Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/16946
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Inquérito administrativo contra membro do Ministério Público da União

Inquérito administrativo contra membro do Ministério Público da União

Publicado em . Elaborado em .

Estudo da natureza e procedimentos do inquérito administrativo pertinente ao regime disciplinar dos membros do Ministério Público da União, regrado pela Lei Complementar Federal nº 75/1993, nos seus artigos 247 a 251.

Palavras-chave: Lei Complementar Federal n. 75/1993. Ministério Público da União. Inquérito administrativo contra membro da instituição. Procedimento e formalidades.

Resumo: O artigo aborda as formalidades e procedimentos que devem ser respeitados na instauração e processamento de inquérito administrativo contra membro do Ministério Público da União.


1. Introdução

Vale proceder ao estudo da natureza e procedimentos do inquérito administrativo pertinente ao regime disciplinar dos membros do Ministério Público da União, regrado pela Lei Complementar Federal n. 75/1993, nos seus artigos 247 a 251.


2. Instauração do inquérito administrativo e prazo para conclusão

O inquérito administrativo tem caráter sigiloso, motivo por que sua instauração deve ser procedida de forma discreta, tanto que a própria Lei Complementar Federal n. 75/1993 enuncia que as publicações nele promovidas, das quais constará o número do procedimento, nem sequer veicularão o nome do membro do Ministério Público da União investigado, o qual será cientificado pessoalmente da abertura e demais intimações realizadas (art. 247, § 2º).

Tanto que, em regramento de procedimento similar ao inquérito administrativo contra membro do Ministério Público da União, cuidando da sindicância no rito da Lei federal n. 8.112/1990, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região sentenciou que "a portaria de designação da comissão de sindicância não deve conter dados que possam prejudicar a imagem dos sindicados ou indiciados." [01]

Sob outro prisma, o investigado inocente pode ter sua reputação e honra atingidas gravemente, inclusive com vazamento para a imprensa, com a desnecessária divulgação de fatos ainda em fase de apuração e quando não é ainda taxativamente definida a culpabilidade do membro do Ministério Público da União.

Julgou o Tribunal Regional Federal da 4ª Região:

A Portaria que dá ampla divulgação à imputação de fatos graves à honra e dignidade do servidor, sem qualquer apuração ou comprovação prévia das acusações, importa em flagrante desvio da finalidade do processo, violando direitos personalíssimos constitucionalmente protegidos e justificando a indenização pelos danos morais sofridos. [02]

Rememore-se que o inquérito corre reservadamente, preservando-se a imagem dos investigados, sem que o fato alcance o conhecimento público, ainda mais por ser conveniente ou fundamental, tendo em vista a elucidação satisfatória, que se observe o sigilo nas apurações, tanto que as audiências e reuniões do conselho processante deverão ser reservadas.

Em virtude dos consectários do princípio do procedimento formal [03], o inquérito administrativo deverá ser regularmente instaurado, com a devida publicação, conquanto resumida e discreta, de portaria deflagratória, na qual serão indicados três membros do Ministério Público da União, de classe igual ou superior ao do investigado, para constituírem comissão apuradora dos fatos (art. 247, caput e § 1º Lei Complementar Federal n. 75/1993).

A comissão trina investigadora, segundo a lei, poderá ser presidida pelo Corregedor-Geral do Ministério Público Militar, Federal, do Trabalho ou do Distrito Federal e Territórios (art. 247, § 1º, Lei Complementar Federal n. 75/1993).

Embora institua mera possibilidade, o dispositivo legal em apreço merece críticas. Reside, no particular, incompatibilidade, em princípio, de atribuições funcionais, na medida em que não deve a autoridade instauradora do inquérito administrativo, o Corregedor-Geral, atuar, no procedimento, também como membro e presidente da comissão instrutora, haja vista que o escopo legal é que o membro do Ministério Público da União tenha sua responsabilidade disciplinar eventual apurada com absoluta isenção e desprendimento, por isso que remeteu a competência processante para trinca disciplinar, integrada por colegas de carreira (de classe igual ou superior) do investigado, os quais desenvolverão as apurações com total desenvoltura, em busca da coleta de provas acerca da possível infração funcional cometida.

Não se recomenda que o Corregedor-Geral presida a comissão, igualmente, porque, nessa qualidade, a autoridade administrativa teria que subscrever relatório final, como membro da tríade processante, acerca da presença de elementos indicativos de responsabilidade disciplinar, ou não, para consideração do Conselho Superior do Ministério Público, o que comprometeria a paralela lavra de manifestação autônoma, em outra qualidade, diante do referido Conselho, ainda que sem direito a voto (arts. 65, I; 106, I, 174, I, LC 75/1993).

Demais, o exercício da função de membro da comissão investigativa pelo Corregedor-Geral pode implicar impasse legal no caso de a autoridade administrativa pugnar, como integrante e presidente do colegiado trino, juntamente com os outros componentes da trinca disciplinar, pelo arquivamento do inquérito, mas a proposta ser rechaçada pelo Conselho Superior, o qual, entendendo pela rejeição do parecer do colegiado e pela necessidade, sim, de instauração de processo administrativo disciplinar no caso, remeterá os autos para que exatamente o Corregedor-Geral formule súmula da acusação (art. 251, § 2º, IV, Lei Complementar Federal n. 75/1993).

Como, agora, o Corregedor-Geral, que já opinara, como membro e presidente da comissão investigadora, pelo arquivamento do inquérito, formulará súmula da acusação, rejeitando tudo o que escrevera anteriormente nos mesmos autos?

Decorre daí uma incongruência e uma situação anômala que bem poderia ser evitada com a não-participação do Corregedor-Geral do órgão do Ministério Público da União como presidente da comissão trina investigadora.

O prazo para conclusão do inquérito administrativo e apresentação de relatório final pela comissão investigativa é de trinta dias, prorrogáveis por, no máximo, igual período, num total de sessenta dias.

Após expirado o prazo máximo de 60 dias para elaboração de relatório final, caso o colegiado trino não tenha encerrado seus trabalhos, a autoridade administrativa instauradora deve editar novo ato designatório dos mesmos integrantes ou de outros membros da carreira para prosseguirem nas apurações. A prorrogação do prazo dos trabalhos, a seu turno, deverá ser promovida por publicação de ato igual ao de instauração, antes do decurso do limite temporal de conclusão do inquérito.

Somente pode haver, além disso, uma única prorrogação do prazo de apurações, devendo-se, após isso, proceder a nova designação da trinca investigatória. É a exegese que se extrai do cotejo do capitulado no art. 248, da Lei Complementar Federal n. 75/1993, quando alude à possibilidade de prorrogação, no máximo, por trinta dias do igual prazo para apurações.

