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A responsabilidade da administração pública pelos créditos trabalhistas na terceirização de serviços públicos

A responsabilidade da administração pública pelos créditos trabalhistas na terceirização de serviços públicos

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RESUMO: O presente trabalho visa esclarecer as discussões acerca da terceirização no âmbito da Administração Pública e a responsabilidade desta em face do inadimplemento de obrigação trabalhista pela empresa contratada, levando-se em conta as disposições díspares do art. 71, da Lei n. 8.666/93 e da Súmula n. 331 do C. Tribunal Superior do Trabalho.

PALAVRAS-CHAVE: Créditos Trabalhistas. Terceirização. Responsabilidade da Administração Pública.


1.INTRODUÇÃO

A responsabilidade da Administração Pública pelos créditos trabalhistas na terceirização dos serviços públicos é tema bastante conflitante, apesar de o C. TST já ter se manifestado sobre o assunto por meio da Súmula n. 331. Esta, aliás, é uma das causas de tamanho conflito, já que a citada súmula vai de encontro ao disposto no art. 71, da Lei n. 8.666/93.

A discussão já foi posta perante o C. Supremo Tribunal Federal por meio de Ação Declaratória de Constitucionalidade do art. 71, §1º, da Lei n. 8.666/93, estando ainda pendente de julgamento, sendo que, indiscutivelmente, a solução deste conflito é de enorme relevância para o âmbito jurídico e também para os próprios trabalhadores.

Assim, o presente estudo vem aclarar o fenômeno da terceirização, as normas existentes acerca da responsabilidade do ente público neste tipo de contrato, destacando o posicionamento adotado acerca deste conflito e trazendo suporte doutrinário e jurisprudencial para tanto.


2.TERCEIRIZAÇÃO NO DIREITO DO TRABALHO: SURGIMENTO, PROBLEMÁTICA E ADEQUAÇÃO.

Primeiramente, necessário definir o que é a terceirização. Neste intento, pode-se dizer que a terceirização nada mais é do que o repasse de uma instituição privada ou pública de serviços ligados à atividade meio para segunda empresa que ficará responsável por sua prestação na forma contratada.

Com maior detalhamento, a ilustre Juíza do Trabalho Ilse Marcelina Bernardi Lora explica o instituto da terceirização:

Em lugar do modelo tradicional, onde a relação jurídica de emprego era, no plano formal e fático, estabelecida com o tomador do serviço, surge relação trilateral, que engloba o trabalhador, que tem vínculo jurídico com empresa terceirizante, mas que, no cotidiano, trabalha no âmbito e em proveito da tomadora dos serviços. A este processo convencionou-se chamar terceirização, que consiste em transferir para outra empresas atividades havidas secundárias. Desta forma, a empresa legando a outros parceiros econômicos as chamadas atividades de suporte. [01]

A Procuradora Dora Maria de Oliveira Ramos também discorre sobre o tema, sob a ótica do serviço público, senão vejamos:

[...] é aquela em que o gestor operacional repassa a um particular, por meio de contrato, a prestação de determinada atividade, como mero executor material, destituído de qualquer prerrogativa de Poder Público. Não se cuida de transferência de gestão do serviço público, mas de mera prestação de serviços. [02]

Portanto, a terceirização é meio utilizado visando a prestação dos serviços de forma mais eficiente, haja vista que repassada a prestação dos serviços ligados à atividade meio para segunda empresa (terceirizada), haverá conseqüente desacúmulo de atribuições e maior dedicação para a atividade fim, o que, por sua vez, resultará em uma prestação de serviços de maior qualidade.

Dito isto, importante destacar o surgimento da terceirização, que se deu no período da II Guerra Mundial em vista da sobrecarga de trabalho com a produção de armas, chegando ao Brasil na década de cinqüenta por meio das multinacionais. Seu ápice se deu com o Toyotismo [03], período em que em decorrência de sua utilização em grande escala começaram a surgir terríveis conseqüências como a redução salarial, a fragmentação das relações trabalhistas e desconfiguração do instituto que passou a ser utilizado pelas empresas como forma de reduzir o custo com a mão-de-obra.

