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Ação contra plano de saúde que paga os medicamentos aos hospitais com base na tabela de preços dos genéricos

Ação contra plano de saúde que paga os medicamentos aos hospitais com base na tabela de preços dos genéricos

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A Associação de Hospitais de Minas Gerais ajuizou uma ação ordinária com pedido de tutela antecipada em face da Unimed – Belo Horizonte, para suspender os efeitos de decisão unilateral da empresa de utilizar como referência, para efeito de pagamento dos prestadores de serviços de saúde conveniados, o medicamento genérico constante da tabela Brasíndice ou da lista referencial de materiais e medicamentos da Unimed - BH.

EXMO. SR. JUIZ DE DIREITO DA VARA CÍVEL DA COMARCA DE BELO HORIZONTE - MG.

ASSOCIAÇÃO DE HOSPITAIS DE MINAS GERAIS - AHMG, entidade civil de direito privado, inscrita no CNPJ sob o nº 17.241.118/0001-04, com endereço nesta Capital à Rua Carangola, nº 225, Bairro Santo Antônio, Cep 30330-340, vem, à presença de V.Exª., propor a presente

AÇÃO ORDINÁRIA com pedido de tutela antecipada

em face deUNIMED BH COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO LTDA, empresa inscrita no C.N.P.J. sob o número 19.891.852/0001-44, com endereço à Av. Francisco Sales, nº 1483, Bairro Santa Efigênia, CEP 30150-221, Belo Horizonte/MG, tudo de conformidade com os fundamentos fáticos e jurídicos a seguir aduzidos:


DA LEGITIMIDADE DA ENTIDADE AUTORA

A entidade autora, qualificada no preâmbulo desta exordial, encontra-se legalmente legitimada para propor a presente ação em benefício de seus associados consoante se infere pela análise do art. 2º do estatuto da entidade, "verbis":

Artigo 2º - A AHMG tem por finalidade:

g) A orientação, coordenação, proteção, defesa e representação legal de todos os estabelecimentos hospitalares e nosocomiais Associados no Estado de Minas Gerais; (grifos nossos)

Diante da análise do dispositivo estatutário em questão pode-se claramente inferir que a entidade autora encontra-se expressamente autorizada a representar seus associados judicialmente.

A Constituição Federal no art. 5º, inciso XXI, também disciplina a questão ao preceituar:

XXI – as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente; (grifos nossos)

Quanto a prerrogativa constitucional garantida as entidades civis de atuarem como substitutos processuais de seus filiados, cumpre trazer à baila o voto proferido pelo Ministro do STF Celso Melo nos autos do MS nº 20.936-DF-TP, publicado no D.J.U. EM 11.09.92:

"A nova Constituição do Brasil, ao deferir o direito de ação às entidades civis e associações comunitárias, acentuou o reconhecimento do Estado quanto à decisiva importância dos corpos intermediários na dinâmica do processo de poder.

(...)

As técnicas e os instrumentos processuais ortodoxos tornaram-se insuficientes na tutela e proteção jurisdicional dos direitos, cuja transindividualidade gera, por isso mesmo, grandes dificuldades de ordem formal, que impediam o necessário resguardo de bens, valores, direitos e interesses coletivos e difusos.

Nessa situação, a exigência de universalização da tutela jurisdicional- que hoje se constitui moderna tendência do direito processual- era diretamente afetada.

Impunha-se a formulação de novos meios que viabilizassem, de modo eficaz, a proteção jurisdicional de tais direitos.

A ampliação subjetiva da legitimidade ativa ad causam representou, nesse contexto, um passo de grande relevo. (...)

Essa legitimação extraordinária para agir justifica o ingresso, em juízo, do substituto processual, para postular e defender, em nome próprio, direito ou interesse titularizado, no plano jurídico material, por terceiro."(MS nº 20.936-DF-TP-STF, voto do E. Ministro Celso Mello, DJU 11.09.92).

Neste sentido, cite-se o acórdão nº 89.01.09455-0/DF proferido pelo TRF da 1ª Região, tendo como relator o Juiz Plauto Ribeiro:

CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL - ENTIDADES ASSOCIATIVAS - REPRESENTAÇÃO JUDICIAL DE SEUS ASSOCIADOS - ART. 5º, XXI, DA CF/88 - AUTORIZAÇÃO ESTATUTÁRIA.

I - Dispõe o art. 5º, XXI, da CF/88 que "as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente", autorização que se pode dar via de lei ou pelo estatuto da entidade associativa, vale dizer, a associação deve ter, no rol de seus fins sociais, o da defesa dos direitos de seus associados (Cf. Celso Ribeiro Bastos, Comentários à Constituição do Brasil, 2º vol., pág. 114).

II - Autorizando o estatuto da autora a representação dos seus associados, em Juízo, na forma permitida pela Constituição Federal e legislação infraconstitucional, encontra-se legitimada ativamente para postular judicialmente reajuste de vencimentos, em favor de seus associados. Precedentes do TRF-1ª Região (AC nº 89.01.09455-0/DF, Rel. Juiz Plauto Ribeiro) e do STF (RE nº 188837-7/DF).

III - Apelação provida.

A doutrina por seu turno já reconhece a validade e a amplitude dos institutos jurídicos relativos a substituição processual, suplantando a visão individualista abarcada pelo art. 6º do Código de Processo Civil. Nesse sentido, em artigo publicado na Revista do Advogado, o processualista Arruda Alvim disserta com propriedade sobre o tema:

"Se, de uma parte, não pode deixar de subsistir o sistema do Código, voltado para o processo entre indivíduos, a grande característica emergente das sociedades contemporâneas, consiste em viabilizar que, ao lado desse sistema clássico, venha a existir o processo coletivo, ou processos coletivos, com vistas ao atendimento dessa nova realidade: a de que o aparato estatal socorra às necessidades de uma sociedade de massa. As profundas carências, para não falar em frustrações continuadas, que fora do Brasil ocorreram e que, entre nós, só em tempos recentes, vieram a se manifestar, constituem a evidência de serem insuficientes os sistemas tradicionais, i.e., individualistas. (...)

Por outras palavras, desde que as situações possam ser havidas como efetivamente equilibradas, dever-se-á respeitar à igualdade existente entre os sujeitos de tais situações. No entanto, a partir da percepção de que inexiste essa igualdade, deve o legislador acorrer para tratar desigualmente os desiguais, pois que, assim o fazendo, é que estará fazendo com que se respeite a própria essência do princípio da igualdade." (Revista do Advogado-AASP, nº 40, julho/93, página 22/29)

Por sua vez o jurista Hugo Nigro Mazilli ao discorrer sobre o tema assim conclui:

"Abriu-se hoje, sem dúvida, caminho à legitimação extraordinária para defesa de quaisquer interesses difusos e coletivos, ainda que não mais previstos na lei (art. 5º, XXI, LXX e LXXIII, e arts. 8º, III, 103, IX e 129, III, da CF; art. 1º, IV, da lei 7.347/85); de outra parte surgem perspectivas para a extensão do princípio da responsabilidade objetiva e solidária quando da lesão a outros interesses difusos e coletivos". (A DEFESA DOS INTERESSES DIFUSOS EM JUÍZO; 5ª ed., Ed. RT, página 332)


DA SITUAÇÃO FÁTICA

A entidade autora representa um número de 330 hospitais no Estado de Minas Gerais, hospitais estes que ao longo dos anos vêm sendo vítimas de inúmeras condutas maledicentes e perniciosas levadas a cabo pelas operadoras de plano de saúde que se valem de sua superioridade econômica e da flagrante dependência dos nosocômios para impor as suas vontades unilateralmente, em prejuízo das instituições hospitalares e, por via de conseqüência, dos consumidores.

A dependência econômica e a pressão sofrida pelos hospitais mineiros nos últimos anos por parte das operadoras de plano de saúde encontra-se demonstrando em um estudo encomendado pela entidade autora e apresentado no mês de janeiro de 2001.

Vale frisar que o referido estudo fora realizado por amostragem, levando em conta a realidade de um universo de 18 (dezoito) hospitais da Capital no intuito de aferir de forma fidedigna à realidade da relação estabelecida entre os hospitais e os convênios.

O estudo em apreço revelou inicialmente que os convênios representam 80% (oitenta por cento) da receita de alguns hospitais. Cumpre na oportunidade transcrever trechos do estudo em comento, "verbis":

Em função deste processo, deu-se uma força extremada e incomum aos convênios, que se tornaram peças chaves e fundamentais para a sobrevivência das instituições hospitalares, chegando alguns hospitais pesquisados a confessar que 80% (oitenta por cento) de suas receitas advém de um ou dois convênios principais. (grifos nossos)

Diante da análise sistêmica da assertiva supra, depreende-se de forma cristalina a dependência econômica dos hospitais face aos convênios, bem como a superioridade de forças destes. O quadro delineado vem levando os hospitais a uma nítida condição de fragilidade junto aos seus "parceiros" contratuais, gerando em razão disso um enorme desequilíbrio entre as partes contraentes.