A locução "no máximo" aponta que não podem suceder sucessivas prorrogações, senão somente uma vez.

A comissão de inquérito não pode prosseguir nas apurações se expirado o prazo de 60 dias, porque sua competência é temporária, vigente apenas durante a vigência do ato administrativo instaurador original ou de prorrogação.

Quaisquer atos administrativos praticados pela tríade investigadora depois do decurso do prazo de conclusão de seus trabalhos são nulos.

Sobre a matéria, referentemente à disciplina na Lei federal n. 8.112/1990, analogicamente aplicável, cabe transcrever as ponderações dos originais da 2ª edição de nosso Manual de processo administrativo disciplinar e sindicância: à luz da jurisprudência dos tribunais e da casuística da Administração Pública [04]:

20 A competência em razão do tempo da comissão de processo administrativo disciplinar e a nulidade dos atos processuais praticados depois de expirado o prazo de designação original sem prorrogação ou nova nomeação

Problema interessante concerne à natureza da competência da comissão de processo administrativo disciplinar e dos efeitos jurídicos da sua atuação processual depois de findo, sem prorrogação ou nova designação, o ato instaurador do feito punitivo.

Reza a Lei federal n. 8.112/1990:

Art. 145..............................................................................

Parágrafo único. O prazo para conclusão da sindicância não excederá 30 (trinta) dias, podendo ser prorrogado por igual período, a critério da autoridade superior.

...........................................................................................

Art. 149. O processo disciplinar será conduzido por comissão composta de três servidores estáveis designados pela autoridade competente, observado o disposto no § 3o do art. 143, que indicará, dentre eles, o seu presidente, que deverá ser ocupante de cargo efetivo superior ou de mesmo nível, ou ter nível de escolaridade igual ou superior ao do indiciado. (Redação dada pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)

...........................................................................................

Art. 152. O prazo para a conclusão do processo disciplinar não excederá 60 (sessenta) dias, contados da data de publicação do ato que constituir a comissão, admitida a sua prorrogação por igual prazo, quando as circunstâncias o exigirem.

Percebe-se que o Estatuto dos Servidores Públicos da União prevê que a autoridade administrativa competente para instaurar o processo administrativo disciplinar procederá, no mesmo ato, à designação de três servidores públicos estáveis para que processem o feito, o qual deve ser concluído no prazo de sessenta dias, admitindo-se uma prorrogação por igual prazo, quando necessário.

Na casuística da Administração Pública, sob a égide das Leis federais n. 8.112/1990 e 9.784/1999 (dispõe sobre as regras gerais do Processo Administrativo Federal, subsidiariamente aplicável, nos termos do seu art. 69, aos feitos disciplinares), comumente sucede de o prazo original de 60 dias ser insuficiente para conclusão dos ofícios processantes, em face das formalidades que devem ser obedecidas pela comissão de processo administrativo disciplinar, como a formalização de reuniões, comunicações administrativas, citação inicial do servidor acusado, intimação pessoal de testemunhas e do processado, coleta de prova pericial e outras sob o fardo da tramitação burocrática e dificultosa, inclusive de falta de recursos financeiros mesmo para publicação de editais citatórios, observância de prazo de três dias úteis de antecedência da notificação para a prática de atos processuais, etc.,.

Com efeito, a Lei federal n. 8.112/1990 capitula que o prazo para conclusão do processo administrativo disciplinar é de sessenta dias, prorrogável por igual prazo, num total de cento e vinte dias (art. 152, caput). O da sindicância é de trinta dias, dilatável pelo mesmo tempo (art. 145, par. único), num todo de sessenta dias para seu término.

O prazo para conclusão será contado do primeiro dia útil seguinte ao da publicação da portaria ou decreto de instauração do feito e nomeação da comissão, nos termos das regras de contagem estipuladas no art. 238, da Lei federal n. 8.112/1990.

Se o prazo originário de sessenta ou trinta dias para encerramento respectivo dos trabalhos do processo administrativo disciplinar ou da sindicância estiver próximo de se encerrar sem conclusão, compete ao colegiado oficiar, tempestivamente, à autoridade instauradora para a prorrogação pertinente.

Vale dizer, o conselho trino disciplinar deve diligenciar a prorrogação, a ser formalizada por ato administrativo igual ao instaurador do feito, com respectiva publicação antes do decurso do prazo original de validade da designação original.

Em virtude do princípio do paralelismo das formas, a nomeação de novas comissões ou a indicação dos mesmos integrantes do colegiado disciplinar originalmente nomeado, mediante prorrogação do prazo originário ou para continuarem nas apurações depois de expirado o lapso temporal de 60 dias, depende da indispensável publicação do específico ato administrativo da autoridade competente no Diário Oficial ou no boletim interno do órgão, da mesma forma como observado quando da instauração do feito sancionador administrativo, sob pena de ineficácia de simples despacho não publicado devidamente no meio oficial, com a repercussão de os membros do conselho processante verem suprimida a competência temporária que possuíam para atuar no feito e praticar atos processuais, a qual tem sua existência vinculada à nomeação formal por parte da autoridade administrativa competente, em ato administrativo publicado.

Ajunte-se que a prorrogação do prazo original para conclusão dos ofícios processantes só pode dar-se uma vez. É a interpretação dos dispositivos dos artigos 145, par. único, e 152, da Lei federal n. 8.112/1990.

Uma vez decorrido o prazo originário sem prorrogação, ou ainda se expirado o tempo prorrogado no total de cento e vinte dias, os membros do colegiado disciplinar original não mais podem praticar nenhum ato processual, porque finda sua competência, em razão do decurso de tempo de validade da designação. Cumpre, nessa hipótese, ser efetuado novo ato de designação de membros de colegiado processante.

Registre-se que não se pode prorrogar o prazo originário de 60 dias se ele já expirou, ou se já houve uma prorrogação.

É consabido que a competência do agente editor, como requisito de validade dos atos administrativos, pode ser determinada em razão do grau hierárquico, do lugar, da matéria, ou do tempo.

No caso da competência em função do tempo, o poder legal de agir ostentado pelo agente público varia de acordo com os pressupostos de natureza temporal fincados no ordenamento jurídico.

Por exemplo, a autoridade delegada pode exercer a competência de editar ato administrativo enquanto vigente a delegação que lhe conferiu poder para adotar medida para a qual, antes e depois da decisão delegatória, não dispunha de atribuição para executar.

