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Construção de armário em vaga de garagem de condomínio

Construção de armário em vaga de garagem de condomínio

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Parecer pela possibilidade de utilização de espaço de vaga individual em garagem de condomínio para construção de armário embutido pelo condômino proprietário.

            Assunto: CONDOMÍNIO EM EDIFICAÇÕES – VAGA DE GARAGEM REGISTRADA AUTONOMAMENTE – ÁREA COMUM CONTIGÚA E SOMENTE ATINGÍVEL PELA GARGEM PERTENCENTE A DETERMINADO CONDÔMINO – RELEVANTE PECULIARIDADE DO CASO CONCRETO – CONSTRUÇÃO DE ARMÁRIO PELO RESPECTIVO CONDÔMINO SEGUINDO O PADRÃO DE CORES DA GARAGEM, NÃO ACARRETANDO NENHUM PREJUÍZO DE ORDEM ESTÉTICA – INEXISTÊNCIA DE RISCO PARA O PRÉDIO OU MESMO DE ENTRAVE NO USO DO RESTANTE DA ÁREA COMUM – EXERCÍCIO DE POSSE EXCLUSIVO PELO CONDÔMINO DA REFERIDA ÁREA COMUM, SITUAÇÃO TOTALMENTE ADMISSÍVEL EM RAZÃO DO JÁ MENCIONADO ACESSO EXCLUSIVO – VIABILIDADE DA UTILIZAÇÃO DOS INTERDITOS POSSESSÓRIOS PARA GARANTIR A DEFESA DA RESPECTIVA POSSE – HIPÓTESE NÃO VEDADA PELA LEI 4.591/64 NEM PELA LÓGICA DO REGIME JURÍDICO APLICÁVEL À ESPÉCIE.

            HERNANI FERRACINI GUMERATO nos propõe consulta no sentido de saber acerca da legitimidade, ou não, da construção por ele realizada de armário em área comum contígua às vagas de garagens sob nºs. 61 e 62, de sua propriedade, localizadas no 2º. subsolo do Edifício Carolina Pellicciari, registradas no 2º CRI de Jundiaí sob matrícula 91.356 e 91.357, respectivamente.

            Para tanto, o consulente nos oferece os seguintes documentos:

            - certidão da matrícula nº. 77.936, do 2º. CRI de Jundiaí, contendo o registro da Incorporação Imobiliária referente ao Edifício Carolina Pellicciari;

            - certidão da matrícula nº. 91.355, do 2º. CRI de Jundiaí, contendo o registro da venda e compra, pelo consulente e seu cônjuge, do apartamento nº. 153, localizado no 15º andar do Edifício Carolina Pellicciari;

            - certidão da matrícula nº. 91.356, do 2º. CRI de Jundiaí, contendo o registro da venda e compra, pelo consulente e seu cônjuge, da vaga de garagem nº. 61, localizada no 2º subsolo do Edifício Carolina Pellicciari;

            - certidão da matrícula nº. 91.357, do 2º. CRI de Jundiaí, contendo o registro da venda e compra, pelo consulente e seu cônjuge, da vaga de garagem nº 62, localizada no 2º. subsolo do Edifício Carolina Pellicciari;

            - cópia do Regimento Interno do Edifício Carolina Pellicciari;

            - cópia da ata de reunião do "Conselho" do referido Edifício, realizada às 20:00h do dia 27 de agosto de 2001;

            - cópia da carta enviada pelo condômino LUIS ANIBAL LARCO PATINO, através do seu advogado, ao síndico do "Condomínio Edifício Carolina Pellicciari", datada de 21 de novembro de 2001;

            - cópia da carta enviada ao consulente pelo síndico do indigitado Condomínio contendo notificação pré-monitória para a retirada, num prazo de trinta dias, do armário construído.

            Salienta-se, por ser de rigor, que o signatário esteve in loco para constatar a efetiva localização do armário construído.

            Após breve exposição das circunstâncias que envolvem o caso concreto, o consulente nos formula as seguintes perguntas:

            1) O armário embutido construído, nas circunstâncias reais examinadas, atenta contra a sistemática da Lei de Condomínio em Edificações?

            2) O exercício de posse exclusiva da área comum, onde o armário foi construído, contraria a Lei de Condomínio em Edificações ou mesmo o Regimento Interno do Edifício Carolina Pellicciari?

            3) A respectiva área comum, dado seu encravamento entre parede, pilar e as garagens de nºs. 61 62, poderia ser utilizada pelos demais condôminos?

            4) Haveria alguma medida judicial para salvaguardar o perfeito exercício exclusivo da posse sobre os armários construídos?


P A R E C E R

            SUMÁRIO: 1. Colocação do problema e suas circunstâncias; 2. Aspectos gerais da propriedade horizontal no Brasil, com ênfase ao conceito de área comum: panorama da Lei 4.591/64; 3. Natureza jurídica da posse. 4. Breves aspectos da posse no direito comprado: preponderância da teoria objetiva; 4.1. Direto alemão; 4.2. Direito suíço; 4.3. Direito italiano; 4.4. Direito português; 4.5. Direito francês; 4.6. Direito argentino; 4.7. Síntese do direito comparado; 5. A posse no direito civil brasileiro; 6. Considerações sobre os efeitos da posse, com ênfase à proteção possessória (interditos possessórios); 7. Aspectos processuais da proteção possessória; 8. Enquadramento jurídico do problema objeto da consulta: legitimidade da construção de armário embutido, e sua respectiva posse, em área comum de acesso exclusivo a determinado condômino; 9. À guisa de conclusão : solução para o caso sob exame; 10. Respostas aos quesitos.


1. Colocação do problema e suas circunstâncias

            Trata-se de armário embutido construído em área comum de prédio de apartamentos regido pela sistemática da Lei 4.591/64. A dita área está localizada no 2º. subsolo do edifício, cujo pavimento recepciona vagas de garagem pertencentes aos proprietários das unidades autônomas.

            Conforme a correta descrição contida na matrícula sob nº. 77.936 do 2º. Cartório de Registro de Imóveis de Jundiaí, tanto no registro da INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA (R.04), quanto no registro da INSTITUIÇÃO E ESPECIFICAÇÃO DO CONDOMÍNIO (R10), o indigitado 2º subsolo compõe o primeiro pavimento do edifício, contendo "62 vagas de estacionamento, escadaria, rampa de acesso ao 1º subsolo, 02 elevadores sociais e 01 de serviço, compartimento de bombas e observatório inferior"(sic).(negrito e destaque de agora)

            Nesse 2º subsolo o consulente tem o domínio (CC, art. 530, inc.I) de duas vagas de garagem, as de nº. 61 e 62, respectivamente registradas sob as matrículas de nºs. 91.356 e 91.357 do 2º. CRI de Jundiaí, cada uma com área útil de 12,50m2. Mais ainda, conforme constatação realizada in loco pelo signatário, as indigitadas garagens são contíguas entre si, portanto, sem solução de continuidade, compondo as duas garagens, dessa forma, uma só área. Pelo seu flanco direito, a garagem perfaz uma perpendicular com uma parede; pelo flanco esquerdo, tangencia com área de uso comum por onde circulam veículos para eventuais manobras; pela frente, a área composta pelas duas garagens do consulente se encerra onde inicia a área comum localizada sob a rampa de acesso ao 1º. subsolo, área comum cuja profundidade, pelas próprias características da construção, não vai além de uma outra parede existente logo a sua frente.

            Ou seja, exatamente nessa área comum localizada entre uma parede, as garagens de nºs. 61 e 62, um pilar e sob a rampa de acesso ao 1º subsolo, é que foi construído o armário embutido pelo consulente, área comum essa que – frisa-se – só se tem acesso atravessando pelas garagens de nº. 61 e 62 cujo domínio e respectiva posse, por força das matrículas 91.356 e 91.357 do 2º. CRI de Jundiaí, pertencem exclusivamente ao consulente e a seu cônjuge (1). Vale dizer: a área comum onde o consulente construiu o armário embutido, muito embora esteja subsumida aos critérios do art. 3º da Lei 4.591/64, não se constitui área de "uso comum", haja vista tratar-se de espaço totalmente ocioso onde só se pode ter acesso por intermédio da área que compõem as garagens do consulente. Eis aí a grande circunstância que gravita na órbita do caso concreto sob exame: a disposição da área comum onde foi construído o armário embutido.

            A partir dessas premissas – I) disposição da área comum onde foi construído o armário, e II) acesso a tal área apenas pelas garagens do consulente – é que será enfocado o problema proposto, sempre à luz da sistemática da Lei de Condomínio em Edificações e da disciplina jurídica da posse no direito positivo brasileiro.


2. Aspectos gerais da propriedade horizontal no Brasil, com ênfase ao conceito de área comum : panorama da Lei 4.591/64

            O direito anterior ignorava por completo a configuração jurídica de um edifício por planos horizontais, sendo que o regime do Código Civil de 1916 somente aceitava a propriedade por planos verticais, as chamadas "casas de parede-meia", modalidade de condomínio especial regulada em suas linhas gerais pelas disposições atinentes ao direito de vizinhança (CC, art. 571; art. 588 § 1º; arts. 642 a 645). Ainda não havia o legislador tido a intuição do que viria a suceder nesse assunto, sendo que os primeiros edifícios construídos passaram a reger-se pelos usos e costumes, além de sofrerem aplicação analógica das disposições codificadas acerca do condomínio em geral (2) (CC, art. 623 a 641).

