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Balística forense

Balística forense

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O problema da identificação do autor do tiro incriminado é sempre da máxima importância, quer para o investigador, quer para o juiz.

A interligação entre a arma e o crime

O problema da identificação do autor do tiro incriminado é sempre da máxima importância, quer para o investigador, quer para o juiz, em todos os casos de morte, ou lesões corporais decorrentes de impacto de projéteis de arma de fogo.

E isso se justifica na medida em que em que seja relevante estabelecer e provar de modo categórico a autoria material do(s) disparo(s) em consideração, seja para estabelecer com fundamento sólido o diferencial quanto à causa jurídica do fato delituoso (homicídio, suicídio ou acidente) ou para, no caso de ser o fato penalmente imputável a um agente, para apontar com segurança o responsável pelo mesmo.

Os exames microcomparativos são, talvez, os mais importantes, porém são também os mais demorados e os mais difíceis numa perícia que envolva a balística forense.

Tais exames servirão, na maioria dos casos, como prova suficiente para contribuir para a convicção do juiz e dos jurados na decisão sobre um determinado caso, sendo por isso que a sua importância será a seguir analisada e demonstrada.

Dessa forma, analisados os requisitos que devem ter os padrões em balística e a forma como obtê-los, será feita a análise dos meios usados para colher os projéteis-padrões (testemunhas), dos equipamentos empregados nos exames e do método para o trabalho de confronto (comparação) com o(s) projétil(éis) questionado(s), visando à identificação indireta e individual das armas de fogo.

Simultaneamente, serão também abordados os equipamentos e métodos usados na comparação de estojos-padrão com estojo(s) contestado(s), visto que a identificação indireta ou mediata da arma de fogo é feita através do estudo comparativo das características das deformações impressas por ela nos elementos de munição (projétil e estojo).

Tal contexto pressupõe a possibilidade de obter padrões para o confronto com o material questionado, o que implica a necessidade de se dispor da arma indicada ou suspeita, para produzir com ela os indispensáveis tiros de prova visando à coleta dos padrões em apreço.

Registre-se que por meio do estudo comparativo de impressões digitais encontradas em locais de crime, em muitos casos é possível afirmar-se, com segurança, que um mesmo indivíduo participou de duas ou mais infrações penais, em datas e locais diferentes, embora não se possuam elementos que permitam dizer quem é esse indivíduo.

Igualmente, é possível, por intermédio da comparação das deformações normais, presentes em dois ou mais projéteis vinculados a infrações penais distintas, demonstrar-se, categoricamente, serem oriundos de uma só e mesma arma, embora ainda não se saiba precisamente que arma, por não ter sido encontrada. Isto porque, assim como é pacífico que duas impressões digitais cujos desenhos coincidam exatamente só podem corresponder a um mesmo dedo, assim também pode-se ter como indiscutível que a presença de deformações normais convergentes, em dois ou mais projéteis, significando que foram todos expelidos por um só e mesmo cano raiado.

A identificação do atirador pela arma baseia-se no encontro de impressões digitais deixadas nas armas.

E tal impressão só será aproveitável se houver se formado em superfícies lisas, e uma vez encontradas, deve-se tomar a precaução de manipular com cautela a arma recolhida no local do crime e realizar uma fotografia das impressões.

Assim, de posse da fotografia, o perito irá revelá-la, utilizando de substâncias químicas várias, em estado de pó fino. E após a revelação, as impressões serão novamente fotografadas e terão seu tamanho ampliado, para serem melhor estudadas. Se tiver um suspeito, as impressões serão comparadas com as dele, caso contrário serão comparadas às do banco de impressões digitais, onde houver


Os resíduos do tiro nas mãos do atirador

A determinação da autoria do tiro, em casos de morte ou lesão corporal, é de vital importância. A constatação da presença, nas mãos de uma pessoa, de resíduos resultantes de um tiro, pode constituir-se em um indício diferencial entre suicídio e homicídio, quando for possível vincular esta presença a um fato concreto e determinado.

Entretanto, a presença ou ausência destes resíduos não deve se constituir no único e exclusivo elemento diferencial.

Ao ser produzido um tiro, os resíduos projetados para fora da arma saem pela boca do cano, juntamente com o projétil, pela parte anterior das câmaras, entre o tambor e o cano, e pela parte posterior das câmeras, entre a região posterior do tambor e a culatra, nos revólveres.