Nas hipóteses de competência variável em conformidade com o fator temporal de existência, o agente público somente possui o poder de agir durante o prazo definido em lei ou ato administrativo de delegação, "verbi gratia", para atuar. Após expirado o lapso temporal de detenção provisória da competência, se o mesmo agente resolver adotar de novo a providência para a qual possuía atribuição temporária ora finda, dá-se a nulidade dos atos administrativos exarados, por incompetência.

Leciona, nesse diapasão, com maestria, o renomado tratadista do direito administrativo Agustín Gordillo [05]:

La competencia em razón del tiempo, por último, se refiere a los casos em que um órgano tiene determinadas facultades concedidas sólo durante um lapso determinado [...] si el plazo constituye um límite al ejercicio de potestades administrativas, su transgresión vicia el acto y a nuestro modo de ver corresponde la sanción de nulidad.

O igualmente notável administrativista português Marcello Caetano segue a linha doutrinal [06]:

A competência é delimitada em razão da matéria, em razão do grau hierárquico, em rezão do lugar e em razão do tempo [...] Os poderes que constituem a competência de um órgão são aqueles que a lei confere no momento do respectivo exercício. Portanto, a competência tem de ser exercida em relação ao presente [...] Se a lei confere os poderes só para serem exercidos em certas ocasiões, há que esperar que se verifiquem os pressupostos legalmente previstos. Tais são os limites da competência em razão do tempo.

Por que os servidores públicos A, B e C gozam do poder de exercer função instrutória e acusatória em processo administrativo disciplinar ou sindicância, enquanto quaisquer outros agentes públicos não? Em virtude de que houve uma designação formal, por ato de autoridade administrativa competente, para que os nomeados constituíssem um conselho processante, durante o lapso de tempo previsto em lei, qual seja de 60 dias para o processo administrativo disciplinar e de 30 dias para a sindicância, a teor do capitulado nos artigos 145, par. único, e 152, da Lei federal n. 8.112/1990.

Trata-se de nítida hipótese de competência em função do tempo. Os três servidores públicos, formalmente indicados, só ostentam a atribuição de processar o colega acusado, no processo administrativo disciplinar ou na sindicância, durante a vigência da designação oficial, por ato administrativo publicado no meio oficial, exarado pela autoridade competente.

Findo o lapso temporal de designação formal, deixa de existir a competência para praticar atos processuais, porque era condicionada em função do tempo.

Qualquer ato praticado pela trinca oficialmente nomeada depois de exaurido o prazo legal da nomeação formal resta eivado de incompetência e, logo, padece de nulidade.

A Lei federal n. 8.112/1990, efetivamente, grife-se, estipula o prazo para conclusão dos trabalhos da comissão processante em sessenta dias, no caso de processo administrativo disciplinar, prorrogáveis por igual período, num total de 120 dias (art. 152, caput), ou de trinta dias, prorroáveis por igual prazo, na hipótese de sindicância, contados da publicação do ato instaurador do feito e de nomeação do colegiado de sindicância ou de processo administrativo disciplinar, de sorte que não é mais possível a prática de qualquer ato pela trinca instrutora, após o decurso do marco temporal máximo para encerramento das atividades processuais.

Enquanto em vigor o prazo originário de 60 dias, é possível a prorrogação dos trabalhos, desde que ocorra a publicação de nova portaria, decreto ou equivalente ato designatório com esse efeito, ainda na vigência do lapso temporal original.

Após expirado o prazo originário ou prorrogado de conclusão das atividades da comissão, deverá ser publicado novo ato de nomeação do colegiado, sob pena de invalidade de todo e qualquer ato praticado pelo conselho processante antigo, assinale-se.

Amiúde se percebe, na praxe administrativa, o erro dos membros da comissão originalmente nomeada para processar processo administrativo disciplinar ou sindicância de suporem que sua competência processual seria ilimitada, isto é, que poderiam dar curso aos afazeres processuais à míngua de vigência de um ato designatório originário, de prorrogação ou de novel designação exarado pela autoridade administrativa competente e novamente publicado no meio oficial ou em boletim interno de serviço.

A competência das comissões processantes é limitada em virtude do tempo. Vale a admoestação de Marçal Justen Filho [07]:

Toda competência é limitada. Não há agente público titular de competência ilimitada. Isso deriva, em primeiro lugar, do fato de a competência administrativa estatal obedecer ao princípio da legalidade, o que significa a ausência de competência além dos limites da lei.

Em consequência, os atos administrativos praticados pela comissão, depois de findo o lapso temporal de validade originária de 60 dias para seus trabalhos, revelam-se ineficazes e inválidos, porque já expirada a competência, temporária, de seus membros para oficiarem nos autos, sendo, após isso, realizada a atividade processual por pessoas que não detinham mais poderes para atuar no feito, porquanto não publicada nova portaria de prorrogação dos trabalhos ou de novel nomeação para prosseguir nas apurações.

Corroborando esse juízo doutrinal, o egrégio Tribunal Regional Federal da 1ª Região anulou todos os atos praticados por comissão de processo administrativo disciplinar cujos trabalhos foram prorrogados por segunda vez [08]:

A Lei 8.112/980 proíbe, em seu art. 152, que a Comissão Disciplinar tenha seus trabalhos prorrogados mais de uma vez. Logo, todos os atos praticados em segunda prorrogação são nulos, tanto que até mesmo a punição imposta ao servidor, ao final dos trabalhos, acabou sendo cancelada.

Todo ato praticado por agente público sem competência é nulo, inclusive no caso de atuação realizada após o exaurimento da competência temporária outrora ostentada pelos membros do colegiado acusador, os quais subscreveram atos e colheram provas quando não mais tinham poderes legais para atuar, à míngua de designação oficial devidamente publicada no meio oficial ainda em vigor.

Daí que são inválidos, se porventura realizados após findo o prazo original de designação formal, os atos processuais de comissão que não foi reconduzida por meio de prorrogação ou de segunda, terceira designação da autoridade administrativa competente, podendo gerar graves consequências como a nulidade de interrogatório, de indiciação, do relatório final, a implicar a invalidade do julgamento e da pena posteriormente aplicada, ante o defeito procedimental causado pelo conselho disciplinar incompetente em razão do decurso do tempo.