Para retratar tal fragilidade vivenciada pelos hospitais, bem como o desequilíbrio contratual havido na relação travada entre os nosocômios e os convênios, importante transcrever alguns trechos do diagnóstico que acompanha o estudo em exame:

  • Em grande parte dos casos, os pagamentos são feitos fora do prazo contratualmente previsto, sem atualização e demais penalidades; (grifos nossos)
  • Modificação unilateral das datas de pagamento; (grifos nossos)
  • As alterações contratuais, na grande maioria dos casos, são impostas unilateralmente e sem maiores formalidades pelos Convênios; (grifos nossos)
  • Imposição imediata das alterações sem observância de prazo mínimo para sua vigência. (grifos nossos)

Os pontos destacados no diagnóstico em apreço destacam com acuidade a dura realidade dos hospitais no Estado de Minas Gerais que acabam sendo obrigados a suportar todas as pressões e imposições adotadas pelos convênios de planos de saúde a fim de não perder a sua maior fonte de subsistência e por via de conseqüência prejudicar o atendimento de milhares de cidadãos.

É insofismável o munus público conferido aos hospitais em razão de sua árdua e digna missão de guardiões da saúde, fazendo as vezes do Estado na tarefa de garantir a saúde ao cidadão.

Todas as considerações trazidas aos autos são fundamentais e necessárias para demonstrar com precisão o novo quadro que assola os hospitais de Belo Horizonte.

Recentemente, os Hospitais da Capital mineira filiados a entidade ré e que atualmente mantêm convênios com a UNIMED-BH vêm sendo vítimas de uma prática condenável adotada pela ré no sentido de impor aos "parceiros" contratuais de forma unilateral a obrigatoriedade de se valerem do uso de medicamentos genéricos.

Tal imposição restou materializada através da edição da Circular 034/2002 de 09 de julho de 2002 expedida pela ré e endereçada de forma genérica aos hospitais conveniados.

Para elucidar a questão cumpre na oportunidade transcrever alguns trechos da referida circular, "verbis":

"Contudo, sabedores da necessidade de um período de transição estaremos adotando oficialmente esta medida a partir de 25 de outubro de 2002, quando os medicamentos genéricos serão utilizados como referência para efeito de pagamento dos nossos prestadores de serviços de saúde. A partir desta data, será pago o medicamento genérico utilizado, constante do Brasíndice ou da lista referencial de materiais e medicamentos da Unimed-BH. Caso o prestador de serviço utilize um medicamento de marca que possua um genérico correspondente, será pago o valor do genérico constante no Brasíndice." (grifos nossos)

Diante do posicionamento externado na circular em apreço, resta claro que a partir do dia 25 de outubro de 2002 a ré utilizará o medicamento genérico como referência para o pagamento dos serviços de saúde, remunerando os hospitais apenas com base nos valores de tais medicamentos, mesmo que estes se utilizem de medicamentos tidos como de marca.

Da forma como fora posta a questão por parte da ré UNIMED ficaram os hospitais jungidos a uma verdadeira camisa de força, porquanto não poderão mais se valer dos medicamentos de marca, mesmo diante da recomendação e prescrição médica neste sentido, sob pena de não receberem a remuneração correspondente, sendo obrigados em razão disso a suportar inúmeros prejuízos com o pagamento das diferenças compreendidas entre os medicamentos.

Neste particular, importante destacar que os hospitais conveniados à ré já amargam um prejuízo significativo em razão da notória defasagem na tabela de procedimentos e serviços que não sofre reajustes a cerca de 4 (quatro) anos, sendo obrigados ainda a suportar uma avalanche de "circulares" da ré que promovem a supressão unilateral de pagamentos de taxas e demais despesas hospitalares. Neste dramático contexto o único item de serviços prestados pelos Hospitais e que vinham sendo remunerados dentro da conjuntura econômica atual era a comercialização de medicamentos. Isso porque os hospitais, conforme se depreende dos contratos firmados, são remunerados pela venda dos remédios obtendo como ganho uma margem de comercialização, incidente sobre valores atualizados com base na Tabela BRASÍNDICE.

Em razão da política patrocinada pela ré ao longo dos anos em relação a todos os outros serviços prestados a rentabilidade dos estabelecimentos hospitalares vem sendo gradativamente achatada, prejudicando os próprios serviços assistenciais disponibilizados aos pacientes.

Destarte, face as inúmeras dificuldades financeiras compreendidas pelos hospitais da Capital, não existe a menor possibilidade destes acatarem a imposição leonina engendrada pela ré e abarcarem mais este prejuízo relativo a diferença entre o medicamento genérico e o de marca.

Para demonstrar o grau de endividamento da rede hospitalar no Estado de Minas Gerais e comprovar as alegações lançadas nos autos cumpre trazer a colação alguns dados do setor levantados por meio de uma pesquisa realizada pela entidade autora no mês de março de 2001 que revela o perfil de endividamento em um universo de 41 Hospitais:

Fornecedores: R$ 19.519.052,97
Bancos: R$ 10.128.091,09
Impostos em atraso: R$ 4.003.809,73
Encargos trabalhistas em atraso: R$ 20.455.652,69
Salários em atraso: R$ 1.384.127,54
Honorários do Corpo Clínico em atraso: R$ 2.931.838,87
Outras dívidas: R$ 9.437.645,58
TOTAL DO ENDIVIDAMENTO: R$ 67.860.218,47

Dívidas de curto prazo (menor do que 90 dias): R$ 23.208.356,07
Dívidas de médio prazo (90 a 180 dias): R$ 10.333.457,24
Dívidas de longo prazo (acima de 180 dias): R$ 34.318.405,16
Dívidas em dólar: US$ 8.071.331,84 - PARA 6 HOSPITAIS
Necessidades de recursos para sanear as finanças dos Hospitais: R$52.398.876,85.

Tal quadro evidencia a triste realidade econômica vivenciada pelos hospitais em Minas Gerais e denota a impossibilidade destes assumirem a diferença entre os valores a serem pagos pela UNIMED relativos ao medicamento genérico.

Não se pode também olvidar que tal medida representa um sério prejuízo para os consumidores usuários dos planos de saúde mantidos pela ré na medida em que estes serão obrigados a se valerem apenas dos medicamentos genéricos, comprometendo em alguns casos o tratamento indicado pelos médicos, tendo em vista as particularidades do medicamento genérico aliado ao fato de que os próprios profissionais da saúde ainda não dispõem de informações adequadas e claras sobre a efetividade comparada dos medicamentos genéricos.

Neste sentido mister transcrever trechos de um importante trabalho a respeito financiado pelo Fundo de Defesa dos Direitos Difusos de autoria de Eduardo Fiúza, extraídos do site da Fundação Getúlio Vargas (www.fgv.br) :

É importante salientar que a falta de informações fluidas, sistematizadas e consolidadas sobre efetividade comparada entre os medicamentos disponíveis no mercado é um sério obstáculo a uma avaliação abalizada do médico sobre qual medicamentos prescrever, magnificando o efeito do fator 2.2, portanto a fluidez da informação é tão ou mais importante que a sua mera existência. Temin (1980) aponta três causas para este problema de informação:

a) A segurança e a eficácia do medicamento tem múltiplas dimensões: quais condições indesejadas visa corrigir; qual o método de administração ao paciente; qual a velocidade de ação e sua durabilidade; a amplitude de condições que ele trata, quais os efeitos adversos; etc.

b) Os médicos não podem sair usando seus pacientes como cobaias; (grifos nossos)

c) Falta aos médicos capacidade de extrapolar os resultados dos testes publicados para sua realidade. Para eles, estatística e prática da medicina são atividades distintas. Eles não têm qualificação para fazer pesquisa ou avaliar as pesquisas dos outros.

Com relação a eficácia e a qualidade dos medicamentos genéricos o referido estudo ainda informa:

O médico desconhece os preços dos genéricos, e tem reservas quanto à sua qualidade em relação ao produto de referência. A qualidade, por sua vez, abre-se nas dimensões de (i) biodisponibilidade – quanto do princípio ativo é absorvido no fluxo sanguíneo, onde e quanto age terapeuticamente; (ii) bioequivalência – dois medicamentos são bioequivalentes se têm a mesma composição química e a mesma biodisponibilidade; (iii) grau de pureza do produto (e, portanto, do processo produtivo).