Em vista disso, o então Presidente da República, Humberto de Alencar Castelo Branco, decretou o Decreto-lei n. 200/67, sendo em 1970 sancionada a Lei 5.645/70 pelo presidente Emílio Garrastazu Médici, regulamentando a descentralização administrativa por meio de autorização da contratação de trabalhadores para a realização de serviços de apoio (atividades meio), como transporte, conservação, custódia, limpeza, entre outras, no setor público.

Já no setor privado, foi editada a Lei n. 6.019/74 que limitava a contratação de trabalhadores, mediante empresa interposta a fim de atender necessidade transitória de substituição de pessoal regular e permanente da tomadora ou acréscimo de serviço extraordinário: os chamados trabalhadores temporários.

Por sua vez, a Lei n. 7.102/83 autorizou a terceirização permanente das atividades de vigilância no setor bancário que, posteriormente, se estendeu para estabelecimentos públicos e privados, inclusive segurança de pessoas físicas e transporte de valores ou garantia do transporte de qualquer tipo de cargo (introduzidos pela Lei n. 8.863/94).

Assim, após processo lento de regulamentação legal, ficou estabelecido, basicamente, que nem todas as atividades poderiam ser terceirizadas, mas tão somente as atividades meio das quais a terceirizadora necessitasse para a prestação das atividades fim, visto que a finalidade é prestar os serviços com maior presteza e qualidade o que é melhor obtido focando-se a atenção para a atividade que se presta, ou seja, para a atividade fim.

Ocorre que, em vista do desafogamento de tarefas e atribuições que uma empresa obteria com a terceirização das atividades meio, este instituto passou a ser utilizado de forma irrestrita, gerando problemas para o judiciário que teve que lidar com a má-fé das empresas que contratavam empregados por meio de empresa interposta para exercer atividade fim ou então, exerciam atividade meio, mas com pessoalidade e subordinação direta com o tomador do serviço, o que levou o C. Tribunal Superior do Trabalho a editar o Enunciado n. 256 no ano de 1986, que, em dezembro de 1993, veio a ser revisto pelo Enunciado n. 331 editado em dezembro de 1993 (hoje denominada súmula por força da Resolução n. 129/2005 do TST).

A citada súmula definiu que a terceirização, sem vínculo com o tomador, somente poderia ocorrer na contratação de serviços de vigilância (lei nº 7.102, de 20.06.1983), de conservação e limpeza ou de serviços especializados ligados à atividade meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação.

Definiu também que a contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, exceto nos casos de trabalho temporário. Por fim, em seu inciso IV, veio a previsão problemática:

O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial. [04]

Trata-se de previsão que gerou e ainda gera discussões, eis que antes mesmo da edição da citada súmula n. 331 do TST já havia em nosso ordenamento jurídico a Lei n. 8.666/93, editada em 21 de junho de 1993, que, em seu art. 71, §1º, isenta a Administração pública da responsabilidade pelo não pagamento das verbas trabalhistas, fiscais e comerciais pela empresa tercerizada, o que estaria conflitando com a Súmula n. 331 do TST. Vejamos.

§1º A inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o registro de imóveis.

Ora, sendo conflitantes as disposições do art. 71, §1º, da Lei n. 8.666/93 e da Súmula n. 331 do C. TST, qual delas se aplica? Eis o que aqui se pretende solucionar.


3.A RESPONSABILIDADE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PELOS CRÉDITOS TRABALHISTAS NÃO ADIMPLIDOS PELA EMPRESA TERCEIRIZADA.

Como já narrado, a terceirização dos serviços, após a era Toyotismo, passou a ser utilizada de forma indiscriminada, tanto de forma lícita quanto de forma ilícita, o que obrigou a doutrina e a jurisprudência a regulamentar a situação. Isto se deu a fim de preservar o trabalhador que, como hipossuficiente da relação, se via ainda mais desamparado, já que a previsão legal, no que tange à terceirização pela Administração Pública, era de que nunca era responsabilizada pelos créditos trabalhistas não adimplidos pela empresa terceirizada, amparo dado pelo art. 71, da Lei n. 8.666/93.