Cabe ao presidente da comissão nomeada, portanto, velar pela prorrogação do ato de designação original antes de expirado o prazo de validade de 30 ou 60 dias, conforme se trate de processo administrativo disciplinar ou sindicância. Na hipótese de, depois de uma prorrogação, ou de decurso do prazo original sem ser prorrogado, deve-se oficiar à autoridade administrativa instauradora do feito para que faça publicar novo ato de designação da mesma comissão, com os mesmos ou com novos integrantes, para prosseguirem nos ofícios processuais. A segunda designação pode ser prorrogada uma vez, devendo-se, após, proceder a terceira nomeação da trinca disciplinar para continuar nos misteres processantes e assim sucessivamente.

Conclui-se, pois, que a comissão de processo administrativo disciplinar ou de sindicância tem competência determinada em função do tempo, em razão do que são nulos os atos praticados após o decurso do prazo original do ato de designação oficial, se não prorrogado a tempo ou à míngua de um segundo ato designatório subscrito e publicado pela autoridade competente.


3. Processamento do inquérito administrativo

O inquérito administrativo será instruído pela comissão trina designada, a qual poderá colher as declarações iniciais do membro do Ministério Público da União investigado, ouvir testemunhas, determinar a produção de perícias, realizar diligências e tantos outros meios probatórios quantos necessários para a elucidação dos fatos (art. 249, LC 75/1993).

A comissão designada, inteirando-se dos fatos e irregularidades noticiados, deve proceder à inquirição de testemunhas, dos denunciantes ou representantes, colher a oitiva dos envolvidos ou denunciados, requerer perícias, juntar documentos, realizar diligências, inspeções sobre coisas ou pessoas, além de promover todos os demais atos probatórios imperiosos para o esclarecimento do quadro fático, a fim de demonstrar autoria e materialidade das possíveis faltas disciplinares, com o propósito de pugnar pela instauração de processo administrativo disciplinar (art. 251, caput, LC 75/1993), salvo se entender que não existe responsabilidade funcional a ser infligida, caso em que opinará pelo arquivamento das peças informativas reunidas.

O inquérito decorre do princípio da moralidade administrativa, que reclama a apuração dos desvios de conduta cometidos por agentes públicos, os quais devem ser devidamente investigados para a sua elucidação, particularmente quanto à autoria e materialidade da falta, verificando-se as circunstâncias em que foi cometida e todos mais elementos pertinentes no intuito de que, se houver responsabilidade disciplinar a ser imposta, possa ser aberto o processo administrativo sancionador contra o membro do Ministério Público da União que se supõe transgressor.

O poder disciplinar da Administração Pública não é uma simples faculdade do administrador público, mas um dever indeclinável, de forma que a ocorrência de possíveis transgressões ao estatuto de disciplina funcional deve ser pronta e eficazmente esclarecida, para futura punição, na forma legal, do agente faltoso.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro [09] explica que a Administração não dispõe de liberdade de escolha entre punir ou não, porquanto, em face do conhecimento de falta praticada por servidor, está obrigada a instaurar procedimento apuratório adequado para, se for o caso, aplicar a pena cabível.

De fato, afigura-se inaceitável que a autoridade administrativa competente deixe campear a ilegalidade e a imoralidade com a indisciplina no seio da Administração Pública, motivo por que o inquérito, no regime da Lei Complementar Federal n. 75/1993, é instrumento legal de preservação da ordem e do respeito ao código disciplinar de conduta dos membros do Ministério Público da União.

Por outro lado, a prévia investigação de irregularidades mediante inquérito, além de servir à eficiência administrativa, em face do nítido esclarecimento dos fatos e da coleta das peças e elementos informativos, necessários para caracterizar a autoria e a materialidade das faltas disciplinares, concorre para a preservação da honra e da dignidade dos membros do Ministério Público da União, pois evita a precipitada instauração de processo administrativo disciplinar, sem que se tenha instruído a acusação inicial com o pleno conhecimento dos fatos pertinentes às supostas transgressões apuradas.

Essa cautela previne juízos acusatórios e condenatórios quanto a condutas tidas como violadoras da disciplina funcional, quando não se possa ter certeza da justeza da abertura de processo punitivo e da segurança de se formalizar acusação contra Procurador ou Promotor em meio a fatos obscuros, mal esclarecidos, sobretudo considerando a gravidade da instalação de feito apenador no quadro da Administração Pública e até a possibilidade de o injustamente acusado propor eventual ação de indenização por danos morais contra a pessoa jurídica de direito público cujo órgão administrativo tomou a iniciativa de acusar o agente não culpado sem legítimos fundamentos fáticos.

Daí que, em lição análoga, José Cretella Júnior sublinha que a instauração da sindicância estriba-se em razões de economia processual, de prudência e equilíbrio, de tranqüilidade e confiança e técnico-científica, consignando: "Sindicância bem conduzida, orientada por autoridade emocionalmente equilibrada, justa, honesta, independente, pouco sugestionável, constitui a melhor garantia para o Estado e para o agente público". [10] As mesmas ponderações são aplicáveis ao inquérito contra membro do Ministério Público da União.

Armando Pereira arremata com precisão:

Muita vez, por outro lado, a denúncia parece assumir gravidade enorme, e depois se apura que não passa de uma falta de menor importância. Como proceder, então? O ideal, a nosso ver, é a sindicância [...] representa uma norma de economia de vulto. O processo, além de traumatizar a repartição, envolve a movimentação de pessoal precioso e indispensável ao serviço público, por sessenta dias praticamente desviado de suas funções normais. A sindicância prévia é uma regra de cautela. É sigilosa, não constrange tanto. Não está adstrita a formalidades, é rápida, reduzindo a termo depoimentos enquanto os fatos estão "quentes", impedindo que, após, venham a ser modificadas as respectivas versões. Sempre que uma infração chega ao conhecimento da autoridade e ela não se capacita, de logo, de sua extensão e profundidade, deverá, por cautela, abrir sindicância, designando um funcionário de categoria superior e idôneo para realizá-la. Este, usando o método de concentração de provas, poderá ouvir, em depoimentos, tomados por termo resumidamente, os acusados, acusadores e testemunhas e reunir provas documentais à mão, após o que analisará em breve relatório os fatos. [11]

O processo administrativo disciplinar somente pode ser aberto com a indicação clara de um autor de uma transgressão funcional, cuja existência tenha sido demonstrada nos autos.

Não se abre processo disciplinar para verificar irregularidades cuja existência (materialidade) ou autoria são desconhecidas, porquanto o pressuposto da instauração do feito é uma acusação inicial definida sobre fato certo, em tese constitutivo de falta funcional, cometido por agente público individualizado, a fim de confirmar, ou não, a procedência do libelo vestibular, após o desforço defensório e a coleta de provas complementares pelo conselho oficial designado, certificando-se, ou não, a responsabilidade do acusado.