Também se deve atentar para a questão da fiscalização e controle dos medicamentos genéricos como evidencia o estudo em apreço, "verbis":

O fato é que, na ausência de regras claras de substituição de medicamentos por genéricos (o que, por sua vez, pressupõe a certificação de qualidade) e de uma fiscalização eficiente da venda de medicamentos nas farmácias, a substituição do medicamento prescrito sujeita-se ao poder discricionário de pacientes e farmacêuticos em conluio.

Em que pese os medicamentos genéricos representarem um avanço e uma tentativa válida adotada por parte do Governo e da sociedade civil de buscar uma redução dos custos dos remédios em benefício do consumidor final, devemos nos atentar para o fato de que ainda existem inúmeras incertezas que rodeiam a matéria.

Face a estas considerações percebe-se que ainda subsistem inúmeras barreiras ligadas a informação, conhecimento, adaptação e até culturais a serem suplantadas no que tange ao uso dos medicamentos genéricos que só serão transpostas com o tempo. Mudanças abruptas de comportamento, nos termos impostos pela ré podem trazer graves prejuízos a saúde dos consumidores, à autonomia profissional dos médicos que prescrevem os medicamentos e sobretudo aos hospitais que podem eventualmente ser responsabilizados na hipótese destes medicamentos não surtirem os efeitos desejados.

Também merece destaque no caso dos autos o modo absurdo e estapafúrdio de como se processou a determinação emanada pela UNIMED de vincular sua tabela de remuneração a dos medicamentos genéricos, uma vez que tal determinação fora imposta unilateralmente, ao arrepio dos pactos contratuais firmados com os hospitais conveniados e sem a anuência destes.

Em momento algum fora garantido aos hospitais a possibilidade de virem a discutir tal ato encampado pela ré e que ainda representa uma profunda ingerência nas condutas médico-hospitalares.

Ademais, cumpre salientar que os instrumentos contratuais firmados com os hospitais conveniados não abarcam qualquer prerrogativa que permita a ré a adoção de modificações unilaterais nos contratos, bem como ingerência da mesma nas atividades hospitalares, muito ao contrário, a maioria dos dispositivos contratuais analisados informa de forma clara e inequívoca que todas as modificações devem ser efetivadas de comum acordo entre as partes.

Para convalidar uma medida deste jaez caberia à ré inicialmente o dever de travar uma discussão pormenorizada e criteriosa com todos os hospitais conveniados, partes interessadas, para que se pudesse aferir com precisão as conveniências de cada nosocômio no que tange a implantação de tal medida, bem como as formas de adoção da mesma. Após ultrapassada esta fase de diagnóstico e negociação, as alterações contratuais eventualmente acertadas deveriam ser efetivadas através de termos aditivos próprios.

Ocorre que a ré preferiu, por conveniência, optar pela via transversa, qual seja, de adotar a postura de promover a modificação unilateral do contrato em prejuízo dos hospitais e dos consumidores.

Deve-se atentar também para o fato de que a grande maioria dos hospitais conveniados ainda não foram comunicados diretamente pela ré sobre as novas medidas a serem implementadas à partir do dia 25/10/2002, tendo em vista que a "comunicação" adotada pela ré fora realizada de forma genérica e encaminhada apenas para a entidade autora consoante comprova a circular em anexo que no seu preâmbulo informa:

DIR. CIRC. 034/2002
          09 DE JULHO DE 2002
          A TODOS OS HOSPITAIS E CLÍNICAS DA REDE CREDENCIADA (grifos nossos)

Muitos hospitais só tomarão conhecimento das novas disposições contratuais impostas pela operadora nas datas de pagamento das despesas hospitalares previstas nos seus contratos, sendo surpreendidos com a notícia e obrigados a absorver prejuízos não previstos nos seus apertados controles orçamentários, aumentando suas despesas e comprometendo seriamente o funcionamento e a manutenção dos hospitais.

Não obstante todas as conseqüências nefastas trazidas aos hospitais em razão da malfada modificação unilateral imposta pela ré, insta salientar que tal conduta ainda afeta de modo contundente o equilíbrio econômico financeiro dos contratos firmados junto aos hospitais que terão também a sua margem de lucro relativa ao percentual de comercialização dos medicamentos seriamente afetada, além de serem obrigados a arcar com despesas extras relativas ao uso de medicamentos de marca se esta for a solicitação do médico assistente, uma vez que o hospital não tem poderes legais para intervir no poder discricionário conferido aos médicos no que tange a prescrição dos medicamentos sob pena de estar ferindo a liberdade de atuação do profissional da saúde.

Há que se considerar ainda uma outra ofensa ao ordenamento jurídico em razão da prática ora atacada. Trata-se, sem sombra de dúvida, de uma conduta anticoncorrencial à luz da Lei 8884/94, haja vista que os hospitais são grandes compradores de medicamentos e em razão desta medida serão obrigados a adquirir apenas remédios oriundos de laboratórios que produzam medicamentos genéricos, alterando sensivelmente os rumos deste mercado relevante e prejudicando drasticamente os laboratórios que comercializam os medicamentos de marca.

Indignada com a malfadada postura adotada pela ré, a entidade autora, no interesse de seus filiados, encaminhou uma correspondência à ré, rechaçando de forma contundente os argumentos trazidos pela Circular. Cabe na oportunidade citar alguns pontos da referida carta assinada pelo Presidente da AHMG com data de 09 de outubro de 2002:

Os hospitais repudiam veementemente a forma como a UNIMED-BH se posiciona diante daqueles a quem chama de parceiros. A imposição de alterações de regras contratuais, com o estabelecimento de data para vigorarem e sanções pelo descumprimento - caso o prestador utilize um medicamento de marca que possua um genérico correspondente, será pago o valor do genérico constante no Brasíndice – denota uma conduta unilateral, que independe do mérito e é inadmissível per si.

Os hospitais, juntos ou individualmente, vêm buscando a mesa de negociações com a UNIMED – BH incessantemente e assim continuarão agindo. A renegociação dos contratos de prestação de serviços hospitalares é determinante para a reversão da série crise que vivemos e condição para a revitalização do setor como um todo, inclusive para a própria UNIMED-BH.

Quanto ao mérito assim asseverou a entidade autora na aludida carta de resposta:

Ao hospital por sua vez, compete a pronta disponibilização do medicamento prescrito pelo médico, e o seu descumprimento, seja por normas de conduta ética , seja pelo risco de sofrer sanções legais, é inadmissível.

Após tais considerações a entidade autora solicitou junto à ré a suspensão das condutas manifestas na circular conferindo a mesma um prazo de 72 horas para a suspensão desta postura.

Não obstante as considerações expendidas pela entidade autora, a ré até o presente momento não apresentou qualquer resposta ou manifestação sobre as mesmas, demonstrando seu completo descaso e indiferença para com os hospitais conveniados.

Importante destacar que, em outra oportunidade pretérita, alguns dos hospitais que tomaram conhecimento da conduta adotada pela ré também já haviam manifestado seu descontentamento com as medidas perpetradas, encaminhando também uma correspondência endereçada à ré com data de 16 de agosto de 2002. Cite-se alguns trechos da aludida correspondência:

b) Considerando-se que a prescrição do medicamento não compete ao hospital nem à UNIMED concordamos que todos os esforços neste sentido devam ser dirigidos ao cooperado e ao corpo clínico que efetivamente determinam a prescrição; além disso os hospitais possuem Comissões de Padronização que definem através de critérios técnicos, a adoção de todos os medicamentos a serem utilizados pelas clínicas. Esse grupo de trabalho é sempre consultado e somente após o seu parecer favorável, procedemos a inclusão de novo item;

c) Compete ao hospital disponibilizar prontamente, em benefício do paciente, o medicamento prescrito pelo médico, o que não podemos deixar de faze-lo por norma de conduta e até sob risco de sanções legais;

d) O contrato celebrado entre a UNIMED e os hospitais contempla como responsabilidade da UNIMED o pagamento do material e do medicamento prescritos e administrados ao paciente.

Como se não bastassem tais fatos os hospitais ainda sofrem constantes ameaças de descredenciamento por parte da ré quando se recusam ou estabelecem qualquer espécie de obstáculo às determinações unilaterais impostas pela UNIMED que faz valer de forma agressiva e assustadora a sua notória supremacia econômica como meio de obrigar os hospitais a acatarem todas as suas determinações.

Também deve ser assinalado que a medida adotada pela ré acaba por violar aspectos ligados a ética e liberdade de atuação do médico que virá a sofrer severas restrições nas suas recomendações e prescrições, prejudicando sensivelmente o tratamento indicado pelo mesmo aos pacientes.

