Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/peticoes/16574
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Ação de convalidação de procuração em causa própria com prazo determinado

Ação de convalidação de procuração em causa própria com prazo determinado

Publicado em . Elaborado em .

O outorgante de procuração em causa própria estabeleceu prazo certo para a transferência de imóvel, em violação à lei, a qual determina que esta espécie de mandato é irrevogável. Os outorgados, desejando utilizar-se do mandato para a quitação do imóvel junto ao Sistema Financeiro da Habitação, ajuizaram a presente ação para ver convalidada a procuração, por tempo indeterminado.

EXMO(A) SR(A) DR(A) JUIZ(A) DE DIREITO DA VARA CÍVEL DA COMARCA DE FORTALEZA(CE).

AÇÃO ORDINÁRIA

J C G, brasileiro, casado, despachante, portador da ident. N.º ...., inscrito no CIC sob o n.º ... e sua mulher A M M G, brasileira, casada, de prendas do lar, inscrita no CIC sob o n.º ..., portadora da ident. ..., ambos residentes e domiciliados na rua ...., nesta urbe, vêm, à presença de V. EX.ª, com o devido respeito e súpero acatamento, por intermédio de seu advogado, in fine subscrito (m.i - doc. 1), com fulcro no art. 1.317, I, da Lei 3.071/16 (antigo CC) e art. 639 do Codex Civil Adjetivo, propor, como de fato propõe, a presente AÇÃO DE CONVALIDAÇÃO DE MANDATO outorgado por S P S, brasileiro, divorciado, analista de sistemas, portador da ident. ..., inscrito no CIC sob o n.º ... que se encontra em local incerto e ignorado, pelos motivos fáticos e jurídicos na dianteira circunstancialmente expendidos:


SINOPSE FÁTICA

Em 29 de março do ano de 1996, os autores, adquiriram do mandatário (S P S), pela quantia de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), através de procuração pública (doc. 2) em causa própria (in rem propriam) (1), as chaves do imóvel situado na rua ...., nesta capital, que ora serve de moradia aos promoventes.

De fato Excelência, os autores encontram-se na posse mansa e pacífica do supramencionado imóvel, há mais de seis anos e, ao longo de todo esse tempo, vêm pagando as prestações, impostos e taxas condominiais como verdadeiros possuidores, como de fato o são (docs. 3/4/5/6).

Ocorre que, os autores ao vislumbrarem a possibilidade de quitar o imóvel com o uso do FGTS, dirigiram-se ao credor hipotecário do mesmo, in casu a CEF (Caixa Econômica Federal), tendo lá constatado que o prazo de validade da procuração encontrava-se vencido, já que o mandato estipulava um prazo de 03 anos de validade(doc.2).

A validade do referido instrumento dentro do prazo aludido foi uma exigência do mandante que, de forma alguma, encontra qualquer amparo legal como adiante restará cabalmente demonstrado.

Desde então, envidaram todos os esforços possíveis para localizar o outorgante do instrumento procuratório, não obtendo qualquer sucesso em tal empreitada.

Não lhes restou outra alternativa, senão a de, perante esse Douto Juízo, convalidar o instrumento procuratório na forma da lei.


DO DIREITO

È cediço que o mandato é, antes de tudo, "um contrato sinalagmático, que requer a coexistência de duas vontades: a do mandante, que determina as instruções, e a do mandatário que as aceita" (2)

In casu, a procuração em causa própria firmada entre mandante e mandatário, visava a ultimação de negócio jurídico posterior, ou seja, a transferência futura da propriedade do imóvel junto ao credor hipotecário do financiamento imobiliário, para o nome do procurador.

Com a limitação temporal do mandato imposta pelo mandatário, ao arrepio da legislação vigente, vêem-se os autores na impossibilidade de atingir os fins colimados, ou seja, a transferência do imóvel para seus nomes e a total quitação do mesmo através do uso do FGTS.

