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Sistema processual penal brasileiro atual.

Análise constitucional da "emendatio" e "mutatio libelli"

Sistema processual penal brasileiro atual. Análise constitucional da "emendatio" e "mutatio libelli"

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"O homem segue sendo a medida porque o Estado é para o homem e não o homem para o Estado".

Luis R. Pérez Sanches


RESUMO

No decorrer da história, o ser humano buscou a melhor forma de solução de conflitos para garantir a paz social. Para alcançar tal desiderato, surgiram o Estado e o processo. O Estado precisava desenvolver a melhor técnica de utilização desse instrumento para que a solução dos litígios fosse efetiva e assim surgiram os diversos sistemas processuais. O direito moderno ou o Direito atual tem como uma de suas principais características a constituicionalização das suas diversas ramificações. Deste modo, as várias áreas de atuação jurídica precisam ser interpretadas tendo como paradigma a Constituição, considerada a Lei Maior ou a Carta Magna do Estado Moderno. Tal análise de compatibilidade deve ser ainda mais rigorosa quando se trata de normas elaboradas anteriormente à vigência da atual Constituição. O sistema processual atual na esfera infraconstitucional deve se coadunar com o sistema e os princípios adotados pela Lei Magna. Do contrário, devem ser reformulados. Observa-se que o atual processo penal é regido por leis, em especial o Código de Processo Penal que, em virtude de terem sido elaboradas em período atroz da história brasileira, a ditadura, e sob influência do Código de Napoleão, também de cunho autoritário, guarda reminiscências do modelo inquisitório, a exemplo da mutatio libelli. Sendo esta um modo de intervenção do juiz na acusação, constata-se afronta ao modelo processual acusatório adotado pela Constituição Federal. Mesmo a recente alteração no processo trazida pela lei 11.719/2008 não expurgou tal inconstitucionalidade. Todavia, é necessária uma releitura das normas infraconstitucionais de modo a fazer adequações com os princípios e regras constitucionais e mesmo com as determinações constitucionais e infraconstitucionais que delimitam a atuação e organização do Ministério Público, titular da ação penal.

PALAVRAS-CHAVE: Constituição. Processo. Acusatório. Acusação.

ABSTRACT

Throughout history human beings sought the best way to resolve conflicts to ensure social peace, to achieve this aim, the State appeared and the process. The state needed to develop the best technique to use that instrument for the resolution of the disputes could be effective, there were various procedural systems. Modern law or the current law has as one of the main characteristics of constituicionalização of its various branches, thus the various areas of legal action must be interpreted in the constitution as a model, considered the highest law or Constitution of the Modern State. This compatibility analysis should be even stricter when it comes to standards developed prior to the expiry of the current constitution. The current court system in the sphere infra, should be in accordance with the system and the principles adopted by the Law Magna, otherwise, should be reformulated. Observed that current criminal procedure is governed by laws, in particular the Code of Criminal Procedure, which by virtue of having been drawn in dark period of the brazilian history, the dictatorship, and under the influence of the Code Napoleon, also authoritarian stamp, guard reminiscent of the inquisitorial model, among which the mutatio libelli. This being a mode of action of the judge in the indictment it is clear affront to the adversarial process model adopted by the Federal Constitution. Even the recent change in the law brought by 11719/2008 not purged as unconstitutional. However, it is necessary to revisit the rules infra in order to make adjustments with the constitutional rules and principles and even the constitutional determinations and infra limiting the role and organization of the prosecutor, head of the prosecution.

KEYWORDS: Constitution. Proceedings. Indictment. Prosecution.


1 INTRODUÇÃO

Esta monografia tem por objetivo analisar o Sistema Processual Constitucional e confrontá-lo com o Sistema Processual Penal Brasileiro corrente, a fim de investigar a compatibilidade entre os dois sistemas, bem como verificar a compatibilidade entre os procedimentos adotados para a emendatio libelli e para mutatio libelli e as normas processuais constantes do texto constitucional.

Este tema foi escolhido pela importância de se entender que, para que as medidas utilizadas pelo Estado na pacificação dos conflitos sociais e nos demais campos de sua atuação tenham eficácia e efetividade, é preciso que estas medidas reflitam os anseios sociais. Todas as ações do Estado no exercício de qualquer de suas funções, seja legislativa, administrativa ou jurisdicional, devem ser realizadas por meio de um processo democrático, isto é, um processo que, ao possibilitar a participação dos interessados, legitime a atuação do estado, permitindo que por meio dele se constate se os meios utilizados para a atividade estatal coadunam-se com as necessidades sociais, contribuindo para a concretização do interesse coletivo e do bem comum.

O mencionado tema surgiu no âmago das discussões ocorridas na disciplina Direito Processual Penal II, cursada no 6º período do curso de Direito da Faculdade NOVAFAPI, ministrada pela professora Eugênia Villa. No transcorrer de suas aulas, frisava a referida mestra a necessidade de se analisar o Código de Processo Penal sob uma ótica constitucional, fazendo-se as devidas adaptações. Uma das questões que se discutia durante as aulas era se as medidas adotadas para a realização das adequações entre os fatos narrados na acusação e a tipificação legal a eles dada, previstas nos artigos 383 e 384 do Código de Processo Penal, conhecidas doutrinariamente como emendatio e mutatio libelli, conformam-se com os princípios e com a sistemática processual vigente no atual Estado Social e Democrático de Direito no qual nos tornamos. Foi esta indagação que fez nascer o interesse pela realização de um estudo sobre o assunto.

A principal norma que rege o processo penal brasileiro é o Decreto-Lei nº 3.689 de 3 de outubro de 1941, portanto, uma norma elaborada há mais de 68 (sessenta e oito) anos. Em contrapartida, o Direito contemporâneo passou por uma grande evolução em muitos conceitos e institutos, de modo que diversos temas no ramo jurídico, se não tiveram seu entendimento completamente modificado, passaram a ser analisados sob uma nova perspectiva. A título de exemplificação desses avanços, cite-se: a) o contrato deixou de ser considerado unicamente um acordo que vincula as partes ao manifestarem suas vontades. Também são relevantes os reflexos que aquele trará para a esfera jurídica de terceiros, com o princípio da função social do contrato; b) a igualdade entre homem e mulher dentro da instituição familiar, pondo termo ao chamado pátrio poder e trazendo o poder familiar; c) a chamada Teoria da Relativização da Coisa Julgada; d) o estabelecimento do Ministério público como instituição permanente e essencial à aplicação da jurisdição pelo Estado, que tem tido suas atribuições cada vez mais expandidas na defesa dos direitos transindividuais. No âmbito específico do processo penal, tem-se a afirmação de uma Teoria do Processo Penal independente da teoria do processo civil, inclusive com o desenvolvimento de uma quarta condição da ação própria da esfera penal, a justa causa, e, como nas demais áreas do direito, a mais importante das inovações, a constitucionalização.

As mais recentes alterações voltadas ao processo penal foram as postas por meio das leis 11.689 de 9 de junho de 2008 e 11.719 de 20 de junho de 2008, que modificaram, respectivamente, disposições processuais relativas ao Tribunal do Júri e diversos aspectos do processo e do procedimento tais como: suspensão do processo, emendatio libelli e mutatio libelli. Ainda que recentes, estas alterações têm sofrido duras críticas, pois muitos doutrinadores se manifestam no sentido de que tais mudanças pontuais, isto é, apenas em algumas partes da lei, acabam criando uma "colcha de retalhos", fazendo com que até mesmo surjam contradições em alguns pontos. Para outros, é hora de se modificar toda a lei penal processual e material, pois o surgimento de crimes como, por exemplo, os praticados por meio da Internet, não podem ser enquadrados corretamente nos tipos penais previstos por leis elaboradas anos atrás e porque alguns dos atos processuais e sua maneira de realização também estariam obsoletos.

Como único meio pelo qual o Estado-juiz pode exercer a jurisdição, o processo precisa ser analisado e criticado para que haja a certeza de que realmente está de acordo com os anseios sociais e até mesmo para se estudar formas mais eficazes de combate à prática de atos ilícitos que, infelizmente, aumentam a cada dia.

O principal alvo, no decorrer deste estudo, é analisar os novos procedimentos previstos nos artigos 383 e 384, §§ 1º a 5º do Código de Processo Penal, comparando-os com os antigos procedimentos, tudo à luz da Constituição Federal de 1988 e dos princípios processuais por ela adotados. Para se alcançar esse fim, foram utilizadas pesquisas bibliográficas nos principais manuais e cursos de Direito relacionados ao tema, além de pesquisa de artigos em sites especializados na Internet. Aborda-se o tema, especialmente, valendo-se dos métodos de raciocínio dedutivo, partindo de uma visão geral do Sistema Processual Penal, até chegar-se aos institutos foco; método dialético, confrontando os procedimentos atuais com os antigos, para então se ver os progressos a que se chegou e os resquícios que permaneceram imiscuídos no procedimento alterado, herança do passado; e, acima de todos, o fenomenológico (intuitivo), por meio do qual se verificam os impactos das alterações na aplicação imparcial da Justiça.

O trabalho está dividido em seis itens. No primeiro item, trata-se da origem do poder do Estado e do jus puniend como parcela de tal poder. No segundo item, analisa-se o sistema processual, conceito, origem, tipos e características dos principais sistemas conhecidos. No terceiro, será estudado o Sistema Processual Constitucional, onde se destacam os mais importantes princípios que permeiam nosso texto constitucional no que se refere ao processo em geral e como deve ser visto o processual Penal à luz desses princípios. Ainda nesse item, empreende-se uma breve consideração sobre a supremacia da norma constitucional e sua justificação. No quarto, consideram-se os institutos da Emendatio e Mutatio libelli e as recentes modificações trazidas pela lei 11.719/2008, fazendo-se um estudo crítico do novo procedimento, a fim de atestar sua compatibilidade com o espírito da Carta Magna brasileira, os avanços conquistados, além de se sugerirem alternativas às práticas incompatíveis com os ideais do Direito Moderno. No quinto item, verificam-se as previsões da Lei maior e de normas infraconstitucionais sobre o Ministério Público e como devem estas previsões influir nos institutos sob análise e na preservação do sistema processual compatível com a democracia. E, concluindo, tecem-se breves considerações finais.

Espera-se que o estudo seja proveitoso e que incite mais discussões em torno do tema para que se possa contribuir com o Estado na realização de seus fins, aprimorar a aplicação das leis e fazer com que o Direito seja realmente um reflexo dos anseios sociais.


2 ORIGEM DO PODER ESTATAL

Antes de ser empreendido o estudo do sistema processual penal brasileiro atual com o fim de entenderem os contornos das medidas processuais que resultam na emenda à acusação ou na modificação nos fatos inicialmente descritos e ser averiguada sua legitimidade e compatibilidade frente ao modelo processual adotado pela Constituição vigente, bem como perante seus princípios, é necessário, ainda que sucintamente, demonstrar os elementos que legitimam a atuação do Estado de modo geral, ou seja, é preciso justificar a concentração do poder nas mãos deste ente político-jurídico.

2.1 As teorias contratualistas

As tentativas de explicar racionalmente como teria ocorrido o surgimento do Estado e a concentração de poderes nas mãos do governante, preocupação que se deu com o fim da crença na chamada origem divina do poder, resultaram no desenvolvimento de diversas teorias que podem ser agrupadas em dois grandes grupos, o dos que defendem que o Estado teve uma origem natural e o dos que defendem que teve origem a partir da manifestação de vontade dos membros da sociedade. Tais teorias têm suas primeiras manifestações na explicação do surgimento da própria sociedade.

Por ter se tornado predominante nos Estados modernos, de índole democrática, a denominada Teoria Contratualista ou Pactista servirá de base, neste estudo, para a análise da origem do poder do Estado. Por esta teoria, o Estado teria se formado, originalmente, por acordo de vontade dos membros da sociedade. Daí a denominação e o fato de seus defensores serem conhecidos como contratualistas ou pactistas. O contratualismo é apresentado de modo sistemático nas obras de Thomas Hobbes, um dos maiores representantes desta corrente, em especial, no livro Leviatã [01].