Os resíduos que saem das câmeras podem atingir as mãos do atirador, em especial a região dorsal dos dedos polegar e indicador, e a palma da mão. Nestas regiões é que devem ser pesquisados e revelados os possíveis resíduos de um tiro. Em tiros dados com revólveres, a quantidade de resíduos que podem atingir a mão é muito maior do que em tiros produzidos com pistolas que por serem armas fechadas e, dependendo do formato e tamanho da janela de ejeção existente no ferrolho, podem ocorrer casos em que pequena ou nenhuma quantidade de resíduos acabe atingindo a mão do atirador.

Informe-se que em tiros com submetralhadoras e armas longas a possibilidade de se encontrar resíduos do tiro nas mãos do atirador é pequena.

Em espingardas, carabinas e rifles, a situação é um pouco diferente, pois, quando estas armas forem semiautomáticas, os gases escaparão pela janela de ejeção, podendo se depositar nas mãos do atirador, dependendo da posição desta janela. Entretanto, se a arma não for semiautomática, dificilmente haverá escape de gases pela parte posterior do cano, antes que a arma seja aberta. Neste caso, a deposição nas mãos do atirador de partículas oriundas do tiro somente ocorrerá caso a arma seja aberta imediatamente após a produção do tiro.


A identificação da arma pelo projétil

Dentre os elementos de munição mediante os quais é possível a identificação mediata das armas de fogo, os projéteis são os que possuem maior soma de características indiciárias, permitindo, geralmente, o estabelecimento do nexo causal entre a lesão ou o dano material produzidos por um ou mais tiros da arma considerada, sendo os mais freqüentemente submetidos ao exame pericial.

Geralmente o projétil encontra-se no corpo da vítima ou no local do crime, sendo mais freqüente o primeiro caso.

Em qualquer das hipóteses, o perito balístico irá examinar o projétil, verificando seu peso, formato, comprimento, diâmetro, composição, calibre, raiamento, estriações laterais finas e deformações.

O calibre da arma serve para demonstrar a medida do cano, a raiação indica o tipo de arma e a estriação lateral fina individualiza a arma.

O perito ao estudar o raiamento deverá observar a sua correspondência com a arma suspeita, mencionando o seu número, a sua largura, o seu aspecto se estas são dextroversas ou sinistroversas, ou seja, se são obliquamente dirigidas para a direita ou para a esquerda.

Entretanto, a individualização da arma só ocorre com o estudo das estriações laterais finas e das deformações ocasionadas no projétil. A estriação lateral fina é produzida pelas saliências e reentrâncias que a alma do cano apresenta e passíveis de serem moldadas nas faces laterais do projétil, ao passar este forçado pelo interior do cano onde receberá também as raia.

Estas estriações têm grande importância para a identificação, pois até agora não se provou que duas armas diversas tenham impressões iguais, sendo assim, o valor positivo da igualdade das estrias entre duas balas para a identificação da arma, é grande.

Entretanto, o resultado negativo não tem valor, posto que a mesma arma possa produzir, em balas diversas, estriações inidentificáveis.

É importante salientar que a identificação só tem valor se a comparação for de um conjunto de várias estriações existentes em uma determinada superfície, das proporções e relações recíprocas das estrias entre si.

Com relação ao estudo das estrias o elemento mais decisivo do exame para a identificação da arma é a situação das mesmas, uma vez que a igualdade de situação de um conjunto numeroso de estrias semelhantes é sinal certo de identidade da arma de que proveio o projétil.


A identificação da arma pelo estojo

Outra forma de se identificar a arma utilizada no crime é pelo exame do estojo, o qual pode ser encontrado no local do crime ou no tambor da arma apreendida como suspeita, sendo que em ambos os casos este deve ser apreendido e encaminhado para exame.

O perito balístico, ao receber o estojo, determina o seu material, sua marca, seu calibre e suas deformações, para assim determinar que tipo de arma fora usada no crime.

Com efeito, esses estojos apresentam marcas mais ou menos individualizadoras da arma a que serviu daí a análise das marcas produzidas pela superfície interna do cano, marca do percussor sobre a espoleta; marca da espalda do cano sobre o talão; marca do extrator na gola do estojo etc.

Tais marcas, que variam de arma para arma, conforme o gênero desta e suas particularidades individuais serão confrontados com as que se produzam mediante tiros de prova, dados com a mesma arma suspeita.

