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Direito Penal Constitucional: da formação dos Estados modernos à política de criminalização como forma de controle social

Direito Penal Constitucional: da formação dos Estados modernos à política de criminalização como forma de controle social

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SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO 2. ORIGEM DOS ESTADOS MODERNOS; 1.1. Conceito e Origem do Estado Moderno; 1.2. A Nação e o Estado Moderno; 3. ESTADO ABSOLUTISTA; 3.1. Conceito e Origem do Estado Absolutista; 3.2. Principais características do Estado Absolutista; 3.2.1. Crise e Queda do Estado Absolutista; 4. ESTADO LIBERAL; 4.1. Conceito e Origem do Estado Liberal; 4.2. Primeira Crise do Estado Liberal; 5. FORMAÇÃO DO ESTADO CONSTITUCIONAL; 5.1. Conceito e Origem; 5.2. Estrutura do Estado Constitucional; 5.3. Uma nova idéia de Estado; 6. POLÍTICA CRIMINAL DO SÉCULO XIX; 6.1. Algumas considerações; 6.2. Características da Política Criminal do Século XIX; 7. A CRIMINALIZAÇÃO COMO NECESSIDADE DE EXPANSÃO DOS MECANISMOS DE CONTROLE SOCIAL; 7.1. Algumas Considerações; 7.2. O Direito Penal como mecanismo de Controle Social; 7.3. A Psiquiatria e o urbanismo como mecanismo de Controle Social; 8. CONCLUSÃO; 9. BIBLIOGRAFIA

RESUMO

O presente trabalho trata de abordagens a aspectos constitucionais penais, vistos sob o foco de uma política criminal que tem se mantido em constante mutação, onde se buscaram conceitos e características dos Estados Modernos, como o Absolutista e o Liberal. Assim, verificou-se a aplicação de uma política criminal de natureza segregante posta a serviço do poder econômico pujante do século XIX em detrimento de direitos e garantias fundamentais da sociedade de então. Desta forma, no seio dessa política criminal estatal, verificou-se também a vertiginosa expansão dos mecanismos de controle social, sob a égide de um Estado denominado Constitucional.

PALAVRAS-CHAVES: Direito Penal, Direito Constitucional, Ciências Criminais, Política

Criminal, Criminologia.


1.INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por escopo fazer uma perfunctória abordagem no campo do direito constitucional como um todo. Para tanto, a partir de tópicos relacionados à formação dos Estados Modernos, fruto da sucumbência do Sistema Feudal, procurou-se abordar aspectos relacionados à formação do Estado Absoluto, o primeiro modelo de Estado Moderno. A crise e a queda do absolutismo e, na mesma esteira, a ascensão e crise do Estado Liberal até os primeiros sinais da formação do Estado Constitucional mereceram destaque no presente trabalho.

Outro relevante tópico é o que diz respeito a um novo modelo de Estado que surge das entranhas da América Latina, que é o Estado Plurinacional, que desponta como opção aos modelos que estão postos há mais de um século. De outra banda, foram abordados tópicos acerca da política criminal do século XIX, bem como a intensa e maléfica política de criminalização da conduta humana, como meio de controle social, a exemplo da psiquiatria e do urbanismo.


2.ORIGEM DOS ESTADOS MODERNOS

2.1.Conceito e Origem do Estado Moderno

Sempre que pensamos na origem do Estado Moderno é preciso que tenhamos em mente a existência de um modelo anterior, nesse caso o imediatamente anterior, que é o Sistema Feudal. Assim, acreditamos que a origem do Estado Moderno historicamente encontra-se nos derradeiros suspiros do Sistema Feudal. Para entendermos um pouco mais sobre esses últimos suspiros vale recordar que a maioria da população européia era eminentemente agrária e vivia sob a égide do Sistema Feudal e toda a sua máquina descentralizada, daí o número exagerado de Feudos. Com o inchaço do número de servos e a estamentalidade características do Sistema Feudal, pequenos comerciantes nômades montavam suas "barracas" nos arredores dos grandes muros que protegiam os castelos e ali comercializavam suas mercadorias, que em parte eram produtos oriundos de outros países e que faziam parte de uma gama de primeiras necessidades. Chamadas de burgos, essas feiras, levadas a cabo pelos burgueses [01], passaram a concentrar em torno de si, grande importância, pois enriqueciam e acumulavam riqueza e poder, o que passou a chamar a atenção dos príncipes que viam neles um meio de fortalecerem seu poder diante dos senhores Feudais detentores até então de todo o poder sobre os povos sob seu comando. Com o tempo os burgos foram crescendo cada vez mais, chegando ao ponto de tornarem-se cidades, o que enfraquecia o poder dos senhores feudais e chamava a atençãotambém da nobreza aristocrática. Essa é, a nosso ver, uma das gêneses da formação dos Estados Modernos, bem como do Capitalismo.

É certo que não há consenso rumo a uma resposta satisfatória e capaz de precisar o nascimento do Estado Moderno, no entanto, é possível trazer à baila algumas opiniões de historiadores que marcadamente contribuíram e têm contribuído par o entendimento da referida matéria. Segundo João Carlos Brum TORRES, citando ANDERSON [02], tratando das transformações ocorridas quando da crise do Sistema Feudal, o que teria havido seria a concentração do poder feudal, deslocado do nível senhorial e municipal, para o rei, doravante tido como soberano. [03]

Outra idéia que se verifica no meio acadêmico é a de que o Estado Moderno teria se originado logo após a queda do Império Romano. É dizer que a forma feudal constitua-se num modelo de Estado. A essa idéia nos opomos com certa veemência, pois a levá-la em conta, temos que considerar a inexistência de um mundo ocidental completamente esfacelado e desestruturado politicamente. Vale lembrar que em virtude das invasões bárbaras terem significado a inserção de uma nova cultura e modelo político ao antigo Império Romano, a completa mescla ainda demoraria muito para acontecer, principalmente porque o povo nativo havia fugido para os campos e as cidades foram tomadas pelos bárbaros. Entretanto, autores como Samuel Finer, não hesitam em defender essa idéia de formação medieval e consideram como Estados Europeus, modernos os que emergiram após a quebra da comunidade política romana e assim a considerar um reino medieval como uma forma de Estado e o processo de construção do Estado como algo que teve lugar entre uma origem na Idade Média primeira e os dias atuais. [04]

Provavelmente não conseguiremos de forma literal um conceito para Estado Moderno, mas podemos dizer que o Estado como conhecemos hoje é um Estado Moderno, isto porque possui os pilares que norteiam a existência de um Estado diferente do modelo que antecedeu o Estado Moderno. Assim, o Estado atual, dito Estado Constitucional, possui sua gênese fincada em bases absolutistas, aliás, o Estado Moderno nasceu sob estruturas absolutistas e como veremos, isto fez parte de uma necessidade vital de estruturar o modelo de Estado que surgiu com o fim da Idade Média, em bases filosóficas e sociológicas absolutistas que de certa forma foi fator preponderante para sua sobrevivência como modelo de organização social do homem.