Passa-se a descrever como teria surgido o Estado de acordo com a exposição de Hobbes. Para o contratualista, o ser humano viveria, antes da organização política, em uma sociedade na qual gozava de uma liberdade somente limitada pela sua própria força, havia igualdade entre todos e cada membro desta sociedade poderia fazer o que sua força permitisse, o que o teórico chama de estado de natureza. Como todos poderiam agir da maneira que melhor entendessem, sem haver um poder que se sobrepusesse ou que limitasse suas atitudes, as agressões eram constantes e assim homem viveria em constante guerra, sendo o lobo do outro homem, no dizer de Hobbes, homo hominis Lupo [02]. A partir daí, entra em cena a vontade humana para superar a guerra e a insegurança e o homem abre mão de uma parcela da liberdade e da força ou poder natural em favor de uma entidade que passa a utilizar esse poder para limitar a atuação dos indivíduos, garantindo a paz e a solução dos conflitos sociais. Este ente representa não a vontade de um indivíduo, mas sim a de todos os que compõem o agrupamento. O homem passa ao estado social; a sociedade natural transforma-se em sociedade civil; nasce o Estado.

Nas palavras do pactista, citado por Fernandes, vê-se um resumo da justificação do Estado:

A única forma de constituir um poder comum, capaz de defender a comunidade das invasões estrangeiras e das injúrias dos próprios comuneiros é conferir toda força e poder a um homem ou a uma assembléia de homens que possa reduzir todas as suas vontades a uma só vontade [...] À multidão assim reunida se chama Estado, é-lhe atribuído o uso de gigantesco poder e força. [03]

Observa-se que o ser humano, de modo racional, decide transferir parte de suas liberdades naturais para o Estado, submetendo-se às imposições do ente político, pois, do contrário, viveria em constante confronto com outros indivíduos. Tal acordo ou pacto social é necessário mesmo à sobrevivência da espécie humana. Sem ele, cada membro da sociedade, podendo fazer uso da força para atingir aquilo que lhe apraz, geraria o caos, conduzindo a humanidade à autodestruição.

Neste passo, a existência do Estado se deve aos fins de manutenção da paz social, da segurança, a imposição de poder coercivo originado da vontade abstrata de todos os componentes do meio social para resolver os conflitos nascentes e, enfim, propiciar a sobrevivência do ser humano. Quando, pois, o Estado utiliza o poder que não é seu, e sim dos cidadãos, estabelecendo meios de atuação, é necessário analisar se estes são aptos a realizar aqueles fins que constituem a razão de ser do Estado. Caso contrário, os instrumentos de atuação desta pessoa ficta não serão legítimos.

A influência da teoria contratualista que fundamenta um poder exercido pelo Estado em nome do povo o qual efetivamente é dono do poder é percebida em nossa Constituição, no art. 1º, parágrafo único, que estabelece: "Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição" [04].

2.2 Jus puniendi como parcela do poder estatal

O jus puniendi, isto é, o poder-dever de aplicar a punição em decorrência de uma infração penal, é monopólio do Estado em nosso ordenamento jurídico e no da maioria dos Estados modernos. Na definição de Mirabete, jus puniendi é definido como o "direito que tem o Estado de aplicar a pena cominada no preceito secundário da norma penal incriminadora, contra quem praticou a ação ou omissão descrita no preceito primário, causando um dano ou lesão jurídica." [05] Este é um dos aspectos do poder jurisdicional. Consiste em um dos "elementos que compõem a jurisdição", segundo Bonfim, "coertio ou coertitio" [06], a aplicação de medidas coercitivas por parte do estado sem as quais os provimentos judiciais não teriam efetividade.

O poder jurisdicional, um dos três poderes, funções ou uma das atividades desempenhadas pelo Estado, é na verdade apenas uma variante, uma parcela, do poder do Estado que é uno indivisível. É esse o entendimento de Bonfim, transcrito a seguir:

Em um primeiro aspecto, portanto, o termo "jurisdição" é utilizado para designar o próprio poder investido em determinada entidade para que esta possa, diante da sociedade, dizer, peremptoriamente, com autoridade, qual é o direito perante o caso concreto [...] Assim, no âmbito da teoria do Estado, a jurisdição é concebida, primordialmente, como poder. [...] diz-se que a jurisdição é uma parcela do poder estatal e uma das formas de sua manifestação, pois este, na verdade é uno e soberano. [07]

O mesmo entendimento manifestado por este autor é amplamente defendido pelos estudiosos da teoria do Estado, conforme leciona Dallari, para quem "Embora seja clássica a expressão separação de poderes, que alguns autores desvirtuaram para divisão de poderes, é ponto pacífico que o poder do Estado é uno e indivisível." [08]

Portanto, há somente um poder soberano. Assim sendo, todas as manifestações deste poder ou, ainda, todas as funções dele decorrentes desempenhadas pelo Estado têm o mesmo fundamento, devendo ser voltadas ao alcance dos mesmos fins.


3 SISTEMAS PROCESSUAIS

De modo semelhante à evolução descrita por Thomas Hobbes, partindo do estado de natureza para o estado civil, houve uma evolução nas formas de pacificação dos conflitos dentro da sociedade, não sendo exagero afirmar que foi o desenvolvimento e aprimoramento dos métodos de solução de conflitos que possibilitou a transição do estado de natureza para o estado social ou civil. Inicialmente, os indivíduos buscaram resolver os litígios por sua própria força, modalidade de solução que ficou conhecida como auto-tutela. Com a utilização da auto-tutela, prevalecia, na maioria das vezes, a vontade do mais forte; em outras ocasiões, havia renúncia ou perda parcial do direito de uma das partes, gerando injustiças e insegurança. Os indivíduos acabaram assim atribuindo ao Estado a função de solucionar os dissídios sociais. Para desenvolver esta atribuição, o Estado lança mão da jurisdição, função estatal que visa a resolver, de modo eqüidistante das partes envolvidas, as celeumas e questões surgidas no seio da coletividade.

O processo é o instrumento que o Estado-juiz utiliza para aplicar a jurisdição. [09] A celeridade e a eficiência com que se realiza a atividade jurisdicional dependerão da maneira segundo a qual os institutos e princípios processuais se relacionam e são organizados. Portanto, é preciso que haja determinação de uma disciplina e de uma sistematização, de um método para orientar o desenrolar dos acontecimentos e dos atos processuais, isto é, de um sistema processual.

Demonstrando a instrumentalidade do processo e sua importância não somente na atividade jurisdicional, ensina o professor Bonfim, in verbis:

Do ponto de vista do Estado, o estabelecimento de processos, de modo geral, é, assim, uma das formas de estabelecer limitações a seu poder. Destarte, um processo criado por meio da positivação de normas jurídicas determina uma maneira, dentre todas as possíveis de se exercer o poder.

Uma vez estabelecido, o processo passa a ser o único meio pelo qual determinado aspecto do poder.estatal será exercido. O processo judicial, portanto, é o meio, determinado por normas jurídicas, pelo qual o Estado poderá exercer o poder da jurisdição. [10]

Interessante ponto é mencionado por este estudioso, pois expressa a idéia de que o processo não somente seria um meio de limitação do poder jurisdicional, através de regras que disciplinam a maneira da atuação e exercício das atividades do Estado, mas sim de todos os poderes (funções) estatais, consubstanciando-se em instrumento de concretização destas atividades, quaisquer que sejam.

3.1 Conceito de sistema processual

Levando-se em consideração os princípios em torno dos quais se direcionam e se organizam os atos processuais, a doutrina identifica um sistema em que os processos em diversas épocas e locais foi desenvolvido, partindo daí a noção de sistema processual.

Embora misturando conceitos diversos acerca da idéia geral de sistema, Coutinho acaba por assim definir sistema jurídico:

Ainda que com uma visão sucinta, tenho a noção de sistema a partir da versão usual, calcada na noção etimológica grega (systema-atos), como um conjunto de temas jurídicos que colocados em relação com um princípio unificador, formam um todo orgânico que se destina a um fim. É fundamental, pelo que parece óbvio, ser o conjunto orquestrado pelo princípio unificador e voltado para o fim ao qual se destina. [11]

É fácil perceber que, contrariamente ao que diz o autor, ao invés de apresentar um conceito "na versão usual" de sistema, conceituou sistema jurídico, ao fazer menção a "conjunto de temas jurídicos", pois, na versão usual sistema indica um conjunto coordenado de elementos quaisquer, o que permite se falar assim em sistema matemático, conjunto de expressões numéricas, em sistema biológico, conjunto de seres vivos, e assim por diante. Se o conjunto é de termos jurídicos orientados por um princípio básico, ao qual Coutinho designa "princípio unificador", e se os termos jurídicos aos quais se refere são de direito processual, trata-se, de acordo com o entendimento do autor, de um sistema processual. [12]

Mais preciso e didático é o conceito de sistema processual oferecido por Dinamarco. Este mestre parte de uma noção ampla, e realmente usual, de sistema para chegar à restrita concepção de sistema processual. Veja-se:

Sistema é um conjunto fechado de elementos interligados e conjugados em vista de objetivos externos comuns, de modo que um atua sobre os demais e assim reciprocamente, numa interação funcional para a qual é indispensável a coerência entre todos. Sistema processual é um conglomerado harmônico de órgãos, técnicas e institutos jurídicos regidos por normas constitucionais e infraconstitucionais capazes de propiciar sua operacionalização segundo o objetivo externo de solucionar conflitos. [13]

Nestes conceitos, alguns pontos devem ser frisados para que se tenha uma compreensão vívida, que será útil durante as considerações. Dentro do conceito de sistema, nota-se que Dinamarco fala da interação entre os componentes do sistema, em vista de um fim e, para tanto, é "indispensável a coerência" entre eles. Destarte, vários são os sistemas existentes nas mais variadas áreas do conhecimento e nos diversos campos. Todavia, demonstra que o sistema, para ser caracterizado como processual, deve ser formado de elementos jurídicos regidos por normas, constitucionais e infraconstitucionais, que os operacionalizam, ou seja, que os aplicam concretamente na busca da pacificação dos conflitos. As normas que trazem em seu bojo as disciplinas a serem observadas que servem de instrumento para aplicação dos institutos jurídicos são as normas processuais, caráter instrumental já discorrido.

Com acuidade e perspicácia peculiar, Dinamarco diferencia ainda sistema processual de modelo processual. Prossegue este professor, agora, definindo modelo processual, nos seguintes termos:

Um dado sistema processual, considerado pelo conteúdo específico das normas que o regem, pela concreta conformação dos órgãos que o operam e pelo modo de ser dos institutos encadeados em razão deste objetivo constitui um modelo processual. Tem-se por modelo processual, portanto, cada um dos sistemas processuais encontrados especificamente nos diversos lugares do mundo e em tempos diferentes. Falar em modelo processual é considerar um dado sistema processual pelos elementos que concretamente o identificam e diferenciam de outros no tempo e no espaço. [14]

Assim, modelo processual é o conjunto de características concretas que apresenta uma técnica de aplicação de princípios e institutos jurídicos em um dado local, em uma determinada época. Segundo aquela definição, não se deveria falar em sistema inquisitório, sistema acusatório, misto ou sistema antropológico para se referir às diversas modalidades de organização do processo usadas pelos vários povos no decorrer dos séculos ou para os presentes nos países na atualidade. Todas as técnicas de realização do processo são sistemas processuais, logo, inquisitório ou acusatório seria o modelo de sistema processual. A expressão tecnicamente correta seria, por exemplo, modelo acusatório de sistema processual ou, simplesmente, modelo processual acusatório.

Apesar da exatidão de Dinamarco, acredita-se que, para os fins a que se propõe a pesquisa ora realizada, o uso da expressão "sistema processual" ou "modelo processual" não alterará o conteúdo, a substância do trabalho, que é o mais importante, consistindo em mero preciosismo. Além disso, já se tornou comum o uso de "sistema" em processo como sinônimo de "modelo", motivo pelo qual se opta pela nomenclatura comumente utilizada, ao se fazer uso da expressão "sistema processual" em lugar de "modelo processual".

3.2 Tipos de sistemas processuais

Estão superadas as noções introdutórias necessárias para um bom entendimento das análises propostas nesta pesquisa, após se entenderem alguns aspectos como as razões da concentração dos poderes de coação na sociedade em um ente ideal, o Estado; da imprescindibilidade do regramento de um devido processo para o exercício dos vários aspectos deste poder, entre eles o jus puniendi; e da inter-relação das normas, princípios e técnicas do processo de modo coerente compondo um sistema ou modelo processual. Passa-se, destarte, a uma análise dos principais sistemas processuais utilizados ao longo de anos de desenvolvimento na busca por uma melhor técnica de pacificação social e seus elementos e princípios identificadores.

