caso não seja cessada a irregular e inconsequente ação da SANEPAR, os danos ao meio ambiente e à população poderão ter caráter irreversível.

Assim, compete ao MINISTÉRIO PÚBLICO, como guardião dos interesses indisponíveis da sociedade, zelar pela fiel observância das leis, defendendo os interesses metaindividuais da população.

Na mesma esteira, também compete ao PODER JUDICIÁRIO, como baluarte da ordem pública, velar pela proteção ao meio ambiente e preservá-lo para as futuras gerações, pois conforme leciona o ex-Ministro SYDNEY SANCHES do Supremo Tribunal Federal, "Vê-se, pois, que no Brasil, a proteção ao meio ambiente só não se tornará efetiva se os legitimados a defendê-lo não o fizerem adequadamente ou não estiverem devidamente aparelhados para isso. Ou, ainda, se o Poder Judiciário, com suas eternas deficiências de pessoal suficiente e qualificado, suas invencíveis insuficiências orçamentárias e administrativas, ou à falta de entusiasmo de seus membros e servidores, não puder responder, a tempo e hora, aos reclamos da sociedade brasileira. Normas constitucionais e legais é que não faltam" (O PODER JUDICIÁRIO E A TUTELA DO MEIO AMBIENTE - Sydney Sanches, Revista Jurídica nº 204, Outubro/94, pág. 5)

Diante do exposto deve a SANEPAR ser obrigada a adequar a atividade de exploração dos serviços de esgoto, além de responder pelos danos causados pela ineficiência de tal serviço.


IV - A interrupção do fornecimento de água à população - A ilegalidade do procedimento da sanepar:

Consoante já destacado em linhas acima, através da Lei Municipal nº 98/73, a SANEPAR obteve a concessão para explorar os serviços de abastecimento de água no município de Assis Chateaubriand.

Não obstante tratar-se de serviço público de extrema necessidade à população, como também indispensável à sobrevivência humana, a SANEPAR vem adotando em Assis Chateaubriand perversa política empresarial de corte do abastecimento de água em razão de falta de pagamento das faturas.

Em suma, caso o consumidor não promova o pagamento da fatura no prazo de 30 dias após seu vencimento, a SANEPAR suspende o fornecimento da água.

Às escâncaras, percebe-se que tal procedimento viola normas constitucionais, constituindo ato abusivo, ilegal e atentatório à dignidade humana, cuja prática pretendemos coibir através da demanda que ora se inicia.

Por incontáveis vezes o Ministério Público desta comarca foi procurado por cidadãos economicamente hipossuficientes que se queixavam não só das cobranças abusivas de serviços de esgoto, como também da política abusiva da SANEPAR no tocante ao corte do serviço de abastecimento de água.

É evidente que a suspensão do fornecimento de água potável como meio coercitivo para o pagamento da fatura não possui substrato legal.

Sob outro âmbito, tal procedimento também pode ocasionar doenças contagiosas, por tratar-se de questão de saúde pública, já que a interrupção do fornecimento de água potável força a população a buscar água em locais perigosos e insalubres, frisando-se novamente que o art.196 da Carta Magna impõe ao Estado o dever de garantir a saúde da população.

Segundo dados colhidos junto à Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 80% dos casos de doenças mundiais resultam da ingestão de água contaminada, a qual pode ocasionar cerca de 25 tipos diferentes de enfermidades (fonte: "Água: a vida por uma gota", Agenda dos 10 anos do CEDEA")

Nessa órbita, ao utilizar o corte no abastecimento de água potável como meio ilegal de cobrança, a SANEPAR incrementa os riscos de proliferação de uma série de doenças à população, que em última análise, também deverão ser arcadas pelo poder público através de seus entes hospitalares.

Ademais, evidente é a contradição da SANEPAR se compararmos o corte de água com o deficitário tratamento de esgoto exigido da população: sob o argumento de que o tratamento de esgoto é questão de saúde pública, a SANEPAR passa a exigir a ligação de menos da metade da população urbana de Assis Chateaubriand à rede coletora (e mesmo assim contamina o meio ambiente), ao tempo em que, devido a falta de pagamento de clientes economicamente hipossuficientes (aposentados, bóia-frias, etc.), veda acesso dos últimos à água tratada!

Mais grave é o fato de que a imensa maioria, senão a totalidade das pessoas que têm suas casas com o serviço de abastecimento de água interrompido serem de baixa renda, o que amplia dramaticamente o risco de doenças, em razão da má alimentação, dificuldade ou impossibilidade de acesso a medicamentos ou tratamento médico e pouca instrução, muitas vezes até mesmo no que diz respeito às condições e práticas de higiene.

Importa ressaltar, diante da essencialidade do precioso líqüido, que o consumidor inadimplente assim o é não por simples capricho ou descuido, mas sim pelas dificuldades econômicas advindas da crise que o país vivencia, que vem a acarretar, principalmente aos excluídos das benesses da sociedade contemporânea - os mais pobres - maiores dificuldades, fazendo com que se obriguem a inadimplir alguns de seus débitos.

Assim, a cruel política empresarial da SANEPAR prioriza a interrupção do fornecimento do mais fundamental dos elementos, do qual depende a saúde e vida humana, como forma de constrangimento dos mais humildes habitantes de Assis Chateaubriand.


V - O fornecimento de água potável como serviço essencial - O entendimento doutrinário e jurisprudencial acerca do tema:

Nos últimos anos, dezenas de ações judiciais interpostas em todo o país têm questionado a ilegalidade do corte de fornecimento de água.