Nas lições de Perry Anderson [05], tratando da transição do sistema feudal para o Estado Moderno aduz que essa mudança teve como resultado um deslocamento para cima da coerção político-legal em direção a um topo centralizado e militarizado – O Estado Absolutista. Diluído ao nível municipal (village level) ele tornou-se concentrado a nível nacional. Essa é, pois, a tônica do modelo de Estado Absolutista.

Nesse diapasão vimos que os principais países da Europa sucumbiram a um modelo centralizador ao extremo não por uma questão de opção entre outros modelos, mas com a segurança de que ou se fazia daquele jeito ou não se teria como fazer. Maquiavel, a esse respeito, aduziu que para a Itália, por exemplo, por uma questão de sobrevivência política, ela precisava construir um Estado centralizado, no qual o rei tivesse poderes absolutos. Assim, para a instalação e continuidade do Estado moderno era importante que este não fosse tutelado por nenhuma instituição, livrando-se também da interferência controladora da Igreja Católica [06]. Nascia aí para os Estados Modernos a idéia de um Estado laico o que no caso da Itália e muitos outros países da Europa demoraria muito para ser posta em prática, aliás, no caso da Itália, ainda é muito forte o abraço dado pelos dogmas católicos, pois é em seu coração que se encontra fincado o Estado do Vaticano, o corpo material central do catolicismo universal.

Pode-se dizer também que o Estado Moderno nasceu da idéia do lucro, do acúmulo de riquezas, conforme se verifica no Mercantilismo. Essa idéia de acumular riquezas como forma de estruturar-se como Estado centralizador, serviu também para fomentar o desenvolvimento interno com advento das fábricas, no caso da Inglaterra, e externo, com o advento das Colônias sob a plenitude do Mundo Novo, como no caso da Inglaterra também. Sobre essa ganância fazendo parte da natureza do homem, conforme menciona REZENDE, Maquiavel é bem claro e direto ao aduzir que os homens, em geral, são ingratos, volúveis, simuladores e dissimuladores; eles furtam-se aos perigos e são ávidos de lucrar. Enquanto você fizer o bem para eles, são todos seus, oferecem o próprio sangue, as posses, as vidas, os filhos. Isso tudo até o momento que você não tem necessidade. Mas quando você precisar, eles viram as costas. [07]

2.2. A Nação e o Estado Moderno

A idéia de um Estado Moderno surge a partir da consciente ou não adesão da figura da Nação como detentora de direitos e obrigações. Vemos que essa idéia de nação trouxe a concepção de um verdadeiro Estado Moderno, calcado em novos e aplicáveis princípios que surgiram com o advento da Revolução Francesa, que não foi somente uma revolução de fato, nem de direito, mas principalmente uma revolução de idéias. Assim, na declaração do Frimário [08], feita imediatamente após a Revolução observamos uma significativa e oportuna mudança em relação à declaração anterior. JOUVENEL [09] chama a atenção para o fato de que no texto oferecido por Sieyès [10], em junho de 1789, sequer aparecia a palavra a palavra Estado. Entretanto, na Nova declaração lê-se: "Os poderes por ela instituídos serão fortes e estáveis, como convém à garantia dos direitos dos cidadãos e dos interesses do Estado". (grifo nosso).

Ainda segundo JOUVENAL [11], ao dizermos que se trata de idéias novas, não queremos afirmar que não tinham tido antecedentes, que fosse um nihil ex nihilo, mas sim que eram uma coisa totalmente diversa do que eram antes. Nesse sentido, uma idéia nova é a de nação. Antonio Paulo e Maria Tereza aduzem que a formação do Estado nacional moderno não deve ser vista apenas como um rompimento com o Sistema Feudal, politicamente descentralizado, e o início de novas práticas de poder. As modificações na atuação do Estado não correspondiam apenas às mudanças nas relações econômicas, mas também à intenção de assegurar a manutenção do poder sobre as massas camponesas [12]. Há de ressaltar ainda alguns aspectos históricos que contribuíram para o fortalecimento da formação do Estado Moderno, por exemplo, na França, como os sinais de fraqueza da Espanha, sendo um dos mais importantes a vitória da Inglaterra de Elizabeth I sobre a Invencível Armada Espanhola. De outra sorte, o fato de a história da monarquia francesa ter se originado nos tempos feudais foi preponderante para a estruturação do Estado, visto seu caráter concentrador e dominador. Não se pode deixar de falar neste diapasão da guerra dos cem anos, travada contra a mesma Inglaterra, o que fez surgir o sentimento de identidade nacional, fundamental para o estabelecimento de um Estado uno. Também a Concordata de Bolonha [13] serviu para o fortalecimento do poder do Rei e, consequentemente, para a estruturação do poder estatal.


3.ESTADO ABSOLUTISTA

3.1.Conceito e Origem do Estado Absolutista

O Estado absolutista precisa ser visto e entendido, a nosso ver, como um modelo de transição do Sistema Feudal ao Estado Liberal, com o brilhantismo de uma Revolução Francesa como recheio. Como sabemos, dentre as diversas características do feudalismo, tem-se a estamentalidade social e a centralização do poder. Essas duas características e tantas outras que foram incorporadas pelos reis absolutistas, apoiada pela aristocracia que, para variar, beneficiava-se com o novo modelo de Estado, serviram para fortalecer o Absolutismo. Aliás, essa aristocracia é a mesma que se beneficiará do Estado Liberal e se beneficiava do Sistema Feudal, Império Romano, etc.. Obviamente há autores que defendem não se tratar de um simples Estado de transição, ao se referir ao Estado Absolutista. Destarte, cremos na transicionalidade simbólica representada pelas monarquias absolutistas ocorridas do século XV ao século XVIII, tendo chegado ao fim com o advento da Revolução Francesa, o que abriu espaço para a chegada do Estado Liberal e suas concepções humanitárias.