De outra feita, como já fora informado nos presentes autos, os hospitais não dispõem de poderes para tolher a prescrição médica e adotar aleatoriamente, de acordo com suas conveniências e contra a indicação do profissional da saúde, medicamentos genéricos, chamando para si responsabilidade por eventuais danos causados ao consumidor e assumindo uma postura totalmente contrária ao Código de Ética Médica.

Diante de todos os fatos trazidos aos autos não restou à entidade autora outra alternativa senão recorrer à tutela jurisdicional como meio de buscar o restabelecimento da equidade e da justiça contratual que restaram seriamente comprometidas pela imposição leonina patrocinada pela ré de impor aos hospitais conveniados a adoção forçada dos medicamentos genéricos como referência para o pagamento dos gastos relativos a esta rubrica.


DO DIREITO

Após as considerações iniciais, vale frisar que a principal transgressão jurídica levada a cabo pela ré diz respeito a prática abusiva de adotar uma modificação unilateral do contrato, prática esta expressamente vedada pelo ordenamento jurídico pátrio.

Deflui do sistema legal o preceito consubstanciado no art. 115 do Código Civil Brasileiro:

Art. 115 - São lícitas, em geral, todas as condições, que a lei não vedar expressamente. Entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o ato, ou sujeitarem ao arbítrio de uma das partes.

Diante do exame do referido mandamento legal resta claro que a conduta patrocinada pela ré no sentido de promover a modificação unilateral do contrato de prestação de serviços médicos e hospitalares fere de forma contundente o preceito legal em apreço.

Qualquer modificação contratual pressupõe a manifestação volitiva das partes interessadas na concretização do ato jurídico para que o mesmo seja convalidado. Neste aspecto o mestre Cáio Mário da Silva Pereira tece importantes considerações a respeito:

É um negócio jurídico bilateral, e de conseguinte exige o consentimento; pressupõe de outro lado a conformidade com a ordem legal, sem o que não teria o condão de criar direitos para o agente; e, sendo ato negocial, tem por escopo aqueles objetivos específicos. (Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil, volume III, 10ª ed., pg. 02).

Ao trazer a definição dos contratos ainda assevera o referido jurista:

Com a pacificidade da doutrina, dizemos então que o contrato é um acordo de vontades, na conformidade da lei, e com a finalidade de adquirir, resguardar, transferir, conservar, modificar ou extinguir direitos. Podemos definir contrato como "acordo de vontades com a finalidade de produzir efeitos jurídicos". (Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil, volume III, 10ª ed., pg. 02).

Todo contrato parte do pressuposto fático de uma declaração volitiva, emitida em conformidade com a lei. (Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil, volume III, 10ª ed., pg. 10).

Diante de tais considerações resta patente a obrigatoriedade da ré no sentido de submeter à apreciação dos parceiros contratuais as modificações contratuais sugeridas sob pena de caracterizar uma ofensa à manifestação volitiva das partes contraentes.

Face ao cotejo dos diversos instrumentos contratuais firmados entre os hospitais e a empresa ré, pode-se inferir que os mesmos primam pelo consentimento mútuo das partes no que tange às hipóteses de alteração contratual, não sendo em momento algum facultado à ré a prerrogativa de alterar unilateralmente o contrato sem a anuência dos nosocômios conveniados.

Para elucidar a questão, cabe trazer à colação alguns trechos extraídos dos aludidos pactos contratuais, "verbis":

1.4 – Para a execução dos serviços previstos neste contrato, o CONTRATADO se compromete a observar, desde que não se oponha, instruções escritas, de caráter operacional, dadas a cada oportunidade pela UNIMED-BH , desde que tais instruções não constituam ingerência na atividade administrativa do CONTRATADO. Para isto a UNIMED-BH deverá promover contato permanente com o CONTRATADO, no sentido de mantê-lo atualizado quanto as normas, procedimentos e métodos vigentes, obrigando-se a envia-las sempre por escrito e devidamente protocoladas, e observando a antecedência necessária, para a efetiva adequação do CONTRATADO às mesmas. (grifos nossos).

1.5 – À UNIMED-BH e ao CONTRATADO cabem o direito de apresentação e celebração de termos aditivos que se fizerem necessários ao bom desempenho dos serviços ora contratados, de comum acordo entre as partes e sempre de forma escrita. (grifos nossos).

2.1 – Além dos serviços descritos nesta cláusula, outros poderão ser incluídos de comum acordo entre as partes contratantes, em instrumento de aditamento ao presente, devidamente assinado pelas partes. (grifos nossos)

Com relação a prescrição de medicamentos, os próprios contratos informam que a ré obriga-se a fornecer a medicação de acordo com o que fora prescrito pelo médico assistente. Cite-se como exemplo a cláusula 2ª que informa:

2 - O CONTRATADO se obriga a executar, por si ou por terceiros por este contratados, dentro das necessidades dos associados da UNIMED-BH e do Sistema Nacional Unimed, respeitados os limites impostos pelos anexos citados no item 1.6 da cláusula 1ª, pelas especificações contratuais constantes da CARTEIRA DE IDENTIFICAÇÃO DOS ASSOCIADOS DA UNIMED-BH e do SISTEMA NACIONAL UNIMED e pelas guias de autorização de procedimentos médico-hospitalares, os seguintes serviços:

b) Medicação prescrita pelo médico assistente

Os contratos em apreço também expressam de forma clara qual seria a forma de pagamento dos medicamentos:

3.1 – Os produtos farmacêuticos prescritos e utilizados no período de internação serão pagos de acordo com os valores constantes da Tabela BRASINDICE, adotando-se como referência o "PREÇO DE FÁBRICA" acrescidos do percentual de 35% (trinta e cinco por cento) ou, na inexistência desta referência, o "PREÇO MÁXIMO AO CONSUMIDOR", com um redutor de 3,5 (três vírgula cinco por cento).

Os instrumentos contratuais também destacam que eventuais modificações nas tabelas de remuneração por procedimentos devem compreender sempre a anuência expressa dos hospitais:

3.11 – À UNIMED-BH poderá, a qualquer momento, inserir outros procedimentos na TABELA DE REMUNERAÇÃO POR PROCEDIMENTOS, anexo III, ou modificar os já existentes, desde que com a expressa anuência do CONTRATADO, o que se fará mediante a alteração do Anexo III deste instrumento.

Neste particular ainda dispõe os aludidos contratos:

10 – As tabelas de preços especificadas neste contrato serão revistas anualmente, com base na variação de custos verificada no período ou, a qualquer momento, de comum acordo entre as partes, após as devidas negociações, caso constatada essa necessidade através da planilha de custos efetivamente apurados, visando o restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, para continuidade da prestação de serviços.

Outro dispositivo contratual que merece destaque é o que diz respeito a impossibilidade de a ré vir a impor alterações em pontos que envolvam ofensas a deveres éticos e legais para com o paciente, cumpre transcrever:

13.3 – A UNIMED-BH não pode em hipótese alguma, obrigar ou induzir o CONTRATADO a descumprir normas técnicas regulamentadoras e legislações vigentes emanadas por órgãos governamentais, fiscalizadores ou definidores de padrões técnicos, pertinentes às atividades na área hospitalar e de saúde, bem como o compromisso e deveres éticos e legais para com o paciente.

Cotejando todos os dispositivos contratuais supra transcritos com a conduta maledicente levada a cabo pela ré, depreende-se que a mesma afronta não apenas os ditames legais vigentes, mas os próprios pactos contratuais firmados diretamente com os hospitais.

Tal fato é plenamente suficiente para demonstrar qual o tratamento comumente despendido pela ré aos seus "parceiros contratuais", qual seja, de desrespeito e inobservância às disposições avençadas entre as partes.

Também restou evidenciado não existirem cláusulas contratuais autorizadoras das condutas cometidas pela ré. Ademais, mesmo que tais cláusulas se fizessem presentes nos aludidos contratos, estas deveriam ser consideradas nulas de pleno direito, visto que os contratos em questão configuram-se como típicos contratos de adesão nos quais a única vontade que prevalece é a da empresa ré.

Ao que parece, trata-se, na verdade, de uma atitude motivada exclusivamente pela busca de redução das despesas hospitalares a qualquer preço.

Não se nega que ocorre ainda na espécie uma hipótese de abuso de direito, considerando, outrossim, as peculiaridades da relação jurídica estabelecida, estando em jogo interesses constitucionalmente protegidos, como o direito subjetivo do cidadão à saúde.