3.2.1 Sistema acusatório

Entre os principais sistemas processuais, o primeiro a que se faz referência é o sistema acusatório, também denominado sistemas de garantias ou de partes. Originado em Atenas e em Roma, a denominação recebida por este sistema se deve ao fato de que somente mediante uma acusação um indivíduo era levado a julgamento. Nos ilícitos que ofendessem direitos e bens de interesse eminentemente particulares ou que fossem menos graves, a acusação era facultada ao ofendido, nos mais graves ou que afetassem toda a sociedade. Caberia a qualquer indivíduo proceder à acusação. Cada uma das funções dentro do processo era atribuída a pessoas distintas, já na sua origem, como também, nas suas manifestações modernas, havia um órgão oficial responsável pela acusação. Para alguns, o sistema só será realmente acusatório se a acusação for procedida por qualquer membro da sociedade. No entanto, não se deve, precipitadamente, concluir que o fato de poder a acusação ser exercida por um órgão estatal contraria a divisão das atividades processuais entre pessoas distintas, pois o órgão oficial incumbido da ação pública age em nome da sociedade e é criado especialmente para acusar. Lago chama a atenção para essa importante colocação:

A esse respeito, vale ressaltar que, à despeito de se considerar a acusação privada ou popular como de essência fundamental do sistema acusatório puro, não há de se admitir que a oficialidade do exercício da ação penal constitua, por si só, elemento capaz de modificar substancialmente a natureza acusatória do sistema processual, posto que, em verdade, assumindo a responsabilidade de iniciativa da ação penal, por órgãos designados especificamente para tal, , está o Estado agindo em nome da sociedade, com o fim precípuo de evitar a impunidade, de ante da natural acomodação e fragilidade do ser humano. Ademais, no exercício da função pública, a despeito de se submeter o órgão oficial ao império da legalidade, que no campo penal, obedece a princípios de moralidade e impessoalidade, não fica adstrito à observância cega do princípio da obrigatoriedade, até porque, ocupados tais cargos por seres humanos, haverá sempre espaço para a eleição de alternativas para implementação da política criminal mais justa, compatibilizando assim a obrigatoriedade com certa dose de disponibilidade, apesar de regrada, ante à legalidade dos limites de atuação do órgão acusador. [15]

Todavia, tal entendimento não é unânime. Alguns doutrinadores, a exemplo de Colomber, citado por Lago, consideram que, no momento em que a iniciativa da ação penal que, na maioria das vezes, cabe ao Ministério Público, é atribuída a um órgão do Estado que também decidirá por meio do órgão judicial, estará sendo corrompido o sistema acusatório puro ou genuíno, pois o Estado estará assumindo atividade própria da população ou do ofendido [16].

Entretanto, a atual titularidade da ação penal dada ao Ministério Público é resultado da evolução da sistemática processual, não havendo dissonância com o sistema acusatório, pois o Ministério Público, sem embargo de ser um órgão oficial, possui no processo como única função a de acusar. Desde que atue de modo independente das demais partes, estará atendido o requisito da divisão de funções no processo.

Sendo um sistema no qual uma de suas principais características é a presença de partes, não se admite à parte julgadora proceder qualquer investigação ou produção de provas (mormente no sistema acusatório genuíno ou puro), mantendo-se imparcial. O processo é público e seus atos são realizados oralmente, com a participação do acusado que é protegido por garantias como o contraditório a ampla defesa.

Provoca grande dissidência na doutrina a determinação de qual dos elementos encontrados no sistema acusatório seria sua principal característica. Para alguns estudiosos do tema, o fato de o sistema somente ser iniciado com a acusação, seria a sua principal característica. Esse posicionamento não se sustenta, pois a acusação estava presente em todos os sistemas processuais, os quais serão analisados mais adiante, embora, em alguns, a regra fosse a acusação de ofício.

Para outros, o que caracterizaria essencialmente o sistema acusatório seria o rol de direitos ou as garantias que são reconhecidas ao acusado, sendo, por este motivo, chamados de garantistas [17]. Embora reconheça a importância das garantias, afirmando não poder deixar de ser considerada a forte relação do sistema acusatório com a cidadania, outro posicionamento é defendido por Coutinho para o qual a mais marcante nota do sistema acusatório é a distribuição da gestão da prova que fica a cargo das partes, conforme aponta no seguinte trecho:

O mais importante, contudo, ao sistema acusatório – é bom que se diga desde logo -, é que da maneira como foi estruturado não deixa muito espaço para que o juiz desenvolva aquilo que Cordeiro, com razão, chamou de "quadro mental paranóico", em face de não ser, por excelência o gestor da prova pois, quando o é, tem, quase por definição, a possibilidade de decidir antes e, depois, sair em busca do material probatório suficiente para confirmar a "sua" versão, isto é, o sistema legitima a possibilidade da crença no imaginário, ao qual toma como verdadeiro. [18]

Vê-se que a razão está com a maioria dos doutrinadores que destacam como principal característica do sistema acusatório o fato de ser um sistema de partes, pois, desta característica decorrem todas as demais apontadas anteriormente que, para alguns, são as mais importantes. Todas as garantias que são dadas ao causado, assim como o fato de o julgador não concentrar em suas mãos a produção de provas são decorrência da posição que o acusado ocupa, sendo visto como parte neste sistema, não como mero objeto de investigação, como se dava em outros sistemas processuais. Havendo partes, é preciso que sejam dados a estas direitos e garantias dentre os quais o de se manifestarem produzindo provas.

Ao descrever o sistema processual ateniense, Tourinho Filho enuncia a existência de classificação dos crimes em crimes de natureza privada e crimes públicos [19]. Nos primeiros, a acusação cabia ao ofendido. Já no segundo, a Assembléia escolhia um cidadão para acusar. O processo era regido pela publicidade e oralidade. Pode-se caracterizá-lo como acusatório, pois, embora o autor diga que o réu não tinha "nenhuma" garantia, em outra oportunidade, ao tratar da ordem de manifestação no processo, diz que primeiro falava a acusação, depois a defesa que era feita por parte diversa daquela que acusava. Se o réu tinha direito à defesa, ao menos essa garantia ele possuía. Posteriormente, o autor reconhece o sistema ateniense como sendo acusatório [20]. Em Roma houve, oscilações entre o sistema acusatório e inquisitório. Nos últimos séculos da República, predominou a acusatio [21].

3.2.2 Sistema inquisitório

O sistema acusatório, com o passar do tempo, apresentou algumas impropriedades, como a acusação que, na maioria dos casos, era facultada a particulares, sendo que estes passaram a negligenciar alguns delitos considerados menos importantes, outras vezes o poder que o ofensor detinha intimidava aqueles que deveriam acusar e, em outros casos, a acusação era utilizada para perseguir inimizades. O Estado passou então cada vez mais a tomar a iniciativa no estabelecimento do processo. Surge então o sistema inquisitório como superação do sistema anterior.

No sistema inquisitório, o processo é iniciado de ofício. Todas as atividades processuais se concentram nas mãos de um único órgão. Os atos são sigilosos e escritos, e não há garantias para o acusado. Supervaloriza-se a forma de realização dos atos, pois se acredita que conduziram à verdade real. O réu era considerado tão somente objeto de uma investigação. Como todas as atividades eram realizadas pelo magistrado, não havia imparcialidade.

O processo penal canônico, ao contrário do que se pensa, teve caráter acusatório, até o séc. XII. Do séc. XIII em diante, estabeleceu-se o sistema inquisitivo, de início aplicado somente nas questões eclesiásticas. Todavia, mostrou-se eficiente instrumento de dominação e conservação do poder. O procedimento era realizado de ofício pelo juiz que agia secretamente, com uso de tortura, para obter confissão. Não se permitia nem mesmo a defesa, sob a alegação de que impossibilitaria o alcance da verdade.

O sistema inquisitório atingiu seu apogeu na Idade Média, especialmente sob o manto do direito canônico. Ao longo dos anos, tomou conta de quase toda a legislação da Europa Ocidental como forte aliado dos Estados absolutistas, contribuindo para a dominação política da região [22].

Para concluir este tópico, resta tecer alguns comentários sobre o principal destaque deste tipo de sistema processual. Parte dos processualistas, que constituem a parte majoritária, a qual se mostra estar com a razão, entende que o sistema inquisitório é o posto do sistema acusatório. Afirmam, assim, que a característica principal deste sistema é concentração de todos os poderes nas mãos do órgão inquisidor. Não há neste sistema um processo de partes.

Destoando da maioria, Coutinho defende que, na realidade, é a gestão da prova o grande diferencial do sistema inquisitório, in literis:

Estabelece-se, assim, uma característica de extrema importância a demarcar o sistema, enquanto puro, ou seja, a inexistência de partes, no sentido que hoje emprestamos ao termo. Não obstante o vigor com que conduz e orienta o discurso de alguns, às vezes usada como ponto de partida ou mesmo como fator único de distinção, trata-se de elemento distintivo secundário [...]

A característica fundamental do sistema inquisitório, em verdade está na gestão da prova, confiada essencialmente ao magistrado [...]. [23]

Para fundamentar sua posição, Coutinho afirma que é possível existir um processo inquisitivo de partes e cita como exemplo o ancien regime, com as ordennance criminelle, durante o reinado de Luiz XIV. Todavia, conforme ensina Tourinho Filho, neste sistema, embora a acusação, em alguns casos, coubesse ao procurador do rei, o processo era dividido em três partes: informação, instrução preparatória e julgamento. As duas primeiras fases eram realizadas pelo magistrado, chamado lieutenant criminel du bailliage. O julgamento era realizado pelo lieutenant criminel e seus assessores que compunham o tribunal. Assim, o magistrado dirigia todo o processo. O fato de a acusação ser proposta por popular ou mesmo por um representante público, como uma assembléia ou senado, não faz do processo um processo de partes, visto que, a partir da acusação, o inquisidor assumia todo o resto do processo oficiosamente.

Cabe ainda destacar que, ao se referir a um processo de partes, quer se enfatizar a participação do acusado que deixa de ser mero objeto de investigação para ser componente da relação processual, passando aí a ter direitos, dentre os quais o contraditório e a ampla defesa.

3.2.3 Sistema misto

Em decorrência da crueldade que permeava o sistema inquisitório, somado à descrença na sua eficácia no alcance da verdade dos fatos e da justiça, esse sistema passou a ser duramente criticado. Com o advento da Revolução Francesa e, em conseqüência, dos ideais de cidadania, justiça, igualdade e fraternidade, aquelas críticas tornaram-se ainda mais ferrenhas. Em face da fragilidade do sistema acusatório e da inconformidade do sistema inquisitório frente à dignidade humana e aos demais direitos cuja defesa se espalhava tomando conta de todos os países do mundo, em especial, dos países europeus, idealizou-se o sistema misto ou acusatório formal, com o objetivo de respeitar as garantias do sistema acusatório, preservando as vantagens do sistema inquisitório [24].

O sistema misto, como o próprio nome indica, é formado pela junção de elementos característicos do modelo inquisitório e do modelo acusatório. Assim como ocorria no inquisitório, no sistema misto existem três fases: investigação prévia, instrução e julgamento. As duas primeiras fases são desenvolvidas de forma sigilosa e sem a participação do acusado. Na fase de julgamento, os procedimentos são orais, públicos e contraditórios. Esse sistema foi instituído com o Código Criminal francês, o Código de Napoleão, em 1808, com o objetivo de amenizar os arbítrios do sistema inquisitório vigente.

Atualmente o sistema misto é aplicado em alguns países europeus como Itália, Espanha, Alemanha e também na América-Latina, como é o caso da Venezuela. A doutrina nacional não é pacífica, conforme se demonstrará em detalhes no item a seguir, mas há autores que enquadram o sistema processual penal brasileiro como sendo misto. Esse posicionamento, para a maioria dos que o defendem, tem como principal fundamento a existência de um processo ou procedimento administrativo, o Inquérito Policial, sigiloso e sem a participação do acusado. A forma mais enfática de aplicação do sistema misto atualmente se encontra na França, no chamado juízo de instrução. Neste sistema, há uma fase inicial onde é feita a coleta da prova e apuração das infrações, que é dirigida por um juiz (daí o nome). Cabe à polícia tão somente a prisão dos infratores e a indicação de provas a serem produzidas.