3.2. Principais características do Estado Absolutista

Uma das primeiras características do absolutismo surge da própria denominação absolutismo, que vem de absoluto [14], que por sua vez, etimologicamente origina-se do latim solutus ab omni re, que significa em si por si. Conforme mencionado, o absolutismo surgiu como alternativa ao modelo posto: o feudalismo. Este, nos seus derradeiros momentos que foram marcados por crises diversas como a peste negra, pela fome e pelas constantes guerras, deu início a um novo modelo de Estado apoiado, principalmente pela burguesia, que ansiosa por modificações no sistema de pesos e medidas e na unificação da moeda, uniu-se aos reis, fazendo surgir, assim, Estados fortes e modernos, como ocorreu com a França, Inglaterra, Espanha e Portugal, porém, absolutistas. Daí dizermos que o Estado absolutista ficou marcado, como o primeiro estágio do Estado Moderno.

Nesse contexto, devemos nos valer da idéia de necessidade de estruturação do modelo de Estado que surgia e, logicamente, ainda com fortes características feudais, como a centralização administrativa e o exercício do poder controlador e violento por demais. Sustentados por teóricos famosos como Maquiavel e Hobbes, o Estado Absolutista foi responsável pela sobrevivência e manutenção dos novos Estados-Nações que surgiam à época.

O italiano Maquiavel, como sua doutrina de que os fins justificam os meios fomentou a tomada de decisões duras e desconfortáveis do ponto de vista político, mas tidas como necessárias para a manutenção do poder do príncipe. Esta idéia de poder pelo poder, é uma das principais marcas do absolutismo. De outra sorte, o modelo de administração defendido por Maquiavel, vai ao encontro do modelo de Estado que se avizinhava e que foi muito bem representada por Thomas Hobbes na sua monumental obra Leviatã. Tratando da definição e afirmação de um Estado forte, Hobbes prega a necessidade de efetivação de um pacto uns com os outros, como meio para o fortalecimento de uma unidade nacional. Para Hobbes [15], littheris:

... Isto é mais do que consentimento ou concórdia, é uma verdadeira unidade de todos, numa única e mesma pessoa, realizada por um pacto de cada homem com cada homem, de maneira que seria como se cada homem dissesse a todo homem: autorizo e cedo meu direito de governar-me a este homem, ou a esta assembléia de homens, com a condição de cederes teu direito a ele, autorizando todas as suas ações da mesma maneira.

Outros teóricos também deram sua contribuição à formação de um Estado absolutista, entre eles podemos destacar Bodin, Bossuet e Grotius. Entretanto, Hobbes e Maquiavel foram os que mais se destacaram, tidos até hoje como os mais importantes.

A respeito desse modelo controlador e extremamente centralizador de Estado, Antonio Paulo e Maria Thereza [16] trazem em sua obra palavras de Luis XIV, o Rei Sol, que segundo ele, littheris:

Enganam-se muito os que imaginam que se trate apenas de questões de cerimônia. Os povos sobre os quais reinamos, não podendo penetrar a fundo nas coisas, costumam regular o seu juízo pelas aparências que vêem, e o mais das vezes medem seu respeito e obediência segundo as procedências e as posições. Como é importante que o público seja governado por um só, também importa que quem cumpre esta função esteja de tal forma elevado acima dos outros que ninguém possa confundir ou comparar com ele; e, sem prejudicar o corpo inteiro do Estado, não se pode retirar do seu chefe a mínima marca da superioridade que o distingue dos membros. [17]

Como Aduzem os mesmos autores [18], que as palavras de Luis XIV sintetizam a concepção de poder do Estado Absolutista. Elas deixam evidente que as cerimônias da corte não serviam apenas para o divertimento, sendo um recurso utilizado pelo rei para fortalecer sua imagem de superioridade perante os súditos e fazer convergir para sua pessoa todas as atenções.

3.2.1.Crise e Queda do Estado Absolutista

Antes de abordarmos os principais aspectos da crise do Estado Absolutista, devemos recordar que ele surgiu em virtude de uma espécie de crise econômica pela qual passava a Europa, ocorrida nos séculos XV e XVI (auge). Com o esfacelamento do Sistema Feudal, crescia a importância da burguesia que, para continuarem assim, foi procurar proteção junto aos reis, que por seu turno, necessitavam do apoio da burguesia para seu próprio fortalecimento e afirmação. Lembremos também que na economia o Sistema inicial vigente era o mercantilismo, cujos principais características eram o acúmulo de capital (pedras preciosas) e uma balança comercial favorável. Nessa esteira, com a proteção do Estado Absolutista, que tudo controlava e regulamentava, a burguesia sentiu-se à vontade, para acumular riquezas e ganhar importância junto àquele modelo de Estado.

Assim, com o Estado absolutista tendo controle da economia mercantilista, a burguesia enriqueceu bastante, aliás, enriqueceu tanto que em meados do século XVIII não tinha mais para onde ir, pois se esgotara as perspectivas de crescimento sob as atividades manufatureiras, surgem então os primeiros sinais da crise que se avizinhava. De fato, a burguesia acordara também para uma realidade que era ela quem trabalhava e, consequentemente era ela a detentora do capital e mais, era ela quem financiava o Estado Absolutista dos reis, digamos, inoperantes e preguiçosos.

Outro fator preponderante para a instalação da crise foi a realidade econômica da época: A produção manufatureira havia chegado ao seu limite máximo, assim, novas técnicas deveriam surgir e os meios de produção precisavam ser industrializados e não mais manufaturados. Àquela altura, a burguesia necessitava de um Estado que não mais interviesse na economia e, para tanto, passaram a pregar a aplicação de um sistema mais liberal, ou seja, uma economia liberal. Surgiam assim as forças antagônicas que iriam permear os movimentos políticos por um Estado também liberal, que era a realidade política sob a égide de um Rei Absoluto e a necessidade de uma economia liberal. Essas forças, unidas a diversos outros fatores, vão motivar a burguesia a fomentar, na Inglaterra a Revolução Gloriosa e posteriormente na França, onde a revolução que ficaria marcada por ter sido a mais significativa da história do homem, cujas idéias: igualdade, liberdade e fraternidade, ainda hoje inspiram sentimentos de liberalidade em todo o mundo.