            Promovendo tímida alteração na realidade das coisas – sem, todavia, criar o condomínio especial da Lei 4.591/64 – o Decreto nº. 5.481, de 25 de junho de 1928, modificado ulteriormente pelo Decreto-Lei nº. 5.234, de 1943, e pela Lei nº. 285, de 1948, foi o caminho pelo qual se estatui a regulamentação dos edifícios coletivos divididos em unidades autônomas destinadas a finalidades residenciais, profissionais ou comerciais, uma vez que até então ainda não havia se manifestado na realidade social e econômica brasileira a necessidade daquela modalidade especial de condomínio (3). João Batista Lopes lembra que o referido Decreto nº. 5.481/28 expressamente consignou a diferença entre as partes comuns e as exclusivas (arts. 1º e 2º), dispôs sobre a administração do imóvel (art. 8º) e a participação nas despesas (art. 9º), trazendo ainda proibição de alteração da forma externa da fachada (art. 11, a). (4)

            O regime jurídico da propriedade horizontal no Brasil encontrou seu ponto de evolução com o advento da Lei 4.591, de 16 de dezembro de 1964, que dispõe sobre condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias (5). Fruto de projeto elaborado por Caio Mário da Silva Pereira, que recebeu tal encargo após publicar, no ano 1961, uma monografia a respeito do assunto, sob o título "Propriedade horizontal", a Lei 4.591/64 criou o instituto da propriedade horizontal como uma modalidade especial de condomínio, cuja dimensão de seu alcance ultrapassa as fronteiras da sistemática tradicional do condomínio em geral previsto entre os arts. 623 a 642 do Código Civil brasileiro. A propriedade horizontal, assim chamada em razão da organização dos edifícios por planos horizontais – diferente, portanto, da propriedade vertical da já conhecida "casa de parede-meia" – reside na idéia da conjugação da propriedade exclusiva, identificada na unidade autônoma, com o condomínio sobre aquela que se considera área comum (Lei 4.591/64, arts. 1º, 2º e 3º), ínsito à realidade da superposição (6) de unidades residenciais, profissionais e comerciais, algo tão comum em nossos dias, sendo de todos conhecido os edifícios de apartamentos ou de salas comerciais. Esse atributo da propriedade horizontal, no sentido da harmonização em sua estrutura jurídica da titularidade exclusiva da unidade autônoma com a titularidade condominial sobre a área comum, é reconhecido à unanimidade tanto pela doutrina interna quanto pela doutrina alienígena. (7)

            No tocante ao problema específico a ser enfrentado por este Parecer, a idéia de área comum subsume-se, em suas linhas gerais, ao art. 3º. da Lei 4.591/64, e sobre ela indiscutivelmente ocorre o fenômeno da propriedade condominial, gerando ainda, pela sua própria natureza, a vedação da utilização exclusiva da respectiva área por qualquer condômino, pela simples razão que tais partes formam dependências de uso comum.

            Dessa forma, a área comum jamais poderá ser utilizada com exclusividade por qualquer condômino, haja vista que estará preterindo ilegalmente os demais, esbarrando na proibição expressa no indigitado art. 3º. da Lei de Condomínio em Edificações que com todas as letras diz que a área comum constitui condomínio de todos; pertencendo a todos, obviamente não pode ser utilizada com exclusividade por nenhum co-proprietário.

            Todavia, a problemática da utilização de área comum na propriedade horizontal deve ser harmonizada com a realidade subjacente a cada construção. Dependendo da circunstância, a área tida como comum poderá estar localizada em determinado encravamento da edificação a ponto de torná-la ociosa ao uso comum, em virtude de seu acesso estar restrito apenas a este ou aquele condômino cuja respectiva unidade autônoma é contígua à área comum encravada. Nesses casos, é possível que tal condômino se utilize com exclusividade da área comum, situação que lhe gerará inequívoco direito à posse, valendo ressaltar que essa posse jamais será exercitada em caráter ad usucapionem em razão da natureza jurídica do condômino especial surgido com a propriedade horizontal, que impõe aos respectivos titulares uma situação condominial perpétua. (8)

            Imaginemos a seguinte situação: O art. 3º. da Lei de Condomínio em Edificações diz que o conjunto de edificações constitui área comum. Logo, as vigas e pilares que rompem por dentro de cada unidade autônoma, aparentes ou não, constituem condomínio de todos, sendo "insuscetível de divisão, ou de alienação destacada da respectiva unidade" (Lei 4.591/64, art. 3º), o que significa dizer que nenhum proprietário poderá, v.g., derrubar o pilar aparente existente em sua unidade autônoma. Porém, não obstante tratar-se de área comum, ao dito pilar só mesmo poderá ter acesso o respectivo titular da unidade autônoma, nele, inclusive, podendo pendurar quadros, realizar algum acabamento interno, pintar da cor desejada e tudo mais o que for compatível com a posse exclusiva a que tem direito em virtude do pilar – apesar de ser "área comum" – não se prestar ao "uso comum" dos demais comproprietários.

            Portanto, é fundamental que se harmonize o conceito de "área comum" com área de "uso comum" (9). Nem sempre a "área comum" será de "uso comum", o que então poderá acarretar o fenômeno da utilização exclusiva por titular de determinada unidade autônoma, que inexoravelmente terá a respectiva posse ad interdicta. (10)


3. Natureza jurídica da posse

            Muito se discutiu no plano doutrinário acerca da efetiva natureza jurídica da posse, cuja disciplina se extrai de duas das mais prestigiadas teorias sobre o assunto, a subjetiva e a objetiva, elaboradas, respectivamente, por dois ícones do pensamento jurídico alemão do séc. XIX: Frederic Carl von Savigny e Rudolf von Ihering.

            Na teoria subjetiva, Savigny sustentou que a posse seria resultado da conjugação do corpus, que representa a ligação física do sujeito com a coisa, e do animus, este identificado na intenção do sujeito de possuir como dono. Ou seja, para a teoria subjetiva somente aquele que possui a coisa com animus rem sibi habendi (11) é que se considera possuidor, e só nessa situação é que estaria amparado pelos interditos possessórios, que são os mecanismos legais preordenados à defesa da posse. Sem o animus, o sujeito não é considerado possuidor, mas mero detentor, sem, portanto, poder lançar-mão da defesa dessa situação.

            Para a teoria subjetiva de Savigny, não seriam considerados possuidores, por exemplo, o locatário, o comodatário, o credor pignoratício etc., pois a eles faltaria o animus, eis que o sujeito, nessas hipóteses, teria a coisa em seu poder sem a intenção de tê-la como dono, o que se configuraria uma "posse natural" (12), sem nenhuma proteção jurídica. (13)

            Por seu turno, Ihering concebeu a teoria objetiva demonstrando que para a existência da posse apenas importa o corpus, uma vez que o animus – intenção de possuir como dono – não seria necessário, bastando ao possuidor, tão-somente, "a vontade de proceder como procede habitualmente o proprietário – affectio tenendi – independentemente de querer ser dono" (14). Daí o porque da teoria de Ihering denominar-se objetiva, vale dizer, "denomina-se objetiva a teoria, porque dispensa esta intenção" (15), qual seja, a intenção de possuir a coisa como dono, com animus rem sibi habendi.

            Com efeito, a teoria objetiva preconizada por Ihering acaba por considerar possuidor todos aqueles que tenham o corpus subjacente a uma relação jurídica estabelecida com o proprietário; são possuidores, portanto, o locatário, o comodatário, o credor pignoratício etc., a quem o Direito acaba conferindo os atributos da proteção possessória. A teoria objetiva dispensa o animus para que o sujeito seja considerado possuidor, situação que redunda no aumento do espectro daqueles a quem o Direito considera como destinatários da proteção possessória.

            Em miúdos: para a teoria subjetiva, onde é fundamental a presença do animus, somente o proprietário da coisa é considerado possuidor, e somente a ele é que se destina eventual proteção possessória outorgada pelo Direito, eis que seria a posse, apenas, um fato; já para a teoria objetiva, tanto o proprietário que tem o corpus, quanto os demais sujeitos que possuam como não-proprietários (locatário, comodatário, credor pignoratício etc.), são considerados possuidores e, portanto, são titulares da proteção possessória, eis a que posse, enquanto interesse juridicamente protegido, se constitui num direito.

            Vejamos um exemplo ilustrativo.

            Para a teoria subjetiva, onde só o proprietário é considerado possuidor (lembremos do animus), e, portanto, só ele tem direito à proteção possessória, seria plenamente possível ao locador pedir o imóvel de volta ao locatário mesmo antes do término da relação ex locato, fazendo com que este – locatário – quede genuflexo diante da obrigatoriedade de devolver o bem ao proprietário-locador, não havendo nada, a não ser a boa vontade do locador, que garanta ao locatário a permanência no imóvel. À luz da teoria objetiva, essa situação jamais ocorreria, uma vez que a posse do locatário sobre o imóvel locado estaria garantida mesmo contra a vontade do proprietário-locador, que será obrigado a respeitar a situação de possuidor do locatário. Vale lembrar: para a teoria objetiva basta o corpus para que o sujeito seja considerado possuidor e, portanto, se torne titular da proteção possessória.

            Inegavelmente é da teoria objetiva a supremacia da proposição dogmática, que mais se adeqüa à realidade dos tempos atuais, inclusive, como anotaremos mais adiante, exercendo sua influência nos mais diversos sistemas de Direito Civil comparado. Não há como se conceber não tenham o locatário, o comodatário, o credor pignoratício etc., proteção da posse que exercem em relação ao respectivo bem locado, comodatado ou gravado com penhor, o que nos permite concluir que efetivamente basta o corpus para que o sujeito seja considerado possuidor e, como tal, receba os benefícios da proteção possessória.

            Verifica-se que a proteção possessória antes de tudo serve para proteger o próprio possuidor, além de promover o resguardo de sua dignidade humana (CR, art. 1º, inc. III), atualmente posta no centro das reflexões dogmáticas daquilo que, por influência direta de Pietro Perlingieri (16), convencionou-se chamar de direito civil constitucional. (17)


4. Breves considerações da posse no direito comparado : preponderância da teoria objetiva

            Ainda que superficialmente, analisemos alguns sistemas de direito comparado para verificar que a teoria objetiva goza de maior prestígio para a Ciência Jurídica, conferindo, portanto, proteção possessória mesmo ao sujeito que eventualmente não seja dono da coisa.

            4.1 Direito alemão

            O Código Civil alemão (18) (BGB – BÜRGERLICHES GESETZBUCH), de 18 de agosto de 1896, influenciou, e muito, Clóvis Beviláqua na elaboração do projeto do Código Civil brasileiro de 1916, uma vez que, a exemplo do CC alemão, o Código brasileiro também foi sistematizado com uma Parte Geral, onde são tratadas as disposições sobre a pessoa, os bens, os fatos e atos jurídicos.