3.2.4 Sistema antropológico

Faz-se menção de um último sistema, apenas para efeito didático e de ampliação de conhecimentos, pois nunca foi aplicado. Ele se estringiu a meras elucubrações, sem óbice de ser admitida a ponderação, ainda que acessoriamente, de alguns de seus aspectos. Trata-se do sistema antropológico [25]. Esse sistema, foi proposto na Itália, com base nas idéias do positivista Auguste Comte. Nesse sistema os juízes não deveriam ter formação jurídica e sim em sociologia e antropologia criminal, uma vez que os fatores a serem considerados na avaliação do caso seriam os antecedentes pessoais do acusado e suas características físicas e hereditárias. Assim, é possível perceber que se acreditava que ser criminoso era uma tendência genética, ou seja, o indivíduo nasceria biologicamente predestinado ao cometimento de delitos. Não deveria, por esse sistema, existir ação exclusivamente privada, pois a aplicação da sanção decorreria de uma necessidade social.

O nosso sistema processual Penal não descarta por completo alguns dos elementos deste sistema ao aplicar a legislação penal, a exemplo do disposto no artigo 59 do Código Penal:

Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: [26]

Bem se vê que a lei penal material que traz também em seu conteúdo disposições de direito penal formal, embora tal fato seja criticado por alguns, não prescinde por completo de alguns dos fatores que seriam determinantes para a realização do processo e sua conclusão nos ditames do sistema antropológico, tais como os antecedentes do acusado, sua conduta social e personalidade.


4 SISTEMA PROCESSUAL CONSTITUCIONAL

Houve um desenvolvimento progressivo dos métodos de aplicação e realização do processo alhures discutido, com o fim de aperfeiçoar um sistema que melhor se adequasse às aspirações, da sociedade contemporânea, de justiça, igualdade, dignidade da pessoa humana e bem estar social, fundamentos e objetivos do Estado Brasileiro [27] (artigos 1º e 3º da Constituição Federal de 5 de outubro de 1988). São as constituições o documento no qual os direitos e garantias dos cidadãos, conquistados a duras penas, estão consagrados, pondo o constitucionalismo como um dos grandes avanços do mundo jurídico. Impõe-se considerar as previsões constitucionais relativas ao processo penal e apontar qual o sistema processual adotado pela Magna Carta.

A Constituição da República Federativa do Brasil é considerada a lei maior do nosso ordenamento jurídico, por isso é também chamada de Carta ou Lei Magna (magno, do latim Magnus,quesignificagrande). Assim considerada, todas as normas ditas infraconstitucionais, isto é, que estão abaixo da Constituição, devem ser elaboradas tendo como parâmetros os princípios e disposições constitucionais. No mesmo passo, as normas já existentes, necessariamente, têm que possuir texto compatível com suas disposições.

Nesses termos, Moraes destaca a importância da Constituição para aferição da validade das leis e sua posição hierarquicamente superior às demais normas que compõe o sistema jurídico brasileiro, como a seguir:

Em primeiro lugar a existência de escalonamento normativo é pressuposto necessário para a supremacia constitucional, pois, ocupando a constituição a hierarquia do sistema normativo é nela que o legislador encontrará a forma de elaboração normativa e seu conteúdo. Além disso, nas constituições rígidas se verifica a superioridade da norma magna àquelas produzidas pelo poder legislativo, no exercício da função legiferante ordinária. Dessa forma, nelas o fundamento do controle é o de que nenhum ato normativo, que lógica e necessariamente dela decorre, pode modificá-la ou suprimi-la. [28]

Vê-se então, com amparo na lição do constitucionalista, que nenhuma norma, seja de natureza substancial ou formal, pode estar em descompasso com as disposições presentes no bojo da Constituição. Esta compatibilidade entre as leis ditas infraconstitucionais e a Lei Maior deve ser ainda mais cuidadosamente analisada em se tratando de normas anteriores à promulgação da Constituição vigente, caso em, que confirmada essa compatibilidade, a norma será recepcionada, senão a norma não poderá fazer parte da ordem, do sistema jurídico aplicável.

Nasce assim, em vista da afirmação anterior, questão de grande relevância para a análise do sistema processual penal que diz respeito aos fundamentos dessa superioridade do texto constitucional sobre as demais disposições normativas. É o que se considera no subitem seguinte.

4.1 Supremacia da Constituição: constitucionalismo

A idéia de uma norma que se encontra acima de todas as demais disposições normativas de um ordenamento jurídico é uma decorrência do movimento constitucionalista o qual não se sabe precisar quando teria sido iniciado, mas que tem, reconhecidamente, como marco a Magna Carta do rei João Sem Terra, que data de 1215. Modernamente, a noção de constitucionalismo, em uma das várias acepções atribuídas ao termo, se confunde com a teoria da supremacia da Constituição [29].

O movimento constitucionalista tem como fundamento dois pontos principais: a limitação do poder do Estado e a garantia dos direitos fundamentais do indivíduo, ambos elencados pelo constitucionalista Lenza [30] e pelo cientista político Dallari [31]. Ao conceberem o constitucionalismo um conjunto de normas fundamentais tendentes à limitação dos poderes do Estado, em seu início concentrados nas mãos do rei, e a proteção dos direitos dos cidadãos, Dallari e Lenza citam como primeira manifestação do constitucionalismo as normas do povo hebreu. As leis hebréias tinham origem teocrática e eram utilizadas pelos profetas para fiscalizar as ações dos reis, que deveriam seguir estritamente suas prescrições, o que prevenia ação abusiva contra os cidadãos. A Magna Carta de João Sem Terra também confirma a presença destes dois fundamentos, pois foi uma imposição dos barões ingleses com o fim de limitar os poderes do rei e, embora tenha sido imposta no interesse de uma classe, indiretamente beneficiou também os cidadãos mais pobres.

Por não ser o foco do estudo, não será aprofundada a análise da teoria de Hans Kelsen, ícone do constitucionalismo que imaginou o ordenamento jurídico como uma pirâmide de normas escalonadas com a Constituição em seu ápice. É suficiente para os fins aqui propostos explanar o comentário feito por Dallari, que assim resumiu a teoria de Kelsen:

[...] KELSEN chega a uma conclusão semelhante. Seu ponto de partida é uma norma fundamental hipotética [...] Com base naquela norma fundamental hipotética os membros do povo selecionam as normas de comportamento social que consideram fundamentais. Essas normas, que existem na consciência das pessoas, formam uma primeira constituição que é abstrata ou teórica, porque ainda não se externou como norma jurídica. Num terceiro momento, pelos meios próprios que são os órgãos reconhecidos pelo Direito, aquelas normas são expressadas como normas jurídicas fundamentais, tendo-se então uma constituição positiva. [32]

Em consonância com o comentário acima, primeiro surge no meio social a consciência da necessidade de normas precípuas a serem observadas que posteriormente são positivadas, escritas, formando as constituições. Nas constituições, são estabelecidas as regras que organizam e estruturam o Estado e também as que deve seguir no desempenho de suas atividades, no exercício do poder que lhe é concedido pelo povo. Ao determinar como deve agir aquele ente, limitam-se os campos de sua atuação e os modos a serem utilizados, protegendo os cidadãos das arbitrariedades que ocorreriam caso o Estado pudesse atuar sem restrições, com poder ilimitado. O texto constitucional também arrola os anseios sociais, os valores e direitos consagrados naquela sociedade como básicos para sua subsistência. Estes direitos básicos, considerados fundamentais, servirão de referência para todas as regras posteriores que somente serão consideradas válidas se não confrontarem ou suprimirem as determinações das normas fundamentais.

Válidas são, ainda, as ponderações de Amaral ao tratar do controle das leis perante a Constituição que é decorrência da posição superior ocupada pela Constituição, in verbis:

Por outro lado, o Direito é um sistema é uma ordem da conduta humana. E uma ordem é um sistema de regras. O Direito não é uma regra, como às vezes se diz, mas um conjunto de regras que apresenta uma unidade sistêmica. [...] Vale dizer, tudo depende do chamado fundamento de validade das disposições e atos normativos, como diria Kelsen (Teoria General del Derecho y Del Estado, 1979: 129/132).

E esse fundamento de validade são normas pressupostas, anteriores, de hierarquia superior e logo de obediência necessária, [...] e todas as normas integrantes de um dado sistema jurídico (ordenamento) encontram seu fundamento de validade – como o efeito a procura de sua causa – em última instância, na norma fundamental do sistema, cuja força obrigatória não procede de outra, mas é auto-evidente, ou pelo menos, assim presume-se. [33]

Amaral descreve, em referência também a Kelsen, o ordenamento jurídico e o Direito como um conjunto de normas. É preciso relembrar o conceito de sistema jurídico apresentado por Coutinho [34] no qual apresenta como elemento essencial para a definição de um sistema o que chama de "princípio unificador", que põe os componentes do sistema em relação recíproca e que "orquestra" todo o conjunto voltando-o para um fim específico. Amaral expressa a idéia de que, no ordenamento jurídico, este princípio básico unificador de todo o sistema é a Constituição, sem a qual não haveria uma ordem jurídica, mas várias regras desordenadas e confrontantes entre si. Para determinarmos a adequação ou inadequação das regras de um sistema jurídico aos fins almejados pela sociedade ao qual é imposto, é precípua a existência de uma norma fundamental pressuposta e que deve ser obedecida por todas as outras.

4.2 Disposições constitucionais processuais

A Constituição não determina expressamente qual seja o sistema processual por ela adotado. Apesar disso, com fulcro nas características de cada sistema processual analisadas anteriormente e observados os dispositivos constitucionais que tratam dos princípios e das regras básicas que devem reger o processo no ordenamento jurídico, poder-se-á fixar o sistema consagrado na nossa Lei Magna.

Como outrora exposto, com algumas variações, os sistemas processuais mais aplicados no decorrer das eras até a atualidade são o inquisitivo e o acusatório que tem como principal distinção o exercício de atividades processuais, no primeiro, concentradas em um único órgão e, no segundo, distribuídas entre diferentes partes. A divisão dessas funções dentro do processo no sistema de partes é justificada pelos mesmos fundamentos apresentados para a divisão das funções do Estado, visto que o processo é um meio utilizado para aplicação de um dos aspectos deste poder, a jurisdição. Dallari, ao explicar a divisão dos poderes ou funções do Estado, assim se manifesta:

De fato, quando se pretende desconcentrar o poder, atribuindo o seu exercício a vários órgãos, a preocupação maior é a defesa dos indivíduos, pois, quanto maior for a concentração do poder, maior será o risco de um governo ditatorial. Diferentemente, quando se ignora o aspecto do poder para se cuidar das funções, o que se procura é aumentar a eficiência do Estado, organizando-o da maneira mais adequada para o desempenho de suas atribuições. [35]

Assim se dá no processo. A concentração de poderes típica do sistema inquisitório é a ideal para a manutenção de um poder arbitrário e que desconsidera qualquer forma de garantia de diretos individuais. Não é por nada que o modelo inquisitório encontrou guarida exatamente em governos tidos como ditatoriais como na monarquia e no império, em Roma, durante a inquisição realizada pela Igreja Católica, no governo autoritário de Napoleão na França e durante as ditaduras militares brasileiras, aliás, período no qual foi preparado o atual Código de Processo Penal, sob influência do Código de Napoleão de 1808. Ainda que se descartasse a tendência humana para corrupção e abuso do poder presente ou, no mínimo, o risco de se atribuir todo o poder a alguém, restaria ainda o fundamento da falibilidade humana, vinculado à questão da eficiência, porque o ser humano é falho. Deixar sob a responsabilidade de uma única pessoa todas as atividades pode comprometer o resultado final que não será desenvolvido de modo tão completo e profundo como o é quando existem órgãos especializados para cada tarefa.

No sistema jurídico brasileiro, os litígios resultantes de qualquer ameaça ou lesão efetiva do direito devem ser submetidos aos órgãos judiciários, segundo dispõe o art. 5º, inciso XXXV da Constituição Federal [36] que, nesse caso, adota o sistema único de jurisdição com monopólio da aplicação e solução de conflitos, ao menos em última instância social, dado ao poder judiciário.

Como visto, a Constituição atribui aos órgãos do poder judiciário o monopólio do exercício da jurisdição. Em outras palavras, somente ao judiciário é dado o poder de julgar, definitivamente, os conflitos sociais. Em outros dispositivos, atribui a pessoas diversas a função de acusar. No art. 5º, inciso LIX, da Constituição, lê-se: "será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal" [37]. Já no art. 129, inciso I do texto magno, tem-se: "São funções institucionais do Ministério Público [...] promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei" [38], logo, a função de acusar compete, nos termos da Constituição, com exclusividade, ao Ministério Público e, em casos excepcionais, ao ofendido. Atente-se que o exercício privado da ação penal é característico do modelo acusatório genuíno ou puro. A Constituição também consagra aos réus o direito à ampla defesa no art. 5º, inciso LV [39].