De posse do estojo suspeito e do padrão, deve-se então levá-los ao microscópio comparador para o exame dos sinais deixados no culote do percussor.

O que realmente tem importância é a depressão em sua parte mais profunda, de maneira a esclarecer se as deformações deixadas em dois estojos foram produzidas pelo percussor de uma mesma arma. Outra característica do estojo utilizado na identificação são os sinais deixados pelo extrator e pelo ejetor que pela violência de seus movimentos, deixam marcas específicas de cada arma e acontecem no momento em que o extrator toma o estojo pela gola, puxando-o para trás, até que o ejetor o lance fora pela janela, preparando um novo disparo.


A identificação da arma pela pólvora

A pólvora pode apresentar-se queimada ou não e sendo encontrada na cápsula, na arma ou no corpo ou vestes da vítima.

O seu exame se faz através do exame de sarro, que permite verificar se o disparo foi feito com pólvora negra ou com pólvora piroxilada.

Primeiramente, observa-se o aspecto da pólvora, macroscópica e microscopicamente, pois a pólvora negra deixa no interior do cano abundante resíduo preto que passa em poucos dias a uma cor cinzenta esbranquiçada, para depois tomar o aspecto avermelhado de ferrugem. Já a pólvora piroxilada deixa pouco resíduo, de cor cinza escura, que não se altera a não ser muito depois com a ferrugem.

É graças ao exame da pólvora que os peritos podem determinar a data aproximada do último disparo da arma. E os elementos que levam os peritos a determinar a data provável do último disparo são baseados nas modificações processadas no depósito da pólvora combusta.

Tais exames atingem um tempo máximo de oito dias, devendo, então, ser realizados dentro desse prazo, todavia, o referido exame não constitui meio de certeza, ficando restrito ao campo da probabilidade.

Para tal determinação, o perito deverá examinar os resíduos da pólvora existentes na arma ou local do crime, já que todas as vezes que se atira há um depósito de resultante da combustão da pólvora que varia se esta for negra (presença de sulfetos e sulfatos) ou piroxilada (presença de nitritos e nitratos). Deve-se salientar que a umidade e a temperatura do local em que foi encontrada a arma influem nas modificações por que passa o depósito de pólvora.


A distância do tiro

As características das lesões produzidas por armas de fogo dependem sempre de dois fatores: a arma e a munição (cartucho).

Dentro da Balística dos Efeitos, o estudo da distância do tiro e dos seus efeitos tem um destaque especial, pois através do estudo dos efeitos do tiro, pesquisáveis juntos às lesões, pode-se estabelecer, em muitos casos, a que distância foi disparado um determinado tiro. (TOCCHETTO, 2009)

Os tiros classificam em encostados, a curta distância e a distância, cada um com suas particularidades. Nos tiros encostados as lesões se apresentam com bordas irregulares, estreladas. Pode estar presente um desenho na pele produzido pela queimadura da boca do cano e da alça da mira da arma.

Nos tiros a curta distância as lesões se apresentam de forma arredondada ou ovalar, bordas invertidas, zonas de contusão e enxugo aréola equimótica, e ainda as zonas de queimadura, tatuagem e esfumaçamento.

Já nos tiros a distância a sua forma pode ser arredondada, ovalar ou elíptica, as bordas da ferida apresentam irregulares ou invertidas e ainda zonas de contusão, enxugo e aréola equimótica.


A direção do tiro

A direção do tiro em relação ao corpo da vítima será indicada por duas ordens de elementos; as características do orifício de entrada e a direção do trajeto da lesão.

Na perícia para determinação da direção do tiro também é necessária a experimentação com a mesma arma e munição, tomando-se as mesmas precauções ditas com relação à distância do tiro. Deve-se lembrar que a inclinação do corpo mantida a mesma linha de visão da arma faz variar o trajeto do projétil.


O incidente e o acidente de tiro e o tiro acidental

Quando ocorre uma morte em por causa de um tiro, é muito comum que os órgãos de imprensa, antes da realização da perícia, informem que a morte ocorreu em conseqüência de um acidente de tiro ou de um tiro acidental.

A conceituação e caracterização de incidente de tiro, acidente de tiro e tiro acidental se reveste de importância especial em casos de morte ou lesão corporal.