A outorga por prazo determinado, feriu de morte o disposto no art. 1.317, do antigo Código Civil que, à época regeu o ato jurídico formalizado ( tempus regit actum ), que nega qualquer limitação temporal aos mandatos outorgados em causa própria, impingindo-lhes, inclusive, a total irrevogabilidade, inclusive na morte do mandante ou do mandatário, senão vejamos:

Art. 1317. É irrevogável o mandato:

I – quando se tiver convencionado que o mandante não possa revogá-lo, ou for em causa própria a procuração dada;

II – Omissis ................

III – Omissis ................

Da mesma forma, o novel Código Substantivo Pátrio, Lei 10.406/2002, corrobora as disposições de seu antecessor:

Art. 684. Quando a cláusula de irrevogabilidade for condição de um negócio bilateral, ou tiver sido estipulada no exclusivo interesse do mandatário, a revogação do mandato será ineficaz.

Art. 685. Conferido o mandato com a cláusula "em causa própria", a sua revogação não terá eficácia, nem se extinguirá pela morte de qualquer das partes, ficando o mandatário dispensado de prestar contas, e podendo transferir para si os bens móveis ou imóveis objeto do mandato, obedecidas as formalidades legais.

Art. 686. A revogação do mandato, notificada somente ao mandatário, não se pode opor aos terceiros que, ignorando-a, de boa-fé com ele trataram; mas ficam salvas ao constituinte as ações que no caso lhe possam caber contra o procurador.

Parágrafo único. É irrevogável o mandato que contenha poderes de cumprimento ou confirmação de negócios encetados aos quais se ache vinculado.

Repise-se que, a verdadeira razão de ser do mandato, sua própria essência, foi a de cessão de direitos, a transferência dos direitos que o mandante detinha sobre o imóvel para o mandatário, ensejando, desta forma, o chamado mandato em causa própria.

Como bem definido na ensinança de Maria Helena Diniz, o mandato em causa própria vem a ser: " a procuração dada, isto é, outorgada no interesse exclusivo do mandatário e não no do mandante, isentando, por isso, o mandatário da necessidade de prestação de contas (RT, 502:66, 515:191), dando-lhe poderes ilimitados, equivalendo tal mandato à venda ou cessão (RT 237:227, 323:214, RF, 157:118, 102:93; AJ, 107:325, 109:449). Portanto, a procuração em causa própria nada mais é do que uma cessão de direitos, por haver transferência irrevogável do direito do mandante para o mandatário, (...). É uma cessão, que pode operar transmissão de propriedade, visto conter concessão de poderes ilimitados na disposição do bem, por atribuir qualidade de dono da coisa ou do negócio, sendo lavrada por escritura pública levada a registro. Dispensa, obviamente, a prestação de contas. Difere da compra e venda, porque nesta o adquirente age em nome próprio, e, na procuração em causa própria, o mandatário age em nome do mandante que é o alienante. Tal procuração não se extinguirá com a morte do mandante ou do mandatário, pois os sucessores do alienante deverão respeitá-la e os do adquirente poderão levar o título a registro" (In, DINIZ, Maria Helena, Tratado Teórico e prático dos contratos, Saraiva, São Paulo, Vol. 3, 2.ª Ed., 1996, p. 253).

Hoc modo, acha-se o mandato plenamente vinculado ao negócio jurídico que lhe deu origem, sendo, na realidade um verdadeiro contrato de cessão de direitos, totalmente irrevogável por força de lei (3).

E, por tratar-se o mandato de um verdadeiro contrato (4), cuja finalidade última seria a transferência da propriedade do mandante para o mandatário, cabe aqui invocar o art. 639, do Cânon Adjetivo Civil, para que possamos materializar o direito dos autores, já que o mandante não proporcionou sua total resolução, em face da limitação temporal existente na procuração, vejamos:

Art. 639. Se aquele que se comprometeu a concluir um contrato não cumprir a obrigação, a outra parte, sendo isso possível e não excluído pelo título, poderá obter uma sentença que produza o mesmo efeito do contrato a ser firmado.

Resta patente que, a limitação temporal inserta no instrumento procuratório (03 anos), é fator impeditivo da consecução e resolução do mandato e de afronta a dispositivo legal, não podendo, dessa forma prosperar.


DA NULIDADE DA CLÁUSULA LIMITATIVA

Por outro lado, Excelência, é de se pugnar pela nulidade da cláusula temporal limitativa em face do contido no art. 145, V (5), do Código Beviláqua, posto que formalizada em desacordo com a lei que lhe nega qualquer efeito.