Nesse vértice, vários acórdãos vêm definindo a impossibilidade da suspensão do fornecimento de água em virtude do inadimplemento, dentre eles o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL:

"ÁGUA - Fornecimento por departamento do Estado - Pagamento de preço público ou taxa - Atraso do Consumidor - Corte - Ilegalidade. (Revista dos Tribunais nº 588/259).

Lapidar também é o entendimento exarado pelo TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA, cuja ementa segue:

"MANDADO DE SEGURANÇA - ÁGUA - FORNECIMENTO - DÉBITO - CORTE NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO CONSIDERADO ESSENCIAL - INADMISSIBILIDADE - APELO DESPROVIDO. O fornecimento de água - serviço de natureza compulsória, posto essencial à higiene e à saúde pública, não é passível de interrupção por débito do usuário. Para a exigência da contraprestação em atraso deste serviço dispõe o fornecedor de meios regulares. (TJ/SC ApMS n.º 3.720, 4ª Câmara Cível - votação unânime - Rel. Des. Alcides Aguiar - publicado no DJSC em 31.01.94).

No mesmo sentido também já decidiu o colendo SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, conforme transcrito nos Cadernos do Ministério Público, Volume 2, nº 4, maio 1999, pg.41:

"2.3.1. Fornecimento de água não pode ser interrompido por inadimplência.

‘O fornecimento de água, por se tratar de serviço público fundamental, essencial e vital ao ser humano, não pode ser suspenso pelo atraso no pagamento das respectivas tarifas, já que o Poder Público dispõe dos meios cabíveis para a cobrança dos débitos dos usuários’. Essa foi a decisão unânime da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, que rejeitou o recurso especial da Companhia Catarinense de Águas e Saneamento - CASAN contra o pescador Ademar Manoel Pereira.

Segundo o pescador, em julho de 1997, o barraco de madeira em que morava com a família incendiou e todos os móveis foram destruídos, não podendo nada ser recuperado. E, por isso, devido às dificuldades financeiras, atrasou o pagamento das contas de água à CASAN. A esposa de Ademar, Marlene Teixeira Pereira, foi ao escritório da companhia para pedir o parcelamento da dívida, pois não teriam condições de pagar a quantia à vista. O pescador estava reconstruindo a casa com a ajuda da comunidade local, e não poderia ficar sem água. O representante da CASAN negou o pedido de Marlene. Então, o pescador, que hoje trabalha na Prefeitura de Piçarras (SC) onde recebe um salário de 200 reais, entrou com mandado de segurança contra a empresa.

A primeira instância acolheu o pedido de Ademar Manoel. A CASAN, então, apelou ao Tribuna de Justiça de Santa Catarina, tendo sua apelação rejeitada. Inconformada, a companhia entrou com recurso especial no STJ alegando que o fornecimento de água constitui serviço remunerado por tarifa, e que deve ser permitida sua interrupção no caso de não pagamento de contas. Para o ministro Garcia Vieira, relator do processo, "a Companhia Catarinense de Água cometeu um ato reprovável, desumano e ilegal. É ela obrigada a fornecer água à população de maneira adequada, eficiente, segura e contínua e, em caso de atraso por parte do usuário, não poderia cortar o seu fornecimento, expondo o consumidor ao ridículo e ao constrangimento", casos previstos no Código de Defesa do Consumidor.

Segundo Garcia Vieira, para receber seus créditos, a CASAN deve usar os meios legais próprios, "não podendo fazer justiça privada porque não estamos mais vivendo nessa época e sim no império da lei, e os litígios são compostos pelo Poder Judiciário, e não pelo particular. A água é bem essencial e indispensável, subordinado ao princípio da continuidade, sendo impossível a sua interrupção e muito menos por atraso no seu pagamento", finaliza o ministro.(Decisão unânime da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, sendo Relator o Ministro Garcia Vieira - RESP 00201112, julgado em 20 de abril de 1999).

Destarte, resta demonstrada que referida prática é ilegal, devendo ser prontamente rechaçado pelo Poder Judiciário.

Sob outro âmbito, importa destacar que a legislação pátria proíbe a suspensão do fornecimento de serviços de utilização compulsória para o consumidor.

Nesse sentido, a utilização dos serviços de fornecimento de água e remoção de dejetos prestados pela requerida são de utilização compulsória para o consumidor, ou seja, independem da vontade deste para serem prestados, pois assim dispõe o art. 8º caput da Lei Complementar Estadual n.º 04/75:

"Art. 8º. Todo o prédio, destinado a habitação ou para fins comerciais ou industriais, deverá ser ligado às redes de abastecimento de água e remoção de dejetos, quando a exploração dos sistemas for estadual, municipal ou concedida".

No mesmo diapasão, destaca o art.7º da Lei Complementar n.º 33.641/77:

"Art. 7º. Todos os prédios residenciais, comerciais, industriais ou instalações em logradouros públicos, localizados em áreas servidas por Sistema de Abastecimento de Água e por Sistema de Coleta de Esgotos, serão obrigados a fazer as respectivas ligações aos sistemas, aterrando os poços ou fossas existentes."

Esta "compulsoriedade" atribuída pelo legislador aos serviços de fornecimento de água e remoção de dejetos nos trazem duas conclusões interessantes à presente demanda.