Destarte, a queda do Estado Absolutista está intrinsecamente ligada à Revolução Francesa, que com seu advento, iniciam o sentimento de liberdade que colocaria em cheque a continuidade das monarquias absolutistas. As idéias de que somente o Estado poderia intervir na economia e que o poder do Rei era algo divino, não mais resistia aos tempos que se aproximava. Ávida por estabelecer-se como força política, a burguesia procurou novos sustentáculos para opor-se à idéia de um poder real, divino e absoluto. Para tanto, aliou-se aos pensadores financiados e por vezes protegendo-os. Pensadores como Locke e Rousseau apoiaram os anseios da burguesia e deram aos movimentos de então o toque da razão que contribuiu para por fim ao obscurantismo de então. Por fim, estruturados por concepções puramente racionais, visando instituir um Estado Liberal, os burgueses vão à luta para derrubar o Estado Absolutista, o que acontece, no caso dos franceses, com a grande Revolução e no caso da Inglaterra, bem antes, com a Revolução Gloriosa.


4.ESTADO LIBERAL

4.1. Conceito e Origem do Estado Liberal

Os primeiros sinais da idéia de um Estado Liberal surgiram na Inglaterra, como dissemos, quase dois séculos antes da Revolução Francesa. Em que pese termos nos acostumados a ter como referência de berço do liberalismo a Revolução Francesa, é fato que temos que nos reportar à Inglaterra do século XVII, quando em 1640 foi deflagrada a Revolução Puritana e menos de cinquenta anos depois, em 1688 a Revolução Gloriosa. Vale mencionar que esses dois movimentos revolucionários do século XVII foram levados à cabo pela burguesia insatisfeita com a estagnação manufatureira o que corroborou para a concepção e implementação da Revolução Industrial.

Entretanto, o advento das Revoluções na Inglaterra e da Revolução Francesa trouxe profundas modificações em todas as áreas do conhecimento humano, mas principalmente na economia e na política, entretanto, não se pode deixar de anotar o grande salto que deu os direitos humanos e nesse diapasão, o desenvolvimento e a aplicação de uma política criminal capaz de atender os anseios dos povos, conforme mencionaremos adiante. Assim, diz-se um Estado Liberal, aquele onde a presença estatal na economia, como regente desta, é meramente figurativa, sem a influência maléfica tão condenada pela burguesia. Sob os ditames filosóficos e sociológicos, como o pensamento de economistas como Adam Smith, a sociedade avançou em sua plenitude econômica, com uma burguesia cada vez mais influente nas grandes decisões do Estado.

4.2.Primeira Crise do Estado Liberal

Os gritos liberais emanados da França do final do século XVIII foram ouvidos em todo o mundo ocidental. Ainda no início do século XIX, precisamente durante as 4 primeiras décadas, a Europa inteira seria questionada pelos ideais liberais e humanitárias. Exemplo disto é o da década de 20 do século XIX, quando se instituiu uma grande onda revolucionária que atingiu países como a Grécia, Itália, Portugal e Alemanha. Até mesmo do Brasil os gritos por ideais libertários foram ouvidos e atingiu seu ápice com a independência que foi proclamada em 1822.

Da mesma sorte que o Sistema Feudal e o Estado Absolutista, adotando os mesmos métodos e política daquele, sucumbiram-se ante às transformações sociais e as necessidades de aplicação de políticas econômicas alinhadas aos novos tempos, também o Estado Liberal e suas políticas estavam ameaçadas. Com maior liberdade de expressão o mundo ocidental ainda pagaria muito pelas conquistas liberais, e o primeiro grande sinal veio com o advento das Revoluções de 1848 e culminaria com o início da Primeira Grande Guerra no ano de 1914, tido por muitos historiadores, como o real início do século XX. Nesse contexto histórico é que surgem os primeiros sinais, de forma mais contundente da crise no Estado Liberal. Como afirma Hobsbawm [19], houve o colapso dos valores e instituições da civilização liberal cujo progresso seu século tivera como certo, pelo menos nas partes "avançadas" e "em avanço" do mundo. Esses valores, segundo ele, eram a desconfiança da ditadura e dos governos absolutos.

A crise do Estado Liberal pode ser verificada, principalmente nas primeiras décadas do século XX. Hobsbawm alude que nos vinte anos de enfraquecimento do liberalismo nem um único regime que pudesse ser chamado de liberal democrático foi derrubado pela esquerda. Segundo ele, o perigo vinha exclusivamente da direita. E essa direita representava não apenas uma ameaça ao governo constitucional e representativo, mas uma ameaça ideológica à civilização liberal como tal e um movimento potencialmente mundial, para o qual o rótulo "fascismo" é ao mesmo tempo insuficiente mas não inteiramente irrelevante. [20] Desta forma, a idéia de um Estado Liberal ideal passaria a ser questionada depois da Primeira Guerra Mundial. Com a Alemanha e a Itália arrasadas e humilhadas pelos artigos impostos no Tratado de Versalhes, esses dois países abririam espaço para uma onda de atividades nacionalistas ávidas por mais guerra e vingança. Em relação a esses movimentos do início do século XX, Hobsbawm aduz que eles devem ser vistos como parte do declínio e queda do liberalismo na Era das Catástrofes. [21]

Na Itália, sob a liderança de Mussolini, teve início o período fascista que levaria aquele país a adotar uma postura cada vez mais beligerante, a exemplo da Alemanha de Hitler e seu Mein Kampf (Minha Luta), que da mesma forma encontraria na corrida armamentista o caminho para dar a volta por cima no pós-guerra. Entretanto, o auge da crise do Estado Liberal e suas concepções se deram após a terça-feira negra da crise de 1929 nos Estados Unidos da América. O povo americano que vivia nos auspícios de um modelo de Estado que estava dando certo, sucumbiu às intermináveis filas por pão e emprego. A crise, de tão forte, não se limitaria aos Estados Unidos da América, mas se espalharia por todo o mundo, principalmente pela Europa que ainda tentava se reerguer dos escombros deixados pela Primeira Grande Guerra.

O desfecho da grande depressão americana foi a intervenção estatal em massa na economia, fazendo recordar o período absolutista. O mundo estava, mais uma vez às volta com o fantasma da presença do Estado nas entranhas das grandes decisões econômicas, promovendo, com isto, uma grande onda de estatização, sendo seguido pela Inglaterra, a principal parceria americana na Europa. Por seu turno, Itália e Alemanha continuavam firme rumo ao fortalecimento nacionalista do Estado, fazendo lembrar o Leviatã de Hobbes. Calcadas por idéias e ideais racistas segregacionais, essas duas nações, principalmente a Alemanha nazista, levaria o mundo à Segunda Grande Guerra Mundial e o deixaria com manhas e chagas ainda mais profundas que as da Primeira Guerra Mundial. Assim, o Estado que emergiu do pós-guerra foi de características ainda mais centralizadoras, pois não se concebia mais idéias como as de Adam Smith, mas sim idéias protecionistas e controladoras da economia, pois o que importava era o reerguimento das nações sob o forte controle estatal, por ser medida indispensável ao crescimento da economia. Somente na segunda metade do século XX, sob a liderança de Jimmy Carter, nos Estados Unidos, é que o liberalismo começou a voltar à tona. Entretanto, somente com Ronald Reagan nos Estados Unidos e Margareth Thatcher na Inglaterra, foi que o novo liberalismo começou a atingir seu apogeu e mais uma vez o Estado, com a implementação de políticas desestatizantes, afastava-se da economia implementado novamente uma economia de mercado de forma livre, mas não tão plena como antes.