Note-se que mesmo em casos em que a contratação era considerada ilícita a Administração Pública não se responsabilizava, muito menos ficava configurado o vínculo de emprego, isto porque reconhecer o vínculo diretamente com a Administração Pública seria burlar as leis de ingresso aos cargos públicos, qual seja, a aprovação em concurso público. É o que bem observa Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

No âmbito da Administração Pública, os limites são muito maiores do que na empresa privada, porque, pela Constituição, o pessoal que compõe os quadros administrativos integra a categoria dos servidores públicos, os quais necessariamente ocupam cargo, empregos ou funções. Todos ingressam mediante concurso público de provas ou de provas e títulos (art. 37, II) com apenas duas ressalvas: uma que diz respeito aos cargos em comissão, de livre nomeação e execução; outra que concerne às contratações por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público (art. 37, IX). [05]

Assim, havendo irregularidades na terceirização dos serviços, o trabalhador se via sem emprego e sem a respectiva remuneração, frisa-se, remuneração esta de caráter alimentício, que sabidamente é preferencial e fundamental.

Observa-se, neste contexto, que o art. 71, da Lei n. 8.666/93 acabava gerando desigualdades, haja vista que o trabalhador que prestava serviços por meio de empresa terceirizada a um ente privado teria garantia de suas verbas trabalhistas e o que prestava serviços por meio de empresa terceirizada para um ente público não teria a mesma sorte, ficando totalmente desamparado se a empresa terceirizada não cumprisse com suas obrigações trabalhistas.

Não é demais salientar que:

[...] o trabalho foi considerado pela Carta Magna um valor social, um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito. Deste modo, não restaria espaço para a aplicação do art. 71 da Lei 8.666/93 porque privilegia a Administração Pública em detrimento do Direito Social do Trabalho, tornando as entidades estatais irresponsáveis por seus atos. [06]

Foi neste sentido: buscando amparar o trabalhador e evitar privilégios, que o C. Tribunal Superior do Trabalho editou a Súmula n. 331, que, como bem explica Vantuil Abdala, se pautou nos seguintes aspectos:

a)o conteúdo do art. 455, da Consolidação das Leis do Trabalho, que prevê a responsabilidade do empreiteiro principal, nos contratos de subempretada, em face do inadimplemento do subempreteiro em relação aos direito dos empregados deste; b) a teoria da culpa extracontratual, fundada no dever legal de não causar dano a outrem; c) a teoria do risco e o princípio da proteção, que justificam a preocupação de não deixar ao desabrigo o trabalhador e autorizando a responsabilização indireta daquele que se beneficiou da atividade dos trabalhadores. [...] Havia uma grita muito grande por parte dos obreiros, mormente quando seu empregador, ou seja, a empresa prestadora de serviços não cumpria suas obrigações legais e nem tinha o obreiro como fazê-la cumprir. E a realidade demonstrava ter existido um boom nesse tipo de atividade, com muitas pessoas aventureiras ou inescrupulosas criando empresas de prestação de serviço que não tinham condições de cumprir, ou, o que é pior, não cumpriam dolosamente suas obrigações trabalhistas; verdadeiras empresas fantasmas que apareciam e desapareciam, como que por milagre (do demônio naturalmente), para reabrirem acolá e novamente irem embora, como as pombas de Raimundo Correia vão-se dos pombais ao alvorecer. [07]

Destarte, pode-se dizer que o fundamento maior da edição da Súmula n. 331 pelo C. Tribunal Superior do Trabalho foi a proteção do trabalhador que se via totalmente desamparado pelas normas até então existentes que acabavam por proteger o ente público quando, na verdade, a parte hipossuficiente da relação é o trabalhador.