A primeira refere-se à indispensabilidade da água para a manutenção da saúde do usuário e de toda a coletividade, posto que o fim destas normas é propiciar a todos os cidadãos, até mesmo contra a sua vontade, uma condição de dignidade humana advinda do saneamento básico.

Já a segunda refere-se a incoerência lógica existente entre a obrigatoriedade do serviço e a possibilidade de suspensão do mesmo diante do simples inadimplemento do usuário, posto que tal obrigatoriedade, imposta para que prevaleça o interesse público sobre o privado, pode ser invalidada pela possibilidade da suspensão, o que beneficia exclusivamente a empresa prestadora do serviço.

Assim, volvemos a frisar que estamos diante da estarrecedora possibilidade de virem a se propagar doenças altamente contagiosas e letais (cólera e hepatite entre elas) em razão da política adotada pela SANEPAR para cobrança de seus serviços.

Se tal atitude não for coibida, número cada vez maior de pessoas deixará de ter acesso a um dos mais elementares benefícios da sociedade contemporânea: a água tratada.

Ressaltar que tais doenças poderão não apenas se restringir às regiões mais pobres das cidades, como também poderão atingir caráter epidêmico, atingindo tanto aqueles que não podem quanto os que podem pagar em dia suas contas de água.

Inegável, portanto, o interesse público (inclusive daqueles que jamais atrasaram sequer um talão de água) na determinação judicial de cessação da prática ilegal e nociva.

O administrativista DIÓGENES GASPARINI, com sua invulgar sabedoria, sopesa o entendimento da impossibilidade do corte no fornecimento de serviços compulsórios:

"Com efeito, se a Administração Pública os considera essenciais e os impõe, coercitivamente, aos usuários situados no interior da área de prestação, como ocorre com os serviços de coleta de esgoto sanitário, não os pode suprimir ante a falta de pagamento. Ademais, sendo o serviço compulsório remunerado por taxa, espécie do gênero tributo, possui a administração ao seu dispor o meio eficaz e próprio (ação de execução) para obter o valor devido e os acréscimos legais, não lhe cabe impor outras sanções."(in DIREITO ADMINISTRATIVO, Saraiva, 1995, pp. 218).

Em resenha, se uma norma impõe a compulsoriedade do serviço para o consumidor, por outro também obriga as concessionárias a prestá-lo, posto que não teria sentido obrigar o consumidor ao uso de tal serviço se a requerida pudesse romper o fornecimento da forma que melhor atendesse aos seus interesses.

Vale asseverar que a imposição do uso do serviço em questão desconsidera a vontade do consumidor para fazer valer interesse público dos mais relevantes, que é a saúde e a higiene da população como um todo, de forma que o inadimplemento da contraprestação não pode obstar o alcance de tal interesse.

Destacar que no inicio do ano 2000, centenas de pessoas carentes dirigiram abaixo assinado ao Presidente da Sanepar (documento incluso às fls.163/168), suscitando a impossibilidade de pagamento das elevadas faturas da empresa. Nesse sentido, vislumbra-se tratar de pessoas extremamente carentes, que não se recusam a pagar o que devem, somente não o fazendo por força das circunstâncias, ora de caráter eventual e temporal.

Nessa esteira, com tal procedimento a SANEPAR inobserva as normas de ordem pública previstas no Código de Proteção e Defesa do Consumidor, sendo pacífico a subsunção do Poder Público às normas previstas na Lei n.º 8.078/90, quando da prestação de serviços públicos aos usuários.

Mesmo assim, através da prática que ora se espera coibir, a SANEPAR vem infringindo várias regras previstas neste estatuto do consumo, não sendo demais ressaltar que tais normas, diante do que dispõe o artigo 1º, são de ordem pública e interesse social.

A primeira destas regras, já destacada linha acima, vem insculpida no art.22 caput, do CDC, in verbis:

"Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigadas a fornecer serviços adequados, eficientes e, quanto aos essenciais, contínuos."

Este artigo cria para a empresa requerida um dever de continuidade dos serviços essenciais, sendo indiscutível que a água é um bem indispensável para a vida de qualquer ser vivo. Tal fato é de conhecimento das autoridades sanitárias, como fica demonstrado claramente através da obrigatoriedade dada por lei ao uso de tais serviços.

Todavia, mencionado regramento não vem sendo cumprido pela requerida, a qual utiliza o inadimplemento do consumidor como forma coativa para coarctar o fornecimento de água potável, quando a lei determina de forma clarividente que os serviços essenciais devem ser prestados de forma contínua.

Tecendo comentários sobre esta norma, o eminente e respeitado jurista ANTÔNIO HERMAN DE VASCONCELLOS E BENJAMIN salienta:

"A segunda inovação importante é a determinação de que os serviços essenciais - e só eles - devem ser contínuos, isto é, não podem ser interrompidos. Cria-se para o consumidor um direito à continuidade do serviço. Tratando-se de serviço essencial e não estando ele sendo prestado, o consumidor pode postular em Juízo que se condene a administração a fornecê-lo. Ressalta-se que o dispositivo não obriga o Poder Público a prestar o serviço. Seu objetivo é mais modesto: uma vez que o serviço essencial esteja sendo prestado, não mais pode ele ser interrompido. Uma coisa é o consumidor saber que não pode contar, por qualquer razão alegada pela administração, com um determinado serviço público. Outra, bem distinta, é despojar-se o consumidor, sem mais nem menos, de um serviço essencial que vinha usufruindo."(......) "O Código não disse o que se entendia por serviços essenciais. Essencialidade, pelo menos neste ponto, há que ser interpretada em seu sentido vulgar, significando todo serviço público indispensável à vida em comunidade, ou melhor, em uma sociedade de consumo. Inclui-se aí, não só os serviços públicos stricto sensu (os de polícia, os de proteção, de saúde), mais ainda os serviços de utilidade pública (os de transporte coletivo, os de energia elétrica, os de gás, os de telefone, os de correio)..." (Comentários ao Código de Proteção ao Consumidor, Saraiva, 1991, pp. 110/111).