            No Livro III do BGB, sob o tópico de "Direito das Coisas" (SACHENRECHET), logo de início aparece a conceituação da posse (Besitz) para o direito alemão:

            § 854 (Aquisição da posse imediata)

            A posse de uma coisa é adquirida pela obtenção do poder de fato sobre a coisa.

            O consentimento do possuidor anterior e do adquirente, basta para a aquisição, quando o adquirente estiver em situação de exercer o poder sobre a coisa.(negrito e destaque de agora)

            Tal conceituação deixa evidente a opção do legislador tedesco em imprimir à posse todas as características da teoria objetiva proconizada por Ihering. Nota-se que ao se referir à posse imediata (posse direta do Direito Civil brasileiro – CC, art. 486), o Código Civil alemão deixa claro que a posse é um poder de fato (19), e não um poder de direito, como seria caso tivesse o sistema de direito civil alemão adotado as diretrizes da teoria subjetiva, uma vez que falar em poder de direito é o mesmo que falar em aninum rem sibi habendi e, portanto, em propriedade, esta sim o poder de direito sobre a coisa. A observação de Ihering quanto a esse aspecto é irreparável. "O fato e o direito: tal é a antítese a que se reduz a distinção entre a posse e a propriedade. A posse é o poder de fato, e a propriedade o poder de direito, sobre a coisa". (20)

            Portanto, quando o direito alemão diz que a posse é o poder de fato sobre a coisa, de imediato já está traçando uma distinção jurídica entre e a propriedade. Esta, a propriedade, como foi dito é um poder de direito sobre a coisa. Se existe, pois, diferença entre posse e propriedade, resta claro que o sistema alemão confere proteção possessória também ao possuidor não-proprietário, como é o caso do locatário, comodatário, credor pignoratício etc., numa clara demonstração das diretrizes da teoria objetiva.

            Além do mais, o direito civil alemão também admite a existência da posse mediata (posse indireta do Direito Civil brasileiro – CC, art. 486), dando mais um evidência de que a posse pode ser exercida por aquele que não traz consigo o elemento psíquico do animus, teoria objetiva, portanto. Mas não é só. A consagração de que o direito civil alemão filiou seu sistema à teoria objetiva de Ihering está expressa no § 985 do BGB, sob a rubrica "Pretensões derivadas da propriedade", onde se lê "O proprietário pode exigir do possuidor a devolução da coisa."

            4.2 Direito suíço

            O Código Civil suíço (21), originalmente escrito em alemão, e com grande influência do direito civil tedesco, à luz da teoria objetiva também confere proteção possessória ao possuidor (Besitzer) não-proprietário, reconhecendo, portanto, distinção entre posse e propriedade. Aquela, o poder de fato sobre a coisa; esta, o poder de direito sobre a coisa.

            Ao preceituar a noção geral da posse (Besitz), o art. 919 do CC suíço preceitua que "Aquele que tem o poder efetivo sobre uma coisa é seu possuidor". Logo na seqüência, o art. 920, numa clara demonstração de que a posse no sistema de direito positivo suíço é passível de desdobramento e, portanto, conferindo a condição de possuidor também àquele que não seja proprietário, distingue a posse originária, que é a posse do proprietário, da posse derivada, que é a posse do não-proprietário.

            Art. 920 (II. Posse originária [selbständiger] e derivada [unselbständiger])

            Se o possuidor confiar a coisa a um outro, para estabelecer um direito real limitado ou um direito pessoal, serão ambos possuidores.

            Aquele que possui a coisa como proprietário, tem posse originária; o outro, posse derivada.

            Percebe-se claramente que o direito civil suíço admite que a posse se desdobre nas mãos do proprietário como do terceiro não-proprietário, e se assim o faz é porque confere proteção possessória aquele que tem o poder de fato sobre a coisa, independentemente de qualquer intenção – animus, portanto – do possuidor (Besitzer) em possuir a coisa como se dono fosse. Dessa forma, aquele que legitimamente possui determinado bem terá em seu favor os benefícios jurídicos da proteção possessória.

            Portanto, o direito suíço outorga proteção àquele que esteja na posição de possuidor, ainda que não seja ele proprietário da coisa possuída, importando, apenas, a legitimidade da posse e o efetivo poder de fato sobre a coisa.

            4.3 Direito italiano

            O direito civil italiano não discrepa do que até agora foi examinado no plano do direito comparado. O sistema do Código Civil da Itália (22) alberga em suas disposições a já examinada dicotomia entre a posse e a propriedade, poder de fato e poder de direito, respectivamente, considerando possuidor, e conferindo proteção possessória, ainda que o sujeito não seja proprietário do bem possuído.

            Disposta a posse no último Título do Livro III do Código Civil italiano, sob a rubrica "DA PROPRIEDADE", nesse sistema jurídico a posse também é tratada com as devidas distinções da propriedade, numa clara demonstração de que o possuidor – seja ele proprietário ou não – terá para si dispensada a proteção possessória.

            No CC italiano, está a posse descrita dessa maneira:

            Art. 1140 (Posse)

            A posse é o poder sobre a coisa que se manifesta em uma atividade correspondente ao exercício da propriedade ou de outro direito real.

            Art. 1141 (Mudança da detenção em posse)

            Presume-se a posse naquele que exerce o poder de fato¸ quando se provar que começou a exerce-la simplesmente como detenção.(...)

            Da análise conjugada dos artigos supracitados, nota-se que a posse "se manifesta em uma atividade correspondente ao direito de propriedade" quando alguém exerce o "poder de fato" sobre a coisa. Quando o legislador italiano fala em atividade correspondente ao direito de propriedade, quis se referir ao direito que tem o proprietário de "gozar e de dispor das coisas de modo pleno e exclusivo" (CC italiano, art. 832). Ora, atividade correspondente ao gozo e disposição da coisa quem de fato tem é o possuidor, seja ele proprietário ou não, uma vez que o proprietário exerce atividade efetiva de gozo e disposição.

            Além disso, o art. 1141 diz que se presume a posse naquele que exerce o poder de fato sobre determinada coisa. Quando determinado sujeito é considerado possuidor não importa se ele é, ou não, titular da respectiva propriedade sobre a coisa possuída. O que na verdade importa é que a coisa esteja subordinada ao poder de fato de um determinado sujeito, que dessa forma será considerado possuidor e, portanto, terá em seu favor a proteção possessória.

            4.4 Direito português

            A noção de posse no Código Civil português (23) vem expressa no art. 1251 da seguinte forma:

            Posse é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou outro direito real.

            O direito português considera possuidor aquele que atua de forma correspondente ao exercício do direito de propriedade, além de, no item "2" do art. 1252, considerar que "em caso de dúvida, presume-se a posse naquele que exerce o poder de fato...". Ora, se é considerado possuidor o sujeito que atua de "forma correspondente ao exercício do direito de propriedade", a conclusão que daí se extrai é no sentido de que também se considera possuidor o não-proprietário que age de maneira correspondente ao exercício da propriedade, que tradicionalmente redunda no poder de usar, gozar e dispor da coisa (jus utendi, fruendi e abutendi). Tais poderes inerentes à propriedade também podem ser plenamente exercidos pelo possuidor não-proprietário, quando este exerce tais poderes sem, contudo, trazer consigo o elemento intelectual do animus. É o que ocorre, por exemplo, com o locatário, que usa e goza da coisa locada sem que em nenhum momento lhe ocorra a idéia de o estar fazendo como se dono fosse, eis que lhe é plena a consciência de que o bem objeto da locação a outro pertence.

            Ao que tudo indica, a consagração no direito português quanto à existência da posse configurada paralelamente à propriedade, está expressa no art. 1311 do Código Civil lusitano que, ao prever a "Defesa da propriedade", afirma que "O proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a conseqüente restituição do que lhe pertence".

            Dessa forma, fica nítido que pode haver possuidor que não seja proprietário, caso contrário não haveria razão para o legislador português ter distinguido o possuidor do detentor para efeito de viabilização do remédio petitório previsto no art. 1311.

            4.5 Direito francês

            Diferente é a sistemática da posse no Código Civil francês (24), haja vista que, talvez pela época de sua publicação (1804, auge do liberalismo na Europa), optou o legislador pelas diretrizes do subjetivismo que marcou a teoria de Savigny (25).

            A preponderância do subjetivismo na posse do direito francês vem marcada pelo art. 2228 do CC da seguinte forma: "A posse é a detenção ou o gozo de uma coisa ou de um direito que temos ou que exercemos por nós mesmos, ou por um outro que a tem ou que a exerce em nosso nome".

            Percebe-se que aqui não se fala em "poder de fato", atividade "correspondente" ao exercício da propriedade, ou coisa do gênero. Para o direito francês, fica clara a existência do elemento subjetivo caracterizado pelo animus na configuração da posse; o art. 2228 refere-se à posse como a "detenção ou o gozo de uma coisa ou de um direito que temos ou que exercemos por nós mesmos."

            Sequer há no direito francês previsão de proteção possessória, eis que só o que se protege é a própria propriedade em razão de seu caráter absoluto (26), valendo mesmo ressaltar que a posse vem tratada no Código Civil francês dentro da sistemática da prescrição.

            4.6 Direito argentino

            O Código Civil argentino (27) é fruto de projeto elaborado por Vélez Sarsfield, cuja principal fonte normativa fora o antológico Esboço de Código Civil de Teixeira de Freitas (28), muito embora tenha Vélez deixado de lado a metodologia de dividir o Código em parte geral e parte especial (29), do que se ressente o CC argentino, a exemplo do que acontece com o CC suíço, francês, italiano, dentre outros.

            No que tange à posse, não há dúvida que o direito argentino filiou-se aos regramentos da teoria subjetiva de Savigny, situação facilmente percebida quando analisado o conceito de posse expresso no Código Civil.