Não estando claros os pressupostos de autoria e materialidade da falta, cumpre ser previamente instalado inquérito para elucidar com clareza os fatos.

Mauro Roberto Gomes de Mattos [12] endossa:

"Os procedimentos disciplinares entram também nessa escalada, pois é vedada a instituição de inquérito disciplinar genérico, em que acusações vagas servem para iniciar uma devassa na vida do agente público no afã de encontrar-se prova de pseudoconduta ilícita. A sociedade clama por uma justiça administrativa séria e que, antes de mais nada, respeite os direitos e as prerrogativas dos acusados. Não é lícito e nem factível que ainda ocorram acusações genéricas contra a honra de quem quer que seja. O direito não permite procedimentos de caráter aberto, sem que haja justa causa, contra agentes públicos que renderão ou não espaço na mídia contra seus nomes. Essa garantia de inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem das pessoas retira do administrador a discricionariedade de instaurar procedimento disciplinar contra servidor público sem um mínimo de indício ou plausibilidade de acusação. Não se admite a acusação genérica, sem justa causa."

Pode suceder, todavia, que, depois de exauridas as diligências e investigações pertinentes na sindicância, não se detecte a ocorrência de infração disciplinar, ou não se defina a autoria e a materialidade do fato, o que determinará o arquivamento dos autos.

Não se admite o abuso de poder da Administração Pública em se valer da instauração do procedimento investigativo administrativo como meio de perseguição ao agente público, como reprovou o Tribunal Regional Federal da 1ª Região:

Inexistência de razoabilidade relativamente ao ato administrativo que determinou a instauração de uma terceira sindicância, para apurar supostas infrações praticadas pela impetrante, já que amplamente investigadas em dois procedimentos anteriores, que concluíram pela inocorrência delas. Configurado o abuso de poder ao submeter a impetrante a constrangimento ilegal, bem como ao fato de ter o processo de sindicância excedido o prazo legal máximo para o seu encerramento. [13]


4. Parecer da comissão e pronunciamento prévio do investigado

A despeito de não culminar com punição ao membro do Ministério Público da União, a Lei Complementar Federal n. 75/1993 institui (art. 250) louvável procedimento de oitiva do Procurador ou Promotor investigado quando encerrada a instrução do inquérito administrativo, pelo prazo de quinze dias.

O membro do Ministério Público da União tem o mais lídimo interesse de demonstrar, em seu arrazoado, depois de colhidas todas as provas pela comissão trina investigadora, que não haveria, nos autos, elementos suficientes para autorizar a abertura de processo administrativo disciplinar, por carência de materialidade ou de comprovação da autoria, assim como pode desde logo trazer ao feito alegações em torno da presença de excludentes de ilicitude ou de culpabilidade para sua conduta.

É notável a importância do pronunciamento do investigado previamente à decisão do Conselho Superior quanto à instauração, ou não, de processo administrativo disciplinar, na medida em que se antecipa o exame de matérias de defesa relevantes, inclusive a prescrição do direito de punir da Administração Pública.

Pode o investigado, outrossim, na oportunidade, expor a imperatividade de melhor e mais ampla coleta de provas para que o Conselho Superior determine novas diligências.

Caso o colegiado investigativo entenda que deva ser instaurado processo administrativo disciplinar, compete-lhe elaborar uma súmula de acusação, com exposição do fato imputado, com todas as suas circunstâncias e a capitulação legal da infração (art. 251, § 1º, LC 75/1993).

A súmula de acusação, que se assemelha em seus fundamentos, mutatis mutandis, à indiciação prevista na Lei federal n. 8.112/1990, deve veicular as provas em que a comissão se embasa para deduzir a censura quanto à conduta do membro do Ministério Público da União investigado.

A súmula de acusação também pode, em caso de endosso pelo Conselho Superior, uma vez que define o enquadramento jurídico da conduta, facilitar o reconhecimento da prescrição do direito de punir, ante o cotejo com a pena disciplinar em tese cabível e o prazo prescricional para respectiva imposição.


5. Decisão do Conselho Superior

O Conselho Superior não está vinculado à opinião veiculada pela comissão investigativa, podendo determinar o arquivamento do inquérito, recusando a instauração de processo administrativo disciplinar propugnada pela trinca autora do relatório final, como pode, de outro vértice, determinar a deflagração do feito punitivo quando o colegiado inquisitorial trino não havia reconhecido o cometimento de ilícito funcional e determinara, por isso, fosse arquivado o procedimento apuratório preliminar.

Tanto que a Lei Complementar Federal n. 75/1993 proclama:

Art. 251.............................................................................................

..........................................................................................................

§ 2º O inquérito será submetido à deliberação do Conselho Superior, que poderá:

I - determinar novas diligências, se o considerar insuficientemente instruído;

II - determinar o seu arquivamento;

III - instaurar processo administrativo, caso acolha a súmula de acusação;

IV - encaminhá-lo ao Corregedor-Geral, para formular a súmula da acusação, caso não acolha a proposta de arquivamento.

A primeira hipótese do § 2º do art. 251 do Estatuto do Ministério Público da União é a conversão do ato decisório do Conselho Superior em diligência, com vistas a que mais provas sejam colhidas para melhor elucidação do cenário fático apurado.

A instauração do processo administrativo disciplinar somente tem cabimento quando o ilícito funcional está devidamente cotejado em suas circunstâncias, autoria e materialidade, motivo por que, na falta de elemento probatório relevante, pode e deve o Conselho Superior de cada órgão do Ministério Público da União, inclusive acolhendo proposta do Procurador ou Promotor investigado, determinar a coleta de provas complementares, em ordem a firmar um juízo mais seguro e cristalino sobre a transgressão administrativa apurada.

Trata-se de reflexo do princípio da oficialidade e da verdade material na esfera do processo administrativo. Sobre a matéria já nos pronunciamos em nosso livro, no que tange à lição sobre a conversão do julgamento em diligência, o qual se roga novamente licença para transcrever [14]:

Pode a autoridade julgadora, de ofício, depois de constatar que não dispõe dos elementos necessários para julgar o feito, ou que existem falhas processuais não sanadas, além de atos probatórios produzidos com cerceamento de defesa, determinar a conversão do julgamento em diligência, com vistas a que sejam coletados os dados bastantes para a decisão do feito, ou que sejam saneados os defeitos procedimentais?