Assim, os conceitos a seguir apresentados se restringirão aos aspectos técnicos, não levando em consideração a intencionalidade, ou não, de produzir determinados efeitos, por parte de quem está portando ou usando uma arma de fogo. O incidente de tiro ocorre quando se produz uma interrupção dos tiros sem danos materiais e/ou pessoais, por motivo independente da vontade do atirador. Na maioria dos casos, resolve-se o problema de um incidente de tiro corrigindo a causa que lhe deu origem, após sua identificação.

Entretanto há situações em que o incidente de tiro tem de ser investigado, por exemplo, na situação em que um policial, ao efetuar uma diligência necessita atirar contra um delinqüente para detê-lo ou em legítima defesa, ao ser atacado, e ocorre um incidente de tiro ao ser atacado e ocorre um incidente de tiro com a sua arma, impedindo a produção de tiros.

Em conseqüência do incidente de tiro, o delinqüente pode conseguir atirar no policial, matando-o ou ferindo-o. Nessas circunstâncias, é importante que se examine a arma do policial, para verificar qual a causa do incidente caso seja possível determiná-la.

O acidente de tiro ocorre quando se produz uma interrupção dos tiros com danos de qualquer natureza, materiais e/ou pessoais. As causas do acidente de tiro são muito variadas e dependem de fatores como a origem da arma, a munição etc.

Quando a arma é fabricada com material inadequado ou quando o mesmo não sofreu a têmpera necessária para suportar a pressão produzida pelo cartucho para ela especificado, por ocasião do tiro, a responsabilidade será do fabricante da arma. Assim, o fabricante deve sempre indicar, no cano ou em outro local da arma, por meio de gravações, qual é o cartucho que deve ser usado corretamente na arma.

Em casos de morte ou de lesão corporal grave, em que o agente vulnerante tenha seu projétil expelido por arma de fogo, ocorre com alguma freqüência a alegação de que a arma disparou acidentalmente, procurando-se, com isso, desvincular o fato de qualquer idéia de dolo ou culpa.

É necessário estabelecer a diferença entre disparo acidental e tiro acidental, pois disparar é colocar o mecanismo de disparo da arma em movimento. E, para que um disparo acidental produza um tiro acidental, é necessário que ocorra a detonação e deflagração de um cartucho e a projeção de um projétil através do cano da arma, sendo que nem todo disparo dá origem a um tiro, mas todo tiro é precedido do disparo do mecanismo da arma.

Daí o tiro acidental ser todo tiro que se produz em circunstâncias anormais, sem o acionamento regular do mecanismo de disparo, devido a defeitos ou falta do mecanismo de segurança da arma.

Esclareça-se que o tiro acidental na conceituação criminalística, que é a única aceitável em Balística Forense, corresponde àquele disparo eficaz produzido por uma arma, a qual não teve como causa determinante o acionamento normal, intencional ou não, do mecanismo de disparo da mesma.


Diferenciação entre suicídio, homicídio e acidente.

Designa-se como maneira da morte o modo ou a forma através da qual agiu o agente responsável pela causa da morte, sendo que a importância do seu estudo é indiscutível, justamente porquanto implique na interpretação jurídica da causa da morte.

Com efeito, distingue-se assim entre a morte natural, quando esta é determinada, por uma doença, e a morte violenta ou não natural, toda vez que a sua causa seja um traumatismo ou uma lesão, de origem homicida, suicida ou, mesmo, acidental.

Esta diferenciação é de extrema importância uma vez que se a morte for natural não haverá responsabilidades criminais ou civis a apurar, mas acaso a morte seja violenta, incluindo-se até os óbitos decorrentes de eventos infortunísticos, tais como, por exemplo, os acidentes do trabalho, resulta clara a necessidade de esclarecer as circunstâncias em que a mesma aconteceu, principalmente, pelas implicações jurídicas, tanto no campo cível, quanto no âmbito da legislação acidentária própria.

Contudo, os casos que mais conclamam a atenção do médico legista são aqueles em que a morte pode ter sido ocasionada pela própria vítima, em função de suicídio, suicídios a dois e homicídios-suicídios, ou aqueles outros em que a morte é o resultado da ação de outra pessoa sobre a vítima, ou seja, os homicídios, nas suas diversas modalidades.

Nestas situações, torna-se importante efetuar um preciso diagnóstico diferencial, de modo a estabelecer o verdadeiro nexo de causalidade entre as ações e os resultados. É neste momento, que se interrelacionam e se entrelaçam às múltiplas informações que se colhem e os dados semiológicos que se apuram, quer no local, quer sobre a própria vítima.