            No Título II do Livro III, sob a rubrica "De la posesion y de la tradicion para adquirila", o Código Civil argentino assim conceita a posse:

            Art. 2351

            Haverá posse das coisas quando uma pessoa, por si ou por outrem, tenha uma coisa sob seu poder, com intenção de submete-la ao exercício de um direito de propriedade (30) (destaque de agora)

            Observa-se que o CC argentino é expresso no sentido de exigir do possuidor a intenção de submeter a coisa ao exercício de um direito de propriedade, e quando se fala em intenção, que é o mesmo que animus, está a se falar no subjetivismo caracterizador da teoria de Savigny.

            Mas as evidências de que o sistema jurídico argentino está filiado à teoria subjetiva não param por aí. O art. 2352 do Código de Vélez Sarsfield proclama que "aquele que tem efetivamente uma coisa, mas reconhecendo em outro a propriedade, é simples detentor da coisa, e representante da posse do proprietário, ainda que a ocupação da coisa esteja fundada num direito" (31). Portanto, aquele que não é proprietário e não age como proprietário com relação à coisa – ausência de animus rem sibi habendi –, não é considerado possuidor mas, sim, mero detentor, estando totalmente desprovido da proteção possessória.

            Ao que nos parece, é tollitur quaestio no direito argentino que a matéria possessória tem seu regramento pelos ditames da teoria subjetiva inequivocamente contida no art. 2373 do Código Civil, onde se lê que "a posse se adquire pela apreensão da coisa com a intenção de tê-la como sua". Dessa forma, fica claro que o direito argentino não conhece a posse sem o elemento intelectual do animus rem sibi habendi, numa clara evidência de subsunção à teoria de Savigny, onde o possuidor não-proprietário – aliás, na Argentina sequer esse sujeito seria considerado possuidor, mas, sim, mero detentor – não teria em seu favor qualquer proteção possessória.

            4.7 Síntese do direito comparado

            Os sistemas de direito comparado que foram examinados demonstram a preponderância dos atributos da teoria objetiva em matéria possessória, uma vez que suas regras se apresentam bem mais lógicas em virtude da proteção dispensada, também, ao possuidor não-proprietário, como é o caso do locatário, comodatário, credor pignoratício etc.

            Essa constatação, que, diga-se desde já, também é observada no direito civil brasileiro, serve para demonstrar que não há necessidade do possuidor ser dono da coisa para que a ele seja dispensada a proteção possessória. Basta que o possuidor use e goze da coisa que está sob seu poder de fato, sem que traga consigo a intenção de possuir a coisa como se seu dono fosse. É essa a lógica da teoria objetiva, que permite ao ser-humano possuir determinada coisa – e a partir daí, ser titular de proteção possessória – sem que se passe pela sua mente estar possuindo àquela coisa como se sua fosse. Não é necessário, em relação à coisa, ser dono, pensar que é dono, ou ter a intenção de ser dono. Basta, portanto, usar e fruir determinada coisa, subordinando-a a um poder de fato, uma vez que só quem tem o poder de direito – repita-se – é o proprietário.

            Como se vê, é tendência natural dos mais diversos sistemas jurídicos, em sua maioria, acabarem por se filiar à teoria de Ihering para outorgar proteção possessória ao sujeito que, mesmo não sendo dono da coisa, a possua para dela usar e fruir.


5. A posse no direito positivo brasileiro

            É indiscutível a influência da teoria objetiva no Código Civil brasileiro. O art. 485 do Código Civil considera "possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno, ou não, de algum dos poderes inerentes ao domínio, ou propriedade".

            Isso quer dizer que o direito brasileiro considera possuidor o sujeito que mantenha uma relação de poder de fato com a coisa, não importando se sua condição é de proprietário, ou não, da coisa possuída. O que verdadeiramente importa, é que o sujeito tenha a coisa em seu poder – repita-se: de fato – e que exerça plenamente, ou não, os poderes inerentes à propriedade (CC, art. 485).

            Tal sistemática, de se considerar possuidor o sujeito que exerça plenamente, ou não, os poderes inerentes à propriedade, implica em saber quais são esses tais poderes inerentes à propriedade, e a resposta é dada pelo próprio Código Civil brasileiro, que em seu art. 524 assegura ao proprietário o direito de usar (jus utendi), gozar (jus fruendi) e dispor (jus abutendi) das coisas que lhes pertence. Eis aí os poderes do proprietário: o poder de usar, gozar e dispor das coisas que lhes pertence!

            Quando o legislador enfatiza que se considera possuidor todo aquele que exerce plenamente, ou não, algum dos poderes inerentes à propriedade, acabou por dimensionar que se considera possuidor tanto o proprietário quanto o não-proprietário. Quem exerce plenamente os poderes inerentes à propriedade, e, portanto, pode usar, gozar e dispor das coisas que lhes pertence, sem dúvida alguma é o próprio proprietário, que pelo indigitado art. 485 do Código Civil brasileiro também se considera possuidor. Por outro lado, quem não exerce de forma plena os poderes inerentes à propriedade, e, portanto, só pode usar e gozar as coisas que estejam sob o seu poder de fato – uma vez que só quem pode dispor é o efetivo proprietário – também é considerado possuidor, sendo que nessa situação encontraremos o locatário, o comodatário, o credor pignoratício, dentre outros tantos atores jurídicos que sejam possuidores não-proprietários. Nunca é demais lembrar que se a lei considera determinado sujeito possuidor, a ele será concedida a proteção possessória prevista no sistema.

            Nessa ordem de idéias, fica claro que o direito civil brasileiro, como de resto, os principais sistemas jurídicos do direito comparado, consider possuidor aquele que tenha a coisa sob seu poder de fato, independentemente de ser o efetivo proprietário da coisa possuída, seguindo, portanto, as diretrizes da teoria de Ihering.

            A posse no direito civil brasileiro, como se vê, existe tanto em favor do possuidor proprietário quanto do possuidor não-proprietário, o que significa dizer que se o sujeito usa e goza determinada coisa que está sob seu poder de fato terá, em seu favor, os benefícios da proteção possessória, que antes de mais nada se presta à salvaguarda daquele que está na posse de determinado bem, ainda que não seja seu efetivo proprietário.

            Repito: uma vez identificada em alguém a condição de possuidor, seja este alguém proprietário, ou não, da coisa possuída, ser-lhe-á sempre dispensada a proteção possessória. Para tanto, importa verificar a existência do corpus (poder físico sobre a coisa) e o exercício pleno, ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade (usar, gozar e dispor), consoante a classificação da posse expressa no art. 485 do Código Civil brasileiro, em consonância, vale dizer, com as principais legislações que tratam do assunto no mundo ocidental.


6. Considerações sobre os efeitos da posse, com ênfase à proteção possessória (interditos possessórios)

            Muito se falou ao longo deste Parecer acerca da proteção possessória que o sistema jurídico dispensa ao possuidor. Mas afinal, o que vem a ser essa proteção possessória e como ela se apresenta no plano jurídico? É o que passaremos a examinar.

            Os autores em geral atribuem à posse efeitos que lhes são próprios (32), muito embora não haja completa uniformidade em relação a quais e quantos seriam esses efeitos, não faltando, por exemplo, quem (TAPIA) lhe atribuísse setenta e dois diferentes efeitos e quem lhe negasse qualquer efeito (SINTENIS), conforme anota CAIO MÁRIO (33).

            O Código Civil brasileiro trata dos efeitos da posse entre os arts. 499 a 519, sendo que a doutrina pátria identifica, basicamente, os seguintes: a) usucapião; b) presunção de propriedade; c) percepção dos frutos; d) direito de retenção por benfeitorias; e) indenização pelas benfeitorias realizadas na coisa; f) autodefesa da posse; g) utilização dos interditos possessórios.

            No tocante ao objeto central da consulta que originou este Parecer, dos efeitos da posse apenas nos interessa a possibilidade do possuidor utilizar-se dos interditos possessórios, o que se torna viável pelo simples fato da existência da posse (corpus + exercício de fato dos poderes inerentes à propriedade).

            A proteção possessória encontra seu fundamento no fato de que, por seu intermédio, busca-se a proteção da propriedade, vale dizer: protegendo-se a posse protege-se, por via reflexa, a propriedade. Com efeito, nem sempre será possível detectar a que título – leia-se: por que motivo – o possuidor tem a coisa sob seu poder de fato, ou seja, se a tem como possuidor-proprietário ou como possuidor não-proprietário. Não importa ao sistema jurídico cujas diretrizes da teoria objetiva são preponderantes – como acontece no direito brasileiro – se o possuidor é dono ou não da coisa possuída; o que importa, na verdade, é aquela situação de aparência gerada pela posse, uma vez que aquele que tem a coisa sob sua sujeição (corpus + exercício de fato dos poderes inerentes à propriedade) fatalmente o terá por algum motivo, e isso já basta para que o Direito confira proteção possessória em prol do sujeito possuidor, independentemente de ser proprietário, ou não, da coisa possuída.

            Ihering observa que "se, para conseguir proteção como possuidor, basta provar-se a posse, este princípio favorece tanto o proprietário como o não-proprietário. A proteção possessória, criada para o proprietário, beneficia deste modo a uma pessoa para a qual não foi instituída" (34). O imortal jurista alemão vai mais além e sentencia que "esta conseqüência é absolutamente inevitável". (35)

            Não há como proteger a posse sem que, eventualmente, também se proteja o possuidor não-proprietário. Não há como se proteger, através da proteção possessória, apenas o proprietário. Se a posse se constitui na aparência de um poder de fato, onde o que primeiro se visualiza é o exercício de algum dos poderes inerentes à propriedade sobre uma coisa que está sob sujeição de alguém, então não há como se ter certeza de que se está protegendo o possuidor proprietário ou o possuidor não-proprietário. O que o Direito pretende através da proteção possessória é tutelar aquele que esteja visivelmente com a coisa sob seu poder de fato, exercendo, pois, algum dos poderes inerentes à propriedade.

            Se insisto quanto a esse aspecto, é para firmar a exata dimensão da proteção possessória, que sempre virá ao auxílio daquele que, mesmo não sendo proprietário de determinado bem, mantém com ele um vínculo de sujeição em que se exerce algum dos poderes inerentes à propriedade (CC, art. 485).