Sim. Em vista do imperativo de que o julgamento do processo deve escorar-se em motivos fáticos e jurídicos habilitantes, rende-se ensejo a que as provas úteis ou necessárias para o exame da responsabilidade disciplinar sejam providenciadas pela Administração Pública, de ofício ou a requerimento da parte, tudo para lastrear a justa solução do feito, que não pode prescindir da consideração do inteiro complexo probatório em torno dos fatos atribuídos ao acusado.

Por conseguinte, o órgão julgador não está obrigado a julgar "às cegas" ou em meio a dúvidas o feito, dada sua grave responsabilidade perante o interesse público e a justiça.

Como corolário do princípio da verdade material, é possível e mister que a autoridade julgadora, ante a falta de elemento necessário para o julgamento, ou em vista de necessidade de coleta de provas ou contraprovas, propostas justificadamente pela defesa, converta o julgamento em diligência, para a realização de novos atos processuais, especialmente quando instrutórios, porque destinados à elucidação plena do conjunto fático dos autos.

É a Lei Geral de Processo Administrativo da União que capitula:

As atividades de instrução destinadas a averiguar e comprovar os dados necessários à tomada de decisão realizam-se de ofício ou mediante impulsão do órgão responsável pelo processo, sem prejuízo do direito dos interessados de propor atuações probatórias. (art. 29, L. 9.784/99).

O órgão julgador do processo disciplinar não está adstrito às razões ofertadas pela comissão processante e pelo acusado, podendo, se entender conveniente ou necessário, determinar a designação de novo colegiado para ultimar a coleta de outras provas ou para elucidar dúvidas em torno do acervo probatório já constante dos autos, nesse caso convertendo o julgamento em diligência.

Como muito bem lembra Manoel de Oliveira Franco Sobrinho, as provas, na verdade, destinam-se ao órgão que as aprecia e julga [15], no que é aplaudido por Heraldo Garcia Vitta, que igualmente pontua: "O administrador deve procurar a verdade no processo independentemente das provas que a parte tenha produzido, e, dessa maneira, decidir pela realização de outras provas, necessárias ao deslinde da causa." [16]

É que, no processo disciplinar, em virtude do anseio pela verdade real, a idéia de preclusão, típica do processo civil, em que a perda da oportunidade de praticar ato processual implica a impossibilidade de realização do ato não requerido tempestivamente pelas partes, cede lugar à de certeza jurídica, fundamental para o julgamento de um processo do tipo punitivo.

De fato, graças ao princípio da verdade material, a Administração deve buscar a concretização da justa e adequada resolução do feito, de forma que não se pode contentar, quando insuficiente para autorizar a decisão do tema da responsabilidade do acusado, com a verdade meramente processual e as provas produzidas até o julgamento, apesar de insuficientes para elucidar os fatos, antes se impõe ao julgador administrativo a obrigação de não somente tomar conhecimento como de considerar elementos de prova ou de fato trazidos mesmo a destempo pelo processado, desde que relevantes, na medida em que se estabelece o mister de alcance da verdade real, o que endossa Daniel Ferreira. [17]

O texto da Lei federal n. 8.112/1990 também referenda a conclusão, pois atribui competência à comissão processante para tomar a iniciativa das provas para a completa elucidação dos fatos (art. 155); prevê que, depois de tipificada a falta disciplinar pelo conselho processante e de indiciado e citado o servidor para apresentar sua defesa final (art. 161, § 3º), o prazo para apresentação de defesa escrita pode ser prorrogado para diligências indispensáveis, caso da prática de verdadeiros atos de instrução, depois do término da fase instrutória, o que é evidência da adoção do princípio da verdade material, medida que seria incompatível com um sistema de produção de provas do tipo dispositivo, como o que impera, de regra, no processo civil.

Desse postulado, também em face da natureza inquisitiva da atuação disciplinar (semelhante à do processo penal), dimana a inexistência da incontornável preclusão processual a priori, típica do processo dispositivo como é o civil, porquanto o feito disciplinar administrativo colima, em última instância, a justiça e a boa aplicação do direito, as quais nunca poderão ser efetivamente atingidas com a insuficiência instrutória ou com a formação do juízo decisório mediante um convencimento lastreado numa apreensão parcial da verdade fática.

Por isso que José Armando da Costa defende que, por força do princípio da verdade material, deverá ser considerado e reunido aos autos todo elemento de prova, útil ou necessário para o esclarecimento dos fatos, produzido em qualquer fase do feito, secundando-se a preclusão processual pela supremacia do conhecimento real do acervo fático relacionado à apuração [18], no que é endossado por Léo da Silva Alves:

Quando a autoridade não se sentir à vontade para julgar com o que lhe foi apresentado, tem o direito – e o dever – de promover medidas complementares [...] em nome do princípio da precaução, há que se determinar o esclarecimento das obscuridades ou o refazimento da prova. [19]

Esse entendimento é confirmado pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: "Antes da decisão final a ser proferida em processo administrativo disciplinar, [...] cabe a juntada de documentos que noticiam fatos novos que poderiam influenciar no julgamento, em observância ao princípio da ampla defesa." [20]

No direito comparado, Marcelo Caetano assinala que a medida é expressamente capitulada nas leis disciplinares do direito português: "Quando os factos não estejam suficientemente esclarecidos ou provados, quem tenha de decidir poderá ordenar diligências complementares de instrução", inclusive para o fim de dar vista ao acusado de documentos ou fatos novos produzidos após a defesa e suscetíveis de influir no juízo sobre a responsabilidade disciplinar do servidor (sic). [21]

Egberto Maia Luz igualmente pugna pela conversão do julgamento em diligência a juízo da autoridade julgadora [22], acompanhado por A. A. Contreiras de Carvalho, que também advoga o cabimento da realização de diligências, depois de apresentado o relatório e antes do julgamento. [23]

Palhares Moreira Reis ajunta que o princípio da verdade real autoriza a Administração a se valer de qualquer meio probatório para a descoberta da verdade material, pois, no processo administrativo, a autoridade processante ou julgadora pode, até a decisão final, conhecer novas provas, ainda que produzidas em outro processo ou que decorram de fatos supervenientes [24], mesma opinião de José dos Santos Carvalho Filho [25].