Tudo é importante, desde os antecedentes criminais, a investigação policial, o levantamento do local e do cadáver e o exame necroscópico.

Mas, também, tudo deverá ser analisado em conjunto, de modo a avaliar a verossimilhança dos dados, a coerência dos resultados e a consistência das conclusões.

Nestas circunstâncias, torna-se necessário estabelecer algumas definições úteis acerca do que seja o evento morte, em termos de classificação.

Desse modo, por homicídio, compreenda-se a ocorrência da morte de um indivíduo por ação de outrem, sob a forma dolosa, culposa ou preterintencional.

Por suicídio, tem-se a morte de um indivíduo pelas lesões que se auto inflige com o objetivo de por fim à sua vida.

Já a morte acidental ocorre quando um indivíduo falece por causas fortuitas e não previsíveis, ou que, em sendo previsíveis, não o foram evitadas por ignorância, negligência ou imprudência, isto é, por culpa.

Durante as investigações, a existência de uma destas três modalidades de morte violenta deverá ser cuidadosamente pesquisada, sendo o raciocínio balizado por certos elementos que serão, brevemente, analisados a seguir.

O exame do local em que o cadáver de uma pessoa é encontrado constitui a pedra angular da investigação. Daí a importância que tem a preservação desse local, para não prejudicar as pesquisas.

É óbvio que nem todos os casos exigem a presença do legista na cena do evento. Todavia, há situações em que o seu chamado poderá ser de utilidade para que, no local, possa avaliar o modo provável do óbito (homicídio, suicídio ou acidente) com base em indícios peculiares.

Será, também, a melhor forma de que se possa estabelecer uma razoável aproximação do momento ou horário da morte, pois, o legista, muitas vezes, pode auxiliar na reconstituição do incidente graças aos aportes médicos ou de ciências afins que poderá fornecer. Há de se levar em consideração que o legista, por força de sua formação, vê uma cena de crime com olhos diferentes daqueles dos peritos criminais e que as hipóteses que levante no local, tanto poderão ajudar às pesquisas subseqüentes, quanto ao próprio juízo, uma vez que o médico legista poderá ser chamado a prestar esclarecimentos em audiência.

Assim, ao estudar o local do crime, a verificação da desordem de móveis, móveis quebrados ou desarranjo de objetos, tem-se um forte indício de que no local houve luta perseguição ou tentativa de fuga, comuns aos homicídios.

Todavia, quando citada desordem se limita apenas à vizinhança imediata do cadáver, não permite descartar a hipótese de um suicídio e sua provocação durante a fase agônica da vítima.

Outras condições do local como, por exemplo, fechamento das portas por dentro, calafetamento de portas e janelas, achado de cartas ou bilhetes, encontro de embalagens de medicamentos, copos com restos de bebidas, podem ser extremamente úteis para direcionar a pesquisa no sentido de determinada forma de violência.

A presença de manchas de sangue e outros líquidos orgânicos são de grande interesse porquanto dados referentes à sua localização, distância em relação ao cadáver, afora sinais de arrasto, que obrigam a pensar na posterior mobilização da vítima, podem trazer subsídios inestimáveis à investigação. De mais a mais, o estudo do grupo sanguíneo das manchas, comparando-o ao da vítima, poderá esclarecer, ainda, se esse sangue lhe pertence ou é oriundo do homicida que, porventura, pode ter sido ferido durante o cometimento do seu ato.

As manchas de esperma, em geral, orientam no sentido de se estar em presença de um crime de conotação erótica. Inobstante, em alguns casos de asfixia, não é infreqüente a ejaculação tardia da vítima, o que, como é curial, nada tem a ver com violência sexual. Nesses casos, pode ser de interesse averiguar se o tipo de sêmen corresponde ou não ao da vítima, já que isto pode levar a estabelecer diferenças entre suicídio e homicídio.

A ocorrência de impressões e pegadas pode ter interesse ao se caracterizar se eram originárias da vítima ou não. Nesta segunda hipótese, o seu levantamento cuidadoso, por fotografia e/ou por moldagem, poderá auxiliar não apenas na determinação de sua origem como, também, no número de pessoas que participaram do evento. Quando as impressões ou as pegadas apresentam vestígios de sangue, é comum que a identificação ou tipagem deste será útil ao esclarecimento de sua origem, para que se saiba se é da vítima ou do vitimário.