Deste modo, a Constituição assegura a realização de um processo de partes, no qual cada função é atribuída a um participante distinto: ao juiz cabe julgar, ao Ministério Público ou, excepcionalmente, ao ofendido, acusar e ao réu é dado o direito de se defender. Confirma-se a prescrição de um processo de partes nos termos da Constituição, característica principal do sistema acusatório.

A publicidade é outro fator do sistema acusatório ou de partes que, por imposição constitucional, deve prevalecer nos processos em geral, ressalvado o interesse público, conforme art. 93, inciso IX da Constituição Federal:

IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação; [40]

Enquanto no sistema inquisitório o réu era visto como mero objeto de investigação, na Constituição lhe é assegurado o direito de defesa e estabelecida a igualdade entre os litigantes, conforme art. 5º, caput [41]. A divisão de funções no processo é ainda assegurada pelo princípio do juiz natural, encontrada no art. 5º, incisos XXXVII – "não haverá juízo ou tribunal de exceção" [42] – e LIII – "ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente" [43]. No momento em que a Constituição determina que somente realize o processo uma autoridade com competência predeterminada legalmente e proíbe a criação de tribunais para julgar causas específicas, visa a manter um julgador imparcial, isto é, que não privilegie qualquer das partes, dando-lhes tratamento igualitário, decidindo de acordo com os princípios e normas jurídicas, não por influências completamente estranhas ao direito.

Quando trata da questão da imparcialidade do juiz, Coutinho faz interessante crítica:

A visão tradicional não dá conta, coerentemente, da explicação do papel do juiz, o que pode ser constatado a partir da falta de referenciais semânticos adequados aos conceitos que oferta. Órgão estatal desinteressado; imparcialidade; neutralidade e outros elementos formam um pano de fundo que só faz surgir uma irreal versão ao seu papel.

Não é por outro motivo que muitos têm o juiz como um semideus (ou quase), desideologizado, o que é inaceitável. [44]

A posição acima mencionada deste professor pode ser questionada, uma vez que o entendimento defendido por ele não condiz com a realidade. É reconhecido que o ser humano, por natureza, é permeado de valores e princípios que sempre direcionarão sua opinião diante de um fato. A formação técnica, cultural e política de um juiz sempre será considerada em sua tomada de posição, ao apreciar um litígio. Todavia, não é essa a visão de imparcialidade que o juiz deve preservar no ordenamento jurídico. O que a lei processual impõe não é um juiz indiferente, apático ou insensível aos casos que lhe são postos, mas sim que seja isento e insusceptível de dar qualquer vantagem a uma parte em prejuízo da outra. Um exemplo elucidará essa posição: Um juiz que indefere um pedido de prisão preventiva baseada no clamor público por entender que a liberdade é a regra e que sua restrição somente pode ser realizada em caráter excepcional, não considerando este juiz o clamor público como fundamento para a medida, está claramente influenciado por uma formação humanística, voltada para dignidade da pessoa humana, com uma análise da necessidade social que lhe capacita a diferenciar ordem pública de clamor público. Tal situação é bem diferente de um juiz que nega o pedido de prisão por tratar-se o acusado de um grande amigo seu. Basta uma breve consulta às causas que ensejam a suspeição e o impedimento do julgador para entender-se qual o sentido da imparcialidade que a lei pretende.

Embora não sejam as únicas disposições processuais presentes no texto constitucional relativas ao processo que devem ser observadas na atividade do Estado, entre elas a desenvolvida no âmbito da jurisdição penal e que permite inferir quais os elementos identificadores do sistema de processo adotado, são suficientes e levam à conclusão de que o sistema processual adotado pela Carta Magna é sem dúvidas o acusatório. Senão observe-se: o processo deve ser, em regra, público; as funções no processo são exercidas por diferentes partes, sendo que ao Ministério Público ou ao ofendido cabe acusar, ao juiz (natural e imparcial), julgar e, ao réu é dado o direito de defesa e outras garantias (devido processo legal, contraditório e ampla defesa e igualdade). Inegável, portanto, por esses argumentos, a adoção do sistema acusatório pela Constituição.

Não há lugar para a afirmação por parte de alguns de que há um sistema processual misto no Brasil. Tal afirmação se deve ao fato de o inquérito policial ser realizado, por disciplina do Código Processo Penal, de modo sigiloso e em que todos os atos e poderes se concentram nas mãos do investigador, que instrui, na maioria das vezes, a acusação. A discussão é explanada por Lago [45] que cita como defensor desta corrente Hélio Tornaghi. Discordante da posição por um sistema misto, Lago afirma que o sistema processual penal não pode ser classificado com base nas características do inquérito policial, por dois motivos: primeiro porque o inquérito, embora componha a persecução penal, consiste em procedimento administrativo, não tendo natureza judicial; segundo, por ser possível a dispensa do inquérito policial quando o acusador tem elementos suficientes para realizar a acusação.

Constata-se que o sistema processual penal brasileiro atual caracteriza-se como acusatório e tal conclusão independe da consideração do inquérito policial como parte do processo penal ou não. Conforme analisado, o sistema processual adotado pela Constituição que é a lei suprema é o acusatório, logo, suas determinações relativas ao processo devem ser aplicadas a todos os processos realizados pelo Estado, ainda que no âmbito da atividade administrativa, qualquer que seja a atividade desenvolvida pelo estado. Destaque-se que, pela Teoria da Processualidade Ampla [46], mesmo os processos desenvolvidos no âmbito do direito privado devem respeitar as garantias constitucionais. Todas as normas do Estado brasileiro fazem parte de um sistema que tem como norma fundamental a Constituição e a ela devem se adequar, sob pena de serem inconstitucionais. No caso de terem sido elaboradas antes da vigência do texto magno e estarem em desacordo com a Lei Maior, como é o caso do Código de Processo Penal, devem ser revogadas. Ainda que uma lei seja formalmente válida deve ser interpretada conforme os ditames constitucionais e, naquilo que conflitar com a Constituição, deve-se proceder a uma interpretação conforme a mesma.

Não tem amparo jurídico, ainda, o argumento usado por aqueles que defendem a permanência de um inquérito desenvolvido sob a influência de princípios inquisitórios que consistem na necessidade de proteção à investigação que seria prejudicada caso se permitisse a ampla participação do acusado. Ora, não se podem imputar aos cidadãos as conseqüências maléficas da falta de estrutura dos órgãos estatais, suprimindo os direitos básicos relativos à dignidade humana. Mesmo que o inquérito policial seja considerado processo (segundo a teoria contemporânea da ampla processualidade) ou procedimento (teoria clássica), é impossível não se reconhecer que, consistindo em principal peça a instruir a ação penal, os vícios decorrentes da inobservância dos preceitos fundamentais da Constituição contaminam toda a instrução no âmbito estritamente judicial.

Ao prever o contraditório e a ampla defesa aos litigantes em processo judicial ou administrativo, no art. 5º, inciso LV [47] e o princípio da razoável duração do processo e celeridade de sua tramitação no âmbito judicial e administrativo, no inciso LXXVIII [48], a Constituição acolhe a idéia de um processo em outras formas de exercício do poder estatal, ao passo que assegura a observância das garantias e direitos fundamentais em qualquer uma de suas funções.

De mesmo sentido é o entendimento de Baracho que deste modo advoga: "O direito ao juiz competente, o direito ao juiz natural e a imparcialidade do julgador são garantias de caráter constitucional e judicial. São Elas de significado genérico, que atingem todo tipo de processo e dos ordenamentos jurisdicionais." [49]

Ainda sobre a discussão da aplicação dos princípios constitucionais, atendendo ao modelo acusatório previsto na Constituição em qualquer área da atuação do Estado, importa a lição do professor Pessoa:

Esta atualíssima concepção metodológica, extremamente moderna e sintonizada com os atuais anseios sociais, vislumbra o direito processual, na lição de Dinamarco (A instrumentalidade do processo, Ed. RT, 1986, p. 42), como um conjunto de princípios, institutos e normas estruturados para o exercício do poder em conformidade com determinados objetivos. Desta concepção instrumental do processo, a noção de processualidade migrou para abranger cada vez mais o exercício dos Poderes Executivo e Legislativo. [50]

Em um Estado Social e Democrático de direito no qual o Estado está cada vez mais presente no cotidiano dos governados, o processo surge como um instrumento não somente de legitimação das ações do Estado, como também de garantia, de fiscalização da obediência às determinações legais e aos preceitos do bem comum. Já não se admite a visão que restringia o processo e suas garantias somente ao âmbito jurisdicional.

Bonfim adota um posicionamento um tanto radical em relação à classificação dos sistemas processuais. Em decorrência da visão moderna de processo como uma relação trilateral, considera o autor que o único método que realmente poderia ser processual seria o acusatório, nos seguintes termos:

Assim, a denominação "processo inquisitório" parece-nos incorreta, pois não foi e não pode ser, obviamente um verdadeiro processo. Se este se identifica como actum trium personarum, no qual perante um terceiro parcial comparecem duas partes parciais, situadas em pé de igualdade e com plena contraditoriedade, e apresentam um conflito para que aquele o solucione....algumas das características que apontamos como próprias do sistema inquisitório levam ineludivelmente à conclusão de que esse sistema não pode permitir a existência de um verdadeiro processo. [51]

Para Bonfim, a existência de uma relação processual exige o contraditório, a igualdade de partes, um órgão julgador imparcial, dentre outros elementos somente presentes em sistema acusatório de modo que ou se tem um sistema acusatório ou não há, na visão do autor, sistema processual. Ressalte-se que o próprio autor reconhece que tal assertiva somente se cogitaria se a referência for a noção moderna de processo.

Mais criticável ainda, considera-se, o comentário tecido por Coutinho ao se posicionar a respeito da natureza do sistema processual penal brasileiro, quando afirma ser o sistema brasileiro eminentemente inquisitório, nos termos a seguir transcritos:

Um sistema com a referida estrutura [o inquisitório], como parece elementar, tende a prevalecer no tempo, embora passível de mudanças secundárias [grifo do autor]. E assim que permanece, na essência, para nós, até hoje; e continuará prevalecendo [...]

Não nos interessa, no espaço limitado do presente ensaio, aprofundar o estudo do sistema acusatório [grifo do autor], assim como as variações que levaram ao dito sistema misto [grifo do autor]. Basta, por ora, verificar suas características fundamentais, possibilitando um cotejo com aquilo que foi anotado quando da análise do sistema inquisitório, este sim o pilar-mor do nosso sistema processual penal [!]. [52]

Embora, no decorrer de sua obra, Coutinho demonstre seu descontentamento diante da ausência de garantia do sistema inquisitório, eleva-o a "pilar-mor" do sistema processual brasileiro. Considera-se que tal entendimento é resultado da herança liberal, da visão restrita e limitada dos códigos vistos como capazes de regulamentar completamente os chamados ramos do Direito que até os dias de hoje impedem muitos juízes e doutrinadores de analisarem as disposições infraconstitucionais sob a ótica da Lei Maior, a Constituição Federal.

Mesmo considerando que o Código de Processo Penal tenha inúmeras disposições de natureza inquisitória, não se pode admitir que estas prevaleçam e suprimam as disposições da norma fundamental do Estado, fazendo-se necessária, nesses casos, uma releitura constitucional dos institutos que conflitam com a Constituição, como afirma Rangel, ao se referir a dois dispositivos do Código de Processo Penal que são resquícios do sistema inquisitório e que, portanto, conflitam com o texto magno: "O difícil para determinados operadores jurídicos é trabalhar com a constituição e não com regras vetustas dos arts. 384 e 385 CPP. Nesse caso, a interpretação conforme a constituição irá socorrê-los." [53]


5 EMENDATIO E MUTATIO LIBELLI

O Código de Processo Penal vigente no país teve sua elaboração realizada em período anterior ao da atual Constituição, conhecida como Constituição Cidadã, período no qual ainda não haviam sido firmadas as bases da democracia e dos direitos e garantias individuais tão estimados e discutidos em nossa contemporaneidade. Portanto, não é de se estranhar que a Lei de Ritos Penais traga em seu texto mecanismos que não se adéquam ao atual sistema acusatório consagrado na Constituição de 1988. É exemplo não somente o inquérito policial sobre o qual tratou-se em ponto supra, que sempre é mencionado pelos autores como herança de um período inquisitório, mas existem outros resquícios do sistema autoritário que permeia a ideologia e os valores presentes na lei processual penal. Dentre esses resquícios estão, para alguns, os institutos da emendatio e mutatio libelli que vinham sendo alvo de duras críticas levando à elaboração no ano de 2008 da Lei [54] que modificou a realização da mudança da acusação e procurou esclarecer pontos controvertidos nos citados institutos na tentativa de amoldá-los às determinações da Constituição Federal de 1988.

