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A aplicação da teoria da encampação em sede de mandado de segurança

Da Dogmática jurídica tradicional ao pós-positivismo.

A aplicação da teoria da encampação em sede de mandado de segurança. Da Dogmática jurídica tradicional ao pós-positivismo.

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I.Introdução.

Definido como ação constitucional de natureza civil, direcionada contra atos de natureza diversa, o mandado de segurança tem suas raízes na realidade brasileira a partir da chamada "teoria brasileira do habeas corpus", formulada por meio da reforma constitucional de 1926, do art. 13 da lei n. 221/1894 e do instituto dos interditos possessórios [01].

Já no direito comparado, a inspiração deriva do habeas corpus e dos writs do direito anglo-americano, bem como do juicio de amparo do direito mexicano [02].

A evolução do tratamento do remédio constitucional em apreço nos textos constitucionais resultou na atual dicção do art. 5º, LXIX, da Constituição Federal de 1988, que assim preceitua:

Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.

A literalidade do dispositivo supracitado aponta requisitos básicos para o manejo do mandamus, sendo eles o caráter subsidiário da medida, a existência de direito líquido e certo, a prática de ato ilegal ou abusivo e a participação de autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.

Especificamente quanto ao último elemento, referente à autoridade ou agente da qual emana o ato violentador de direito líquido e certo, é que tem aplicação a chamada "teoria da encampação", a qual surge através de uma interpretação ampliativa acerca da legitimidade passiva da ação constitucional do mandado de segurança.

Diante da importância da evolução doutrinária e jurisprudencial verificada através dessa nova interpretação, bem como as perspectivas de sua extensão às outras ações constitucionais, propiciando uma maior proteção aos direitos dos indivíduos que procuram a tutela jurisdicional para a solução dos seus problemas, é que tem relevância o estudo ora realizado.


II.A legitimidade passiva no mandado de segurança.

Nas palavras de Alexandre de Moraes, ocupa a posição de legitimado passivo no mandado de segurança

(...) a autoridade coatora que pratica ou ordena concreta e especificamente a execução ou inexecução do ato impugnado, responde pelas suas conseqüências administrativas e detenha competência para corrigir a ilegalidade, podendo a pessoa jurídica de direito público, da qual faça parte, ingressar como litisconsorte [03].

Algumas das regras processuais relativas ao mandado de segurança foram reproduzidas ou aperfeiçoadas pela Lei n. 12.016 de 07 de agosto de 2009, a qual ab-rogou a antiga Lei n. 1533 de 31 de dezembro de 1951, que também tratava da matéria.

Oportuna, portanto, a transcrição de algumas das disposições referentes ao tema, senão vejamos:

Art. 1º, da lei n. 12.016: omissis

§ 1º  Equiparam-se às autoridades, para os efeitos desta Lei, os representantes ou órgãos de partidos políticos e os administradores de entidades autárquicas, bem como os dirigentes de pessoas jurídicas ou as pessoas naturais no exercício de atribuições do poder público, somente no que disser respeito a essas atribuições. 

§ 2º  Não cabe mandado de segurança contra os atos de gestão comercial praticados pelos administradores de empresas públicas, de sociedade de economia mista e de concessionárias de serviço público. 

§ 3º  Omissis.

Art. 2º  Considerar-se-á federal a autoridade coatora se as consequências de ordem patrimonial do ato contra o qual se requer o mandado houverem de ser suportadas pela União ou entidade por ela controlada. 