O achado da arma no local do crime poderá servir, eventualmente, para a identificação dactiloscópica da pessoa que a utilizara. Sua presença nas proximidades do cadáver, em geral, orienta o raciocínio para o suicídio, enquanto que o seu desaparecimento é um forte indício de homicídio.

Todavia, além dos dados criminalísticos de índole geral acima mencionado, para o médico legista poderão aparecer logo numa observação detida do cadáver, elementos mais específicos que, muito embora não tenham um valor definitivo, orientarão sobre a diagnose jurídica da "causa mortis" que com maior probabilidade poderia ter ocorrido.


A balística interna, externa e a dos efeitos

A balística forense se divide em balística interna, externa e balística dos efeitos.

A balística interna trata do funcionamento das armas, da sua estrutura e mecanismo, e da técnica do tiro.

A balística externa estuda o trajeto e a trajetória, desde sua saída da arma até seu impacto ou sua parada.

E a balística dos efeitos ou balística do ferimento, manifesta-se sobre os efeitos produzidos pelo projétil disparado, incluindo, entre outros, os ricochetes, os impactos e as lesões e danos sofridos pelos corpos atingidos, sejam eles animados ou inanimados.

No que tange à identificação das armas de fogo, esta pode ser direta ou indireta. É direta quando a identificação é feita na própria arma. E indireta quando feita através de estudo comparativo de características deixadas pela arma nos elementos de sua munição.

Na identificação direta, levam-se em conta os chamados de qualificação, representados pelo conjunto de caracteres físicos constantes de seus registros e documentos, como tipo da arma, calibre, número de série, fabricante, escudos e brasões etc.

Na identificação indireta, usam-se métodos comparativos macro e microscópicos nas deformações verificadas nos elementos da munição da arma questionada ou suspeita. Dentre eles, o mais importante é o projétil, quando se trata de arma de fogo raiada. Já nas armas de alma lisa, a identificação indireta é feita nas deformações impressas no estojo e suas espoletas ou cápsulas de espoletamento. Portanto, restou evidente que é possível estabelecer-se uma interligação entre a arma de um crime e o mesmo através de elementos sutis que possam ser encontrados na cena do crime e bem analisados por um profissional competente.


A perícia como meio de prova

A perícia é o exame realizado por pessoa com conhecimentos específicos sobre matéria técnica e útil para o deslinde de casos de difícil solução, destinada a instruir os julgadores.

A perícia é em regra determinada pela autoridade policial, na fase de inquérito, pois quando a infração deixar vestígios será indispensável o exame de corpo delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado de acordo com o artigo 158 do Código de Processo Penal.

A perícia deve ser realizada com urgência, com base no princípio da imediatidade, sob pena de desaparecerem os vestígios e ser prejudicada a apuração dos fatos, mas podem ocorrer casos de sua realização no decorrer do processo.

A perícia é feita por peritos oficiais, onde houver, ou por pessoas capacitadas (peritos particulares) nomeados pelo juiz, onde não houver os peritos oficiais, de acordo com o artigo 159, § 1º do CPP. A perícia é retratada através do laudo pericial que é a exposição minuciosa do observado pelos peritos e de suas conclusões.

Ressalte-se que o laudo pericial tem valor inegável, visto que, trata-se de peça técnica, indispensável à livre convicção do juiz, já que lhe fornece elementos preciosos. De posse do laudo o juiz tem inteira liberdade de apreciação em aceitá-lo ou rejeitá-lo, no todo ou em parte.

O exame de corpo de delitoé uma modalidade de perícia, sendo a atividade voltada para a captação dos vestígios deixados pelo crime.

Tal exame pode ser direto ou indireto, sendo direto se depender de inspeção ocular sobre elementos sensíveis que permaneceram atestando a prática delituosa, ou indireto, quando se forma por depoimentos testemunhais acerca da materialidade do fato e de suas circunstâncias.

A perícia como meio de prova tem valor relativo, já que no processo penal todas as provas têm esse valor, devendo ser examinada pelo juiz em conjunto com outras provas e não separadamente de acordo com o artigo 155 do CPP.

Logo, com base no trabalho pericial é que se demonstrará que a Balística Forense é um dos instrumentos legais mais adequados à ciência criminal na elucidação da autoria de crimes em que tenha havido o disparo de armas de fogo.


A Justiça e a Balística Forense

A Balística Forense é uma disciplina integrante da Criminalística que estuda as armas de fogo, sua munição e os efeitos dos tiros por elas produzidos, sempre que tiverem uma relação direta ou indireta com infrações penais, visando a esclarecer e provar sua ocorrência.