Mais incisiva ainda é a lição do mestre MÁRIO AGUIAR MOURA, que preleciona de forma contundente:

"A continuidade dos serviços essenciais significa que devem ser eles prestados de modo permanente e sem interrupção, salvo ocorrência de caso fortuito ou força maior que determine a sua paralisação passageira. A hipótese é a de o particular já estar recebendo o serviço. Não pode a pessoa jurídica criar a descontinuidade. Serviços essenciais são todos os que se tornam indispensáveis para a conservação, preservação da vida, saúde, higiene, educação e trabalho das pessoas. Na época moderna, exemplificativamente, se tornaram essenciais, nas condições de já estarem sendo prestados, o transporte, água, esgoto, fornecimento de eletricidade com estabilidade, linha telefônica, limpeza urbana etc. Dentro da obrigatoriedade de serem tais serviços contínuos e permanentes, vem à baila a regra administrativa de corte no fornecimento, v. g. de água, eletricidade, linha telefônica, no caso do usuário deixar de pagar as taxas impostas pelo Poder Público. Sou do parecer que tal ação da Administração, ofendendo norma cogente de proteção ao consumidor, será ato contrário à lei e que enseje o remédio da restauração do serviço. Os meios que tem o Poder Público são os de promover a cobrança das taxas impagas na forma da lei. (O Poder Público como fornecedor perante o Código de Defesa do Consumidor, in Repertório de Jurisprudência IOB, 2º quinzena de abril/92, p. 174).

Neste mesmo sentido, como luvas ao caso em exame, insta destacarmos ementa do Egrégio SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, já noticiada acima:

"FORNECIMENTO DE ÁGUA - SUSPENSÃO - INADIMPLÊNCIA DO USUÁRIO - ATO REPROVÁVEL, DESUMANO E ILEGAL - EXPOSIÇÃO AO RIDÍCULO E AO CONTRANGIMENTO. A Companhia Catarinense de Água e Saneamento negou-se a parcelar o débito do usuário e cortou-lhe o fornecimento de água, cometendo ato reprovável desumano e ilegal. Ela é obrigada a fornecer água à população de maneira adequada, eficiente, segura e contínua, não expondo o consumidor ao ridículo e ao constrangimento. (Resp. n.º 201.112 - SC,1ª Turma por unanimidade, Rel. Ministro Garcia Vieira, publicado no DJ em 10.05.99).(grifou-se)

Ainda consta do referido acórdão:

".... Com isso a Companhia Catarinense de Água cometeu um ato reprovável, desumano e ilegal. É ela obrigada a fornecer água a população de maneira adequada, eficiente, segura e contínua e, em caso de atraso por parte do usuário, não poderia cortar o seu fornecimento, expondo o consumidor ao ridículo e ao constrangimento (Código de Defesa do Consumidor, art. 22 e 42). Para receber os seus créditos, tem a impetrada os meios legais próprios, não podendo fazer justiça privada porque não estamos mais vivendo nessa época e sim do império da lei e os litígios são compostos pelo Poder Judiciário e não pelo particular. A água é bem essencial e indispensável para à saúde e higiene da população. Seu fornecimento é serviço público indispensável, subordinado ao princípio da continuidade, sendo impossível a sua interrupção e muito menos por atraso no seu pagamento.... "

Em outro acórdão, o Ministro JOSÉ DELGADO, integrante da 1ª Turma do SUPERIOR DE TRIBUNAL DE JUSTIÇA, também asseverou a impossibilidade da suspensão do fornecimento de serviços essenciais, como segue:

"ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ENERGIA ELÉTRICA. AUSÊNCIA DE PAGAMENTO DA TARIFA. CORTE. IMPOSSIBILIDADE. 1.É condenável o ato praticado pelo usuário que desvia energia elétrica, sujeitando-se até a responder penalmente. 2.Essa violação, contudo, não resulta em reconhecer como legítimo ato administrativo praticado pela empresa concessionária fornecedora de energia elétrica e consistente na interrupção do fornecimento da mesma. 3.A energia é, na atualidade, um bem essencial à população, constituindo-se serviço público indispensável subordinado ao princípio da continuidade da prestação, pelo que se torna impossível a sua interrupção. 4.Os arts. 22 e 42, do Código de Defesa do Consumidor, aplicam-se às empresas concessionárias de serviço público. 5.O corte de energia, como forma de compelir o usuário ao pagamento de tarifa ou multa, extrapola os limites da legalidade. 6.Não há de se prestigiar a autuação da Justiça privada no Brasil, especialmente, quando exercida por credor econômica e financeiramente mais forte, em largas proporções, do que o devedor. Afronta, se assim fosse admitido, aos princípios constitucionais da inocência presumida e da ampla defesa. 7.O direito do cidadão de se utilizar dos serviços públicos essenciais para a sua vida em sociedade deve ser interpretado com vistas a beneficiar a quem deles se utiliza. 8.Recurso improvido." (ROMS n.º 8915 - MA, 1ª Turma - unânime - Rel. Ministro José Delgado, publicado no DJ de 17.08.98)(grifou-se)