Sobre o princípio da proteção, ensina o Ilustre Ministro Maurício Godinho Delgado:

[...] que o Direito do Trabalho estrutura em seu interior, com suas regras, institutos, princípios e presunções próprias, uma teia de proteção à parte hipossuficiente na relação empregatícia -o obreiro-, visando retificar (ou atenuar), no plano jurídico, o desequilíbrio inerente ao plano fático do contrato de trabalho. O princípio tutelar influi em todos os segmentos do Direito Individual do Trabalho, influindo na própria perspectiva desse ramo ao construir-se, desenvolver-se e atuar como direito. Efetivamente, há ampla predominância nesse ramo jurídico especializado de regras essencialmente protetivas, tutelares da vontade e interesse obreiros; seus princípios são fundamentalmente favoráveis ao trabalhador; suas presunções são elaboradas em vista do alcance da mesma vantagem jurídica retificadora da diferenciação social prática. Na verdade, pode-se afirmar que sem a idéia protetivo-retificadora, o Direito Individual do Trabalho não se justificaria histórica e cientificamente. [08]

Inequívoco, desta forma, que o trabalhador não poderia e não pode continuar sendo molestado, ainda mais pelo próprio Estado que ao invés de dar-lhe garantias e condições de sustento se esquiva da responsabilidade quando não há o pagamento das verbas trabalhistas simplesmente por ter contratado empresa terceirizada para a prestação dos serviços. Serviços estes, aliás, que foram usufruídos pelo próprio ente público.

Ressalta-se que a obrigação da Administração pública não se dá somente na observância da licitação para contratação, mas também na escolha de empresa idônea e competente, bem como na fiscalização dos atos destas empresas, já que prestando serviços para a Administração Pública o empregado é visto como funcionário público atuando em nome do Estado.

Portanto, não sendo os serviços prestados com a devida idoneidade, pressupõe-se que houve culpa in eligendo e in vigiliando do Estado, o que, por sua vez, gera sua responsabilidade, nos termos dos arts. 186 e 927, caput, do Código Civil, que prevê a responsabilidade subjetiva.

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Por outro vértice, denota-se que embora seja permitida a delegação de serviços, não é dado à Administração pública abusar deste direito contratando prestadora de serviços inidônea e incapaz de cumprir com suas obrigações trabalhistas, sem ter qualquer responsabilidade por este ato, já que a teoria do abuso de direito, estampada no art. 187 do Código Civil, é expressa quanto à responsabilidade daquele que excede no uso de seu direito, a saber: "também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes".

Como se não bastasse, a Constituição Federal de 1988, em seu art. 37, §6º, deixou inequívoco que a responsabilidade da Administração Pública é objetiva, ou seja, responde independentemente de culpa, ficando assegurado somente o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. Vejamos.

[...] as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. [09]

Depreende-se assim que, na responsabilidade objetiva, aplicável ao ente público, os requisitos são: a) dano a terceiro; b) nexo de causalidade e c) inexistência de excludente de responsabilidade estatal, sendo certo que estes requisitos se dão pelas seguintes premissas:

a)No caso de comportamentos ilícitos comissivos ou omissivos, jurídicos ou materiais, o dever de reparar o dano é a contrapartida do princípio da legalidade. Porém, no caso de comportamentos ilícitos comissivos, o dever de reparar já é, além disso, imposto também pelo princípio da igualdade.

b)No caso de comportamentos ilícitos, assim como na hipótese de danos ligados a situação criada pelo poder Público – mesmo que não seja o Estado o próprio autor do ato danoso -, entendemos que o fundamento da responsabilidade estatal é garantir uma equânime repartição dos ônus provenientes de atos ou efeitos lesivos, evitando que alguns suportem prejuízos ocorridos por ocasião ou por causa de atividades desempenhadas no interesse de todos. De conseguinte, seu fundamento é o princípio da igualdade, noção básica do Estado de Direito. [10]

Neste contexto, sendo a terceirização ato comissivo fundado na celebração de contrato de serviços, ao deixar a empresa terceirizada de satisfazer direitos trabalhistas dos empregados que contratou para suprir as necessidades da Administração Pública, acaba por gerar danos dos quais, inevitavelmente, teve como causa a participação do Estado, como ensina o Ilustre doutrinador Celso Antônio Bandeira de Mello:

Em última instância, estas hipóteses de danos ora cogitadas não se distanciam muito dos casos em que o prejuízo é causado diretamente pelo Estado. É que o prejuízo é causado diretamente pelo Estado. É que a lesão deriva de uma situação criada pelo próprio Estado. É o próprio Poder Público que, embora sem ser o autor do dano, compõe, por ato seu, situação propícia à eventualidade de um dano. [11]

Ora, por todos os ângulos que se analise e, em especial pela Carta Maior de 1988, têm-se amparo para a aplicação da Súmula n. 331 do C. TST, por meio do princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF); dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa como fundamentos do Estado de direito (art. 1º, IV, da CF); da construção de sociedade livre, justa e solidária como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil (art. 3 º, I, CF); da prevalência dos direitos humanos (art. 4º, II, da CF); da consagração dos direitos sociais (art. 6º, da CF) e da função social da propriedade que conferiu preferência aos créditos trabalhistas (art. 170, III, da CF).

Portanto, se vislumbra mais acertada a aplicação da Súmula n. 331 do C. TST ao revés da disposição do art. 71, §1º, da Lei n. 8.666/93, isto porque se funda na busca pela verdadeira justiça, na qual trabalhadores têm seus direitos resguardados e não se fazem menores diante da irresponsabilidade de quem quer que seja, mas se fazem valer perante todos, mostrando-se mais valiosa a vida e dignidade do ser humano como trabalhador do que os cofres públicos que justamente deveria servir para oferecer qualidade de vida para os cidadãos em todos os aspectos fundamentais, como o trabalho.

Aliás, já dizia brilhantemente Eduardo Couture: "Teu dever é lutar pelo Direito. Mas no dia em que encontrares o Direito em conflito com a Justiça, luta pela Justiça" [12]. É exatamente o que aqui se propõe quando sustentada a aplicação da Súmula n. 331 do C. TST ao invés do art. 71, §1º, da Lei n. 8.666/93.


4.DA DISCUSSÃO PERANTE O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Em vista de todas as discussões elencadas e visando definir a aplicação do art. 71, §1º, da Lei n. 8.666/93 o governador do Distrito Federal propôs Ação Declaratória de Constitucionalidade deste artigo, com pedido liminar, perante o Supremo Tribunal Federal (ADC 16), justificando sua utilização na instabilidade gerada à aplicação do artigo pela edição da Súmula n. 331 do TST, ação esta que, posteriormente, teve como amicus curiae a União e diversos Municípios e Estados da Federação.

Na citada ação, o ilustre Min. Relator, Cezar Peluzo inferiu a medida liminar nos seguintes termos:

2. inviável a liminar. a complexidade da causa de pedir em que se lastreia a pretensão impede, nesse juízo prévio e sumário, que se configure a verossimilhança necessária à concessão da medida urgente. Com efeito, seria por demais precipitado deferir, nesse momento, liminar destinada a suspender o julgamento de todos os processos que envolvam a aplicação do art. 71, § 1º, da lei nº 8.666/93, antes que se dote o processo de outros elementos instrutórios aptos a melhor moldar o convencimento judicial. A gravidade de tal medida, obstrutora do andamento de grande massa de processos pendentes nos vários órgãos judiciais, desaconselha seu deferimento, mormente em face de seu caráter precário. 3. Do exposto, indefiro a liminar. Solicitem-se informações ao tribunal superior do trabalho (...). [13]

Em 10 de setembro de 2008 a ação foi levada a julgamento, do qual se obteve dois votos, do Ministro Relator e do Min. Marco Aurélio, tendo o julgamento sido suspenso em virtude do pedido de vista do Min. Menezes Direito. Vejamos.