Incumbe à ré o dever jurídico de agir de forma leal, sendo vedado a esta impor ao outro parceiro contratual prejuízos injustificáveis, sob pena de violação ao princípio da boa fé objetiva, razão pela qual conduta como esta deve ter sua validade elidida pelo Poder Judiciário.

Cabe ainda ser invocado ao caso dos autos o instituto do pacta sunt servanda que resulta na força obrigatória dos contratos e segundo o qual o contrato faz lei entre as partes.

A respeito da força obrigatória dos contratos o Jurista Orlando Gomes preceitua que:

"celebrado que seja, com observância de todos os pressupostos e requisitos necessários à sua validade, deve ser executado pelas partes como se suas cláusulas fossem preceitos legais imperativos."

Segundo Maria Helena Diniz, tal princípio se justifica porque "o contrato, uma vez concluído livremente, incorpora-se ao ordenamento jurídico, constituindo um a verdadeira norma de direito".

Já para Cláudia Lima Marques, a vontade das partes é o fundamento absoluta da força obrigatória. De acordo com a jurista, "uma vez manifestada esta vontade, as partes ficariam ligadas por um vínculo, donde nasceriam obrigações e direitos para cada um dos participantes, força obrigatória esta, reconhecida pelo direito e tutelada judicialmente."

Por força dos ensinamentos supra, resta à ré o dever legal de respeitar os preceitos contratuais que impedem modificações unilaterais do contrato e que dispõem que eventuais alterações devem ser alcançadas de comum acordo entre as partes contraentes.

Não há que se falar, no caso em tela, em aplicação da teoria da imprevisão ou cláusula rebus sic stantibus, uma vez que inocorreu hipótese de alteração do equilíbrio contratual por meio de fato superveniente imprevisível. Vale aqui frisar que se existe algum desequilíbrio não é em relação a Unimed e sim os Hospitais que, conforme já mencionado, recebem pagamentos da ré, como diárias, taxas, com uma defasagem em razão da ausência de correção monetária dos valores, não obstante as previsões contratuais, há mais de 4 anos. A medida adotada pela ré, objeto de discussão nos autos, é a "gota d’água" de uma série de imposições da empresa que se prolongam no tempo gerando indubitavelmente uma condição de desequilíbrio econômico-financeiro para as entidades hospitalares.

O jurista Arnoldo Medeiros da Fonseca aponta quatro principais requisitos necessários à aplicação da teoria da imprevisão: a) o diferimento ou a sucessividade na execução do contrato; b) alteração nas condições circunstanciais objetivas em relação ao momento da celebração do contrato; c) excessivas onerosidade para uma parte contratante e vantagem para outra; d) imprevisibilidade daquela alteração circunstancial.

No caso dos autos não se percebe a presença de qualquer dos requisitos supra de modo a justificar uma modificação contratual unilateral como pretende fazer valer a ré. Se houve qualquer desequilíbrio que pudesse alterar as condições contratuais, este por certo se deu em desfavor dos hospitais conveniados e não da ré.


DA COMPETÊNCIA PARA REGULAMENTAR E FISCALIZAR OS MEDICAMENTOS

A Saúde teve um tratamento especial por parte da Carta Magna de 1988, sendo assegurada no artigo 196 como um direito de todos e dever do Estado. No dispositivo subseqüente, qual seja, artigo 197, as ações e serviços de saúde foram elevados ao status de relevância pública, figurando como atribuição do Poder Público "dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado."

A Constituição Federal ainda determinou, em seu artigo 200, ser competência do SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE, nos termos da lei infraconstitucional, "controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde e participar da produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos".

A Lei 8080/90 veio regulamentar os aludidos mandamentos constitucionais dispondo sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes em todo o território nacional. É conclusivo o referido texto legal acerca da competência exclusiva do Poder Público, representado pelo SUS na esfera da vigilância sanitária, pela regulamentação de equipamentos e insumos, incluído os medicamentos, facultando o mesmo diploma apenas a possibilidade de execução dos serviços e ações voltadas para a saúde. Vale transcrever os dispositivos correspondentes:

"Art. 6º Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS):

I - a execução de ações:

a) de vigilância sanitária;

(...)     

VI - a formulação da política de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos e outros insumos de interesse para a saúde e a participação na sua produção;

VII - o controle e a fiscalização de serviços, produtos e substâncias de interesse para a saúde;

(...)

§ 1º Entende-se por vigilância sanitária um conjunto de ações capaz de eliminar, diminuir ou prevenir riscos à saúde e de intervir nos problemas sanitários decorrentes do meio ambiente, da produção e circulação de bens e da prestação de serviços de interesse da saúde, abrangendo:

I - o controle de bens de consumo que, direta ou indiretamente, se relacionem com a saúde, compreendidas todas as etapas e processos, da produção ao consumo; e

II - o controle da prestação de serviços que se relacionam direta ou indiretamente com a saúde.

(.......)

Art. 20. Os serviços privados de assistência à saúde caracterizam-se pela atuação, por iniciativa própria, de profissionais liberais, legalmente habilitados, e de pessoas jurídicas de direito privado na promoção, proteção e recuperação da saúde.

Art. 21. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.

Art. 22. Na prestação de serviços privados de assistência à saúde, serão observados os princípios éticos e as normas expedidas pelo órgão de direção do Sistema Único de Saúde (SUS) quanto às condições para seu funcionamento." (grifos nossos)

Portanto, resta induvidoso ser atribuição do Poder Público fomentar políticas relacionadas a distribuição e fabricação de medicamentos, incluindo a fiscalização da qualidade e segurança dos fármacos.

Afigura-se, pois, inadmissível a conduta adota pela ré, que além de infringir disposições dos contratos firmados com os Hospitais, ignora preceitos legais, inclusive de ordem constitucional, adotando uma prática agressiva que nem seria admissível caso implementada pelo Poder Público. Isso porque toda a regulamentação legal adotada pela administração pública até a presente oportunidade pautou-se por uma política de incentivo ao consumo dos medicamentos genéricos, mas nunca de uma imposição forçada na sua aquisição.

Note-se pelo disposto no artigo 22 da Lei 8080/90 que as pessoas jurídicas de direito privado deverão respeitar os princípios éticos e as normas expedidas pela direção do Sistema Único de Saúde. Revela-se, na ocasião, momento oportuno para invocar os princípios éticos do exercício da medicina, segundo os quais os médicos, verdadeiros responsáveis pela identificação de diagnósticos, não podem sofrer qualquer tipo de imposição ou limitação que prejudiquem o livre exercício da profissional, assunto este que será tratado adiante.


DA AUSÊNCIA DE AMPARO NA LEGISLAÇÃO FEDERAL QUE REGULAMENTOU O USO DOS MEDICAMENTOS GENÉRICOS PARA A IMPOSIÇÃO CRIADA PELA RÉ.

Os medicamentos genéricos tiveram sua comercialização regulamentada pela Lei 9787 de 10 de fevereiro de 1987.

A única disposição da aludida Lei no tocante a uma preferência na aquisição dos genéricos se deu em relação as prescrições médicas e odontológicas no âmbito do SUS. Em que pesem possíveis discussões jurídicas quanto a constitucionalidade de tal dispositivo, vale referendá-lo como a única regulamentação do Poder Público no tocante a uma "preferência" pelos genéricos. Entretanto, há de se ressaltar que a legislação amparou as despesas com gastos de medicamentos no âmbito do SUS, não estendendo em momento algum a aplicação do preceito em relação ao custeio suportado por operadoras de plano de saúde.

Ao que parece a ré quer fazer as vezes do legislador constituinte, do legislador federal, do Poder Executivo, dos Hospitais, dos médicos, dos consumidores, quando pretende colocar os seus anseios lucrativos acima de quaisquer valores.


DA CONJUNTURA DO MERCADO

A conformação atual da indústria farmacêutica foi resultado das incessantes pesquisas farmacológicas com base química e o início da produção em escala industrial das substâncias isoladas quimicamente resultantes destas pesquisas. Os principais aspectos da interação entre tecnologia e regulação são o instituto da patente e a necessidade de proteger a população de medicamentos ineficazes ou que imponham riscos a saúde. A patente desempenha, assim, um papel fundamental na indústria farmacêutica, posto que propicia retornos financeiros aos vultosos recursos despendidos no processo de pesquisa e descoberta dos fármacos inovadores. Um estudo realizado por Eduardo Fiúza, com o apoio do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, revela que a proteção viabilizada pelas Patentes influencia no números de invenções que não teriam sido desenvolvidas ou lançadas na ausência de proteção.