Mister elucidar que a qualificação errônea da ação em comento pode resultar na sua extinção sem julgamento de mérito, frustrando as expectativas do impetrante quanto à apreciação do objeto da sua ação. Essa é a linha de pensamento do Superior Tribunal de Justiça [04], in verbis:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. VÍCIO DE OMISSÃO. ALEGAÇÃO EM AGRAVO REGIMENTAL. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA UNICIDADE RECURSAL. AGRAVO REGIMENTAL DA FAZENDA NACIONAL. JUÍZO DE RETRATAÇÃO. MANDADO DE SEGURANÇA. INDICAÇÃO ERRÔNEA DA AUTORIDADE COATORA. INFORMAÇÕES PRESTADAS SEM ENCAMPAÇÃO DO ATO TIDO COMO COATOR. CARÊNCIA DA AÇÃO. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. 1. A via apropriada para questionar a existência de omissão, contradição ou obscuridade em decisão monocrática é a dos embargos de declaração, dirigido ao relator, e não a do agravo regimental. As finalidades dos recursos são diversas e a Segunda Turma não vem permitindo nestes casos a mescla de espécies recursais distintas, em atenção ao princípio da unicidade recursal. 2. Em relação ao mérito do recurso da Fazenda Nacional, entendo por reformar a decisão agravada. A teoria da encampação do ato coator necessita do preenchimento de três requisitos, quais sejam, i- existência de vínculo hierárquico entre a autoridade que prestou informações e a que ordenou a prática do ato impugnado; ii- ausência de modificação de competência estabelecida na Constituição Federal;e, iii- manifestação a respeito do mérito nas informações prestadas. 3. A indicação errônea da autoridade coatora ocorreu em relação a sujeito de jurisdição de outro município. Dessa forma, como não estão presentes os requisitos necessários para a implementação da teoria da encampação, não há como ser sanado o erro da indicação da autoridade coatora. 4. É pacifica a jurisprudência desta Corte no sentido de que a ilegitimidade passiva da autoridade indicada como coatora ocasiona a carência da ação e a consequente extinção processual sem resolução do mérito. 5. Agravo regimental da Dasa Destilaria de Álcool Serra dos Aimorés S/A não conhecido e agravo regimental da Fazenda Nacional provido para negar seguimento ao recurso especial anteriormente interposto. (AgRg no REsp 1162688/MG, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 22/06/2010, DJe 06/08/2010). (Grifos nossos).


III.A Teoria da Encampação: considerações gerais e requisitos.

Comumente associado ao direito administrativo, o instituto da encampação constitui nesta área uma forma de extinção do contrato de concessão de serviço público, sendo definida pelo mestre Hely Lopes Meirelles como a retomada coativa do serviço, pelo poder concedente, durante o prazo de concessão, por motivo de interesse público [05].

Não obstante a similaridade da nomenclatura utilizada, a aplicação da Teoria da Encampação em sede de mandado de segurança possui outros contornos. É preciso, contudo, admitir que pelo menos a noção geral dos institutos na seara administrativa e constitucional se aproximam, eis que guardam a acepção de um ente com autoridade para avocar uma espécie de responsabilidade até então a cargo de outro ente.

Tratando-se da aplicabilidade no mandado de segurança, é possível classificar a adoção da Teoria da Encampação como modalidade de legitimação superveniente, em que a autoridade, até então ilegítima para figurar no pólo passivo da lide, passa a integrá-la validamente.

Ademais, é preciso observar que a ampliação interpretativa dos comandos legais que regulam a legitimidade ad causam no ação constitucional ora estudada visa prestigiar os princípios da efetividade, celeridade e economia processuais.

Ora, é inconteste o prejuízo a esses princípios resultante da movimentação repetitiva da máquina judiciária, já abarrotada de tantas outras demandas, quando do julgamento da lide sem apreciação do mérito. É que o impetrante que necessita do provimento judicial e ainda dispõe de prazo para manejo do mandado certamente ingressará novamente em juízo formulando os mesmos pedidos.

E o mesmo se diga diante da possibilidade sustentada por alguns de viabilidade de concessão de prazo para emenda à inicial - no caso para correção da autoridade ou agente impetrado-, ocasião em que, da mesma forma, estar-se-ia diante de dilação processual gravosa aos princípios acima mencionados.

Aliás, é de bom alvitre esclarecer que o posicionamento do STJ sobre o cabimento de emenda à inicial no mandado de segurança para correção do parte passiva ainda não se encontra pacificada, ora admitindo, ora inadmitindo a correção. Entrementes, parece haver uma inclinação à inadmissão quando a oportunidade de regularização importar em modificação de competência absoluta.