Após o voto do Senhor Ministro Cezar Peluso (Relator), que não conhecia da ação declaratória de constitucionalidade por não ver o requisito da controvérsia judicial, e o voto do Senhor Ministro Marco Aurélio, que a reconhecia e dava seguimento à ação, pediu vista dos autos o Senhor Ministro Menezes Direito. Ausentes, justificadamente, o Senhor Ministro Celso de Mello e a Senhora Ministra Ellen Gracie. Falaram, pelo requerente, a Dra. Roberta Fragoso Menezes Kaufmann e, pela Advocacia-Geral da União, o Ministro José Antônio Dias Toffoli. Presidência do Senhor Ministro Gilmar Mendes. Plenário, 10.09.2008. [14]

Até o presente momento o feito continua suspenso, sendo que caso prevaleça o voto do Min. Marco Aurélio Mello, restará dúvidas acerca da prevalência do entendimento do C. TST, mas caso seja vencedor o voto do Min. Menezes Direito permanecerá o entendimento do C. TST expresso na Súmula n. 331.

Portanto, aguarda-se o julgamento da ADC 16 para enfim acabar o conflito apontado neste trabalho, sendo certo, contudo, que, pelos motivos fartamente expostos, deverá prevalecer o disposto na Súmula n. 331 do C. TST, já que o que se deve buscar acima de tudo é a verdadeira justiça, como assevera Antônio Luís Machado Neto:

Embora não se possa aceitar o exagero da escola de direito justo de Hermann Kantorowicz que propugnava, em nome da justiça e da espontânea elaboração social do direito, a prática da jurisprudência contra legem, também não há negar que, tal como se passa em relação ao costume ab-rogatório, a jurisprudência contra legem, sem que possa vir a ser a regra, se porém, ocorre e logra vigência, ou melhor, eficácia, não há razão para negar-lhe a condição de efetivo direito. Também aqui poderíamos inquirir como da outra feita: qual será o direito de um povo, a lei que ninguém acata ou a jurisprudência, embora contra legem, mas que os tribunais vêm seguindo e acatando?. [15]

Assim, ainda que esteja pendente de julgamento a questão no órgão judiciário supremo (STF), defende-se "com unhas e dentes" pela aplicação indiscutível da Súmula n. 331 do C. TST quanto à responsabilidade subsidiária da Administração Pública pelos créditos trabalhistas não adimplidos pela empresa terceirizada.


CONCLUSÃO

Levando-se em conta os direitos fundamentais do homem, aqui como trabalhador, e a finalidade da prestação jurisdicional e existência do ordenamento jurídico, pode-se concluir que a aplicação da Súmula n. 331 do C. TST, na qual fica determinada a responsabilidade subsidiária da Administração Pública enquanto tomadora de serviços, não só se faz possível como necessária a este propósito, já que protege o trabalhador em sua qualidade de hipossuficiente, garantindo que suas verbas de caráter alimentício e indiscutivelmente preferencial sejam pagas pelo Estado quando a empresa contratada se fizer omissa nesta obrigação.

Neste diapasão, estando pendente de julgamento a ADC n. 16 que tramita perante o Supremo Tribunal Federal, vota-se pela prevalência da Súmula n. 331 do C. TST, ou seja, pela improcedência da ADC e, ainda que seja julgada procedente, entende-se que não retirará o caráter legal e válido da Súmula n. 331 do C. TST, isto porque confirmará a constitucionalidade do art. 71, §1º, da Lei n. 8.666/93, mas não afastará a constitucionalidade da Súmula n. 331 do TST, cabendo então aos magistrados a ponderação entre as normas, caso em que poderá e deverá continuar sendo aplicada a Súmula n. 331 do TST.

Dessa forma, a conclusão que se chega neste trabalho é de que no caso do conflito existente entre a determinação do art. 71, §1º da Lei n. 8.666/93 (isenção de responsabilidade da Administração Pública por créditos trabalhistas, fiscais e comerciais não adimplidos pelo contratado) e a Súmula n. 331 editada pelo C. TST (responsabilização subsidiária da Administração Pública por verbas trabalhistas não adimplidas pela empresa contratada) sobressai esta última, eis que ampara o hipossuficiente da relação, levando em conta os direitos fundamentais do cidadão como homem e principalmente como força de trabalho.