A providência é encimada pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

Sendo o julgamento a última etapa do processo disciplinar, que se compõe de outras duas fases, quais sejam, instauração e inquérito (instrução, defesa e relatório) até a prolação da decisão final, pode e deve a Administração ter acesso a qualquer prova licitamente produzida para seu convencimento no momento da aplicação da sanção. Estes fatos podem ser levados ao conhecimento da autoridade competente a qualquer tempo, desde que ainda não tenha sido objeto de apreciação anterior. [26]

Muitas vezes, a realização de diligências preliminares ao julgamento visa a evitar um decreto absolutório precipitado, baseado na dúvida favorável ao réu, quando poderia ser elucidada a controvérsia ou obscuridade, em torno da culpa ou inocência do acusado, por meio de novos atos de coleta de provas, como refere Amini Haddad Campos ao consignar que o julgador não é um espectador inerte da produção das provas, mas lhe cabe intervir na atividade processual e ordenar, de ofício, antes do julgamento, a realização dos meios probatórios úteis ao esclarecimento da verdade, pois não deve, enquanto houver fonte de prova não exaurida, pronunciar a absolvição por dúvida em favor do acusado. [27]

Di Pietro ensina que, por força do princípio da oficialidade, a autoridade julgadora tem o dever de não só examinar por completo o processo para verificar sua legalidade (e, se o caso, declarar nulidade ou medidas de saneamento processual) como de determinar a realização de novas diligências que repute fundamentais para a prova. [28]

Edimur Ferreira de Faria frisa que, no processo administrativo, admite-se a produção de provas em qualquer fase, de sorte que a Administração deve fazer juntar aos autos documentos de que tenha conhecimento e que sejam úteis ao processo, até mesmo na fase recursal, admitindo-se, inclusive, o arrolamento de testemunhas e outras providências. [29] São idênticas as opiniões de Marcos Porta [30], Adriana Menezes de Rezende [31] e Egberto Maia Luz [32].

Léo da Silva Alves proclama que, no processo disciplinar, a autoridade julgadora tem "o poder de coletar a prova que desejar, independentemente de provocação dos interessados", não ficando atada somente aos documentos juntados e às testemunhas arroladas e, por isso, pode providenciar a juntada de novas provas documentais e questionar a idoneidade ou falsidade daquelas já carreadas aos autos, ouvir outras testemunhas e determinar a produção de novos elementos probatórios, ainda que não solicitados por quem acusa ou defende. [33]

8.1 Conversão do julgamento em diligência a pedido da defesa

As mesmas razões expostas no item anterior justificam a possibilidade de a defesa propor à autoridade julgadora a conversão do julgamento em diligência, para a coleta de provas ou o esclarecimento de fatos, quando decisivos para a decisão do feito.

José Armando da Costa salienta que o indiciado pode, pessoalmente ou por intermédio de procurador devidamente constituído, requerer a realização de diligências essenciais à sua defesa, as quais, uma vez indeferidas, poderão implicar a nulidade do processo. [34]

O requerimento da defesa deve ser cuidadosamente examinado para o fim de prevenir a anulação do processo administrativo disciplinar na hipótese de recusa da produção de prova justamente solicitada, em caso de pendência de cerceamento em ato processual de coleta de prova relevante para a decisão do feito ou para a comprovação da inocência do servidor, inclusive quando se trate de pedido motivado pela articulação de novas acusações, nos termos do relatório final, ou em pareceres de órgãos de assessoramento ou corregedorias ouvidas pela autoridade julgadora antes da decisão, situação em que a reação defensória se justifica plenamente no que tange à produção de contraprova ou de elucidação de obscuridade, salvo se o meio probatório viciado não interferir, em aspecto qualquer, no julgamento, por este poder ser motivado em elementos outros de convicção, regularmente produzidos.

De outro ângulo, é mister que a autoridade julgadora se acautele contra requerimentos meramente protelatórios, desnecessários ou impertinentes, deduzidos pela defesa antes do julgamento, manejados como forma de retardar o desfecho do processo e evitar a imediata decisão do feito com a possível punição do acusado, quiçá às vezes com o fito de desencadear o intercorrente óbice prescricional como resultado da manobra.

A segunda hipótese possível é de o Conselho Superior, por não vislumbrar a ocorrência de infração disciplinar ou por julgá-la justificada, eventualmente até em caso de reconhecimento da prescrição do direito de punir, determinar o arquivamento do inquérito, haja vista que não haveria elementos motivadores da instauração de processo administrativo disciplinar no caso.

Destaque-se que o Conselho Superior, no exercício de sua autonomia de análise e de juízo meritório, pode, inclusive, ordenar o arquivamento quando a comissão de inquérito anteriormente pugnara pela instauração de processo administrativo disciplinar.

A terceira situação é de o Conselho Superior endossar o parecer exposto no relatório final da comissão de inquérito e, referendando a súmula de acusação formulada, determinar a instauração de processo administrativo disciplinar contra o membro do Ministério Público da União.

Pode acontecer, em último lugar, de o Conselho Superior discordar da proposta de arquivamento ventilada pela comissão de inquérito e determinar que o Corregedor-Geral elabore súmula de acusação, orientadora da instauração de processo administrativo disciplinar.


Conclusão

De todo o exposto, conclui-se que são os apresentados os procedimentos e formalidades do inquérito instaurado contra membro do Ministério Público da União.


REFERÊNCIAS

ALVES, Léo da Silva. A prova no processo disciplinar. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003.

________. Processo disciplinar em 50 questões. Brasília: Brasília Jurídica, 2002.

CAETANO, Marcello. Manual de direito administrativo. 10 ed. rev e atual. Vol. I. Coimbra: Almedina, 2005.

CAMPOS, Hamini Haddad. O devido processo proporcional. São Paulo: Lejus, 2001.

CARVALHO, A. A. Contreiras de. Processo administrativo disciplinar. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1985.

CARVALHO, Antonio Carlos Alencar. Manual de processo administrativo disciplinar e sindicância: à luz da jurisprudência dos tribunais e da casuística da administração pública. Brasília: Fortium, 2008.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 13ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.

COSTA, José Armando da. Controle judicial do ato disciplinar. Brasília: Brasília Jurídica.

________. Prescrição disciplinar. Belo Horizonte: Fórum, 2006.

________. Teoria e prática do direito disciplinar. Rio de Janeiro: Forense, 1981.

________. Teoria e prática do processo administrativo disciplinar. 3ª.ed. rev. atual. e ampl., Brasília: Brasília Jurídica, 1999.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 17ª. ed., São Paulo: Jurídico Atlas, 2004.

FARIA, Edimur Ferreira de. Curso de direito administrativo positivo. 5ª ed. rev. e ampl., Belo Horizonte: Del Rey, 2004.

FERREIRA, Daniel. Sanções administrativas. São Paulo: Malheiros Editores, 2001.

FRANCO SOBRINHO, Manoel de Oliveira. Estudos de direito público. Brasília: Edições do Ministério da Justiça, 1977.