Trazendo a exposição acima para o caso dos autos, pode surgir um questionamento desavisado no sentido de que uma empresa como ré não causaria qualquer dano na conjuntura nacional. No entanto, é preciso examinar a questão posta ao alcance do Judiciário que a empresa, ora ré, detém um poderio econômico significativo em todo o país, formando, inclusive, um SISTEMA NACIONAL UNIMEDS, o que denota que suas atuações no mercado não são isoladas, podendo, caso inexista uma intervenção coibitiva em breve, verificar-se uma generalização desta conduta em todo o País que, em uma última análise, propiciará a reserva de um mercado com alto poder de compra, no caso os hospitais, aos laboratórios fornecedores de medicamentos genéricos.

O Brasil figura, de acordo com as palavras do Presidente da Associação das Indústrias farmacêuticas, na nona posição no mercado farmacêutico global. Como seria a reação das indústrias internacionais ao terem a notícia que no Brasil existe uma reserva de mercado para os medicamentos genéricos? O cidadão brasileiro estaria sujeito ao sucateamento dos medicamentos aqui comercializados, gerando primeiramente um desestímulo a pesquisas inovadoras dos remédios já existentes, por estar garantido as indústrias produtoras dos genéricos uma venda garantida. Não se pode ignora ainda que neste hipotético contexto os medicamentos de marca elevariam seus preços para garantir uma rentabilidade perdida em função de uma restrição do mercado.

O que se espera do Judiciário é a censura de condutas restritivas como a que a ré pretende fazer valer, tendo em vista que uma concorrência de mercados é fundamental para o avanço tecnológico e econômico de um Parque Industrial. Vale transcrever trechos do estudo patrocinado pelo Fundo de Direitos Difusos:

"Os resultados das regressões realizadas indicam que os preços dos medicamentos lìderes sobem mais quanto maior for a taxa de crescimento de salários do setor. Os aumentos de preço também são maiores quando o líder está perdendo participação no mercado para substitutivos genéricos ou similares..."


DA PERTUBAÇÃO DA ORDEM ECONÔMICA E APLICAÇÃO DOS PRECEITOS CONSTITUCIONAIS

Não há nenhuma novidade na conduta adota pela ré sob o enfoque das constantes condutas praticadas em desrespeito ao contratante. Isso porque não é de hoje que a Unimed vem demonstrando perante a sociedade que o seu fim exclusivo é a busca incessante pelo lucro às custas da dilapidação do patrimônio alheio, seja dos seus prestadores de serviço, seja dos seus consumidores que acabam se submetendo a toda sorte de imposições.

Como já citado anteriormente, os planos de saúde figuram como uma das principais fonte pagadora dos Hospitais, aliado ao sucateamento do SUS e das módicas remunerações ofertados pelo Poder Público, a empresa ré encontrou o nicho mais apropriado para fazer de empresas que dependem de seus pagamentos, no caso os Hospitais, verdadeiros prolongamentos de suas gestões administrativas. Isso significa que a ré vem adotando posturas claras de ingerências administrativas na gestão hospitalar, aproveitando-se principalmente do grande filão que tem a oferecer que é o seu poderio no mercado dos consumidores usuários.

Desta feita, os primeiros fundamentos jurídicos que merecem ser apreciados por este Juízo são os de ordem constitucional, essencialmente sob os auspícios dos Princípios Gerais da Atividade Econômica dentre os quais a defesa da livre iniciativa, da livre concorrência e da a defesa do consumidor.

A Constituição Federal assegurou ainda no parágrafo único do art. 170, de forma expressa, o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

A imposição patrocinada pela ré é visivelmente contrária aos Princípios constitucionais de defesa da ordem econômica, tendo em vista que a mesma pretende suprimir o livre exercício das atividades econômicas das entidades hospitalares com o direcionamento do poder de compra de medicamentos aos genéricos. Haverá sem dúvida, caso prevaleça a intenção da ré, uma restrição alarmante da livre concorrência e da livre iniciativa. Ora, não é preciso esmiuçar em detalhes para se perceber o alcance nefasto da imposição em comento, tendo em vista que se criará uma exclusividade de mercado para os laboratórios fornecedores dos medicamentos genéricos.

Imperioso, nesta oportunidade, destacar que atualmente existem várias indústrias responsáveis pela produção de medicamentos genéricos, sendo fato incontroverso a participação de multinacionais na produção desses remédios. Assim, não há como prevalecer qualquer argumentação no sentido de que a imposição da ré pela compra de medicamentos genéricos visa o incentivo da indústria nacional posto que as principais mantenedoras do fornecimento são as indústrias estrangeiras. Vale trazer a baila trechos dos dizeres de Ciro Mortella, presidente da Associação Brasileira da Indústria Farmacêutica, publicado em 13/11/2001 pelo site www.fontefarma.com:

"Segundo dados apresentados, o Brasil ocupa a 9a. posição no mercado farmacêutico global. Atualmente o país conta com 369 laboratórios, dos quais 29 já produzem genéricos, incluindo multinacionais, como a Novartis.

Este fato, somado ao de que os genéricos vêm crescendo em média 12% ao mês, preocupa os fabricantes dos medicamentos de referência . Mortella assumiu que em 2002 alguns medicamentos de uso contínuo e antibióticos de marca poderão ter seus preços reduzidos para fazer frente à concorrência dos genéricos."

Em uma participação ao Jornal Paulista de setembro de 2001 o referido representante da ABIFARMA (Associação Brasileira da Indústria Farmacêutica) também esclareceu:

"Para o presidente-executivo da Abifarma (Associação Brasileira da Indústria Farmacêutica), Ciro Mortella, os genéricos não universalizam o acesso aos remédios. "Não podemos criar essa expectativa, porque o genérico não vai atendê-la", diz Mortella, que também é representante do sindicato da indústria farmacêutica. Ele aponta ao menos duas funções para esse tipo de medicamento: facilitar o acesso de quem já pode comprar remédio e estimular a concorrência.

Por ser em média 40% mais barato que o remédio de marca, o genérico beneficia dois grupos principais. Um é formado por portadores de doenças que obrigam o uso contínuo de medicamentos, como o diabetes e a hipertensão. Outro reúne parte das pessoas que iniciam o tratamento e o interrompem – às vezes, por falta de dinheiro. "

Denota-se do pronunciamento do representante da Indústria Farmacêutica Nacional que a introdução dos genéricos no mercado, em uma condição de normalidade, significou um estímulo a concorrência, ou seja, a uma competição saudável entre fornecedores o que provocará, sem dúvidas, uma queda de preços, inclusive dos medicamentos de marca, bem como um incentivo a pesquisas científicas que busquem uma evolução e aprimoramento dos fármacos.

É preciso que o Poder Judiciário coloque um freio nos objetivos vorazes da empresa ré. A busca insana pelo lucro patrocinada pela ré afronta diretamente a CONSTITUIÇÃO FEDERAL ao limitar a liberdade de atuação no mercado por parte dos hospitais.

A conduta da operadora não pode ser examinada sob o único e exclusivo enfoque da violação da livre concorrência, mas , principalmente o da perturbação da econômica aliada a efeitos nefastos na relação travada entre medico, hospital e paciente.vale , trazer a lume os ensinamentos de SOUZA FRANCO , citado por JOÃO BOSCO LEOPOLDINO DA FONSECA, em seu livro Lei de Proteção da Concorrência:

" não oferece hoje duvidas a consagração do mercado como instrumento fundamental de regulação e ajustamento na vida econômica – o que , alias , é bastante evidente quando analisamos o decreto-lei nº 422/83, de 3 de dezembro , através do qual se estabelecem disposições relativas à defesa da concorrência no mercado nacional . Ai a concorrência é vista tendo como grandes objetivos : (a) a salvaguarda dos interesses dos consumidores ; (b) a garantia da liberdade do acesso ao mercado ; (c) a realização dos objetivos gerais de desenvolvimento ; e (d) o reforço da competitividade dos agentes econômicos face à economia internacional. O mercado aparece , assim , como instrumento fundamental , mas também como instrumento-regra , tal como acontece nas outras economias abertas ocidentais (A constituição econômica portuguesa : Ensaio interpretativo , 1993 , p. 251) .


DA RELAÇÃO ENTRE MÉDICO/ PACIENTE/ HOSPITAL E PLANO DE SAÚDE

Para ilustrar o viés mercantilista que caracteriza as posturas da ré basta reavivar um assunto objeto de grande polêmica pela imprensa, quando a mesma ré iniciou uma campanha de "consultas médicas bonificadas", ou seja, traduzindo para uma linguagem acessível, os médicos que indicassem uma menor prescrição de exames complexos seriam premiados com um pagamento adicional incidente sobre o pagamento das consultas.