Sob outro âmbito, também já decidiu o TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL da 4ª REGIÃO que para a satisfação de créditos não pode a concessionárias interromper serviços essenciais, devendo utilizar as vias legais para tal mister:

"ADMINISTRATIVO, MANDADO DE SEGURANÇA. SUSPENSÃO DO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. 1.A concessionária de energia elétrica deve buscar a satisfação de seus créditos através dos meios legais de que dispõe, o que não significa a suspensão do serviço público. 2. Remessa "ex officio" improvida." (TRF 4ª Região, REO 0441560/94/RS: DJ 27.09.95, Juiz Nylson Paim de Abreu)

Por outro lado, o expediente do corte utilizado pela SANEPAR viola o disposto no artigo 42 da Lei 8078/90, posto que tal forma de pressão constitui verdadeira coação, com a única finalidade de constranger o consumidor.

Neste sentido preleciona o mestre FÁBIO ULHOA COELHO:

"Um outro lado da vulnerabilidade do consumidor se revela quando, por ter sido inadimplente, vem a ser cobrado pelo fornecedor. Notadamente, as pessoas de poucos conhecimentos ou recursos podem ser presas fáceis de meios inidôneos de cobrança. A proteção do consumidor alcança, neste tema, a vedação do uso de expedientes capazes de exporem ao ridículo o consumidor ou submeterem-no a qualquer forma de constrangimento ou ameaça. A sua inadimplência não pode ser tratada de maneira vexatória ou coercitiva. Em outros termos, ao fornecedor cabe exercer o seu direito de forma regular. Poderá, evidentemente, valer-se de todas as garantias juridicamente proporcionados ao credor, mas nunca poderá intimidar ou ridicularizar o consumidor. Esta vedação apenas explicita que o fornecedor não pode exercer abusivamente o seu direito de credor, devendo observar com rigor o padrão legalmente previsto para o recebimento de seu crédito". (Comentários ao Código de Proteção do Consumidor - vários autores, Saraiva, 1991, p. 172).

Em síntese, é repugnável o procedimento da requerida, adotando forma coativa como meio de cobrança de dívida, violando expressamente o disposto no art.71 do Código de Defesa do Consumidor, que inclusive prevê crime na conduta de:

"utilizar, na cobrança de dívidas, de ameaça, coação, constrangimento físico ou moral, afirmações falsas, incorretas ou enganosas ou de qualquer outro procedimento que exponha o consumidor, injustificadamente, a ridículo ou interfira com seu trabalho, descanso ou lazer"

Portanto, o fornecimento de água constitui serviço essencial, o que concede a qualquer ofendido pleitear a medida judicial em defesa do seu direito básico para que seja observado o fornecimento de produtos e serviços (relação de consumo) a teor de art. 6º, incisos VI e X, c/c o art. 22 do CDC.

Ressaltar que tal principio proíbe o retrocesso, porque o art. 5º, inciso XXXII e art.170 da Carta Magna vem protegidos pelo art.1º do CDC, o que atende a política nacional de relação de consumo, cujo o objetivo é o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito a dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria de sua qualidade de vida, bem como a transferência e harmonia de relações de consumo (art.4ºcaput, do CDC).

Ademais, destaque-se que a odiosa política empresarial da SANEPAR penaliza o consumidor duplamente. Nesse sentido, prova-se pelas inúmeras faturas juntadas ao feito que a requerida, além de interromper o serviço essencial, ainda cobra para desligar e religar o hidrômetro (vide faturas juntadas às fls. ).

Em complemento, frise-se que a matéria jornalística encartada às fls.152 também noticia a suspensão do corte de água pela SANEPAR na Comarca de Campo Mourão-PR, através de recente decisão da 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná, pois segundo destacou o Desembargador BONEJOS DEMCHUK "A companhia de água, no caso a SANEPAR, é obrigada a fornecer a água à população de maneira adequada, eficiente, segura e contínua e, em caso de atraso por parte do usuário, não pode cortar o seu fornecimento, expondo o consumidor ao ridículo e ao constrangimento.....A SANEPAR tem os meios legais próprios para receber os seus créditos e não pode fazer justiça privada, porque não estamos mais vivendo esta época e sim do império da lei e os litígios são compostos pelo Poder Judiciário e não particular".

Por fim, embora haja previsão legal acerca da concessão da Tarifa Social aos hipossuficientes, vislumbramos diuturnamente na Promotoria de Justiça, que centenas de pessoas desconhecem tal direito, seja por má informação, seja por omissão da SANEPAR.

Nesse contexto, basta verificarmos as faturas de água para vislumbrar que em nenhuma delas há informação acerca da concessão da Tarifa Social. No mesmo prisma, no verso das faturas sequer há menção sobre tal direito, somente havendo advertências no sentido de que o inadimplemento pode gerar multa e suspensão no fornecimento dos serviços.

Desta forma, através da presente ação, também visa o Ministério Público a exigir da SANEPAR, à luz do art.6º incisos II e III da Lei 8078/90, que informe aos consumidores o direito à obtenção da tarifa social estabelecida pelo Decreto Estadual nº 3.731/97.