A partir de agora será tratada a forma de realização das adequações entre acusação e capitulação jurídica do tipo penal que se fazem por meio da emenda à acusação ou através da mudança, da alteração dos fatos formadores da acusação.

A emendatio libelli (do latim, emendatio, emenda, e libelli, acusação) tem amparo em especial no principio de direito processual penal jura novit curia (o juiz conhece o direito) e no brocardo narra mihi factum dabo tibi jus (narra-me o fato e te darei o direito). Estas expressões indicam uma autonomia do julgador ao proferir suas decisões. Considera-se assim que o réu defende-se dos fatos narrados na peça acusatória e não da capitulação dada ao crime.

Outro princípio que embasa não somente a emenda à acusação como também sua modificação é o denominado princípio da correlação, princípio da congruência ou ne eat judex ultra petita partium, assim definido por Tourinho Filho:

Iniciada a ação, quer no cível, quer no penal, fixam-se os contornos da res in judictio deducta, de sorte que o juiz deve pronunciar-se sobre aquilo que lhe foi pedido, que foi exposto na inicial pela parte. Daí "se segue que ao juiz não se permite pronunciar-se sobre, senão sobre o pedido e nos limites do pedido do autor e sobre as exceções e nos limites das exceções deduzidas pelo réu". Quer dizer então que do princípio do ne procedat judex officio, ou como dizem os alemães, do princípio do Wo kein Ankläger ist, Da ist auch kein Richter, (onde não há acusador não há juiz) decorre uma regra muito importante, de aplicação tanto no cível como no penal: ne eat judex ultra petita partium, isto é, o juiz não pode dar mais do que foi pedido, não pode decidir sobre o que não foi solicitado. [55]

Como explicitado, é necessário que àquilo que consta da acusação corresponda a resposta jurisdicional, ainda que denegando-a, o que garante o exercício do contraditório e da ampla defesa e da pretensão da parte acusadora. De modo sintético, mais esclarecedor, ensina Bonfim acerca do princípio da correlação:

Dessa forma, formalmente correta é a sentença prolatada em em harmonia com as provas efetuadas, dentro do processo, com respeito ao que foi suscitado ou postulado pelas partes, na medida em que confere segurança às mesmas, sem a qual o processo penal desapareceria por desintegração de seus elementos fundamentadores.

Como reflexo dessas características, a sentença deve abranger todos os aspectos da lide penal, detendo-se, por outro lado, estritamente nesses aspectos, segundo o que tiver contido nos autos. O conteúdo da decisão final do juiz, dessarte, corresponde a uma resposta completa e suficiente àquilo que expuserem e requererem as partes. Esse o princípio da correlação entre a acusação e a sentença. [56]

Em respeito ao princípio da correlação ou da congruência, o legislador previu formas de tornar os acontecimentos descritos na acusação adequados à decisão final, encontradas nos artigos 383 e 384 da Lei Formal Penal [57] que, a seguir serão discorridos.

A emenda à acusação é prevista no artigo 383, caput do Código de Processo Penal, que assim prescreve: "O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em conseqüência, tenha de aplicar pena mais grave." [58] Tal ocorre se o ofendido ou o órgão do ministério público descreve um fato na acusação dando-lhe classificação jurídica diversa da constante na norma de direito substancial penal. Conhecendo o juiz o ordenamento jurídico, poderá corrigir o equívoco cometido pelo acusador, desde que não altere os fatos apontados na acusação.

Como exemplo de ocorrência de cabimento da emenda à acusação pode-se citar: o acusador diz que o réu teria usado uma arma para ameaçar a vítima, subtraindo-lhe seus pertences, todavia, define o crime como sendo furto. Como o réu se defende não da rubrica dada pela lei ao fato, mas sim dos fatos imputados, considera-se que o juiz poderia, sem afronta à Constituição e ao sistema acusatório, desclassificar o crime e defini-lo como prescreve a lei: roubo. Não estaria aí o órgão judicial interferindo na acusação e, portanto, em função estranha à sua atribuição no processo.

Comentando o objeto do processo penal e, por conseguinte da defesa do réu, assim doutrina Rangel:

O objeto do processo é um consectário lógico do sistema acusatório, pois refere-se aos "fatos descritos na acusação" os quais o juiz não poderia conhecer se não houvesse provocação da parte autora, no nosso caso, o Ministério Público.

O fato que serve como suporte do objeto do processo não pode ser confundido com o artigo de lei, ou seja, com um certo tipo legal de crime, mas sim, como um acontecimento histórico da vida, como um fato ocorrido no mundo dos homens que recebe ou não do ordenamento jurídico, relevância penal. [59]

Destaque-se que o ato judicial independe da natureza da ação (pública ou privada), pois o art. 383 menciona denúncia ou queixa e pode mesmo ser aplicada pena mais elevada do que a indicada na acusação equivocada. Além disso, os parágrafos 1º e 2º do artigo 383 [60] determinam outras medidas a serem tomadas em virtude da alteração da pena no que diz respeito à possibilidade de suspensão condicional do processo, aplicando-se o disposto no art. 89 da lei dos juizados especiais [61] (1º) e declinando da competência se esta passar a ser de outro juízo (2º). O ato é realizado independentemente de oitiva da defesa. Segundo o artigo citado, é mais um fator a corroborar o argumento de que o réu se defende dos fatos e não da tipificação dada a eles.

A emendatio libelli é possível, ainda que em segunda estância, não configurando supressão, pois o réu se defendera dos fatos na instância inicial. ressalva-se a aplicação de pena mais grave quando o recurso for exclusivamente da defesa, em função da proibição da reformatio in pejus. Assim, dispõe o artigo 617 do Código de Processo Penal: "O tribunal, câmara ou turma atenderá em suas decisões ao disposto nos artigos 383, 386 e 387, no que for aplicável, não podendo, porem, ser agravada a pena, quando somente o réu houver apelado da sentença." [62]

As alterações postas pela lei 11.719/2008 não interferiram na substância do artigo 383, servindo apenas para expressar alguns pontos de modo expresso e claro.

Um pouco mais complexa é a mudança da acusação, mutatio libelli, e para melhor entendimento das dimensões da discussão faz-se uma análise partindo da prescrição anterior as alterações trazidas pela lei 11.719/2008.

Previa o artigo 384, caput, e parágrafo único do Código Penal:

Art. 384. Se o juiz reconhecer a possibilidade de nova definição jurídica do fato, em conseqüência de prova existente nos autos de circunstância elementar, não contida, explícita ou implicitamente, na denúncia ou na queixa, baixará o processo, a fim de que a defesa, no prazo de 8 (oito) dias, fale e, se quiser, produza até três testemunhas.

Parágrafo único. Se houver possibilidade de nova definição jurídica que importe aplicação de pena mais grave, o juiz baixará o processo, a fim de que o Ministério Público possa aditar a denúncia ou queixa, se em virtude desta houver sido instaurado o processo em crime de ação pública, abrindo-se, em seguida, o prazo de 3 (três) dias à defesa, que poderá oferecer prova, arrolando até três testemunhas. [63]

Neste passo, segundo o dispositivo legal, antes da recente alteração dada pela lei nº 11.719/2008, havia duas formas de ser realizada a modificação da acusação. A primeira era a descrita no caput do art. 384 [64], que ocorria quando estava presente nos autos prova da ocorrência de "circunstância elementar" que acarretasse necessidade de nova definição jurídica do fato descrito na acusação, todavia resultando em imposição de pena menos grave ou igual à que constasse da acusação originalmente proposta. O ato de modificação da acusação era feito pelo próprio juiz de ofício, sem abrir nem mesmo prazo para manifestação da defesa. Esse primeiro tipo de modificação da acusação era conhecido como mutatio libelli sem aditamento. Seria o caso, por exemplo, de alguém ser acusado de roubo e, no decorrer da instrução, ser constatada a ausência do elemento grave ameaça, caso em que o juiz poderia condenar por furto sem proceder ao aditamento ou de alguém ser acusado de furto, mas verificar-se que detinha a coisa legitimamente, apenas se recusando a devolvê-la, configurando-se crime de apropriação indébita.

Para muitos, a mutatio libelli sem aditamento, isto é, sem remessa dos autos ao órgão acusador para que este acrescente os elementos constatados durante a instrução, teria os mesmos fundamentos e seria, portanto, hipótese semelhante à do art. 383 do Código de Processo Penal, conforme ministra Tourinho Filho:

[...] cumpri ao juiz tomar aquela providência apontada no caput do art. 384 do CPP e, depois proferir a sentença. Ainda aí não há julgamento ultra petitum, mas aplicação do jura novit cúria.

[...]

As hipóteses do art. 383 e 384, caput, não são, a rigor, de condenação in pejus , como diz Frederico Marques, mas de consagração do princípio do jura novit cúria. (grifado no original). [65]

Não parece que seja assim, dada máxima vênia. Não se podem usar os princípios que justificam a emenda à acusação para permitir a mudança de ofício pelo juiz dos fatos descritos na acusação, de modo a interferir na atividade exclusiva do órgão acusador, em regra, o Ministério Público. Isso porque são situações bem diferentes as previsões do art. 383 e a do art. 384, caput do Código de Processo Penal, pois no caso do art. 383, considerando-se que o réu se defende dos fatos narrados e não da nominação jurídica do fato, o juiz, mantendo os mesmo fatos, apenas corrige a definição jurídica do delito. Os fatos permanecem nos mesmos termos apresentados pela acusação. Não há aí alteração pelo juiz da acusação que em si consiste na imputação fática narrada na peça acusatória. No que diz respeito à modificação de ofício, o raciocínio não é o mesmo. Embora haja também uma nova definição jurídica do delito, esta se dá em decorrência da constatação de que um elemento importante constatado na instrução probatória foi prescindido por ocasião do ajuizamento da exordial da acusação, havendo necessidade não somente de se promover a adequação dos fatos à sentença em nome do princípio da correlação, mas em defesa da sociedade e da aplicação da justiça. Apesar de ser necessária a mudança na acusação, no sistema acusatório, típico de Estados democráticos de Direito, tal ato deveria ser realizado pela parte responsável pela acusação, que se diferencia das demais partes atuantes na relação processual e não pelo órgão que posteriormente julgará. Imaginar o contrário até mesmo soa estranho frente à lógica de um sistema jurídico democrático. Ressalte-se, ainda, outro erro do legislador em prejuízo do contraditório e da ampla defesa: o mandamento legal admitia a existência de uma acusação implícita, o que dificultava sobremaneira a concretização do direito de defesa do réu.

O segundo tipo modificação da acusação era descrito no parágrafo único do art. 384 da Lei de Ritos Penais [66] e consistia na mutatio libelli com aditamento, a qual tem como causa a constatação de existência nos autos de prova da ocorrência de elementos que acarretem nova definição jurídica, cominando-se pena mais gravosa ao réu. Como exemplo, pode-se citar o caso de alguém ser acusado de furto e ser provado durante a instrução que houve emprego de violência contra a pessoa, caso de roubo. Nesta situação o juiz, de acordo com o dispositivo, "baixaria" o processo para que o Ministério Público aditasse a acusação, o que, pelo que estava expresso no artigo, só ocorreria na ação penal pública e, excepcionalmente, na privada. quando promovida subsidiariamente à pública. Apesar de um pouco mais suave do que presente na modificação sem aditamento, persiste nesta modalidade também um ato incompatível com o modelo acusatório. Embora na mutatio com aditamento este seja feito pelo próprio Ministério Público, o órgão assim procede por provocação da autoridade judiciária, consubstanciando-se a mesma interferência do julgador em função processual perante a qual deveria manter-se imparcial.

Havia uma incongruência lógica entre o que previa o caput do art. 384 e seu parágrafo único. No caput, estava prevista uma situação em tese mais benéfica para o réu, se confrontada com o parágrafo único, pois deste resultaria pena mais grave. No entanto, o caput previa um prazo de oito dias para manifestação da defesa. Em contrapartida, o parágrafo único previa apenas três dias e ainda usa a expressão "baixar o processo" para se referir à remessa dos autos para o Ministério Público decretada pelo juiz, como se houvesse hierarquia entre este e o titular da ação penal.