Cabe aqui, quanto a nulidade dos atos jurídicos, invocar a sábia lição de Maria Helena Diniz que infere:

A nulidade vem a ser a sanção, imposta pela norma jurídica, que determina a privação dos efeitos jurídicos do negócio praticado em desobediência ao que prescreve.

Duas são as espécies de nulidade admitidas em nosso ordenamento: a absoluta e a relativa.

Com a declaração da nulidade absoluta do negócio jurídico, este não produz qualquer efeito por ofender, gravemente, princípios de ordem pública. São nulos os atos negociais inquinados por vícios essenciais, não podendo ter, obviamente, qualquer eficácia jurídica. P. ex. (...); quando apesar de conter elementos essenciais for praticado com infração à lei e aos bons costumes; e quando a lei taxativamente o declarar nulo ou lhe negar efeito. (...)

De maneira que um ato negocial que resulta em nulidade é como se nunca estivesse existido desde sua formação, pois a declaração de sua invalidade produz efeito ex tunc. (In, Diniz, Maria Helena, Curso de Direito Civil Brasileiro, Teoria Geral do Direito Civil, Ed. Saraiva, 11.ª Ed., São Paulo, p. 284).

Urge, portanto, seja declarada a nulidade da cláusula terminativa do mandato – a que estabelece o prazo de 03 (três anos) para sua validade – em função do que dispõe o ordenamento jurídico pátrio.

Ex positis, confiantes no grande poder de discernimento desse Perleúdo Magistrado, vêm os autores requestar o seguinte:

  1. Seja declarada a nulidade da cláusula temporal terminativa da procuração pública constante do livro 720, de fls. 065 do Cartório do 5.º Ofício de Notas;
  2. a expedição de mandado judicial ao Cartório do 5.º Ofício, da Comarca de Fortaleza comunicando a decisão judicial proferida;
  3. a convalidação do instrumento procuratório em todos os seus termos, exceto quanto à cláusula declarada nula;
  4. caso V. Exª entenda necessária, a intimação do outorgante, S P S, brasileiro, divorciado, analista de sistemas, portador da ident. ..., inscrito no CIC sob o n.º ..., através de edital na forma preconizada no art. 231, inciso II, do CPC, eis que ignorado seu atual endereço, para, querendo, contestar a presente ação;
  5. A produção de todas as provas em direito admitidas, notadamente depoimento pessoal do mandatário, juntada posterior de documentos, prova testemunhal e as demais em direito admitidas para o rápido deslinde da ação.

N.T
          P.D

Dão à causa o valor de R$ 100,00 (cem reais) para efeitos fiscais.

Fortaleza(CE), 14 de fevereiro de 2003.

Eugênio de Aquino dos Santos
          Advogado

  1. VIII – Procuração em causa própria – Diz-se quando o mandante cede ou transfere ao procurador, irrevogavelmente, o direito de dono de certa coisa ou negócio, de que ele trata como próprio ou no seu interesse, agindo porém em nome do cedente. (in, NEVES, Iêdo Batista, Vocabulário de Prático de Tecnologia Jurídica e de Brocardos Latinos, Fase Editora, 1991, Rio de Janeiro, p. )
  2. Fábio Maria de Mattia apud Maria Helena Diniz, Tratado Teórico e prático dos contratos, p. 251.
  3. Art. 1317. É irrevogável o mandato: I – quando se tiver convencionado que o mandante não possa revogá-lo, ou for em causa própria a procuração dada;
  4. É um contrato: a) bilateral por gerar deveres tanto para o mandatário (CC art. 1.300) quanto para o mandante (CC art. 1.309) acidental e posteriormente à execução do mandato. (Maria Helena Diniz, ob. Cit. P. 250)
  5. Art. 145. É nulo o ato jurídico: (...) V - quando a lei taxativamente o declarar nulo ou lhe negar efeito.

Autores


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

Ação de convalidação de procuração em causa própria com prazo determinado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 65, 1 maio 2003. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16574. Acesso em: 25 abr. 2024.