5.FORMAÇÃO DO ESTADO CONSTITUCIONAL

5.1.Conceito e Origem

O Estado Constitucional é uma concepção moderna de Estado, na qual se procurou justificar um modelo de Estado que fosse submetido ao direito e às garantias desses direitos aos cidadãos. Assim, chama-se de constitucional um Estado onde não haja confusão de poderes, onde não haja confusão de leis e onde as instituições que o compõem funcionem em todas as suas plenitudes. Como afirma CANOTILHO [22], o Estado Constitucional, para ser um Estado com as qualidades identificadas pelo constitucionalismo moderno deve ser um Estado de direito democrático. Ainda, segundo Canotilho, o Estado de Direito e o Estado Democrático são as duas grandes qualidades do Estado Constitucional.

O Estado Constitucional, desde sua gênese é caracterizado pela estreita relação com o direito, ou seja, sua própria razão de ser constitucional é supedaneada por ele estar fincado em concepções fáticas de direito. Assim, como aduz CANOTILHO [23], a concretização do Estado Constitucional de direito obriga-nos a procurar o pluralismo de estilos culturais, a diversidade de circunstâncias e condições históricas, os códigos de observação próprios de ordenamentos jurídicos concretos. O termo juridicamente estatal utilizado por Canotilho, é justamente o que dá suporte e face constitucional ao Estado depois que eles alcançam a "domesticação do domínio público" que é o controle do povo por meio de um Estado organizado e estruturado no direito. Segundo o mestre CANOTILHO [24], a "domesticação do domínio público" pelo direito faz-se de vários modos e por isso, deveremos ter cuidado em identificar conceitos como Rechtsstaat, Rule of Law, État legal, não obstante todos eles procurarem alicerçar a juridicidade estatal.

Com o advento do Estado Moderno, surgido sobre os escombros do Sistema Feudal e fruto do enlace da burguesia com os reis, temos o início das hegemonias absolutistas. Caucado no caráter eminentemente absoluto, dominador e controlador do antigo sistema feudal. Destarte, falar de um Estado Constitucional nesse período pode ser extremamente prematuro, até porque não era a realidade européia de então. O Constitucionalismo moderno, marcado por direitos sociais escritos não teve vida fácil nas mãos dos monarcas absolutistas, que por sua vez passaram a travar uma árdua queda de braço com a burguesia que desejava além do poder econômico, também o poder político, o que viria a conseguir de forma plena com o advento das revoluções.

Com as revoluções inglesas e a francesa, o Constitucionalismo passou a ser realidade na Europa. Não podemos deixar de fora desse contexto a Independência dos Estados Unidos, promovida pelas treze colônias e com a precisa e malfadada ajuda dos militares franceses. É desse período de revoluções que surgem a Carta Magna na Inglaterra e a Declaração dos Direitos do Homem na França, que serviriam de esteio e modelo para a institucionalização do constitucionalismo nos novos Estados. Desta forma, o constitucionalismo moderno ficou marcado pelos avanços promovidos pela implementação idéias como a do reconhecimento de que o poder emana do povo e por ele deve ser exercido. A esta concepção some-se a rigidez constitucional tão presente nos primeiros tempos do constitucionalismo. Não obstante à carência de um modelo ideal de constituição há que se reconhecer que num primeiro momento houve a afirmação da idéia de um Estado de direito, do princípio de uma democracia representativa e da dignidade da pessoa humana.

5.2.Estrutura do Estado Constitucional

O Estado Constitucional, a fim de que não venha a ser considerado apenas uma abstração de semântica, precisa estar calcado em legitimidade constitucional. Essa legitimidade constitucional advém de uma plataforma de sustentabilidade jurídica, amparada pelo apoio do povo que é quem legitima o poder desse Estado, que por sua vez, para estar constitucionalmente em consonância com os ditames modernos precisa estar amparado sobre o tripé da legalidade, qual seja a Soberania Popular, Jurídica e Organização Estatal. A primeira é aquela que acontece por vontade do povo, exercida pelo livre exercício da democracia e que faz jus ao fato de que todo poder emana do povo. Vemos isto nos sufrágios nacionais típicos dos países democráticos. A parte jurídica é caracterizada pelo próprio Direito, sendo exercido em toda a sua plenitude, ou seja, dando suporte e garantia constitucional ao Estado. Destarte, trata-se da parte legal do Estado Constitucional e por que não dizer de sua própria razão de ser constitucional. A última parte do tripé é a organização estatal, que é a facticidade com que se organiza e se estrutura o Estado, ou seja, é a representação da organização e da distribuição do poder entre os diversos atores internos com o fim de seu pleno exercício. Diríamos ser uma espécie de estado de pacificação social. Em que pese a existência de diversos modelos de Estado, como os citados por Canotilho, acreditamos no modelo que funciona atendendo os anseios do povo, portanto, cremos num Estado onde até o soberano tenha o seu poder limitado pelo direito, sob pena de descaracterizar-se o dito Estado Democrático e Constitucional.

5.3.Uma nova idéia de Estado

Em que pese o grande avanço que representou o Estado Constitucional desde sua gênese com o fim do Sistema Feudal, a Europa e o Mundo Novo ainda experimentam momentos de grande depressão constitucional e desequilíbrio social. Na Europa, por exemplo, grupos nacionalistas de extrema direita têm se beneficiado do Estado Democrático de Direito e têm instituído conceitos de radicalismo dirigido às minorias, no sentido de eliminá-los como meio de aumentar a gama de recursos estatais que a eles, nacionalistas são destinados. No Mundo Novo, principalmente na América Latina, países como a Argentina, que instituiu políticas de socialização no Exercito Nacional, com a implementação de cursos de direitos humanos às tropas, tem mostrado grande disposição de mudanças. Também a Bolívia, que por meio de uma reforma na Constituição, instituiu profundas modificações que deram uma nova "cara" ao Estado Nação de Evo Morales.