            Mas de nada adiantaria a proteção da posse se o Direito não pusesse às mãos do possuidor os mecanismos legais preordenados a essa defesa: os interditos possessórios.

            No Direito Romano chamava-se de interdito (do latim interdicere = proibir) a medida defensiva com que o pretor neutralizava a atuação do terceiro na esfera jurídica do possuidor (36), para evitar turbação, esbulho ou simples ameaça ao exercício da posse. Modernamente, a moléstia à posse é evitada através das ações possessórias, que por tradição do direito romano ainda continuam sendo chamadas pela doutrina de interditos possessórios; portanto, interditos possessórios ou ações possessórias são expressões sinônimas que daqui em diante serão usadas indistintamente.

            No plano jurídico, é através dos interditos possessórios – ou ações possessórias – que o possuidor materializa a proteção de sua posse em caso de turbação, esbulho ou simples ameaça. Vejamos cada uma dessas hipóteses.

            A turbação é uma verdadeira perturbação no exercício regular da posse, e ocorre quando o possuidor está encontrando embaraço no exercício da posse em virtude de atuação irregular de terceiro que invade sua esfera jurídica de forma a lhe perturbar a posse. Ocorre, por exemplo, quando o dono de prédio serviente fecha, unilateralmente, o caminho por que passava com freqüência o dono do prédio dominante (37). Em tal situação, tem o possuidor que está sofrendo a turbação o direito de ser mantido na posse (CC, art. 499, primeira parte).

            Já o esbulho ocorre quando o possuidor é despojado de sua posse por ato de terceiro, vale dizer, perde o sujeito a posse sobre a coisa em razão da atitude de outrem. Ocorre esbulho possessório, dentre outras situações, quando cessa o contrato de locação de bem móvel e o locatório recusa-se a proceder à restituição do bem ao locador, restando este, portanto, despojado da posse a que teria direito em virtude do término da relação ex locato (38). Ao possuidor esbulhado, surge o direito de ser restituído na posse (CC, art. 499, segunda parte).

            Situações outras poderão ocorrer onde o possuidor não está sendo turbado, nem tampouco foi esbulhado da posse, mas, tão-somente, está sofrendo ameaça de sê-lo (turbado ou esbulhado). Uma situação desse tipo pode ocorrer quando, por exemplo, esteja o munícipe sofrendo ameaça de ter seu muro derrubado pelo Poder Público municipal, sem que, para tanto, tenha sido notificado pela autoridade competente, em total desrespeito à legalidade que orienta o direito público (39). Para essas situações, onde o possuidor tenha justo receio de ser molestado na posse, terá ele direito de pedir em juízo que o ameaçador se abstenha da consumação de moléstia à posse (CC, art. 501), tal medida é denominada pelo Código de Processo Civil brasileiro de interdito proibitório (40) (CPC, art. 932).

            Ocorrendo qualquer uma dessas situações (turbação, esbulho ou ameaça), o possuidor poderá lançar-mão do respectivo interdito possessório para, em juízo, buscar a tutela de sua posse. E dessa tutela – repita-se – poderá se beneficiar tanto o possuidor-proprietário quanto o possuidor não-proprietário; a tutela da posse será sempre dispensada ao possuidor objetivamente considerado (CC, art. 485), conforme reiteradamente estou afirmando.


7. Aspectos processuais da proteção possessória

            A cada uma dessas situações de moléstia à posse, turbação, esbulho e ameaça, o direito processual prevê uma específica ação para tutela do possuidor. Previstas nos Livro IV do Código de Processo Civil brasileiro, topograficamente dispostas sob os "Procedimentos Especiais" (41), as chamadas ações possessórias estão a serviço do possuidor que sofre interferência de terceiro no exercício da posse.

            As ditas ações possessórias estruturam-se pelo processo de conhecimento de rito especial, cuja especificidade do procedimento se justifica em virtude da própria fisionomia da relação jurídica material controvertida, onde o legislador optou em desenhar um procedimento próprio para melhor atender as exigências do direito material discutido no processo.

            Dentro dessa perspectiva temos as ações possessórias típicas, que são a ação de manutenção de posse, voltada para o caso de turbação, a ação de reintegração de posse, quando da configuração do esbulho, e a ação de interdito proibitório, para o caso de justo receio de ameaça à posse. Essas três ações especiais (manutenção e reintegração de posse, e interdito proibitório) conferem a proteção possessória que o Direito brasileiro garante ao possuidor.

            A especialidade do procedimento das ações possessórias vem ao encontro do regime jurídico dos efeitos da posse previstos no Código Civil, onde se encontra a disposição que impõe urgência na salvaguarda da posse molestada, através, principalmente, de uma medida judicial sumária (CC, art. 506, 507, 508 c/c art. 523).

            Essa característica do direito material, de exigir a salvaguarda da posse em caráter de urgência, confere o traço característico principal da especialidade da ação possessória, onde o legislador autoriza o juiz a conceder medida liminar ante a prova da turbação ou do esbulho, somada à prova inequívoca da posse (CPC, art. 928). Essa situação de salvaguarda emergencial da situação possessória, com a concessão de medida liminar de manutenção (turbação) ou reintegração (esbulho) de posse, é considerada pela doutrina como uma situação onde se concede a chamada tutela antecipatória típica (42), eis que especificamente prevista para certas hipóteses, ao contrário da previsão genérica de tutela antecipatória que a Reforma do Código de Processo Civil engendrou com a nova redação do art. 273 do CPC. A concessão de medida liminar em ação possessória, portanto, é uma forma de antecipação da tutela prevista antes mesmo do novo art. 273 do Código de Processo Civil, uma vez que o juiz, ao determinar a expedição de mandado liminar de manutenção ou de reintegração de posse, inequivocamente está a "antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial" (CPC, art. 273 caput). No caso das ações possessórias, isso acontece em razão da especialidade que informa o respectivo procedimento que, sob influência do direito material (CC, art. 523), deve dar solução sumária ao possuidor molestado em sua posse.

            Mas a especialidade das ações possessórias não se esgota na possibilidade – leia-se: obrigatoriedade (43) – da concessão de medida liminar em estando a petição inicial devidamente instruída, conforme determina o art. 928 do CPC. Mais ainda, a dita especialidade também permite que ao pedido tipicamente possessório seja cumulado em face do réu pedido de: a) condenação em perdas e danos, b) cominação de pena para caso de nova turbação ou esbulho, c) desfazimento de construção ou plantação feita em detrimento da posse do autor da ação (CPC, art. 921 e incs.).

            Portanto, turbado, esbulhado ou ameaçado em sua posse, tem o possuidor o inequívoco direito de lançar-mão dos interditos possessórios para a salvaguarda da situação de fato que lhe garanta o exercício de algum dos poderes inerentes à propriedade, seja ele possuidor-proprietário ou possuidor não-proprietário. E uma vez ajuizada a competente ação possessória, estará o juiz necessariamente comprometido a conceder a medida liminar que garanta a salvaguarda da situação em que se encontra o possuidor; o reparo à moléstia causada à posse, portanto, é em caráter de urgência, máxime por força do art. 928 do Código de Processo Civil, que exige seja a medida liminar concedida desde que a petição inicial esteja devidamente instruída com a prova da posse e a prova da respectiva moléstia.


8. Enquadramento jurídico do problema objeto da consulta : legitimidade da construção de armário embutido, e sua respectiva posse, em área comum de acesso exclusivo a determinado condômino

            A essa altura resta saber acerca da possibilidade do condômino da propriedade horizontal poder utilizar-se com exclusividade – ter a posse, portanto – de área comum, e, em sendo isso possível, quando tal hipótese estaria legitimada.

            Numa primeira análise da Lei de Condomínio em Edificações, poder-se-ia concluir, à luz de seu art. 3º (44), que seria impossível a utilização exclusiva, por determinado condômino, de área comum, uma vez que tal dispositivo é expresso no sentido ser insuscetível de uso exclusivo a área comum.

            Porém, é fundamental que se harmonize o contido no indigitado art. 3º com a realidade de cada edificação condominial que alberga a superposição de unidades, uma vez que determinadas situações ocorrerão onde a "área comum" não será, pela sua disposição, necessariamente uma área de "uso comum", eis que a ela só se terá acesso por intermédio de determinada unidade autônoma pertencente a determinado condômino.

            Quanto a esse aspecto, vale a irreparável lição haurida de acórdão de lavra do Des. Erbetta Filho, do Tribunal de Justiça de São Paulo (45), que ao tratar de caso com circunstâncias análogas às abordadas neste Parecer, faz referência à perfeita e racional possibilidade do condômino utilizar-se com exclusividade de área comum só atingível por intermédio de sua respectiva unidade autônoma. Vejamos o que diz o acórdão:

            "Doutrina e jurisprudência vêm, de fato, consagrando o entendimento segundo o qual o condômino pode ocupar área que, não obstante seja a rigor coletiva, pelos dizeres da Convenção ou por não se inserir dentre as especificadas como uso privativo, pelo fato de somente para si ter utilidade, não se prestando a qualquer dos demais condôminos, os quais, para terem acesso a ela, teriam obrigatoriamente que passar por área de uso privativo daquele.

            Pelo que deixam ver os já mencionados J. Nascimento Franco e Nisske Gondo (op. cit., p. 85-87), erigiram-se com pioneiros nessa linha de pensamento, neste Estado, julgados do Tribunal de Alçada Civil insertos nas RT 322/474 (referindo-se a ‘área-terraço’ ou ‘terraço-de-nível’ contíguo a unidade do pavimento térreo) e 325/416 (relacionado a área lateral de apartamento), este último – ao qual se deu especial destaque – relatado pelo então Juiz Sousa Lima, cujo magnífico voto calcou-se em lição de Lino Salis. Colacionam ainda os citados juristas, anterior àqueles julgados, acórdão do TJGB contido na RT 275/816, afora reportarem-se a parecer de Pontes de Miranda reproduzido na RF 144/73.