A Balística Forense, por meio dos exames, das perícias, objetiva provar a ocorrência de infrações penal, mas, também e, principalmente, esclarecer o modo, a maneira como ocorreram tais infrações. Seu conteúdo é, por natureza, eminentemente técnico, mas sua finalidade específica é jurídica e penal, motivo pelo qual recebe a denominação de Balística Forense.

A perícia de Balística Forense, além de servir como meio de prova, tem um valor todo especial, pois dela depende, em muitos casos, a condenação ou absolvição de um acusado que cometeu uma infração penal com arma de fogo.

Nota-se, assim, que a Justiça marcha lado a lado com a Balística, na dissolução dos delitos em que o emprego da arma de fogo foi usado, pois a Balística com suas técnicas dão assistência à Justiça para atribuir a prática das violações das leis aos seus verdadeiros autores.

Dessa forma a Balística Forense é aquela parte do conhecimento criminalístico e médico legal que tem por objeto, especial, o estudo das armas de fogo, da munição e dos fenômenos e efeitos próprios dos tiros destas armas, no que tiverem de útil ao esclarecimento e à prova de questões de fato, no interesse da justiça penal como civil.

Ademais, tem-se como certo que sem a apreensão e perícia de uma arma, não há como se apurar a sua lesividade e, portanto, o grau de risco para o bem jurídico que envolva a integridade física alheia.

Ao ensejo é interessante observar como que a Balística Forense, por meio da necessidade de realização de laudo pericial, manifesta-se por meio da jurisprudência:

Para a caracterização da majorante prevista no art. 157, §2º, I, do Código Penal é necessário que a arma de fogo seja a apreendida e periciada. Precedentes".

(BRASÍLIA. STJ. Habeas Corpus 102785/SP, rel. Ministro O. G. FERNANDES, DJe 20/10/2008. Disponível em https://www.tjmg.jus.br/juridico/jt_/inteiro_teor.jsp?tipoTribunal=1&comrCodigo=24&ano=8&txt_processo=935656&complemento=1&sequencial=0&palavrasConsulta=arma de fogo perícia prova do disparo&todas=&expressao=&qualquer=&sem=&radical=. Acesso em: 30 jun. 2010)

Em razão do cancelamento da Súmula n. 174 deste Tribunal, para o reconhecimento da presença da causa de aumento de pena prevista no art. 157, § 2º, I, do Código Penal, mostra-se indispensável a apreensão da arma de fogo e a realização de exame pericial para atestar a sua potencialidade lesiva, quando ausentes outros elementos probatórios que levem a essa conclusão. Precedentes do STJ".

(BRASÍLIA. STJ. REsp 1052780/RS, Rel. Ministro Jorge Mussi, DJe 06/10/2008). Disponível em https://www.tjmg.jus.br/juridico/jt_/inteiro_teor.jsp?tipoTribunal=1&comrCodigo=24&ano=8&txt_processo=935656&complemento=1&sequencial=0&palavrasConsulta=arma de fogo perícia prova do disparo&todas=&expressao=&qualquer=&sem=&radical=. Acesso em: 30 jun. 2010)

Desse modo, tem-se como evidente que o exame pericial da arma de fogo seja indispensável, em algumas situações, uma vez que compete à autoridade policial informar acerca das características da arma, sua potencialidade lesiva e recenticidade de disparos.

Junte-se a isso que é pelas características da arma que se sabe se ela é de uso proibido ou permitido e é por sua potencialidade lesiva que se saberá também se ela está em funcionamento ou se é obsoleta.

E, pela recenticidade de disparo, saber-se-á se ela foi utilizada para a configuração do delito autônomo de disparo de arma de fogo.

Portanto, diante de todo o exposto ao longo do trabalho em tela é que se tem como certo que a Balística Forense é essencial como instrumento jurídico na elucidação da autoria de crimes efetuados com disparos de armas de fogo, por revelar, tecnicamente, o modo, a maneira, o tipo de munição e os efeitos dos tiros que posam envolver um homicídio de autoria ainda duvidosa, contribuindo para a realização da Justiça, por permitir a punição daqueles que violaram as leis penais, notadamente, no que tange aos crimes contra a vida.


Referências

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Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GONDIM, Robertha Nascimento. Balística forense. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2628, 11 set. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17376. Acesso em: 24 abr. 2024.