Esse novo modelo de Estado o douto professor JOSÉ LUIS QUADROS, chama de Estado Plurinacional. Segundo o mestre, o Estado Plurinacional reconhece a democracia participativa como base da democracia representativa e garante a existência de formas de constituição da família e da economia segundo os valores tradicionais dos diversos grupos sociais (étnicos e culturais) existentes. [25]

Ainda segundo o professor MAGALHÃES [26], littheris:

A grande revolução do Estado Plurinacional é o fato que este Estado constitucional, democrático participativo e dialógico pode finalmente romper com as bases teóricas e sociais do Estado nacional constitucional e democrático representativo (pouco democrático e nada representativo dos grupos não uniformizados), uniformizador de valores e logo radicalmente excludente.

Não bastasse as significativas mudanças implementadas no governo de Evo Morales, a Carta Magna Boliviana ainda prevê a criação de um Tribunal Constitucional plurinacional, o que abrirá espaço para que outros países, principalmente da América Latina, possam da mesma forma instituir as necessárias modificações constitucionais em busca de um Estado que seja mais justo e justificado do ponto de vista social.


6.POLÍTICA CRIMINAL DO SÉCULO XIX

6.1.Algumas considerações

Antes de tratarmos de aspectos mais dogmáticos da Política Criminal do século XIX, faz-se necessário que entendamos a gênese de tais políticas como, por exemplo, os fatores que tornaram necessária a implementação de políticas de controle. Nesse sentido, trazemos a baila o conceito de política criminal de MIR PUIG, que ensina que a política criminal, num primeiro sentido, consiste naquele setor da política que guarda relação com a forma de tratar a delinqüência: Se refere ao conjunto de critérios empregados ou a empregar no tratamento. [27] A Europa do século XIX era um mundo que vivia o auge do liberalismo e da Revolução Industrial, ambos originados da poderosa Inglaterra abastecida por volumosas quantias de pedras preciosas acumuladas desde o mercantilismo, principalmente oriundas do gigante latino americano chamado Brasil.

O cenário europeu totalmente diverso daquele do final da Idade Média foi um dos principais fatores que fez surgir a necessidade de implantarem-se políticas públicas de controle social. Lembremos que a Europa da época da crise do feudalismo era um lugar onde a maior parte da população vivia nos campos e assim, não trazia grandes problemas para as cidades. Ocorre que, com o advento da crise do feudalismo, do iluminismo, das grandes revoluções como a francesa, mas principalmente em virtude da Revolução Industrial. Com o êxodo rural a todo vapor, a exemplo das máquinas, as cidades foram inchando o contingente populacional e com isso foram aumentando também os problemas sociais, como, por exemplo, o aumento dos índices de criminalidade que se tornaram cada vez mais alarmantes, fazendo surgir a necessidade de se pensar novas soluções com o incremento de políticas criminais. A preocupação era, assim, o desenvolvimento de políticas que coibisse qualquer conduta desagradável (ilícitas) que pudesse descambar para uma conduta desagradável (ilícita) que pudesse descambar para uma conduta ainda mais grave, era assim, um modelo mais arcaico do programa tolerância zero da Nova Iorque do final do século XX.

6.2.Características da Política Criminal do Século XIX

Na esteira do positivismo o século XIX foi berço para o surgimento de muitas ciências importantes para a humanidade. Supedaneadas por um positivismo que beirava a exacerbação, as ciências novas afirmavam-se e ganhavam cada vez mais espaço. É assim que a criminologia, sob concepções absolutamente positivistas passa a ter grande influência no meio social da época. Era uma espécie de busca de verdade na forma material. Assim a primeira grande característica da Política Criminal do século XIX é seu caráter marcadamente positivista, sob o esteio dos estudos de Lombroso. A esse respeito, PABLOS_MOLINA menciona a lição de Kaiser que segundo o qual o positivismo criminológico, permite delimitar, no final do século XIX, o objeto específico de uma nova disciplina: A Criminologia. Lombroso, Garafalo e Ferri iniciam as hostilidades contra a ciência penal clássica, provocando a denominada guerra das escolas. [28] Ainda segundo KAISER [29], o positivismo potencia ao máximo o estudo etiológico do crime, a busca científica e suas causas.

Assim, tendo à frente as idéias lombrosianas, a política criminal daquela época foi caracterizada por uma metodologia que pode ser denominada de positivismo caucado num antropologismo lombrosiano, segundo o qual a origem do crime reside no próprio delinqüente como sujeito diferente dos demais, por razões congênitas e hereditárias. Há de se registrar que outra corrente de pensamento dividia espaço com as idéias de Lombroso, era a teoria criminal sociológica, para quem todo mundo é culpado, exceto o criminoso. Esta é a corrente que vingará e se desenvolverá no século XX. Como aduz GARCIA-PABLOS, a política criminal do século XIX ficou marcada pela forte centralização exercida por um controle rigoroso e fechado, com especial destaque para a afirmação de instituição de segregação, como a criação dos grandes asilos, dando início aos grandes encarceramentos.

Destarte, por todos os motivos mencionados e por tantos outros, a política criminal do século XIX surge como um meio de controle social que no primeiro momento se mostrou muito eficaz, atendendo os anseios da época. Liszt, por exemplo, aduzia que ao passo que a política social toca suprimir ou limitar as condições sociais do crime, a Política Criminal só tem que ver com o delinqüente individualmente considerado. [30] Como solução para o problema do aumento da violência e a conseqüente ineficácia das penas de prisão que eram aplicadas, LISZT sugere que o legislador substitua, tanto quanto for possível, o trabalho forçado sem encarceramento, penas principais relativas à honra, proibição de freqüentar as tavernas, prisão doméstica, castigos corporais ou que pelo menos agravando-as, lhes dê a força de intimidação que presentemente não tem. [31] Para Liszt essa é uma das necessidades da política criminal de seu tempo.