VI - Do pedido liminar visando à suspensão da cobrança da tarifa de esgoto:

Estando presente e demonstrado o binômio do fumus boni juris e do periculum in mora, bem como o disposto no artigo 12 da Lei de Ação Civil Pública (7.347/85), autoriza-se a concessão de medida liminar para rechaçar ambas as práticas ilegais que vêm sendo adotada pela SANEPAR.

A "fumaça do bom direito" vem representada pela violação de normas ambientais e consumeiristas pela SANEPAR, especialmente na cobrança de serviços prestados de forma deficiente (rede de esgoto), como também na forma de cobrança vexatória e coercitiva a ensejar a interrupção do fornecimento de água aos cidadãos.

O "perigo na demora" reside no prejuízo patrimonial mensal a que estão submetidos todos os cidadãos que vêm pagando elevada tarifa de esgoto, sendo que não há contrapartida de resultado adequado do serviço, posto que a SANEPAR está contaminando as águas do município através de coliformes fecais em número não permitido, o qual constitui vetor de inúmeras doenças de natureza epidêmica.

Nesse aspecto, a cobrança de valor significativo, de forma impositiva, sem que haja a contrapartida definida em lei pela empresa concessionária de serviço público (tratar o esgoto de forma a lançar o efluente tratado dentro dos padrões ambientais estabelecidos pelo corpo d’água receptor do fluído) está a caracterizar injustificável enriquecimento da empresa em detrimento da comunidade, inclusive daqueles mais carentes e que são constrangidos, em caso de inadimplemento, com a suspensão de fornecimento de água tratada.

Destarte, em sede de liminar requer-se digne Vossa Excelência. em conceder medida liminar sem justificação prévia, determinando-se que a SANEPAR se abstenha de cobrar a Taxa/Tarifa de esgoto em todo o município de Assis Chateaubriand, enquanto não for comprovado nos autos, mediante perícia do Instituto Ambiental do Paraná ou outra entidade habilitada, acompanhando aquele a perícia, que o serviço prestado pela requerida está adequado aos parâmetros legais estabelecidos pelo CONAMA, especialmente no que diz respeito aos coliformes fecais, permitindo-lhe somente a cobrança da taxa/tarifa pelo fornecimento de água.

Cabe ressaltar que o perigo da demora na concessão da medida poderá trazer danos irreparáveis aos consumidores, pois do contrário continuarão sendo lesados pela ilegal e injusta cobrança do serviço de esgoto totalmente ineficiente.

Nesse prisma, a denegação da liminar poderia provocar um maior gravame aos consumidores/contribuintes, uma vez que o valor das importâncias pagas a título de contraprestação pelos serviços de esgoto dificilmente será totalmente reembolsada pela entidade pública, até mesmo porque eventual execução do indébito deverá ser promovida individualmente e de forma bastante custosa, já que o Ministério Público somente tem legitimidade para a ação de conhecimento, cabendo a cada um dos beneficiados por esta ação executar a sentença, no que lhe for favorável, posteriormente.

Ainda assim, aqueles que não executarem a sentença a contar um ano do trânsito em julgado, correm o risco de terem seus créditos convertidos ao fundo de que trata a Lei 7.347/85, por força da execução coletiva a ser promovida pelo requerente, nos termos do artigo 100 do Código de Defesa do Consumidor.

Por outro lado, prejuízo algum redundará à requerida se, deferida a liminar, vier a ser julgada improcedente a ação nesse tópico. Neste caso, bastará que o ente público efetue a cobrança dos valores constantes nas faturas de água/esgoto, cuja cobrança tenha sido obstada pela medida liminar postulada.

Ainda importa destacar que a suspensão na cobrança dos serviços de esgoto também visa a compelir a SANEPAR a readequar seus serviços, uma vez tratar-se de empresa notoriamente rica, que pouco vem se importando com o meio ambiente, fato ilustrado nas matérias jornalísticas acima mencionadas.

Vale destacar que a concessão da cautela pleiteada em nada afetará o julgamento final da lide e tampouco caracterizará a antecipação da própria decisão de mérito, pois conforme leciona o mestre GALENO LACERDA:

"A segurança mediante antecipação provisória da prestação jurisdicional atende, em regra (com exceções possíveis nas cautelas atípicas), a necessidade de proteção imediata de pessoas... No campo das cautelas inominadas, essa antecipação se estende em dimensões notáveis praticamente a todos os setores do direito, como evidencia o comentário ao artigo 799." (Comentários ao Código de Processo Civil, v. VIII, Tomo I, 4ª ed. Forense, p. 20).

Na mesma esteira, acrescenta o mestre:

"Não pode o juiz, como já se disse, criar o direito material em abstrato e atribuí-lo a parte e neste ponto, sem dúvida, seu poder revela-se menor do que o pretor romano e os dos juizes anglo-americanos. O direito material constitui requisito ínsito no fumus boni juris. A providência cautelar, sim, é que representa obra concreta de criação, não prevista pelo legislador, mas compreendida necessariamente no próprio dinamismo do direito material em contato com a realidade. Assim, por exemplo, a sustação do protesto cambial constitui medida não prevista em lei, mas que se inclui, sem dúvida, no âmbito do eventual direito subjetivo material nascido de fato extintivo, como o pagamento, ou impeditivo, como a nulidade do título ou só negócio subjacente, ou da própria inexistência do negócio jurídico. O direito subjetivo material, o juiz não o cria mas a providência cautelar de tutela, imprevista ou imprevisível em lei, sim. Com esta distinção, que é real e certa, evita-se o risco, apontando com freqüência na doutrina estrangeira, de que a concessão da cautela inominada importe prejulgamento do direito, objeto da ação principal. Claro esta que esse prejulgamento não existe, nem poderá existir, mesmo quando a cautela importe antecipação, meramente provisória, da prestação jurisdicional de mérito. E aqui se indica outro limite à discrição do magistrado. Como acentua Goldshimidt, a medida cautelar não pode criar a situação de fato que corresponderia ao direito do solicitante, como a entrega da coisa, extinção da hipoteca, a desocupação do imóvel, salvo quando se tratar de satisfação de necessidades primárias (alimentos, relações de família, etc.). Nesta ressalva que, eventualmente, poderá se estender a outras situações de extrema gravidade, como veremos adiante no comentário do artigo 799, ocorre a antecipação provisória e satisfativa da prestação jurisdicional, já referida no n.º 5, supra, mas a providência não perde o caráter condicional e provisório, e não significa, em absoluto, prejulgamento definitivo." (Ob. cit., pp. 86 e 87).

Assim, a concessão da cautela não implica em prejulgamento da lide, mas uma antecipação provisória e satisfativa dos efeitos que decorram desta decisão, o que é perfeitamente tolerável pelo direito pátrio.

Finalmente, é preciso ter-se em mente que estamos em sede de proteção de interesses difusos e coletivos, não inter-subjetivos. Assim sendo, o que interessa é evitar o dano, até porque, como já se viu, este é insuscetível, pelas características da lide.

Necessária, portanto, diante da aparência do bom direito e do perigo da demora no julgamento da causa, que seja determinada a suspensão liminar da cobrança do serviço de esgoto pela SANEPAR, determinando-se que doravante, somente seja cobrado dos consumidores/contribuintes a taxa/tarifa de água, excluindo-se qualquer cobrança a título de esgoto.


VII - Do pedido de tutela antecipada proibir a interrupção do fornecimento de água potável:

Com fundamento nos artigos 273 e 461 do Código de Processo Civil, tem-se como flagrante a ilegalidade e abusividade da suspensão do fornecimento do serviço público essencial de água à população de Assis Chateaubriand, impondo-se a concessão de tutela antecipada para a imediata cessação de tal prática, bem como para que seja o mais breve e possível restabelecido o fornecimento a todos os consumidores que porventura estejam com o mesmo suspenso pela inadimplência.

Os requisitos necessários para obtenção da tutela antecipada estão presentes e satisfatoriamente caracterizados, quais sejam: fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, prova inequívoca e verossimilhança da alegação.

A prova inequívoca se faz presente pela inúmeras faturas juntadas ao feito, onde se comprova que a SANEPAR interrompe o fornecimento de água para coagir o consumidor ao pagamento da fatura. Não bastasse isso, ainda cobra para desligar e religar o hidrômetro, penalizando duplamente o consumidor.

Destarte, os fatos narrados estão provados documentalmente, não havendo qualquer dilação probatória a ser realizada.

No tocante à verossimilhança da alegação, interessante a lição de NEYTON FANTONI JUNIOR, ao asseverar que:

"para a obtenção da tutela jurisdicional antecipada também se faz necessário que o requerente convença o juiz da verossimilhança da alegação. Para tanto, poderá valer-se de diversos elementos idôneos de convicção, tais como: a) prova pré-constituída da relação jurídica; b) reconstrução do conteúdo da relação jurídica, os fins por ela visados, o sentido das palavras que exteriorizaram a manifestação de vontade, as conseqüências esperadas e as conseqüências verificadas; c) precedentes judiciais fundados em circunstâncias que se identifiquem ou se assemelhem ao caso concreto mediante confrontação analítica, indicando a razoável tendência da solução a ser definida; d) ofensa a dispositivo legal expresso; e) violação a princípio ou garantia constitucional". (A TUTELA ANTECIPADA À LUZ DA EFETIVIDADE DA CONSTITUIÇÃO E DO PRESTÍGIO DA FUNÇÃO JURISDICIONAL, publicada na RJ n.º 215, pág. 31).

Transportando estas palavras para o presente caso, encontram-se presentes todos os pressupostos narrados, ou seja, há prova pré-constituída da situação vivida pelos consumidores desta comarca, demonstrando-se a ofensa a dispositivo de lei e a princípios constitucionais, sobretudo pela violação de um direito básico do consumidor que é a adequada, eficaz e contínua prestação dos serviços públicos essenciais (art. 6º, inc. X e art.22 do CDC).

Por último, o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação também existe, posto que esta ilegal prática está a causar danos a saúde da coletividade dos consumidores, podendo até mesmo ser responsável por uma epidemia de uma doença qualquer, como o cólera. Aliado à isto, temos a demora natural do trâmite da presente ação, que versa sobre matéria constitucional, cabendo recurso até mesmo ao Egrégio Supremo Tribunal Federal e, ainda, a existência de prazos dilatados para a Fazenda Pública, o que tornará longa a batalha judicial, vindo em desprestígio ao Poder Judiciário.