Por outro lado, diante da possibilidade de aplicação da Teoria da Encampação, que sugere a participação de autoridades pertencentes à mesma pessoa jurídica, o mesmo Tribunal vem admitindo a correção, inclusive de ofiício:

PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. ERRÔNEA INDICAÇÃO DA AUTORIDADE COATORA. MODIFICAÇÃO DE COMPETÊNCIA ABSOLUTA. EMENDA À INICIAL. IMPOSSIBILIDADE. 1. O STJ tem jurisprudência no sentido de que, havendo erro na indicação da autoridade coatora, deve o juiz extinguir o processo sem julgamento de mérito, conforme preceitua o art. 267, VI, do Código de Processo Civil, sendo vedada a substituição do pólo passivo. 2. Descabe substituir de ofício a autoridade coatora por outra não sujeita à sua jurisdição originária. Da mesma forma, inviável a determinação, pelo Tribunal, de emenda à inicial ou a adoção da "teoria da encampação", o que tornaria indevida a modificação ampliativa de competência absoluta fixada na Constituição. 3. No caso, a incorreta formação do pólo passivo modifica a própria competência do TJDF para julgar o mérito da impetração, porquanto ajuizada em seu Conselho Especial. Contudo, a ação deve ser processada e julgada por Juízo de uma das Varas da Fazenda Pública do Distrito Federal, nos termos do art. 31 da Lei Orgânica do DF. 4. Recurso Especial provido. (REsp 1190165/DF, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/06/2010, DJe 01/07/2010). (Grifos nossos).

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PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. MANDADO DE SEGURANÇA. ERRÔNEA INDICAÇÃO DA AUTORIDADE COATORA. SUPOSTA ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. DEFICIÊNCIA SANÁVEL. CORREÇÃO JUDICIAL DE OFÍCIO. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIOS DA EFETIVIDADE E ECONOMIA PROCESSUAL.1. A essência constitucional do Mandado de Segurança, como singular garantia, admite que o juiz, nas hipóteses de indicação errônea da autoridade impetrada, permita sua correção através de emenda à inicial ou, se não restar configurado erro grosseiro, proceder a pequenas correções de ofício, a fim de que o writ cumpra efetivamente seu escopo maior. 2. Destarte, considerando a finalidade precípua do mandado de segurança que é a proteção de direito líquido e certo, que se mostre configurado de plano, bem como da garantia individual perante o Estado, sua finalidade assume vital importância, o que significa dizer que as questões de forma não devem, em princípio, inviabilizar a questão de fundo gravitante sobre ato abusivo da autoridade. Conseqüentemente, o Juiz ao deparar-se, em sede de mandado de segurança, com a errônea indicação da autoridade coatora, deve determinar a emenda da inicial ou, na hipótese de erro escusável, corrigi-lo de ofício, e não extinguir o processo sem julgamento do mérito. 3. A errônea indicação da autoridade coatora não implica ilegitimidade ad causam passiva se aquela pertence à mesma pessoa jurídica de direito público; porquanto, nesse caso não se altera a polarização processual, o que preserva a condição da ação. 4. Deveras, a estrutura complexa dos órgãos administrativos, como sói ocorrer com os fazendários, pode gerar dificuldade, por parte do administrado, na identificação da autoridade coatora, revelando, a priori, aparência de propositura correta. 5. A nulidade processual que deve conduzir à nulificação do processo com a sua extinção sem resolução do mérito, deve ser deveras significativa de modo a sacrificar os fins de justiça do processo. É que o processo é instrumento de realização de justiça e não um fim em si mesmo, por isso que não se justifica, em prol da questão meramente formal, sacrificar a questão de fundo e deixar ao desabrigo da coisa julgada o litígio, fator de abalo da paz e da ordem social. 6. O princípio se exacerba no campo dos remédios heróicos de defesa dos direitos fundamentais, como soe ser o Mandado de Segurança, no qual a parte veicula lesão perpetrada por autoridade pública, que a engendra calcada na premissa da presunção de legitimidade de seus atos. 7. Consectariamente, a análise de questões formais, notadamente a vexata quaestio referente à pertinência subjetiva passiva da ação, com a descoberta da autoridade coatora no complexo administrativo, não deve obstar a perquirição do abuso da autoridade que caracteriza esse remédio extremo. 8. Deveras, a teoria da encampação e a condescendência com a aparência de correta propositura (error comunis facit ius) adotadas pela jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça denotam a necessária flexibilização da aferição dessa condição da ação, no afã de enfrentar e conjurar o ato abusivo da autoridade. 7. In casu, restou assente na instância ordinária a ilegitimidade passiva ad causam da autoridade apontada como coatora no writ of mandamus, contudo, consignou-se que: "ainda das peças constantes dos autos, colhe-se, das informações do juiz (fl. 58) que já foram prestadas as informações no mandado de segurança, sem que houvesse qualquer prejuízo processual. Logo, nenhuma nulidade merece ser declarada à decisão, ante a prevalência do princípio da instrumentalidade processual." 8. Agravo regimental desprovido. (AgRg no Ag 1076626/MA, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 21/05/2009, DJe 29/06/2009) (Grifos nossos).