7.A CRIMINALIZAÇÃO COMO NECESSIDADE DE EXPANSÃO DOS MECANISMOS DE CONTROLE SOCIAL

7.1.Algumas Considerações

Encerrado o processo de formação dos Estados Modernos teve início uma gama de preocupação com a formação de um sistema penal, como forma necessária para o controle social. Tem início, assim um processo de criminalização, cujo principal objetivo é exercer forte controle das massas, incriminando-as e encarcerando-as a fim de mitigar o problema social vigente. Nessa esteira Zaffaroni fala de um processo de criminalização primária, que para ele, é um programa tão imenso que nunca e em nenhum país se pretendeu levá-lo a cabo em toda a sua extensão e nem sequer em parte considerável, porque é inimaginável. [32]

Zaffaroni explica que todas as sociedades contemporâneas que institucionalizam ou formalizam o poder do Estado, selecionaram um reduzido grupo de pessoas a fim de impor-lhes a lei e as sanções desta. [33] A essa seleção Zaffaroni chama de criminalização que deve ser levada a cabo como meio de controle social. Citando Schneider, o douto jurista argentino aduz que, littheris: El proceso selectivo de criminalización se desarrolla en dos etapas, denominadas espectivamente, primaria y secundaria. [34] Para Zaffaroni, a criminalização primária é o ato e o efeito de sancionar uma lei penal material, que incrimina ou permite a punição de certas pessoas. Por criminalização secundária, o mestre argentino diz ser a ação punitiva exercida sobre pessoas concretas, que tem lugar quando as agencias policias detectam uma pessoa, a que se atribua a realização de certos atos que foram criminalizados primariamente. [35]

7.2.O Direito Penal como mecanismo de Controle Social

É de comezinho conhecimento que o Direito Penal é o ramo do direito que foi concebido para o controle social, talvez por isso se explique seu caráter sancionador e desta forma intimidador. Nessa esteira, Zaffaroni e Pierangeli ensinam que o sistema penal é a parte do controle social que resulta institucionalizado em forma punitiva e com discurso punitivo. [36] O Sistema Penal, assim mencionado pelos autores acima, como eles esclarecem, é o controle social punitivo institucionalizado.

Na sociedade moderna vigoram leis e normas de condutas que servem para a manutenção mínima do controle social e, nesse diapasão, o direito penal ocupa lugar de destaque dentro de um sistema de controle global das pessoas. Assim, o controle social penal como afirma GARCIA-PABLOS, é um subsistema dentro do sistema global desse controle social. [37] Com efeito, acreditamos que dentro desse subsistema mencionado está o direito penal, funcionando como a mão de ferro do Estado, aquela que não assopra depois de bater. Entretanto, nessa concepção, não há que se atribuir ao direito penal papel maior do que deve ter, pois o resultado é por demais danoso para a sociedade e para o próprio direito penal, enquanto ciência. Bem interpreta essa situação o professor Muñoz Conde, citado por Paulo Queiroz, quando aduz que num tal contexto, o direito penal representa apenas a ponta do iceberg, em que o que não se vê (as primeiras instâncias primárias de controle social) é talvez o que realmente importa. [38] Ainda na lição de Muñoz Conde acerca de o direito penal ser apenas a ponta do iceberg, não podemos deixar de considerar que o papel do direito penal é o mais severo e ardoroso antes aos demais institutos de controle social, como por exemplo a psiquiatria e o urbanismo, como veremos a seguir.

Por fim, ser a ponta do iceberg não confere tanta primazia, ao contrário, é como o prego que se mostra ante aos demais, só leva martelada. Assim tem sido o direito penal, pois conferir lugar de tanto destaque como fez o legislador, deixou-o à mercê de todo um conjunto de críticas que o tem debilitado ao longo do tempo, dado a relevância ocupada ante às demais ferramentas de controle social.

7.3.A Psiquiatria e o urbanismo como mecanismo de Controle Social

A exemplo do direito penal, também a psiquiatria e o urbanismo foram largamente utilizados como meio de controle social numa época – final do século XIX para início do século XX – em que as ciências modernas estavam florescendo. Portanto, não resta dúvida que o racismo e outras formas de discriminação foram importantes no processo de controle das massas populacionais, exercendo papel relevante. O que ocorreu foi que tanto a psiquiatria quanto o urbanismo foram aos poucos inseridos, de forma política e socialmente, no seio das sociedades em todo o mundo. No caso da psiquiatria, por exemplo, revelou-se "eficaz" ferramenta de controle nas mãos do Estado. Veja-se, por exemplo, os casos da Alemanha nazista e da União Soviética sob Psikhushka. Nesse contexto, não podemos nos esquecer da África do Sul e sua política de apartheid que é um bom exemplo de onde a psiquiatria foi utilizada tanto como forma de controle social quanto política.

Quanto ao urbanismo como meio de controle social é uma idéia por demais sedimentada na sociedade. Se a psiquiatria ocupa lugar de destaque na mencionada segregação racial, o urbanismo, da mesma forma, ocupa lugar de grande relevância, pois atua tanto na segregação racial quanto na espacial. Isto porque, saindo de sua função social mais óbvia e elementar, que é zelar pela boa qualidade de vida das pessoas, o urbanismo, quando do seu nascimento como campo científico, na passagem do século XIX para o século XX, foi utilizado como ferramenta de segregação espacial, pois dado o inchaço populacional da época, era óbvio que as cidades não comportariam a demanda populacional.


8.CONCLUSÃO

O controle social por meio de políticas estatais não é um fenômeno novo na história da humanidade, ao contrário, conforme se verificou no decorrer do presente trabalho, o Estado, desde sua formação moderna, ocorrida após a Idade Média, esteve às volta com problemas relacionados ao inchaço populacional e seu efetivo controle. Desta forma, conclui-se que o Estado não tem conseguido cumprir com seu papel constitucional no sentido de implementar políticas criminais eficazes. Nesse sentido, veja, por exemplo, as políticas criminais do século XIX e seguintes, que não tiveram o condão de fazer valer as garantias aos direitos inalienáveis dos cidadãos. Conclui-se também que a utilização da criminalização, da psiquiatria e do urbanismo, como meio de controle social, se mostrou inapta aos objetivos almejados. Por fim, vale ressaltar as modificações constitucionais que vêm ocorrendo em países da América Latina, como a Bolívia, onde se percebe o nascimento de um novo modelo de Estado capaz de agregar as reais necessidades dos diversos povos que o compõem, o denominado Estado Plurinacional.


BIBLIOGRAFIA

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http://pt.wikipedia.org/wiki/Burguesia.

http://pt.wikipedia.org/wiki/Absoluto.