GORDILLO, Agustín. Tratado de derecho administrativo. 6ª edición. Tomo 3: el acto administrativo. Belo Horizonte: Del Rey e Fundación de Derecho Administrativo, 2003.

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 4 ed. rev e atual. São Paulo: Saraiva, 2009.

LUZ, Egberto Maia. Direito Administrativo disciplinar: teoria e prática. 4ª. ed. rev. atual. e ampl., Bauru: Edipro, 2002.

MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. O limite da improbidade administrativa: o direito dos administrados dentro da Lei n. 8.429/92. 4ª ed. ver. e atual. Niterói: Impetus, 2009.

PEREIRA, Armando. O processo administrativo e o direito de petição. Rio de Janeiro: Irmãos Pongetti Editores, 1962.

________. Prática do processo administrativo. 2ª ed. ampl., Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1966.

PORTA, Marcos. Processo administrativo e o devido processo legal. São Paulo: Quartier Latin, 2003.

REIS, Palhares Moreira. Processo Disciplinar. 2ª. ed. rev. e atual. Brasília: Consulex, 1999.

REZENDE, Adriana Menezes de. Do processo administrativo disciplinar e da sindicância. 2ª. ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002.

VITTA, Heraldo Garcia. Aspectos da teoria geral no direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2001.


Notas

  1. AMS – 9404482617/PR, 5ª Turma, decisão de 25.04.1996, DJ de 29.05.1996, p. 35844, relatora a Desembargadora luiza dias cassales.
  2. AC, Processo: 2001.70.00.036437-5/PR, decisão de 22.02.2005, 3ª Turma, DJU de 30.03.2005, p. 657, relator o Desembargador federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, por unanimidade.
  3. CARVALHO, Antonio Carlos Alencar. Manual de processo administrativo disciplinar e sindicância: à luz da jurisprudência dos tribunais e da casuística da Administração Pública. Brasília: Fórtium, 2008, p. 255 ss.
  4. CARVALHO, Antonio Carlos Alencar. Manual de processo administrativo disciplinar e sindicância: à luz da jurisprudência dos tribunais e da casuística da Administração Pública. Belo Horizonte: Fórum, 2010? 2011? p. ss.
  5. GORDILLO, Agustín. Tratado de derecho administrativo. 6ª edición. Tomo 3: el acto administrativo. Belo Horizonte: Del Rey e Fundación de Derecho Administrativo, 2003, p. VIII 33 – VIII 34.
  6. CAETANO, Marcello. Manual de direito administrativo. 10 ed. rev e atual. Vol. I. Coimbra: Almedina, 2005, p. 224-225.
  7. JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 4 ed. rev e atual. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 292.
  8. ACR – 9501212270, Processo: 9501212270/RO, 3ª Turma, decisão de 16.12.1997, DJ de 20.02.1998, p. 93, relator o Desembargador federal Osmar Tognolo.
  9. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 17ª. ed., São Paulo: Jurídico Atlas, 2004, p. 91.
  10. PEREIRA, Armando. Prática do processo administrativo. 2ª ed. ampl., Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1966, p. 58-59.
  11. PEREIRA, Armando. O processo administrativo e o direito de petição. Rio de Janeiro: Irmãos Pongetti Editores, 1962, p. 69-70.
  12. MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. O limite da improbidade administrativa: o direito dos administrados dentro da Lei n. 8.429/92. 4ª ed. ver. e atual. Niterói: Impetus, 2009, p. 133.
  13. AMS 1997.01.00.017331-3/AM, Apelação em Mandado de Segurança, relatora a Juíza Federal Gilda Sigmaringa Seixas (convocada), 2ª Turma Suplementar, DJ de 16.09.2004, p.28, decisão: 18.08.2004, por unanimidade.
  14. CARVALHO, Antonio Carlos Alencar. Manual de processo administrativo disciplinar e sindicância: à luz da jurisprudência dos tribunais e da casuística da administração pública. Brasília: Fortium, 2008, p. 683-688.
  15. FRANCO SOBRINHO, Manoel de Oliveira. Estudos de direito público. Brasília: Edições do Ministério da Justiça, 1977, p. 187.
  16. VITTA, Heraldo Garcia. Aspectos da teoria geral no direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 99.
  17. FERREIRA, Daniel. Sanções administrativas. São Paulo: Malheiros Editores, 2001, p. 117.
  18. COSTA, José Armando da. Teoria e prática do processo administrativo disciplinar. 3ª.ed. rev. atual. e ampl., Brasília: Brasília Jurídica, 1999, p. 53.
  19. ALVES, Léo da Silva. Processo disciplinar em 50 questões. Brasília: Brasília Jurídica, 2002, p. 50, 135.
  20. MS 2047/DF; DJ de 25.08.1997, p. 39291, relator o Min. fernando gonçalves, 3ª Seção.
  21. CAETANO, Marcelo. Manual de direito administrativo. 10ª.ed., Coimbra: Almedina, vol. I e II, p. 857-858.
  22. LUZ, Egberto Maia. Direito Administrativo disciplinar: teoria e prática. 4ª. ed. rev. atual. e ampl., Bauru: Edipro, 2002, p. 234-235
  23. CARVALHO, A. A. Contreiras de. Processo administrativo disciplinar. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1985, p. 128.
  24. REIS, Palhares Moreira. Processo Disciplinar. 2ª. ed. rev. e atual., Brasília: Consulex, 1999, p. 101.
  25. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 13ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 815.
  26. MS 6478/DF; DJ de 29.05.2000, p. 110, relator o Min. jorge scartezzini, 3ª Seção.
  27. CAMPOS, Hamini Haddad. O devido processo proporcional. São Paulo: Lejus, 2001, p. 166.
  28. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 17ª. ed., São Paulo: Jurídico Atlas, 2004, p. 545.
  29. FARIA, Edimur Ferreira de. Curso de direito administrativo positivo. 5ª ed. rev. e ampl., Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 131, 452.
  30. PORTA, Marcos. Processo administrativo e o devido processo legal. São Paulo: Quartier Latin, 2003, p. 129.
  31. REZENDE, Adriana Menezes de. Do processo administrativo disciplinar e da sindicância. 2ª. ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 28.
  32. Ibidem, p. 99.
  33. ALVES, Léo da Silva. A prova no processo disciplinar. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003, p. 18-19.
  34. COSTA, José Armando da. Teoria e prática do direito disciplinar. Rio de Janeiro: Forense, 1981, p. 336.

Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Antonio Carlos Alencar. Inquérito administrativo contra membro do Ministério Público da União. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2566, 11 jul. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/16946. Acesso em: 20 abr. 2024.