            Prescindindo-se de cansativo e desnecessário apanhado de quantos arestos adotaram a mesma solução, de lá para cá, importa no entanto dizer que esta E. Corte vem dando abrigo a semelhante posição, a qual, em última análise, baseia-se numa distinção entre áreas comuns, sem designação específica de uso (suscetíveis de serem utilizadas em certas circunstâncias com exclusividade por um condômino), e áreas de efetivo uso comum, para finalidades preestabelecidas pela especificação ou convenção. Prova disso é a publicação nos JTJ 205/32 de v. acórdão recente da C. 3ª Câm. de Direito Privado (ApCiv 281.449-1, rel. Des. Toledo César, v.u., em 15.04.1997)..."

            A lógica que eclode do acórdão citado é ululante.

            É óbvio que determinadas localidades da edificação condominial, pela própria estrutura da construção, poderão, ainda que se trate de "área comum", não ser consideradas área de "uso comum", haja vista que seu acesso só se dá por intermédio de determinada unidade autônoma, o que redunda na total ociosidade da respectiva área que, apesar de "comum", não se presta ao "uso comum". Não há como o legislador mudar a natureza das coisas; vale dizer, o art. 3º da Lei 4.591/64 deve ser harmonizado com a realidade dos aspectos inerentes a cada construção que faz surgir a co-propriedade no condomínio em edificações.

            Nas hipóteses análogas à jurisprudência externada no acórdão citado, da qual faz parte, aliás, a situação que deu origem a este Parecer, não há como se conceber outro entendimento senão aquele que leva à conclusão serena de que o art. 3º da Lei de Condomínio em Edificações apenas impede a utilização exclusiva, pelo condomínio, de "área comum" que seja, efetivamente, de "uso comum". Se porventura a área comum estiver em determinado encravamento da construção, na qual só se chega através da área contígua pertencente a determinado condômino, é lógico que a este estará franqueada a utilização exclusiva da respectiva área que, não obstante "comum", não se presta ao "uso comum".

            Repito: estando a área comum ociosa ao uso comum, em virtude de ser contígua a determinada unidade autônoma, o respectivo proprietário terá total legitimidade para exercer a posse exclusiva sobre tal área. Não é outra a inteligência do acórdão acima analisado, que simplesmente julgou com inequívoca lógica-jurídica a lide que solucionou.

            Portanto, se a área comum é contígua a determinada unidade autônoma, não se prestando, em razão disso, à utilização comum, não estará vedada sua livre utilização pelo respectivo proprietário, uma vez que os demais, para terem acesso a ela – área comum –, terão obrigatoriamente que passar por área de uso privativo do titular da unidade autônoma contígua.

            Em sendo assim, o condômino que constrói armário embutido em "área comum" totalmente ociosa ao "uso comum", onde só se chega por intermédio da respectiva unidade autônoma – esta sim, vale dizer, de uso exclusivo do respectivo proprietário –, não estará agindo de forma ilegal, atentatória aos preceitos de ordem pública previstos na Lei de Condomínio em Edificações, em especial seu art. 3º.

            A finalidade da Lei 4.591/64 é exatamente impedir que determinado condômino se utilize com exclusividade de área comum que se presta ao uso comum; do contrário, em sendo a área comum, pela sua própria disposição, totalmente ociosa ao uso comum, eis que somente atingível através da área contígua de uso privativo, seu uso exclusivo pelo proprietário da respectiva unidade autônoma não está proibido pela Lei. Ou seja, será permitida a posse exclusiva, pelo condômino, dessa área comum de uso não-comum; e se há posse, haverá todos os efeitos daí advindos, mormente no que tange aos interditos possessórios.

            Nunca é demais lembrar que, na propriedade horizontal, cada unidade autônoma representa propriedade exclusiva do respectivo titular, conforme dispõe o art. 1º da Lei 4.951/64, e conforme se deflui do sistema de direito privado positivo (CC, art. 524).

            Logo, se a área comum é encravada entre paredes e a área de garagem constituída como unidade autônoma, sendo somente através desta atingida, fica evidente que tal área estará inviabilizada para o uso comum, uma vez que os demais condôminos terão o inexorável dever de não-violar os limites da propriedade exclusiva composta pela respectiva unidade autônoma.


9. À guisa de conclusão : solução para o caso sob exame

            Antes do oferecimento das respostas aos quesitos formulados pelo consulente, proporemos, segundo o nosso sentir, a solução para o caso examinado.

            Conforme já dito no item 1 supra, o armário embutido do consulente foi construído em área comum localizada entre uma parede, as garagens de nº. 61 e 62 – ambas de sua propriedade –, um pilar e a rampa de acesso ao 1º subsolo. Portanto, o respectivo armário está localizado em área comum encravada entre concreto e as garagens do consulente. Frisa-se, uma vez mais, que à área comum que recepciona o armário não se chega senão pelas garagens de propriedade do consulente.

            A utilização exclusiva da dita área comum e do respectivo armário, geram em favor do consulente direito à posse mansa e pacífica que vem exercendo, com todos os efeitos ad interdicta que socorrem o possuidor. Vale dizer: além de ser plenamente possível ao consulente utilizar com exclusividade a indigitada "área comum", eis que a mesma não se presta ao "uso comum", também lhe será facultada a utilização dos interditos possessórios caso venha a ser molestado em sua posse. Em suma, a manutenção do armário, tal como ele está, deverá ser respeitada.

            Não há nenhum suporte jurídico a autorizar qualquer medida, de quem quer que seja, para obrigar o consulente a desfazer o armário que construiu. A uma: não se trata de área de uso comum, sendo que a posse do consulente não está a prejudicar os demais condôminos que jamais poderiam utilizar tal área, cujo acesso necessariamente se dá pela garagem de propriedade exclusiva do consulente; a duas: em hipótese alguma o armário põe em risco a higidez das edificações; a três: sequer há que se falar em prejuízo estético para o condomínio, uma vez que o armário é embutido na área encravada e sua pintura externa segue o padrão e o estilo da pintura existente no 2º. subsolo.

            Ora, se à área comum onde está o armário embutido – encravada, como já se disse – só se chega por intermédio das garagens do consulente, pergunta-se: A) a área é de uso comum? B) seria lícito aos demais condôminos terem acesso a tal área através das garagens do consulente, onde inclusive, diariamente estão seus carros lá estacionados? A resposta para ambas as questões é uma só: NÃO; seja porque a área não é de uso comum, seja porque não podem os demais condôminos, para terem acesso a dita área, atravessar pelas garagens que constituem propriedade exclusiva do consulente.

            Não sendo a área de uso comum, eis que a ela só se tem acesso através das garagens nº. 61 e 62 do 2º subsolo, sua utilização exclusiva pelo consulente é perfeitamente viável, sendo totalmente legítima a construção do armário levada a efeito, principalmente por não trazer nenhum prejuízo para o condomínio, nem de ordem estética, nem de ordem estrutural. Além do mais, essa utilização exclusiva pelo consulente não está a embaraçar o uso comum, já que a área não se presta a isso.

            No mais, a conflagrada situação de posse exercida pelo consulente – eis que exerce de fato algum dos poderes inerentes à propriedade (usa e goza; CC, art. 485) – lhe garante a proteção possessória que o sistema jurídico brasileiro concede ao possuidor.

            A situação do consulente é toda ela revestida de inequívoca juridicidade, não havendo nela nenhuma ilegalidade nem tampouco abuso de direito. É legítimo, pois, o uso exclusivo da dita área comum, devendo ser preservado o armário lá construído.


10. Respostas aos quesitos

            1) O armário embutido construído, nas circunstâncias reais examinadas, atenta contra a sistemática da Lei de Condomínio em Edificações?

            R: Não, o armário construído não atenta contra a sistemática da Lei de Condomínio em Edificações, haja vista que o local onde está o armário, muito embora seja área comum, não é área de uso comum, eis que a ela só se tem acesso pelas garagens que são de propriedade exclusiva do consulente.

            2) O exercício de posse exclusiva da área comum, onde o armário foi construído, contraria a Lei de Condomínio em Edificações ou mesmo o Regimento Interno do Edifício Carolina Pellicciari?

            R: Não, a posse exclusiva da área comum onde foi construído o armário não contraria a Lei 4.591/64 nem o RI do Edifício Carolina Pellicciari.

            No regime jurídico da propriedade horizontal, a posse, enquanto poder de fato no exercício de algum dos poderes inerentes à propriedade (CC, art. 485), poderá ser exercida livremente em área comum que não esteja destinada, pelas suas próprias características, ao uso comum.

            Dessa forma, desde que o condômino não esteja excluindo os demais co-proprietários das áreas efetivamente consideradas de uso comum, e desde que a utilização exclusiva não ponha em risco a segurança do edifício, não há nenhum óbice de que determinada área comum seja utilizada com exclusividade por determinado condômino que a ela tenha acesso privativo. Inclusive, vale ressaltar que é exatamente esse o entendimento remansoso da jurisprudência (vide, TJSP – Ap 60.171-4/3 – 1ª Câm. – j. 10.08.1999 – rel. Des. Erbetta Filho).

            3) A respectiva área comum, dado seu encravamento entre parede, pilar e as garagens de nº. 61 e 62, poderia ser utilizada livremente pelos demais condôminos?

            R: Não, a respectiva área comum onde o armário foi construído não poderia ser utilizada livremente pelos demais condôminos.

            A partir do momento que só se tem acesso a tal área comum por intermédio das garagens de nº 61 e 62, ambas de propriedade do consulente, não poderiam os demais condôminos utilizar-se livremente da área, pelas simples razão que teriam que violar os limites da propriedade exclusiva constituída pelas unidades autônomas representadas pelas garagens. Em sendo tais garagens unidades autônomas, sua utilização exclusiva, e respectivo acesso, cabe apenas ao seu legítimo proprietário e possuidor, no caso, o consulente.

            4) Haveria alguma medida judicial para salvaguardar o perfeito exercício exclusivo da posse sobre os armários construídos?

            R: Sim, as ações possessórias (interditos possessórios) preordenadas à defesa da posse.