Urge delimitar o sentido da expressão "circunstância elementar" presente no caput do art. 384 que se aplica tanto à mutatio sem aditamento quanto na com aditamento. Demonstrando a imprecisão técnica do legislador, leciona Rangel:

Em primeiro lugar o caput do art. 384 fala em circunstância elementar, termo esse que é impróprio, pois ou é circunstância e, portanto, está envolta de; ou é elementar e, nesse caso está dentro. A elementar mexe na estrutura do crime, ou seja, faz com que desapareça ou surja outro. A elementar funcionário público se for retirada do delito do art. 319 CP (prevaricação) o mesmo desaparece. Entretanto, se for retirada do delito do art. 312 CP (peculato) restará o tipo do art. 168 (apropriação indébita). [67]

Como a própria expressão já indica, elementar é componente essencial do delito, enquanto a circunstância é tudo que circunda, que está em torno do crime, como o modo como foi perpetrado, o período do dia, o instrumento utilizado.

Tal confusão terminológica acarretou dissonantes opiniões no que se refere ao objeto do aditamento. Para alguns autores, o Ministério Público não poderia fazer modificações nos fatos descritos na inicial por via da mutatio libelli; outros entendem que isso é possível. Como demonstração da dúvida, observe-se o que assevera Capez:

Assim, a mutatio libelli implica o surgimento de uma prova nova, desconhecida ao tempo do oferecimento da ação penal, levando a uma readequação dos episódios delituosos relatados na denúncia ou queixa. [...] Por certo, não se cuida de mera alteração na classificação do fato, havendo verdadeira modificação do contexto fático. A acusação mudou, não sendo caso de apenas corrigir a qualificação jurídica. [68]

De início, se poderia concluir, pelas palavras do autor, que ele é favorável à efetiva modificação dos fatos originalmente apresentados por ocasião da propositura da ação penal pelo Ministério Público. Todavia, a confusão terminológica da lei causa contradição também no ensinamento do autor que, mais adiante, expressa posicionamento contrário ao anteriormente transcrito. Em seqüência, Capez afirma que o Ministério Público não poderia acrescentar fatos no aditamento:

O art. 384 não admite que a acusação seja ampliada a novos fatos por meio do aditamento a denúncia (no caso, somente seria possível uma nova ação penal), uma vez que a mutatio accusationis se limita a "nova definição jurídica do fato" constante da imputação inicial.[?!] [69]

Para Mirabete, o Ministério Público somente poderia acrescentar novos fatos à acusação mediante nova ação penal [70]. Tanto Capez como Mirabete parecem ter optado, frente à dúvida suscitada pela exegese do texto legal do art. 384 do Código de Processo Penal, por descartar da expressão o termo "circunstância" e se apegar ao termo "elementar". Daí parte a idéia de que, com o surgimento de nova elementar que, como vimos, é parte componente principal de um delito, surgiria novo delito, que ensejaria nova pretensão jurídica para ser reconhecido pelo julgador. Essa posição continua a ser defendida por Capez, mesmo após a alteração na redação do art. 384 do Código de Processo Penal, em função da lei 11.719/2008, para quem, assim também para Mirabete, no ato do aditamento, o órgão acusador somente deveria dar nova definição jurídica ao crime.

Em sentido contrário aos posicionamentos colacionados, Bonfim propugna pela efetiva modificação dos fatos para coaduná-los aos comprovados durante a instrução processual, ao afirmar:

Demonstrando-se a partir desses elementos de prova fatos novos, não mencionados na denúncia, não apenas será caso de nova qualificação jurídica, mas sim de alteração dos próprios fatos sobre os quais versa o processo, pela inclusão de fato novo, até então não aventado no processo. Diversamente do que ocorre na emendatio libelli, portanto, a própria causa petendi será alterada. Será hipótese, então da chamada mutatio libelli. [71]

A razão parece estar na opinião de Bonfim. Ora, claro está que se fosse caso de simples desclassificação ou apenas de se dar nova definição jurídica do crime, não seria necessário o aditamento, mas simplesmente a emenda da acusação. De fato é dada nova definição jurídica do crime, mas em decorrência da prova de novos fatos, sem os quais, em caso de não ser feita modificação efetiva, não seria observado o princípio da correlação, pois a sentença divergiria da narração e do pedido da acusação. Essa visão da mutatio, embora modificada, é importante para o estudo da nova redação do dispositivo.

Com a Lei que deu nova redação aos institutos [72] foram realizadas reformas pontuais no Código de Processo Penal relativas à suspensão do processo, à citação, à emendatio e à mutatio libelli e a alguns procedimentos.

No que diz respeito à emenda da acusação, não houve, como mencionado em linhas atrás, nenhuma mudança substancial no art. 383 que a disciplina. Apenas buscou-se dar uma redação mais objetiva a seu caput, obstando, expressamente, ao juiz que altere os fatos da acusação e lhe foram também acrescentados dois parágrafos que formalizaram práticas já recorrentes referentes à declinação de competência e à proposta de suspensão condicional do processo.

Modificações relevantes foram introduzidas na disciplina da mutatio libelli, no art. 384 que teve nova redação em seu caput e lhe foram acrescidos cinco parágrafos. Veja-se a nova redação do art. 384 do Código de Processo Penal dada pela nova lei:

Art. 384. Encerrada a instrução probatória, se entender cabível nova definição jurídica do fato, em conseqüência de prova existente nos autos de elemento ou circunstância da infração penal não contida na acusação, o Ministério Público deverá aditar a denúncia ou queixa, no prazo de 5 (cinco) dias, se em virtude desta houver sido instaurado o processo em crime de ação pública, reduzindo-se a termo o aditamento, quando feito oralmente.

§ 1º Não procedendo o órgão do Ministério Público ao aditamento, aplica-se o art. 28 deste Código.

§ 2º Ouvido o defensor do acusado no prazo de 5 (cinco) dias e admitido o aditamento, o juiz, a requerimento de qualquer das partes, designará dia e hora para continuação da audiência, com inquirição de testemunhas, novo interrogatório do acusado, realização de debates e julgamento.

§ 3º Aplicam-se as disposições dos §§ 1º e 2º do art. 383 ao caputdeste artigo.

§ 4º Havendo aditamento, cada parte poderá arrolar até 3 (três) testemunhas, no prazo de 5 (cinco) dias, ficando o juiz, na sentença, adstrito aos termos do aditamento.

§ 5º Não recebido o aditamento, o processo prosseguirá. [73]

Em princípio, houve correção da expressão que designa a causa da modificação da acusação que passou a ser a comprovação durante a instrução criminal da ocorrência de "elemento ou circunstância da infração penal" em lugar de "circunstância elementar". Pela nova redação, fica claro que o motivo a ensejar a mutatio libelli é a constatação de ocorrência de fato secundário, relacionado ao fato principal do tipo, este sim, elementar do tipo penal.

Outra questão importante foi a evolução rumo à conformação com o modelo acusatório, pois, quer a nova definição jurídica resulte em pena menos grave, quer não, sempre haverá aditamento que agora passou a ser requerido pelo Ministério Público e não mais determinado pelo juiz que também não realizará aditamento de ofício. Dá-se, assim, acolhida aos requisitos básicos informadores do sistema acusatório consistente na atribuição de cada função no processo a parte distinta, cabendo tão somente ao órgão ou à parte responsável pela acusação o requerimento do aditamento, preservando-se a imparcialidade do julgador. O dispositivo não menciona mais a possibilidade de uma acusação implícita que constava da antiga redação e afrontava gritantemente o exercício do contraditório e da ampla defesa pelo acusado.

Entretanto, ao se voltarem as atenções para o § 1º do dispositivo legal sob exame [74], percebe-se que, infelizmente, não foram expurgadas completamente da modificação da acusação as más influências do sistema inquisitório. O citado parágrafo determina que, não requerendo o representante do Ministério Público o aditamento da acusação, o juiz tomará a medida prevista no artigo 28 do Código de Processo Penal, cuja redação é:

Se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia, requerer o arquivamento do inquérito policial ou de quais quer peças de informação, o juiz, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa do inquérito ou peças de informação ao procurador-geral, e este oferecerá a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la ou insistirá no arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender. [75]

Mutatis mutandis, se o Ministério Público não requerer o aditamento, o juiz remeterá o processo ao procurador geral para que ele o faça ou designe outro membro do Ministério Público para que este proceda ao aditamento. Persiste ainda a interferência do órgão julgador na acusação em confronto com o modelo acusatório oriundo da Constituição Federal. Somente ao Ministério Público, órgão que detém a titularidade da acusação, cabe avaliar a necessidade ou não de realizar modificações nos fatos presentes na ação penal. Não deve o juiz interferir na função que a Constituição atribuiu privativamente ao Ministério Público, sob pena de afronta às duas principais características do sistema acusatório, de partes ou garantista: exercício das funções no processo por partes distintas; garantias do acusado, tais como a igualdade ou paridade de armas, com o julgamento feito por um juiz imparcial. Ao provocar o aditamento, o juiz está assumindo uma postura em desfavor do acusado, desequilibrando a relação jurídica processual.

Em artigo jurídico publicado logo após a edição da lei 11.719 de 2008, Fudoli, no qual detecta a incongruência do § 1º acrescido pela dita lei ao art. 384 do Código de Processo Penal quando confrontado com o sistema acusatório, esclarece:

No novo § 1º do art. 384, a nova lei previu que, não procedendo o Ministério Público ao aditamento, o juiz aplica o art. 28 do CPP, ou seja, remete os autos ao Procurador-Geral de Justiça (no âmbito da União, à Câmara de Coordenação e Revisão da Ordem Jurídica Criminal do Ministério Público Federal ou do Distrito Federal e Territórios – Lei Complementar n. 75/93), para que o chefe da instituição mantenha a acusação, nos termos postos pelo membro do Ministério Público com atuação na primeira instância, ou para que adite a inicial, ou ainda para que designe outro membro do Ministério Público para fazê-lo. Há, aqui, na aplicação do art. 28 do CPP, ingerência indevida por parte do Juiz – que é [ou deveria ser] órgão imparcial – na atividade da acusação, o que fere o princípio acusatório (separação nítida entre as funções de acusar e julgar), inclusive desequilibrando os pratos da balança em desfavor do réu. De fato, mesmo que atue com a melhor das intenções, com qual isenção o juiz que aplicar o art. 28 em relação ao aditamento da peça acusatória irá posteriormente sentenciar o réu? No mínimo, o juiz que atuar desta forma deve ser considerado impedido de prolatar a sentença. [76]

No mesmo diapasão, se manifesta Bonfim, ao avaliar a possibilidade do juiz provocar o aditamento. Nas palavras do autor:

Pode o juiz provocar o aditamento? Entendemos que não, uma vez que a titularidade da ação penal é privativa do Ministério Público (art. 129, I, da CF), cabendo a ele a iniciativa do aditamento, homenageando-se, assim, o sistema acusatório, que tem bem definidas e separadas as funções de acusar e julgar, atribuídas, portanto, a órgãos distintos. [77]

Portanto, ainda que o Código de Processo Penal apresente dispositivos que afrontem as características do sistema acusatório, tem-se como norma maior do ordenamento jurídico brasileiro a Constituição Federal cujos princípios e normas constitucionais nela consagrados devem ser determinantes para a aplicação do direito, sob pena de inconstitucionalidade, quer dizer, sob pena de agressão aos princípios, valores, garantias, fundamentais à manutenção da vida em sociedade.

Necessário ressaltar uma última observação relativa à modificação da acusação, mutatio libelli, no que diz respeito à possibilidade de ser procedido o aditamento da acusação em segunda instância. A Constituição ampara o monopólio do exercício da jurisdição que é exclusivo do poder judiciário, em seu art. 5º, inciso XXXV [78], ao passo que determina a competência dos órgãos do poder judiciário o que o faz do artigo 92 a 126 [79]. Dispensando a discussão acerca da natureza jurídica do duplo grau de jurisdição, constitui-se princípio constitucional ou simplesmente decorre da disposição e organização dos órgãos do judiciário. É certo que estes órgãos estão estruturados de forma que a cada um é atribuída uma parcela do poder jurisdicional que os torna competentes para julgar determinados casos, não podendo ser prescindido nenhum deles, obedecida na apreciação das lides a seqüência predeterminada no texto constitucional, exceto nos casos de competência originária preestabelecidos na própria norma fundamental. O contrário resultaria em supressão de instância.