O que pretende a entidade autora é demonstrar a este Juízo que os Hospitais Mineiros não são os únicos na lista de imposições da ré, ao contrário representam mais um entre aqueles que vem sendo subjugados a um segundo plano por estar o lucro da operadora de plano de saúde acima de quaisquer valores morais, éticos ou jurídicos.

A imposição da ré pela compra de genéricos causará uma relação problemática e desgastante entre médicos, hospitais e pacientes. Isso porque o médico, gozando de sua liberdade profissional, poderá perfeitamente prescrever um medicamento de marca, estando o Hospital, por sua vez, jungido a acatar a orientação, suportando os gastos, para evitar discussões e responsabilidades com o consumidor final. Tal situação poderá chegar a uma condição extrema em que o Hospital não sendo capaz de satisfazer as despesas adicionais acabe, indiretamente, influenciando com suas dificuldades financeiras as prescrições dos médicos.

Não se pode olvidar que a medicina, consoante dispõe o Código de Ética Médica, é uma profissão a serviço da saúde do ser humano, devendo ser exercida sem discriminação de qualquer natureza. O médico, alvo de toda a atenção, deverá exercer a profissão com ampla autonomia, não podendo, em qualquer circunstância ou sob qualquer pretexto, renunciar à sua liberdade profissional. Vale transcrever alguns artigos do Código de Ética Médica:

" Art. 1º - A Medicina é uma profissão a serviço da saúde do ser humano e da coletividade e deve ser exercida sem discriminação de qualquer natureza.

Art. 2º - O alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional.

Art. 3º - A fim de que possa exercer a Medicina com honra e dignidade, o médico deve ter boas condições de trabalho e ser remunerado de forma justa.

Art. 4º - Ao médico cabe zelar e trabalhar pelo perfeito desempenho ético da Medicina e pelo prestígio e bom conceito da profissão.

Art. 5º - O médico deve aprimorar continuamente seus conhecimentos e usar o melhor do progresso científico em benefício do paciente.

Art. 6º - O médico deve guardar absoluto respeito pela vida humana, atuando sempre em benefício do paciente. Jamais utilizará seus conhecimentos para gerar sofrimento físico ou moral, para o extermínio do ser humano ou para permitir e acobertar tentativa contra sua dignidade e integridade.

Art. 7º - O médico deve exercer a profissão com ampla autonomia, não sendo obrigado a prestar serviços profissionais a quem ele não deseje salvo na ausência de outro médico, em casos de urgência, ou quando sua negativa possa trazer danos irreversíveis ao paciente.

Art. 8º - O médico não pode, em qualquer circunstância ou sob qualquer pretexto, renunciar à sua liberdade profissional, devendo evitar que quaisquer restrições ou imposições possam prejudicar a eficácia e correção de seu trabalho.

Art. 9º - A Medicina não pode, em qualquer circunstância ou de qualquer forma, ser exercida como comércio.

Art. 10 - O trabalho médico não pode ser explorado por terceiros com objetivos de lucro, finalidade política ou religiosa."

Oportuno trazer à baila o entendimento do médico e professor GENIVAL VELOSO DE FRANÇA, em seu livro Direito Médico, 7ª edição:

"Por fim, deve-se acatar que a prescrição medicamentosa e o pedido de exames complementares são atos exclusivos das profissões de saúde que elaboram o diagnóstico, como a medicina e a odontologia. As outras, que acolhem os pacientes diagnosticados para, em seguida, ajudar ou complementar a assistência, a exemplo da enfermagem e da fisioterapia, estão impedidas legalmente de prescreverem remedidos e solicitarem exames subsidiários."

Sem dúvida as práticas patrocinadas pela ré vêm contribuindo para o fenômeno da mercantilização da medicina, tornando, não obstante os avanços científicos, cada vez piores as condições e o relacionamento médico-paciente. O desgaste desta relação acaba avolumando o Judiciário com processos que ora discutem o erro médico, na grande maioria das vezes fruto da insatisfação do consumidor com a dedicação do profissional, ora o descumprimento das operadoras de responsabilidades inerentes ao contrato de prestação de serviços médico-hospitalares firmado entre a empresa e o usuário. Apropriado trazer mais uma vez a lição do Professor GENIVAL VELOSO:

" Repetimos aqui o que já dissemos: é perigoso deixar a profissão médica escapara par as mãos de grupos econômica ou politicamente fortes, que outra coisa não farão senão a monopolização da medicina. E é a mais uma burla o fato de dizer-se que é optativo tal sistema; pois, como a generalização desse comportamento, outro caminho não restará ao médico no seu exercício profissional.

(...)

A medicina de grupo é movida basicamente pela lógica do lucro, respaldada no barateamento dos custos dos serviços prestados, o que, por seu turno, fere fundamentalmente o nível da assistência oferecida, golpeia a consciência do médico e compromete sua ética. E não é sem razão que são orientadas por medidas racionalizadoras de despesas, a começar pela escolha dos médicos inexperientes e desempregados, pela seletividade do pessoal assistido, pela restrição dos exames complementares, pela não aceitação de tratamentos onerosos, pelo não atendimento de aposentados e pensionistas, os quais ficam aos cuidados do SUS. "

Recentemente o Conselho Federal de Medicina, demonstrando evidente preocupação com o desrespeito, por parte das operadoras de plano de saúde com as disposições regulamentares vigentes de autonomia profissional do médico e a irrestrita disponibilidade dos meios de diagnóstico e tratamento em prol do paciente, editou a Resolução de n º 1.642/2002 exigindo de tais empresas o registro perante os Conselhos Regionais de Medicina, vale elucida-la:

"As empresas que atuam sob a forma de prestação direta ou intermediação de serviços médicos devem estar registradas nos Conselhos Regionais de Medicina de sua respectiva da jurisdição, bem como respeitar a autonomia profissional dos médicos, efetuando os pagamentos diretamente aos mesmos e sem sujeitá-los a quaisquer restrições; nos contratos, deve constar explicitamente a forma atual de reajuste, submetendo as suas tabelas à apreciação do CRM do estado onde atuem. O sigilo médico deve ser respeitado, não sendo permitida a exigência de revelação de dados ou diagnósticos para nenhum efeito.

O CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, no uso das atribuições que lhe confere a Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957, regulamentada pelo Decreto nº 44.045, de 19 de julho de 1958, e

CONSIDERANDO que o Conselho Federal de Medicina e os Conselhos Regionais de Medicina são os órgãos supervisores da ética profissional em toda a República e, ao mesmo tempo, julgadores e disciplinadores da classe médica, cabendo-lhes zelar e trabalhar, por todos os meios ao seu alcance, pelo perfeito desempenho técnico e ético da Medicina;

CONSIDERANDO que o trabalho médico deve beneficiar exclusivamente a quem o recebe e àquele que o presta, não devendo ser explorado por terceiros, seja em sentido comercial ou político;

CONSIDERANDO que o Código de Ética Médica estabelece princípios norteadores da boa prática médica, relativos às condições de trabalho e de atendimento, à autonomia profissional, à liberdade de escolha do médico pelo paciente, à irrestrita disponibilidade dos meios de diagnóstico e tratamento e à dignidade da remuneração profissional;

CONSIDERANDO que a Lei nº 9.656/98 institui, para que possam ter autorização de funcionamento, a obrigatoriedade do registro de empresas operadoras de planos e seguros de saúde, de qualquer forma ou situação que possam existir, nos Conselhos Regionais de Medicina da jurisdição onde estejam localizadas;

CONSIDERANDO que a Lei nº 6.839/80 institui a obrigatoriedade do registro das empresas de prestação de serviços médico-hospitalares, em razão de sua atividade básica ou em relação àquela pela qual presta serviços a terceiros, e a anotação dos profissionais legalmente habilitados, delas responsáveis, nos Conselhos Regionais de Medicina;

CONSIDERANDO que o entendimento de livre escolha é o direito do paciente escolher o médico de sua confiança ou o sistema de assistência médica de sua preferência, que funcione dentro dos princípios éticos e preceitos técnico-científicos;

(...)

RESOLVE:

Art. 1ºAs empresas de seguro-saúde, de medicina de grupo, cooperativas de trabalho médico, empresas de autogestão ou outras que atuem sob a forma de prestação direta ou intermediação dos serviços médico-hospitalares devem seguir os seguintes princípios em seu relacionamento com os médicos e usuários:

  1. respeitar a autonomia do médico e do paciente em relação à escolha de métodos diagnósticos e terapêuticos;
  2. admitir a adoção de diretrizes ou protocolos médicos somente quando estes forem elaborados pelas sociedades brasileiras de especialidades, em conjunto com a Associação Médica Brasileira;
  3. praticar a justa e digna remuneração profissional pelo trabalho médico, submetendo a tabela de honorários à aprovação do CRM de sua jurisdição;
  4. efetuar o pagamento de honorários diretamente ao médico, sem retenção de nenhuma espécie;
  5. negociar com entidades representativas dos médicos o reajuste anual da remuneração até o mês de maio, impedindo que o honorário profissional sofra processo de redução ou depreciação;
  6. vedar a vinculação dos honorários médicos a quaisquer parâmetros de restrição de solicitação de exames complementares;
  7. respeitar o sigilo profissional, sendo vedado a essas empresas estabelecerem qualquer exigência que implique na revelação de diagnósticos e fatos de que o médico tenha conhecimento devido ao exercício profissional.