            A consolidação da posse do consulente sobre a área onde o armário foi construído está perfeitamente caracterizada. Qualquer moléstia a essa posse (turbação, esbulho ou ameaça) poderá ser rechaçada com a respectiva ação possessória, cujo desfecho não será outro senão a salvaguarda do consulente enquanto possuidor que é, inclusive com a concessão de medida liminar para a proteção provisória da posse.

            Reza o art. 507, parágrafo único, do Código Civil, que a posse deverá permanecer com o sujeito que tiver a melhor posse, prevendo, dentre outros motivos, que quando se tratar de posse da mesma data, prevalecerá a posse atual.

            Partindo-se do pressuposto de que o consulente está exercendo posse sobre área inviável ao uso comum, e que sua posse é atual se considerada em relação aos demais comproprietários da respectiva propriedade horizontal, temos que a posse sobre os armários restará plenamente protegida através da medida judicial cabível.

            É este o meu Parecer, s.m.j.

            Jundiaí, 18 de janeiro de 2002.

            GLAUCO GUMERATO RAMOS

            oabsp nº. 159123

            Professor de Direito Civil IV (Posse e Propriedade) da Faculdade de Direito de Jaú. Professor de Direito Civil I (Parte Geral) da Faculdade de Direito da UNIP, campus Jundiaí. Pós-graduado lato sensu em direito processual civil (USF). Mestrando em direito processual civil na PUC/SP.


Notas

            01. Tais garagens, sem dúvida alguma, estão erigidas à categoria de unidade autônoma, pertencendo a respectiva área exclusivamente ao consulente. JOÃO BATISTA LOPES, escorado na lição de Elvino Silva Filho – este, vale dizer, um dos mais festejados registradores do Brasil, que por muitos anos fora Oficial do 1º. CRI de Campinas – esclarece que vários requisitos devem ser observados para que a garagem de condomínio em edificações seja considerada como unidade autônoma, "apontando-se, entre eles, os seguintes: a) que cada vaga corresponda a uma fração ideal de terreno; b) que haja demarcação de espaço correspondente à vaga para identifica-lo perfeitamente; c) cada espaço seja assinalado por designação numérica com averbação no Registro de Imóveis; d) que os espaços correspondentes às vagas sejam precisamente descritos na especificação do condomínio (área, localização, confrontações, etc.)". Cfr. LOPES, João Batista. Condomínio, 1996, São Paulo : Ed. RT, 5ª. edição, p. 65/66;

            02. Esse aspecto é indicado por JOÃO BATISTA LOPES, lembrando observação feita por Washington de Barros Monteiro. Ob. cit., nota de rodapé "6", p. 25;

            03. Cfr. SILVA PEREIRA, Caio Mário da. Instituições de Direito Civil – vol. IV. Rio de Janeiro : Forense, 1987, 7ª. edição, p. 136;

            04. Ob. cit., p. 25;

            05. Como se nota na ementa da Lei 4.591/64, esse diploma legal não cuida apenas da propriedade horizontal, abarcando também normas sobre o negócio jurídico da incorporação imobiliária, que via de regra faz nascer aquela modalidade especial de condomínio;

            06. A feliz expressão "superposição de unidades" é de CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA.Cfr. Condomínio e Incorporações. Rio de Janeiro : Forense, 1981, 4ª edição, em especial "Prefácio da 2ª edição";

            07. Cfr., dentre outros, BESSONE, Darcy. Direitos reais. São Paulo : Ed. Saraiva, 1996, 2ª edição, p. 93; LOPES, João Batista. Condomínio...p. 61; SILVA PEREIRA, Caio Mário. Instituições de Direito Civil – vol IV...p. 137, tb. em Condomínio e Incorporações... p. 85/96; GATTI, Edmundo. Teoria general de los derechos reales. Buenos Aires : Abeledo–Perrot, p. 140/141; ALLENDE, Guillermo L. Panorama de derechos reales. Buenos Aires : La Ley, 1967, p. 123/124; ASCENSÃO, José de Oliveira. Direitos reais. Lisboa, 1973, p. 498; BUTERA, A. La comproprietà di case per piani. Napoli, 1932, p. 43; AÉBY, Frédéric. La proprieté des appartaments. Bruxelas : Ed. Etablissements Emile Brulart, 1960, p. 53 e ss.; RACCIATTI, Hermán. Propriedad por pisos o por departamentos. Buneos Aires : Depalma, 3ª edição, 1975, p. 41 (estes quatro últimos citados por João Batista Lopes, Condomínio... nota de rodapé "16", p. 60);

            08. Quanto à impossibilidade de usucapião de área comum na propriedade horizontal – posicionamento com o qual concordamos in totum –, vide João Batista Lopes, ob. cit., p. 153/157, assinalando lição de Arruda Alvim proferida no Curso de Mestrado da PUC/SP;

            09. TJSP – ApCiv 281.449-1 – 3ª Câm. de Direito Privado – Rel. Des. TOLEDO CÉSAR – v.u. (JTJ 205/32);

            10. Dois são os principais efeitos da posse: a prescrição aquisitiva geradora do usucapião (posse ad usucapionem), e a possibilidade do possuidor lançar-mão dos interditos possessórios (posse ad interdicta);

            11. Brocardo jurídico que, numa tradução livre para o vernáculo, significa "intenção de possuir a coisa como dono";

            12. O conceito de "posse natural" remonta à teoria possessória peculiar ao Direito romano, e seria uma posse juridicamente desprovida de proteção; se é desprovida de proteção, a linguagem atual a chamaria de "posse natural"ou "posse-detenção". V., nesse sentido, IHERING, Rudolf von. Teoria simplificada da posse. Trad. bras. de Pinto Aguiar. Bauru : EDIPRO, 1999, p.24/25;

            13. Cfr. CAIO MÁRIO, Instituições..., p. 16;

            14. idem;

            15. IHERING, Rudolf von. El Fundamento de la Protección Posesoria, Caps. XI e XII, in La Posesión, 1ª parte, ps. 207 e segs., apud, CAIO MARIO, Insituições..., p. 16;

            16. PERLINGIERI, Pietro. Perifis do direito civil – Introdução ao direito civil constitucional. Rio de Janeiro : Ed. Renovar, 1997, 3ª edição, passim;

            17. Grosso modo, entende-se por direito civil constitucional a conjugação do direito constitucional como as muitas vezes ultrapassadas disposições do direito civil, inclusive com a identificação de várias regras de direito privado no texto constitucional; em resumo, é a compreensão do direito civil à luz das regras constitucionais. Nos cursos de pós-graduação stricto sensu das Faculdades de Direito do Rio de Janeiro e do Paraná é que se encontram os principais autores que no Brasil versam sobre o direito civil constitucional, em especial : Gustavo Tepedio (UERJ), Francisco Amaral (UFRJ) e Luiz Edson Fachin (UFPR). Salienta-se que esse novo enfoque metodológico ainda é incipiente nos cursos de mestrado e doutorado das Faculdades de Direito de São Paulo, valendo destacar alguns nomes de civilistas que já se encontram nessa vanguarda: Rui Geraldo Camargo Viana (USP/PUCSP), Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka (USP), Silmara Chinellato de Almeida (USP), Renan Lotufo (PUCSP), Rosa Maria de Andrade Nery (PUCSP). Hodiernamente, mais do que estudar o direito civil a partir dos institutos consolidados no empirismo da experiência histórica, a responsabilidade do civilista é pensar e construir um direito civil comprometido com as diretrizes pautadas pela Constituição da República, onde o legislador constituinte enalteceu a dignidade humana (CR, art. 1º, inc. III), a proteção à intimidade, vida privada, honra e imagem (CR, art. 5º. inc. X), a função social da propriedade (CR, art. 170, inc. III), o usucapião especial – urbano e rural (CR, art. 183 caput e 191 caput, respectivamente), o novo perfil das relações de família (CR, art. 226 e segs.). Vale dizer: estes valores, dentre outros facilmente identificáveis no texto constitucional, inexoravelmente acabam impondo uma nova forma de pensar o direito civil. Versando de maneira panorâmica sobre o direito civil constitucional, vale a pena conferir algumas obras: TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. Rio de Janeiro : Ed. Renovar, 2001; TEPEDINO, Gustavo. Problemas de Direito Civil-Constitucional. Coord. Rio de Janeiro : Ed. Renovar, 2000; AMARAL, Francisco. Direito Civil – Introdução. Rio de Janeiro : Ed. Renovar, 2000, 3ª. edição; FACHIN, Luiz Edson. Repensando fundamentos do Direito Civil brasileiro contemporâneo. Coord. Rio de Janeiro : Ed. Renovar, 2000, 2ª tiragem; LORENZETTI, Ricardo Luis. Fundamentos do direito privado (Las normas fundamentales de derecho privado). Trad. bras. de Vera Maria Jacob de Fradera. São Paulo : Ed. Revista dos Tribunais, 1998; HIRONAKA, Giselda Fernandes Novaes. Direito Civil – estudos, Belo Horizonte : Del Rey, 2000; VIANA, Rui Geraldo Camargo e NERY, Rosa Maria de Andrade. Temas atuais de direito civil na Constituição Federal. Coords. São Paulo : Ed. Revista dos Tribunais, 2000;

            18. DINIZ, Souza. Código Civil alemão (traduzido diretamente do alemão). Rio de Janeiro : Ed. Record, 1960;

            19. Não confundir poder de fato, com a consideração de Savigny no sentido da posse ser considerada um fato, nem tampouco poder de direito, com as poderações de Ihering no sentido da posse ser considerada um direito. Quando se diz que a posse é um direito, está querendo se dizer que se trata de um "interesse juridicamente protegido"; logo, se a posse é um "interesse juridicamente protegido", só pode mesmo ser um direito;

            20. Cfr. IHERING, Teoria simplificada da posse..., p. 12;

            21. DINIZ, Souza. Código Civil suíço e Código Federal suíço das Obrigações (traduzido diretamente do texto original em alemão). Rio de Janeiro : Ed. Record, 1961;

