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Policiais militares "sub judice" e o direito ao julgamento em um prazo razoável

Policiais militares "sub judice" e o direito ao julgamento em um prazo razoável

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O anseio pela resolução rápida das lides e a busca pela prestação jurisdicional em um curto espaço de tempo não são exclusivos da nossa época. Textos legais muito antigos – que marcaram a história da humanidade – já impunham aos Tribunais o dever de dar uma tramitação célere aos processos perante eles intentados, sendo que a Magna Carta inglesa de 1215 já asseverava:

A ninguém venderemos, recusaremos ou retardaremos a administração da justiça.

A preocupação histórica com a matéria tem razão de ser. De fato, além do prejuízo decorrente da eventual privação da liberdade pessoal, o acusado está sujeito a outros danos – menos evidentes, mas não menos graves – em decorrência da instauração da ação penal. Isso porque, em nossa cultura, pesa sobre o réu uma verdadeira "presunção de culpa", que limita, suprime e afasta direitos, o que só poderia ocorrer em virtude de sentença condenatória irrecorrível.

Os reflexos na vida pessoal, na imagem e na reputação são imediatos e, muitas vezes, devastadores. Por conta de um processo criminal que se arrasta, o acusado - que, ao teor do disposto no artigo 5º, LVII, da Constituição Federal, não poderia ser considerado culpado senão após o trânsito da sentença penal condenatória - pode vir a perder emprego, família e posição social. A dilação do processo implica, ainda, em maior ônus financeiro, na tentativa de garantir uma defesa eficaz.

Realmente, tendo-se na devida conta as graves conseqüências psicológicas (no plano subjetivo), sociais (no objetivo), processuais e até mesmo pecuniárias, resultantes da persecução penal para o indivíduo nela envolvido, imperiosa se torna a agilização do respectivo procedimento, a fim de que elas, tanto quanto possível, se minimizem, pela sua conclusão num ‘prazo razoável’. (Rogério Lauria Tucci. Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro. RT, 2ª ed, 2004, p. 254)

No caso específico dos policiais militares, o prejuízo decorrente da demora em ser julgado resulta em graves danos para a carreira, posto que a legislação de todos os estados brasileiros prevê a exclusão dos policiais sub judice dos Quadros de Acesso à promoção, impedindo-os de ascender às graduação superiores mesmo que tenham preenchido todos os requisitos legais para tanto.

Dadas as peculiaridades da cultura militar e a acentuada importância que se dá à posição hierárquica no âmbito interno das Corporações Militares, a exclusão do processo de promoções representa grave constrangimento do ponto de vista moral e social.

Es de la esencia de la administración de justicia el que, para ser justa, ésta tiene que ser rápida. Una justicia lenta, o que se retarde indebidamente, es – por sí sola- injusta. De nada le sirve al demandante o al demandado - en un proceso civil-, o al acusador o al acusado -en un juicio criminal-, que después de largo tiempo se acepten sus alegatos y se reconozcan sus derechos, si el mero transcurso del tiempo le ha ocasionado un daño irreparable, o si el haberse visto involucrado en un largo proceso ha perjudicado sus intereses, o incluso ha lesionado su reputación y la percepción que de él se tenga en el grupo social. Además, con mucha frecuencia, el que puede esperar es quien se sabe derrotado y que se beneficia con una decisión tardía; por el contrario, aquel a quien le asiste la razón - y cuyos derechos han sido lesionados- no dispone de tiempo, y no puede esperar eternamente a que se restablezca la justicia. (Faúndez Ledesma, Hector. Administración de Justicia y Derecho Internacional de los Derechos Humanos - El derecho a un juicio justo. Universidad Central de Venezuela. Facultad de Ciencias Jurídicas y Políticas. Comisión de Estudios de Postgrado. Instituto de Derecho Público, Caracas, 1992. p. 270 y 271).

No âmbito do Direito Penal, doutrina e jurisprudência são unânimes em reconhecer que, verificado o excesso de prazo na formação da culpa, deve cessar a coerção estatal decorrente da denúncia, colocando-se o réu preso preventivamente em liberdade (STF, HC 91.161/BA; HC 87.676/ES; HC 90.074/CE).

Ora, se a garantia constitucional do julgamento em um prazo razoável não autoriza a supressão do status libertartis do acusado por períodos indeterminados, o mesmo tratamento deve ser observado em relação a qualquer outro direito que venha a sofrer restrições em decorrência da incapacidade do Estado de cumprir os prazos processuais por ele mesmo fixados.

Em se tratando de policiais militares sub judice, a coerção estatal resultante da demora no julgamento - embora de espécie distinta daquela decorrente da privação da liberdade - é clara e grave, posto que incide diretamente no direito dos mesmos de concorrerem à promoção - por períodos que, no caso específico do Estado de Goiás, chegam a exceder 12 (doze) anos [01].

Em face da garantia expressa no artigo 5º, LXXVIII, da CF/88 [02], constata-se que não pode o militar ser mantido afastado do processo de promoções da Polícia Militar por prazo indeterminado, à mercê da morosidade do Poder Judiciário, que não se mostra capaz de cumprir os prazos previstos em lei.

Nenhum excesso de prazo, a rigor, é razoável. Habituamo-nos, isto sim, a justificar tais excessos diante da permanente e crônica, e multissecular omissão do Estado no aparelhamento dos Órgãos que o compõem, sobretudo o Poder Judiciário.

Em países sérios não se permite brincar com a liberdade, com a honra, enfim, com os direitos dos cidadãos.

De fato, de nenhuma valia o enunciado constitucional de que todos têm direito à vida, à liberdade, à propriedade, à inviolabilidade do domicílio, à saúde, à educação, à segurança, etc., se, na prática tais direitos não se realizem, como realmente não se realizam no Brasil, infelizmente. (Excerto do voto do Des. Lécio Rezende, do TJDF, nos autos do Habeas Corpus nº 1998002 001535-0 - Conselho de Magistratura)

Assim, se o Estado-Juiz não pode dar efetivo cumprimento à garantia insculpida no art. 5º, LXXXVIII, proporcionando aos policiais militares sub judice um rápido desfecho da ação penal que lhes é oposta, impõe-se que ele – o Estado-Administração – proceda à reinclusão dos mesmos nos Quadros de Acesso e lhes permita concorrer às promoções sempre que, por culpa do Poder Publico, se verificar o excesso de prazo na formação da culpa. [03]


Notas

  1. TJGO – Ações penais nº 9901071410; 9800567160, 930291335, e várias outras.
  2. Art. 5º - ...
  3. LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

  4. Acolhendo a argumentação da autora, o MM. Juiz de Direito da 2ª Vara da Fazenda Pública Estadual, Dr. Eduardo Pio Mascarenhas, concedeu antecipação da tutela nos autos da Ação Ordinária nº 7006902.16.2010.8.09.0051, determinando o retorno ao Quadro de Acesso do 2º Sgt PM Clóvis da Silva Borges, afastado do processo de promoção da PMGO desde o ano de 1998.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAIXÃO, Ana Clara Victor da. Policiais militares "sub judice" e o direito ao julgamento em um prazo razoável. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2657, 10 out. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17588. Acesso em: 19 abr. 2024.