Outra questão que merece ser invocada é que a pretensão da ré não se figura simplória como a mesma pretende transparecer em uma pueril argumentação de que estaria com sua medida colaborando com as políticas implementadas pelo Ministério de Saúde em relação aos genéricos. Tratar de vidas humanas não é o mesmo que cuidar de vidas irracionais, como animais. Medidas como a que a ré pretende implantar pois é fato que a mesma não desconhece a complexidade estrutural própria de um Hospital, onde decisões de um determinado setor precisam ser discutidas para se aferir a viabilidade de uma determinada medida. A decisão pela compra de medicamentos não é, portanto, uma decisão de quem vai a feira para comprar legumes, aqui a primeira intenção é adquirir um produto que visa salvar uma vida. Portanto precisa existir uma seleção e padronização consciente dos medicamentos a serem comprados pelo Hospital a fim de que se possa conciliar a disponibilidade contínua dos mesmos no mercado, a possibilidade de se ministrar doses fracionadas conforme orientação dos médicos, a escolha dos médicos que optam por medicamentos de eficácia e qualidades comprovadas e, portanto, que provocam menos reações adversas e interações medicamentosas. Enfim, qualquer compra hospitalar deve ser racional e pautar-se pela segurança a fim de prestar uma assistência integrada ao paciente e à equipe de saúde.

Vale aqui trazer o conceito de "Atenção Farmacêutica" ditado pelo Guia Farmacológico do Hospital das Clínicas de São Paulo, entidade de referência nacional em qualidade na prestação de serviços:

"De acordo com a Organização Mundial de Saúde, Atenção Farmacêutica é um conceito de prática profissional em que o paciente é o mais importante beneficiado das ações do Farmacêutico. É o conjunto de atitudes, comportamentos, compromissos, inquietudes, valores éticos, funções, conhecimentos, responsabilidades e habilidades do Farmacêutico na prestação da farmacoterapia, com o objetivo de alcançar resultados terapêuticos definidos para a saúde e qualidade de vida do paciente. Consiste em buscar, encontrar e resolver de forma sistematizada e documentada todos os problemas relacionados com os medicamentos que apareçam no transcorrer do tratamento. "

Não pairam dúvidas que a concretização dos anseios da ré em face aos Hospitais com a imposição da aquisição exclusiva de medicamentos genéricos, sob pena dos referidos prestadores suportarem a diferença caso se verifique a compra de remédios de marca, significará mais uma perda não só econômica mas de valores éticos e morais de toda uma sociedade já tão sacrificada pela deficiência da assistência a saúde.


DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

Diante tudo que já fora exposto, verifica-se de forma cristalina que o fundamento da demanda é de suma relevância porquanto versa sobre uma questão fundamental, qual seja, a prestação de serviços médico-hospitalares disponibilizados pelos nosocômios conveniados que certamente serão significativamente prejudicados caso prevaleça a postura maledicente adotada pela UNIMED.

Insta ressaltar inicialmente que o CPC em seu artigo 461 autoriza à autoridade judiciária a adoção de medidas impeditivas a concretização de práticas abusivas como a que pretende ser implementada pela ré.

"Art. 461 – Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

(...)

§ 3º Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citado o réu".

Impõe-se, desta forma, no presente caso, a necessidade de concessão da medida "inaudita altera pars", uma vez que se encontram patentes e presentes nos autos, todos os pressupostos jurídicos necessários para sua concessão.

A verossimilhança das alegações torna-se indiscutível com base no direito defendido e amplamente demonstrado no corpo dos autos, notadamente no que diz respeito aos preceitos de ordem contratual cotejados com os dispositivos legais invocados, além das inúmeras razões jurídicas já expostas e dos inúmeros documentos acostados aos autos.

Quanto ao "fundado receio de dano irreparável" insta salientar que caso a medida engendrada pela ré de adoção do medicamento genérico como referência para o ressarcimento de despesas com medicamentos venha a ser implementada a partir do dia 25/10/2002 da forma como pretende a mesma, os hospitais correm o sério risco de virem a ser responsabilizados administrativamente e até judicialmente por eventuais prejuízos trazidos ao tratamento dos pacientes sob seus cuidados, comprometendo sensivelmente os atendimentos hospitalares e a saúde de seus pacientes.

Os hospitais ainda serão obrigados a suportar enormes prejuízos econômicos com o risco real de encerramento das suas atividades porquanto não terão condições de suportar o prejuízo relativo a diferença compreendida entre o valor do medicamento de marca prescrito pelo médico e o genérico pago pela ré.

Ademais, como já fora informado na presente exordial, inúmeros hospitais conveniados ainda não foram comunicados a respeito da mudança de postura adotada pela ré, fato este que poderá ensejar graves riscos orçamentários para os nosocômios conveniados. Restará ainda aos hospitais um ônus intransponível de obrigar os médicos que atuam no âmbito do seu estabelecimento de se valerem apenas dos medicamentos genéricos, podendo resultar em condenações judiciais e graves conflitos com o Conselho Regional de Medicina.


ANTECIPAÇÃO DE TUTELA

Diante de todos os fatos e provas carreados aos autos e por estarem reunidos todos os pressupostos inscritos no art. 273 e 461 do CPC, requer a entidade autora sejam apreciados a título de antecipação de tutela os pedidos seguintes:

1 – Que a ré UNIMED se abstenha de adotar o medicamento genérico como referência para efeito de pagamento aos hospitais conveniados, suspendendo-se os efeitos das disposições constantes da Circular 034/2002, sendo mantida a remuneração em face do uso de medicamentos que venham a ser utilizados pelos Hospitais, conforme pactuado nos contratos de prestações de serviços médicos e hospitalares firmados entre os hospitais e a empresa ré, sob pena de multa diária a ser fixada por este juízo;

2 – Na hipótese de deferimento do pedido supra, que a ré se abstenha ainda de impor no futuro qualquer modificação contratual unilateral em face dos hospitais conveniados no sentido de vincular a sua tabela de remuneração a dos medicamentos genéricos.


DOS PEDIDOS DE MÉRITO

1. A citação do RÉU, por via postal, na pessoa de seu representante legal para, se assim desejar, contestar o pedido, sob pena de suportar os efeitos da revelia;

2. Seja a presente ação julgada procedente, confirmando as medidas de antecipação de tutela eventualmente deferidas, condenando-se a ré UNIMED a abster-se de adotar o medicamento genérico como referência para efeito de pagamento aos hospitais conveniados, suspendendo em definitivo os efeitos das disposições constantes da Circular 034/2002, sendo mantida a remuneração em face do uso de medicamentos conforme pactuado nos contratos de prestações de serviços médicos e hospitalares firmados entre os hospitais e a empresa ré, sob pena de multa diária a ser fixada por este juízo;

3. Caso não tenha sido deferida a medida antecipatória para determinar a suspensão dos efeitos da Circular 034/20002 impugnada, requer seja a ré condenada a ressarcir todos os hospitais conveniados em razão de diferenças entre os valores pagos relativamente aos medicamentos genéricos e os valores devidos com base no contrato de prestação de serviço médico e hospitalares firmados entre as partes litigantes, tudo devidamente corrigido monetariamente e acrescido de juros de mora;

4. A condenação da ré no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios;

Protesta por provar o alegado por todos os meios de prova admitidos em direito, especialmente pela produção de prova oral e, caso necessário, pela juntada de documentos, e por tudo o mais que se fizer necessário à cabal demonstração dos fatos articulados na presente inicial.

Dá-se a causa o valor de R$ 5.000,00

Belo Horizonte, 25 de outubro de 2002.

Daniel Diniz Manucci
OAB/MG 86.414

Kátia Oliveira Rocha
OAB/MG 80.734

Roberto de Carvalho Santos
OAB/MG 92.298



Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MANUCCI, Daniel Diniz; SANTOS, Roberto de Carvalho et al. Ação contra plano de saúde que paga os medicamentos aos hospitais com base na tabela de preços dos genéricos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 61, 1 jan. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16536. Acesso em: 26 abr. 2024.