            22. DINIZ, Souza. Código Civil italiano (traduzido diretamente do italiano). Rio de Janeiro : Ed. Record, 961;

            23. Código Civil Português – aprovado pelo Decreto-Lei nº. 47.344, de 25 de novembro de 1966. Coimbra : Livraria Almedina, 1998;

            24. DINIZ, Souza. Código de Napoleão ou Código Civil dos Franceses (traduzido diretamente do texto original em francês). Rio de Janeiro : Ed. Record, 1962;

            25. Salienta-se que a teoria subjetiva foi defendida por Savigny quando publicou seu Tratado da Posse (Das Recht des Besitzes) no ano de 1803, contando, à época, com apenas vinte e quatro anos de idade. Nesse sentido, CAIO MÁRIO, Insituições... p. 15;

            26. Cfr., Código Civil francês, art. 544: "A propriedade é o direito de fazer e de dispor das coisas do modo mais absoluto, contanto que delas não se faça um uso proibido pelas leis ou pelos regulamentos" (trad. SOUZA DINIZ);

            27. Cfr. Codigo Civi de la Republcia Argentina – con notas de Vélez Sarsfield. Buenos Aires : Editorial "Repertorio juridico mor" S.R.L.;

            28. Vélez Sarsfield fora categórico em admitir a influência recebida da obra de Teixeira de Freitas, o que se observa na nota com que fez chegar às mãos do Ministro da Justiça de seu país, em 24 de junho de 1865, o seu Projeto do Primeiro Livro do Código Civil: "Yo he seguido el método todo tan discutido por el sábio jurisconsulto brasilero en su extensa y doctísima introducción a la recopilación de las leyes del Brasil, separándome en algunas partes para hacer más perceptible la conexión entre los diversos libros y títulos, pues el método de la legislación, como lo dice el mismo señor Freitas, puede separarse un poco de la filiación de las ideas". (...) "Para este trabajo, (...) me he servido principalmente del Proyecto del Código Civil para España del Sr. Goyena, del Código de Chile, que tanto aventaja a los códigos europeos y sobre todo, del Proyecto de Código Civil que está trabajando para el Brasil el Sr. Freitas, del cual he tomado muchísimos artículos". Cfr. em GATTI, Edmundo. Teoria general de los derechos reales. Buenos Aires : Abeledo-Perrot, nota de rodapé "3", p. 6/7;

            29. Método chamado germânico, eis que baseado no BGB alemão. Tal sistemática fora adotada pelo Código Civil brasileiro de 1916, além de já constar tanto na "Consolidação das Leis Civis" quanto no "Esboço de Código Civil", ambos obra de Teixeira de Freitas;

            30. Texto original: art. 2351. "Habrá posesión de las cosas, cuando alguna persona, por si o por otro, tenga una cosa bajo su poder, con intención de someterla al ejercicio de un derecho de propriedad";

            31. No original: art. 2352. "El que tiene efectivamente uma cosa, pero reconociendo en outro la propriedad, es simple tenedor de la cosa, y representante de la posse del proprietário, aunque la ocupación de lacosa repose sobre un derecho";

            32. Cfr. CAIO MÁRO, Instituições... p. 45;

            33. idem;

            34. Cfr, IHERING, Teoria simplificada da posse..., p. 36;

            35. idem;

            36. Nesse sentido, CAIO MÁRIO, Intituições..., p. 46;

            37. Cfr. RT 677/132: SERVIDÃO DE PASSAGEM – TRÂNSITO DURANTE LONGOS ANOS – DIREITO SOBRE COISA ALHEIA CARACTERIZADA INDEPENDENTEMENTE DE QUALQUER FORMALIZAÇÃO – FECHAMENTO UNILATERAL DA PASSGEM "EX PROPRIO MARTE" QUE CONSTITUI MANIFESTA TURBAÇÃO – MANUTENÇÃO DE POSSE PROCEDENTE – APLICAÇÃO DA SÚMULA 415 DO STF.

            "Tratando-se de servidão de trânsito, se o dono do prédio dominante costuma servir-se de determinado caminho, aberto no prédio serviente, que se exterioriza por sinais visíveis, institui-se o jus in re aliena, digno de proteção possessória independentemente de qualquer formalidade.

            Assim, não pode o proprietário do prédio serviente fechar unilateralmente a passagem ex proprio marte, constituindo tal atitude manifesta turbação à quase posse do proprietário do prédio dominante sobre a servidão.";

            38. 1º TACivSP – AgIn nº. 656.327-7 – 6ª Câm. – Rel. Juiz JORGE FARAH – j. 05.03.1996. (RT 731/313): POSSESSÓRIA – REINTEGRAÇÃO DE POSSE – BEM MÓVEL – CONTRATO DE LOCAÇÃO VENCIDO – NÃO-RESTITUIÇÃO – ESBULHO POSSESSÓRIO CARACTERIZADO.

            "Findo o contrato de locação de bem móvel, deixa o réu de ter a posição de possuidor direto, om a conseqüente obrigação de restituir o bem, após regular notificação, sob pena de caracterizar o esbulho possessório.";

            39. 1º TACivSP – Ap. nº 482.598-5 – 4ª Câm. – Rel. Juiz CARLOS BITTAR – j. 14.10.1993. (RT 702/99): POSSESSÓRIA – INTERDITO PROIBITÓRIO – AÇÃO DESENVOLVIDA POR AGENTES DO PODER PÚBLICO PARA A DERRUBADA DE MURO, SEM O NECESSÁRIO PROCESSO, E SEM ORDEM EXPLÍCITA E ESCRITA DA AUTORIDADE COMPETENTE – INADMISSIBILIDADE – IRRELEVÂNCIA DE SEU LEVANTAMENTO ESTAR ACIMA DO PERMITIDO PELAS POSTURAS – ABUSO DE DIREITO CARACTERIZADO – SANCIONAMENTO NA TEORIA DA RESPONSABILIDADE CIVIL – PROCEDÊNCIA DO PEDIDO MATINDA.

            "A ação desenvolvida por agentes do Poder Público para a derrubada de muro no exercício da atividade fiscalizadora sem o necessário processo (due process of law) e sem ordem explícita e escrita, de autoridade competente, perturbando posse alheia, caracteriza situação de abuso de direito que recebe sancionamento na teoria da responsabilidade civil, uma vez que não se justifica a inusitada conduta nem mesmo diante de eventual injuridicidade da ação do munícipe de levantar o muro acima do permitido pelas posturas, pois fica este sujeito a sancionamento administrativo específico, descrito na própria lei da comunidade ou a medidas judiciais compatíveis, que podem culminar com a demolição, mas sob mandado judicial.";

            40. Não confundir interdito possessório com interdito proibitório. Este, é espécie do qual aquele é gênero;

            41. A respeito do assunto, cfr., a já clássica obra de MARCATO, Antonio Carlos. Procedimentos especiais. São Paulo : Malheiros Editores, 1994, 6ª edição, ps. 34/43;

            42. Cfr., nesse sentido, RAMOS, Glauco Gumerato e CURIONI, Rossana Teresa. "Perfil das tutelas de urgência no processo civil brasileiro", em Direito, Ciência e Arte – estudos jurídicos interdisciplinares. Campinas : Edicamp, 2001, em especial p. 153/155;

            43. Cfr. RAMOS, Glauco Gumerato. Da cumulação de pedidos na ação de reintegração de posse de rito especial. Jundiaí, Jornal da 33ª OAB, ago/1999, p. 06, onde sustento que, nessas hipóteses, o juiz está vinculado à concessão da medida liminar de salvaguarda da posse, não cabendo ao órgão judicante, pois, nenhuma discricionariedade quanto a se deve ser concedida, ou não, a medida liminar do art. 928 do CPC;

            44. Lei 4.591/64 (condomínio em edificações e incorporações imobiliárias) art. 3º: "O terreno em que se levantam a edificação ou o conjunto de edificações e suas instalações, bem como as fundações, parede externas, o teto, as áreas internas de ventilação, e tudo o mais que sirva a qualquer dependência de uso comum dos proprietários ou titulares de direito à aquisição de unidades ou ocupantes, constituirão condomínio de todos, e serão insuscetíveis de divisão, ou de alienação destacada da respectiva unidade. Serão, também, insuscetíveis de utilização exclusiva por qualquer condômino";

            45. TJSP – Ap 60.171-4/3 – 1ª Câm. – j. 10.08.1999 – rel. Des. Erbetta Filho. CONDOMÍMINIO – OBRAS REALIZADAS EM SUBSOLO POR CONDÔMINO – PRETENSÃO DE OUTRO CONDÔMINO À DEMOLIÇÃO DAS OBRAS, REPOSIÇÃO À SITUAÇÃO ANTERIOR E INDENIZAÇÃO POR OCUPAÇÃO INDEVIDA DA ÁREA COMUM – INADMISSIBILIAE SE QUANDO ADQUIRIU A UNIDADE A INOVAÇÃO JÁ EXISTIA E CONTAVA COM A CONCORDÂNCIA DE TODOS OS CONDÔMINOS E SE A ÁREA SÓ PODE TER FIM PROVEITOSO PARA AQUELE QUE A INOVOU.

            "É inadmissível a pretensão de condômino à demolição de obras realizadas por outro condômino em subsolo e a reposição à situação anterior, bem como à indenização por ocupação indevida de área comum, se quando adquiriu a unidade a inovação já existia e contava com a concordância dos demais condôminos, principalmente se a área só pode ter fim proveitoso para aquele que a inovou, sendo insuscetível de utilização pelos outros.";


Autor

  • Glauco Gumerato Ramos

    Glauco Gumerato Ramos

    Mestrando em direito processual na Universidad Nacional de Rosario (UNR - Argentina). Mestrando em direito processual civil na PUC/SP Membro dos Institutos Brasileiro (IBDP), Iberoamericano (IIDP) e Panamericano (IPDP) de Direito Processual. Professor da Faculdade de Direito da Anhanguera Jundiaí (FAJ). Advogado em Jundiaí

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RAMOS, Glauco Gumerato. Construção de armário em vaga de garagem de condomínio. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 191, 13 jan. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/16589. Acesso em: 19 abr. 2024.