Notas

  1. A burguesia é uma classe social que surgiu nos primeiros séculos da Idade Média na Europa (séculos XI e XII) com o renascimento comercial e urbano. Dedicava-se ao comércio de mercadorias (roupas, especiarias, joias) e prestação de serviços (atividades financeiras). Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Burguesia.
  2. ANDERSON, Perry. Leneages of the Absolutist State, Verso Edition, Londres, 1979, pg. 18 – Edição brasileira: Linhagem do Estado Absolutista, Brasiliense: São Paulo, 1986.
  3. TORRES, João Carlos Brum, Figuras do Estado Moderno, Representação Política no Ocidente, CNPq, Brasiliense, 1989, pg. 40.
  4. TORRES, João Carlos Brum. Idem, pg. 46. Nesse sentido, ver "State – and Nation – Building in Europe: The Role the Military", in Tilly, Charles (ed.), The Formation of National States in Western Europe, Princeton University Press, Princeton, 1975, p. 85.
  5. ANDERSON, Perry. Ob. Cit. pg. 19.
  6. REZENDE, Antonio Paulo, DIDIER, Maria Tereza. Rumos da História: História Geral e do Brasil. – São Paulo: Atual, 2001, pg. 141.
  7. Idem.
  8. Frimário (frimaire em francês) era o terceiro mês do Calendário Revolucionário Francês que esteve em vigor na França de 22 de setembro de 1792 a 31 de dezembro de 1805. Fonte: pt.wikipedia.org/wiki/Frimário.
  9. JOUVENEL, de Bertrand, As origens do Estado Moderno. Tradução de Mamede de Souza Freitas. Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1978, pg. 113.
  10. Emmanuel Joseph Sieyès (Fréjus, 3 de maio de 1748 - Paris, 20 de junho de 1836) foi um político, escritor e eclesiástico francês. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Emmanuel_Joseph_Siey%C3%A8s.
  11. JOUVENEL, de Bertrand. Idem, pg. 114.
  12. REZENDE, Antonio Paulo, DIDIER, Maria Tereza. Ob. Cit. Pg. 141.
  13. Documento assinado pelo rei francês Francisco I e pelo papa Leão X, garantia ao rei o direito de nomear pessoas de sua confiança para cargos de prestígio na Igreja da França – o que diminuiu a interferência do papa na política interna do país.
  14. Absoluto vem do latim solutus ab omni re, compreendendo o que é "em si e por si", independentemente de qualquer outra consideração ou condição: é a quinta-essência da abstração, a essência e o termo da generalização. "Assim o absoluto foi considerado por uns como a idéia, como a verdade, como o princípio fundamental, de que derivam todos os outros, como o Ser por excelência, princípio e causa de tudo quanto existe,ao passo que para outros, apenas representa uma pseudo-idéia (Hamilton), "Uma noção vazia de sentido" (Renouvier). Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Absoluto.
  15. MORRIS, Clarence. (Organizador). Os Grandes Filósofos do Direito. Tradução: GUARANY, Reinaldo. Martins Fontes, São Paulo: 2002, pg. 115.
  16. REZENDE, Antonio Paulo, DIDIER, Maria Tereza. Ob. Cit. Pg. 140.
  17. RIBEIRO, Renato Janine. A Etiqueta no Antigo Regime. Brasiliense. São Paulo, 1989, pg. 94.
  18. REZENDE, Antonio Paulo, DIDIER, Maria Tereza. Ob. Cit. Pg. 141.
  19. HOBSBAWM, Eric J. A Era dos Extremos: o breve século XX: 1914-1991. Tradução: Marcos Santarrita.Revisão Técnica: Maria Célia Paoli – Companhia das Letras, São Paulo: 1995, pg. 113.
  20. Idem. pg. 116.
  21. Bis Idem, pg. 138.
  22. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 6ª Ed. Livraria Almeida, Coimbra, 2002, pg. 93.
  23. Idem.
  24. Bis, idem.
  25. MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Bioética no estado de direito plurinacional . Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2386, 12 jan. 2010. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/14151>. Acesso em: 08 abr. 2010.
  26. Idem.
  27. MIR PUIG, Santiago. Derecho Penal – Parte General. Euros Editores, Buenos Aires, Argentina: 1984, pg. 50.
  28. GARCIA-PABLOS de Molina, Antonio. Tratado de Criminologia. 1ª Ed. – Santa Fé: Rubinzal_Culzoni, 2009, Tomo I, pg. 361.
  29. KAISER, Günther. Criminologia. Uma introducción a sus fundamentos científicos. Tradução por José Belloch Zimmerman. Madrid: Espasa-Calpe, 1983, pg. 24.
  30. LISZT, Franz von. Tratado de Direito Penal Alemão. Traduzido por José Higino Duarte Pereira – Russell Editores. Campinas: 2003, pg. 153.
  31. Idem.
  32. ZAFFARONI, Eugênio Raul. Derecho Penal: Parte General. Alejandro Slokar y Alejandro Alagia – 2ª edición. Ediar Sociedad Anónima Editora, Buenos Aires, Argentina, 2002, pg. 07.
  33. ZAFFARONI, Eugênio Raul. Idem.
  34. Bis Idem.
  35. Idem. Bis. Idem.
  36. ZAFFARONI, Eugênio Raul. PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro, Vol. I: Parte Geral. 8ª Ed. rev. e atualizada. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, pg. 65.
  37. Ob. Cit. pg. 211.
  38. MUÑOZ CONDE, Francisco. Derecho Penal y Control Social. Fundação Universitária de Jerez, Jerez. 1985, pg. 17. Fonte: http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article/viewFile/17161/16725#_ftn2.

Autor

  • Antonio Sólon Rudá

    Jurista brasileiro, especialista em ciências criminais, MSc student (Teoria do Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Portugal); Ph.D. student (Ciências Criminais na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra - Portugal); Autor da Teoria Significativa da Imputação, apresentada na obra "Fundamentos de la Teoría Significativa de la Imputación", publicada pela Editora Bosch, de Barcelona, Espanha, onde apresenta um novo conceito para o dolo e a imprudência sob a filosofia da linguagem, defendendo o fim de qualquer classificação para o dolo, e propõe classificar a imprudência consciente em gravíssima, grave e leve. É advogado e autor de diversas obras jurídicas como: Breve historia del Derecho Penal y de la Criminología, cujo prólogo foi escrito pelo Professor Doutor Eugenio Raúl Zaffaroni; e Dolo e Imprudência, um viaje crítico por la historia de la imputación. Todos publicados pela Editora Bosch, Barcelona, Espanha.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RUDÁ, Antonio Sólon. Direito Penal Constitucional: da formação dos Estados modernos à política de criminalização como forma de controle social. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2636, 19 set. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17441. Acesso em: 19 abr. 2024.