Em seguimento, urge observar que a utilização da nova teoria ampliativa da legitimidade passiva em mandado de segurança encontra limites. É que alguns requisitos devem estar presentes para que seja possível a sua aplicação.

Conforme apontam a doutrina e a jurisprudência esses requisitos são os seguintes [06]:

a) ausência de modificação de competência estabelecida na Constituição Federal;

b) existência de vínculo hierárquico entre a autoridade que prestou informações e a que ordenou a prática do ato impugnado;

c) manifestação a respeito do mérito nas informações prestadas.

Com efeito, o primeiro dos requisitos, relativo à ausência de modificação de competência estabelecida na CF, relaciona-se com o já discorrido acerca da possibilidade de emenda para correção do pólo passivo.

Como já se afirmou, o STJ tem sido permissivo exatamente nas ocasiões em que não há alteração de competência absoluta, como é o caso da competência funcional ora tratada. A justificativa seria a própria usurpação de atribuições de órgãos do judiciário, os quais ao admitirem a encampação e a regularidade do feito, estariam fadados a apreciar questões afetas a outros órgãos.

No que pertine à necessidade de existência de vínculo hierárquico, cabe ainda advertir que a encampação deve se dar do órgão superior para o inferior, ou seja, a indicação incorreta deve referir-se ao órgão superior, não sendo possível admitir a qualificação de órgão inferior quando a legitimidade original pertence a órgão hierarquicamente superior. É o que se extrai dos precedentes abaixo:

MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. MINISTRO DE ESTADO DO PLANEJAMENTO, ORÇAMENTO E GESTÃO. SECRETÁRIO DE RECURSOS HUMANOS DO REFERIDO MINISTÉRIO. SUBORDINAÇÃO HIERÁRQUICA. TEORIA DA ENCAMPAÇÃO. APLICAÇÃO. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. REAJUSTE DE 28,86%. 1. Se o Ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão, autoridade hierarquicamente superior ao Secretário de Recursos Humanos do Ministério, defende o mérito do ato impugnado ao prestar informações nos autos do mandado de segurança, torna-se legitimado para figurar no pólo passivo do writ. Precedentes. 2. A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça assentou-se no sentido de que, em se tratando de mandado de segurança contra ato omissivo continuado, que se renova seguidamente. 3. Os impetrantes, servidores públicos federais do quadro do extinto Território de Roraima, que exercem cargos da Polícia Civil do atual Estado Membro da Federação, e foram equiparados aos Policiais Federais, têm direito ao reajuste de 28,86%, em atenção ao disposto na Medida Provisória nº 1.704, de 30 de junho de 1998. 4. Apenas os aumentos concedidos pelas Leis nºs 8.622/93 e 8.627/93 podem ser compensados com o reajuste de 28,86%, de modo que os aumentos posteriores, a título de progressão funcional ou reorganização da carreira dos servidores, não devem ser considerados para eventual compensação com o mencionado reajuste. 5. Segurança concedida. (MS 12.230/DF, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 23/06/2010, DJe 02/08/2010). (Grifos nossos).

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PROCESSO CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. ERRÔNEA INDICAÇÃO DA AUTORIDADE COATORA. EMENDA À INICIAL. IMPOSSIBILIDADE. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO. INVIABILIDADE DE "ENCAMPAÇÃO" DE COMPETÊNCIA SUPERIOR POR AUTORIDADE HIERARQUICAMENTE INFERIOR. PRECEDENTES. RECURSO ORDINÁRIO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. (RMS 31.795/MT, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 25/05/2010, DJe 08/06/2010). (Grifos nossos).

Contudo, existem situações específicas em que mesmo havendo essa relação hierárquica o Superior Tribunal afasta a possibilidade de encampação em face da patente incompetência da autoridade.

Explica-se: É que nem sempre a autoridade superior terá competência relacionada ao ato, tais como emitir ordens de execução ou inexecução, ou mesmo responder pelas suas conseqüências e determinar sua correção [07].

MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. QUINTOS. VANTAGEM INCORPORADA ANTES DO INGRESSO NA CARREIRA DE PROCURADOR FEDERAL. ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO. ILEGITIMIDADE PASSIVA. TEORIA DA ENCAMPAÇÃO. INAPLICABILIDADE. 1 - Segundo a compreensão firmada pela Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, "ao Advogado-Geral da União não compete a aplicação da legislação de pessoal, inclusive a relacionada aos procuradores federais, não obstante a hierarquia funcional" (AgRg no MS nº 12.082/DF, Relator o Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJU de 5/2/2007). 2 - Hipótese em que os impetrantes se insurgem contra a não inclusão de parcelas decorrentes da incorporação de funções comissionadas (quintos) antes de seu ingresso na Carreira de Procurador Federal, mostrando-se patente a ilegitimidade do Advogado-Geral da União para integrar o pólo passivo da ação mandamental. 3 - A defesa do ato, feita em homenagem ao princípio da eventualidade, não faz incidir, de per si, a teoria da encampação. 4 - Mandado de Segurança extinto em relação ao Advogado-Geral da União, com remessa dos autos à Seção Judiciária do Distrito Federal para prosseguimento do feito em relação à autoridade que não se insere no rol previsto no artigo 105, I, "b", da Constituição Federal. (MS 10.657/DF, Rel. Ministro HAROLDO RODRIGUES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/CE), TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/04/2010, DJe 13/05/2010).

Exige-se, portanto, que essa relação hierárquica seja de qualidade, e não meramente de existência.

Por fim, quanto à exigência de manifestação a respeito do mérito das informações prestadas, vale admoestar que o conteúdo dessas informações deve ser relevante ao esclarecimento do objeto da segurança requerida. É por isso que em diversos julgamentos o STJ não tem considerado como atendido esse requisito quando a defesa do mérito é feita apenas para cumprimento do princípio da evntualidade:

MANDADO DE SEGURANÇA. MINISTRO DE ESTADO DA DEFESA E COMANDANTE DA AERONÁUTICA. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. TEORIA DA ENCAMPAÇÃO. NÃO INCIDÊNCIA. 1. A defesa do ato, feita em homenagem ao princípio da eventualidade, não faz incidir, de per si, a teoria da encampação. 2. A invocação da teoria da encampação requer, dentre outros requisitos, a preservação da competência, nos exatos limites postos na Constituição Federal. 3. Se a norma de competência para a prática de atos for elastecida pela aplicação indiscriminada da teoria da encampação, todos os mandados de segurança serão originariamente apreciados pelo Superior Tribunal de Justiça ou pelo Supremo Tribunal Federal. 4. "O Superior Tribunal de Justiça é incompetente para processar e julgar, originariamente, mandado de segurança contra ato de órgão colegiado presidido por Ministro de Estado" (Súmula n.º 177/STJ). 5. Não se afigura razoável que esta Corte, conferindo interpretação restritiva ao dispositivo constitucional, tenha afirmado sua incompetência para julgar, originalmente, mandados de segurança contra ato de colegiado - de cuja elaboração o Ministro de Estado tenha participado diretamente - para, nas hipóteses como a ora examinada, afirmar sua competência originária no exame de atos produzidos por autoridades subordinadas, atos que não contaram com a participação do Ministro de Estado. 6. Extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267, VI, CPC). (MS 8.963/DF, Rel. Ministro PAULO GALLOTTI, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 10/06/2009, DJe 07/08/2009). (Grifos nossos).

Logo, o comportamento da autoridade superior, a qual efetivamente toma para si a defesa do ato impugnado, é que caracteriza o instituto da encampação no mandado de segurança.

Diante do exposto, conclui-se que apenas quando preenchidos todos os requisitos acima analisados é que será admitida a veiculação da Teoria da Encampação em sede de mandamus.


IV.Conclusão.

Em vista da processualística moderna, a aplicação da Teoria da Encampação ao mandado de segurança surge como reflexo da nova tendência de prestígio aos princípios da economia, celeridade e efetividade processuais, configurando importante instrumento para os operadores do direito e, principalmente, para os indivíduos que necessitam da tutela emergencial dessa ação constitucional.

É preciso, contudo, observar que a ampliação da legitimidade passiva decorrente da adoção desse novo entendimento deve observar limites, sob pena de converter-se em verdadeiro objeto de desorganização de competências estabelecidas pelo legislador.