REFERÊNCIAS

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COUTURE, Eduardo. Os mandamentos do advogado. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1999.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do Trabalho, São Paulo: Ltr,2004.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública. 3. Ed. São Paulo: Atlas, 1999.

FILHO, Marçal Justen. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. São Paulo: Dialética, 2000.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 22ª Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2007.

NETO, Antônio Luiz. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito, 3ª ed., São Paulo, Saraiva, 1975.

RAMOS, Dora Maria de Oliveira. Terceirização na Administração Pública. São Paulo: LTr, 2001.

SOUZA, Mauro César Martins. Responsabilização do tomador de serviços na terceirização. Síntese Trabalhista. Porto Alegre: Síntese, n° 142, 2001.

ABDALA, Vantuil Apud LORA, Ilse Marcelina Bernardi. Direitos fundamentais e responsabilidade da administração pública na terceirização de serviços. Inconstitucionalidade do §1º, do art. 71 da Lei n. 8.666/93. Revista LTr. 72-08/931, vol. 72, nº 08, agosto de 2008, TRT 24ª Região

BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília-DF: Senado Federal, 1988.

BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Constitucionalidade. Constitucionalidade da Lei do §1º, do art. 71, da Lei n. 8.666/93. Ação Direta de Constitucionalidade nº 16. Requerente Governador do Distrito Federal. Advogado: Procuradora Geral do Distrito Federal- Roberta Fragoso Menezes Kaufmann e outro. Relator: Ministro Gilmar Mendes. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2497093> Acesso em 03.02.2010.


Notas

  1. LORA, Ilse Marcelina Bernardi. Direitos fundamentais e responsabilidade da administração pública na terceirização de serviços. Inconstitucionalidade do §1º, do art. 71 da Lei n. 8.666/93. Revista LTr. 72-08/931, vol. 72, nº 08, agosto de 2008, TRT 24ª Região.
  2. Aspectos da caracterização no âmbito da Administração Pública, p. 149.
  3. Modo de organização da produção capitalista originária do Japão, resultante da conjuntura desfavorável do país. O toyotismo foi criado na fábrica da Toyota no Japão após a Segunda Guerra Mundial, este modo de organização produtiva, elaborado por Taiichi Ohno e que foi caracterizado como filosofia orgânica da produção industrial (modelo japonês), adquirindo uma projeção global.
  4. COSTA, Armando Casimiro; FERRARI, Irany; MARTINS, Melchíades Rodrigues. Consolidação das Leis do Trabalho. São Paulo: Ltr, 2009, p. 723.
  5. Parcerias na Administração Pública. 3. Ed. São Paulo: Atlas, 1999, p. 295.
  6. SOUZA, Mário César Martins. Responsabilização do Tomador de Serviços na Terceirização. Síntese Trabalhista, Porto Alegre: Síntese, nº 142,p. 143-143.
  7. Apud LORA, Ilse Marcelina Bernardi. Direitos fundamentais e responsabilidade da administração pública na terceirização de serviços. Inconstitucionalidade do §1º, do art. 71 da Lei n. 8.666/93. Revista LTr. 72-08/931, vol. 72, nº 08, agosto de 2008, TRT 24ª Região.
  8. Curso de direito do Trabalho, São Paulo: Ltr,2004, p.197-198.
  9. BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília-DF: Senado Federal, 1988, art. 37, §6º.
  10. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 22 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2007, p. 971.
  11. Curso de direito administrativo. 22ª Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2007, p. 974.
  12. Os mandamentos do advogado. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1999, p. 39.
  13. ADC n. 16. Disponível em: <www.stf.jus.br>.
  14. Idem.
  15. Autor citado, Compêndio de Introdução à Ciência do Direito, 3ª ed., São Paulo, Saraiva, 1975, p. 213.

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Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACEDO, Reane Viana. A responsabilidade da administração pública pelos créditos trabalhistas na terceirização de serviços públicos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2668, 21 out. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17664. Acesso em: 25 abr. 2024.