Interessantes nesse tópico, descrever as sábias palavras de TEORI ALBINO ZAVASCKI, a afirmar que:

"o processo, instrumento que é para a realização de direitos, somente obtém êxito integral em sua finalidade quando for capaz de gerar, pragmaticamente, resultados idênticos aos que decorreriam do cumprimento natural e espontâneo das normas jurídicas. Daí dizer-se que o processo ideal é o que dispõe de mecanismos aptos a produzir ou a induzir a concretização do direito mediante a entrega da prestação efetivamente devida, da prestação in natura. E quando isso é obtido, ou seja, quando se propicia, judicialmente, ao titular do direito, a obtenção de tudo aquilo e exatamente daquilo que pretendia, há prestação de tutela jurisdicional específica". (ANTECIPAÇÃO DA TUTELA E OBRIGAÇÕES DE FAZER E DE NÃO FAZER, publicada na RJ n.º 237, pág. 20).

Finalmente, inexiste qualquer proibição referente à antecipação da tutela contra a Fazenda Pública ou suas empresas, sendo somente necessário, em virtude da Lei n.º 9.494 de 10.09.97, que ampliou para aos casos de antecipação de tutela, as exigências feitas pela Lei n.º 8.437/92, o pronunciamento do representante judicial da Fazenda, no prazo de 72 (setenta e duas) horas, sobre a tutela ora pleiteada.


VIII - Dos pedidos atinentes ao caso concreto:

Ante os argumentos expendidos, requer o MINISTÉRIO PÚBLICO:

A) liminarmente, e sem a oitiva da parte contrária, seja deferida medida liminar suspendendo imediatamente a cobrança da Tarifa de Esgoto em todo o município de Assis Chateaubriand, comunicando a decisão ao Gerente-Regional da Sanepar, Sr. Odacir Fiorentini, com escritório à Avenida Tupãssi, s/n, nesta cidade de Assis Chateaubriand-PR, para que implemente a presente medida, sob pena de aplicação de multa diária de R$100,00 (cem reais) para cada imóvel atingido.

B) liminarmente, e sem a oitiva da parte contrária, seja deferida medida liminar determinando que a SANEPAR, à luz do art.6º incisos II e III do Código de Defesa do Consumidor, emita comunicado explicativo a todos os consumidores deste município, por 03 meses seguidos e juntamente com a fatura de água, sobre o direito à obtenção da chamada Tarifa Social estabelecida pelo Decreto Estadual nº 3.731/97, sob pena de aplicação de multa diária de R$100,00 (cem reais) para cada imóvel ligado à rede da concessionária.

C) a citação da COMPANHIA DE SANEAMENTO DO PARANÁ - SANEPAR, na pessoa de seu Diretor-Presidente, Eng. Carlos Afonso Teixeira de Freitas, para tomar ciência da presente ação civil pública, e pronunciar-se no prazo de 72 (setenta e duas) horas sobre o pedido de tutela antecipada referente à interrupção do abastecimento de água.

D) Após o decurso do prazo de 72 horas, com ou sem manifestação da SANEPAR, seja concedida a tutela antecipada na forma enunciada para determinar à requerida o imediato restabelecimento do fornecimento de água aos consumidores inadimplentes, bem como a proibição da realização de tal prática, sob pena de multa diária no valor de R$100,00 (cem reais) para cada imóvel atingido.

E) O reconhecimento da procedência da ação, declarando-se a impossibilidade da suspensão do fornecimento de água em virtude do inadimplemento dos usuários, condenando-se a SANEPAR à obrigação de não fazer, consistente na não suspensão do serviço público essencial de fornecimento de água em virtude do inadimplemento nos moldes referidos nesta ação.

F) A condenação da requerida na obrigação de fazer, consistente na imediata prestação de serviço público essencial de fornecimento de água eventualmente suspenso em virtude do inadimplemento;

G) A condenação da requerida na obrigação de não fazer, consistente na abstenção de cobrança da taxa de esgoto enquanto não demonstrada por entidade oficial a adequação do serviço aos padrões ambientais contidos na Resolução CONAMA 20/86.

H) A condenação da requerida na obrigação de fazer, consistente na adequação do sistema de tratamento de esgoto para o lançamento eficiente dos resíduos tratados, dentro dos padrões ambientais estabelecidos na Resolução CONAMA 20/86.

I) Nos termos do art.14 parágrafo único da Lei 6.938/81, seja a requerida condenada a indenizar ou reparar os danos ambientais provocados no Rio Baiano, os quais deverão ser avaliados em sede de liquidação de sentença, impondo-se sua obrigação em promover a revitalização do rio diante das normas ambientais que regem a matéria.

J) A condenação da requerida ao pagamento das despesas processuais e verba honorária de sucumbência, cujo recolhimento deverá ser feito ao "Fundo Especial do Ministério Público", criado pela Lei Estadual n. 12.241, de 28 de junho de 1998 ( D.O.E. n. 5.305, de 03 de agosto de 1998), nos termos do artigo 118, inciso II, alínea "a", parte final, da Constituição do Estado do Paraná.

K) A produção de todas as provas em direito permitidas, sobretudo a documental, testemunhais e periciais, além do depoimento pessoal de representante legal da requerida, e se preciso for, inspeções na rede coletora de esgoto, estação de tratamento e demais dependências físicas da SANEPAR nesta Comarca.

Observando-se o disposto no art. 18 da Lei Federal nº. 7.347/85, dá-se à causa, por estimativa, o valor de R$50.000,00 (cinquenta mil reais).

Assis Chateaubriand, 20/novembro/2001.

GIOVANI FERRI

Promotor de Justiça


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ACP contra tarifa de esgotos e suspensão de fornecimento de água. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 56, 1 abr. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16488. Acesso em: 18 abr. 2024.