Dessa forma, age com acerto a doutrina e a jurisprudência pátrias em estabelecerem requisitos mínimos para a admissão da encampação da defesa do ato.

Assim, considerando o avanço prudente da Teoria da Encampação, torna-se possível vislumbrar uma futura extensão às demais ações constitucionais como o Habeas Corpus e Habeas Data.

Apesar de ainda tímida, essa é a perspectiva extraída do seguinte julgado, proveniente da Terceira Seção do STJ:

HABEAS DATA. LEGITIMIDADE PASSIVA DO COMANDANTE DO EXÉRCITO. APLICAÇÃO, MUTATIS MUTANDIS, DA TEORIA DA ENCAMPAÇÃO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE RECUSA, NA VIA ADMINISTRATIVA, DE ACESSO A INFORMAÇÃO. SÚMULA 2/STJ E ART. 8º, I, DA LEI Nº 9.507/97. PEDIDO DE CÓPIA DE PARECER QUE TERIA DADO CAUSA À EXONERAÇÃO DO IMPETRANTE. DEFERIMENTO. 1. A teoria da encampação aplica-se ao habeas data, mutatis mutandis, quando o impetrado é autoridade hierarquicamente superior aos responsáveis pelas informações pessoais referentes ao impetrante e, além disso, responde na via administrativa ao pedido de acesso aos documentos. 2. A demonstração da recusa de acesso a informação pela autoridade administrativa é indispensável no habeas data, sob pena de ausência de interesse de agir. Aplicação, quanto a um dos documentos pleiteados, da Súmula 2/STJ e do disposto no artigo 8º, I, da Lei nº 9.507/97. 3. Deve ser deferido o pedido de acesso a cópia de parecer que teria dado causa à exoneração do impetrante. A possibilidade de acesso das informações será sua garantia à defesa de sua honra e imagem, uma vez que esclarecerá os motivos pelos quais, segundo alega, teria sofrido prejuízos tanto morais como materiais. 4. Habeas data deferido em parte. (HD . 84/DF, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 27/09/2006, DJ 30/10/2006 p. 236). (Grifos nossos).


V.Referências Bibliográficas.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. São Paulo: Saraiva, 13ª Ed., 2009.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 33ª Ed., 2007.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 18ª Ed, 2005.


Notas

  1. LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. São Paulo: Saraiva, 13ª Ed., 2009, p. 731.
  2. Ob cit, p. 732.
  3. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 18ª Ed, 2005, p. 141.
  4. Vide comentários no próximo tópico sobre a possibilidade de concessão de prazo para emenda à inicial em tais casos.
  5. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 33ª Ed., 2007, p. 400.
  6. PROCESSUAL CIVIL – MANDADO DE SEGURANÇA – INDICAÇÃO ERRÔNEA DA AUTORIDADE COATORA – INFORMAÇÕES PRESTADAS SEM ENCAMPAÇÃO DO ATO TIDO COMO COATOR.1. Inexistindo encampação do ato coator pela autoridade hierarquicamente superior, não se há como aproveitar a demanda direcionada em face de autoridade ilegítima. 2. Conforme jurisprudência pacífica desta Corte Superior, a teoria da encampação é aplicável ao mandado de segurança, tão-somente, quando preenchidos os seguintes requisitos: a) existência de vínculo hierárquico entre a autoridade que prestou informações e a que ordenou a prática do ato impugnado; b) ausência de modificação de competência estabelecida na Constituição Federal; e, c) manifestação a respeito do mérito nas informações prestadas. 3. In casu, dois dos três requisitos não foram preenchidos, a saber: I) houve modificação de competência pois impetrado em face de Governador de Estado; e, II) a manifestação da Procuradoria do Estado apenas se ateve à ilegitimidade da autoridade indicada como coatora. Não foi preenchido, portanto, os requisitos para a "encampação" do ato apontado como lesivo. Agravo regimental improvido. (AgRg no RMS 27.578/RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/08/2009, DJe 17/08/2009).
  7. Esse é, exatamente, um dos requisitos para determinar a legitimidade passiva da autoridade em sede de mandado de segurança, conforme já discorrido no início deste trabalho.


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RODRIGUES, Renata Knackfuss. A aplicação da teoria da encampação em sede de mandado de segurança. Da Dogmática jurídica tradicional ao pós-positivismo.. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2641, 24 set. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17471. Acesso em: 19 abr. 2024.