Daí decorre que, diferentemente da emendatio libelli, que não modifica a acusação, mas apenas corrige definição jurídica dos fatos descritos, podendo assim ser feita em segunda instância, a mutatio libelli que, como visto, consiste em verdadeira modificação dos fatos descritos na acusação para acrescentar fato elementar comprovado durante a instrução processual, não pode ser realizada em segunda instância, o que pode ser evitada com isso a supressão de instância, visto que os fatos ainda não teriam sido discutidos em primeira instância. Ainda é aplicável a Súmula 453 do Supremo Tribunal Federal [80] que vedava a aplicação do parágrafo único do artigo 384 do Código de Processo Penal, mesmo após a redação ter sido alterada pela lei 11.719/2008 [81].


6 A ATIVIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO E O SISTEMA ACUSATÓRIO

A definição do Ministério Público encontra-se na Constituição Federal, no art. 127, que diz: "O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis." [82] Deste modo, o Ministério Público foi criado para contribuir com a celeridade na solução dos conflitos sociais, bem como para resguardar os interesses da sociedade.

Para proteger o Ministério Público e assegurar a liberdade da instituição no exercício de suas funções, a Lei Magna previu princípios e garantias institucionais que foram arrolados nos parágrafos do art. 127. Para os fins propostos neste estudo, são suficientes as análises do princípio institucional da independência funcional e da garantia institucional da autonomia funcional.

O princípio institucional da independência funcional é assim explicado por Lenza:

Independência funcional[grifo do autor]: trata-se de autonomia de convicção, na medida em que os membros do ministério público não se submetem a qualquer poder hierárquico no exercício de seu mister, podendo agir no processo da maneira que melhor entenderem. A hierarquia existente restringi-se às questões de caráter administrativo, materializada pelo chefe da instituição, mas nunca, como dito, de caráter funcional. Tanto é que o art. 85, II, da CF/88, considera crime de responsabilidade qualquer ato do Presidente da República que atentar contra o livre exercício do Ministério Público. [83]

De acordo com a lição de Lenza, o membro do Ministério Público, no desempenho de suas várias funções, sendo uma delas atuar no processo, goza de liberdade para a tomada das decisões, não havendo subordinação a qualquer outro agente público, ainda que seja o "chefe" da instituição que somente é assim considerado do ponto de vista administrativo.

Mais adiante, ao tratar da autonomia funcional, prossegue Lenza:

A autonomia funcional, inerente à instituição como um todo e abrangendo todos os órgãos do Ministério Público, está prevista no art. 127, § 2º da CF/88, no sentido de que, ao cumprir os seus deveres institucionais, o membro do Ministério Público não se submeterá a nenhum outro "poder" (legislativo, executivo, judiciário), órgão, autoridade pública etc. Deve observar apenas a Constituição, as leis e a sua própria consciência. [84]

A esfera de atuação do Ministério Público, em especial na defesa de direitos e interesses transindividuais, encontra-se tão ampliada que Lenza chega a tratá-lo como um quarto poder, ao afirmar que "o membro do Ministério Público não se submeterá a nenhum outro poder".

Na lista de funções institucionais do Ministério Público presente no art. 129 da Constituição Federal [85] está a promoção privativa da ação penal pública que consta de seu inciso primeiro. Sendo assim, o princípio institucional da independência funcional juntamente com a garantia institucional da autonomia funcional devem também ser observados no processo penal. Mais uma vez, a Constituição demonstra consagrar o sistema acusatório, ao prever garantias e princípios que visam a assegurar a liberdade e independência do órgão acusador.

Existem outras disposições constitucionais com vistas a dar autonomia ao órgão responsável pela acusação que também deve ser imparcial. Para isso, a Constituição assegura aos membros do Ministério Público as mesmas garantias dadas aos magistrados, a vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios, em seu art. 128, inciso I [86]. Como meio de velar pela imparcialidade também na atuação do membro da instituição, a Constituição lhes impõe algumas vedações, tais como: receber honorários, percentagens e custas processuais para exercer suas funções; exercer função pública, salvo de magistratura; exercer atividade político-partidária e etc. previstas no art. 128, inciso II [87]. Seria inócua a atribuição pela Constituição das funções do processo a partes diversas se permitisse que uma das partes fosse subordinada a outra, pois assim, de fato, o poder continuaria concentrado nas mãos de um único órgão.

Não bastassem todas as disposições de natureza processual presentes no texto da Constituição a sinalizarem a adoção de um sistema de processo acusatório, aquelas relativas às funções institucionais do ministério público, seus princípios e garantias também estão a condenar qualquer interferência do órgão julgador, ou de outras pessoas, ainda que privadas, a exemplo das vedações, na atividade deste órgão que é titular da ação penal pública.

Ressalte-se que o fato de ser o Ministério Público um órgão oficial não retira o caráter acusatório do nosso sistema, visto que foi instituído para este fim especial e atua em benefício e na defesa dos direitos e interesses coletivos.

Não serve de fundamento para admissão e aplicação de disposições legais eivadas de inconstitucionalidade o argumento usado por alguns de que a interferência do órgão julgador com o intuito de evitar a negligência, indolência ou desídias passíveis de serem cometidas por um membro do Ministério Público. Em primeiro lugar, porque o cidadão não pode sofrer mitigações em seus direitos básicos amparados na Lei Maior em conseqüência da falta de estrutura ou de compromisso dos órgãos do Estado ou de seus agentes. Em segundo lugar, porque o Ministério Público possui uma estrutura organizacional e administrativa que possibilita ao próprio órgão exercer controle de suas atividades, sendo perfeitamente possível a obediência aos preceitos constitucionais e a fiscalização da atuação dos membros do órgão pelo mesmo afastando-se as interferências de outros, no caso em baila, do juiz.

Como exemplo de que é possível fiscalizar a atuação dos membros do Ministério Público, assegurando a eficiência e atuação efetiva da instituição no desempenho de suas funções, sem afrontar o sistema processual vigente no ordenamento jurídico pátrio, verificam-se alguns dispositivos da Lei Orgânica do Ministério Público do Estado do Piauí [88], elaborada com base no art. 127, § 2º, in fine, da Constituição Federal, combinado com o art. 2º da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público [89].

O art. 18 da Lei Complementar do Estado do Piauí [90] trata do Conselho Superior do Ministério Público, um dos órgãos de execução da estrutura organizacional da instituição e que tem a incumbência de "fiscalizar e superintender a atuação dos membros do Ministério Público". O Conselho Superior do Ministério público deve também recomendar ao Corregedor Geral do Ministério Público a instauração de procedimentos administrativos disciplinares, segundo o art. 23, inciso XII da Lei Complementar [91], em decorrência de constatação de irregularidades em sua atividade fiscalizadora.

Na organização do Ministério Público do Estado do Piauí, o órgão fiscalizador por excelência é a Corregedoria Geral do Ministério Público que tem sua definição e competências dispostas no art. 25 da Lei Complementar n.º 12 do PI [92]. O caput do art. 25 dispõe ser a Corregedoria Geral do Ministério Público "órgão orientador e fiscalizador das atividades funcionais e da conduta dos membros do ministério público" e, em seus incisos, descreve outras atribuições, tais como "realizar inspeções e correições"; instaurar de ofício ou por provocação, sindicância ou processo disciplinar, aplicando as sanções cabíveis; encaminhar ao procurador geral de justiça os processos administrativos disciplinares que lhe caiba decidir, apresentar relatórios de atividades etc.

Contando a instituição com órgãos com atribuições de fiscalização, processamento, orientação de atividades e aplicação de sanções para os membros negligentes, não há razão para que se permita que o juiz venha a interferir nas atividades que a Constituição incumbe ao Ministério Público, tal como deve ocorrer se não se proceder a uma leitura constitucional dos dispositivos do Código de Processo Penal atinentes à mutatio libelli.


7 CONCLUSÃO

No decorrer da evolução do Estado, desde sua origem, a maneira mais justa pela qual o ente político pudesse desenvolver suas atividades foi o advento do processo. Utilizado para o desempenho da atividade jurisdicional, o processo é instrumento eficiente na solução de conflitos e na pacificação social, permitindo assim não somente a proteção do indivíduo como também a subsistência da própria sociedade. Entre os vários tipos de métodos ou modelos de realização do processo que acompanhou o desenvolvimento do Estado, desde o Estado autoritário até chegar à idéia de Estado Democrático de Direito ou ainda, Estado Social e Democrático de Direito, tiveram maior destaque o sistema inquisitório e o sistema acusatório.

Após detidas análises dos dois sistemas processuais, foi possível observar características opostas: o primeiro, sem partes, sem garantias, típico de governos ditadores e desatentos à noção de dignidade e direitos fundamentais da pessoa humana, vigente em tempos de negação da cidadania, como o período medieval, com domínio de um sistema inquisidor baseado no direito canônico, como ocorreu no governo de Napoleão com o Código Criminal francês de 1808 e no Brasil, à época das ditaduras militares, período atroz da história nacional, mas que deixou heranças tais como o Código de Processo Penal vigente; o segundo, um sistema de garantias, tipicamente democrático, que busca um equilíbrio e igualdade entre os litigantes, permitindo uma ampla defesa e um contraditório que possibilitam uma decisão justa e imparcial.

A Constituição como lei fundamental que resguarda os princípios e valores básicos de uma sociedade deve ser suprema, orientando o entendimento e a aplicação das demais leis. A partir das disposições referentes ao processo presentes na Constituição da República Federativa do Brasil, conclui-se que a Constituição adota um sistema processual acusatório. Apesar de esse modelo ser acusatório, a Lei de Ritos Penais, que remonta a um período de ditadura e autoritarismo, apresenta diversos resquícios do modelo inquisitório. Embora um dos mais conhecidos seja o Inquérito Policial, enquadra-se também nesses resquícios a modificação da acusação, que está prevista no art. 384 e seus parágrafos do Código de Processo Penal. A modificação da acusação admite a interferência do juiz, órgão que deveria ser imparcial, cabendo-lhe tão somente a atividade de julgar, na ação penal, cujo titular exclusivo é, na verdade, segundo a Constituição, o Ministério Público. Isto representa sério problema quando se consideram as características voltadas para o bem estar coletivo das Constituições modernas, problema esse que não foi resolvido com a lei 11.719 de 2008 que, embora tenha alterado a redação do dispositivo disciplinador da modificação da acusação, transferiu a inconstitucionalidade para seu o parágrafo primeiro.

Nesses termos, é preciso coadunar as normas infraconstitucionais com a Constituição. Isso somente será possível se forem expurgadas do ordenamento jurídico pátrio as disposições inconstitucionais presentes no Código de Processo Penal. Enquanto a medida não for tomada, deve haver uma releitura constitucional das normas.

Uma maneira, no âmbito da inconstitucionalidade da mutatio libelli, de torná-la totalmente harmônica com o sistema acusatório é atribuindo-se todas as medidas necessárias à sua realização ao Ministério Público, órgão que, além de ser o constitucionalmente legítimo, tem em suas estruturas institucionais um conjunto de órgãos idôneos para tal mister, a exemplo do Ministério Público do Estado do Piauí, regido pela Lei Complementar nº 12 de 1993, que organiza órgãos como o Conselho Superior do Ministério Público, a Corregedoria Geral do Ministério Público e .a Procuradoria Geral de Justiça que têm atribuição fiscalizadora, orientadora e sancionadora dos membros da instituição que forem negligentes no desempenho de suas funções.

Mais ainda nos dias atuais, em que se ampliam as áreas de atuação do Estado na garantia dos direitos e interesses dos cidadãos, não se pode aceitar que o Estado atue sem controle, sem participação dos administrados, o que somente é possibilitado por um modelo de processo participativo e garantista. Não há, pois, como sustentar a admissibilidade de um sistema inquisitório, qualquer que seja a área de atuação estatal, e, mais ainda, em se tratando do direito processual penal que visa à aplicação de normas que interferem nos bens sociais e direitos individuais fundamentais, os mais importantes da sociedade, ainda que um dos titulares dessas garantias seja alvo de uma acusação penal.


REFERÊNCIAS

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TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processopenal. 21. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 1999.


Notas

<http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L9099.htm>. Acesso em: 23 ago.2008.

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8625.htm>. Acesso em: 04 jun.2009.

  1. DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 12.
  2. Ibidem, p.12 et. seq.
  3. FERNANDES, Stanley Botti. Dafundamentação racional do jus puniendi. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/8070>. Acesso em: 19 nov. 2008.
  4. BRASIL. Constituição de 1988. República Federativa do Brasil. Vade Mecum acadêmico de direito.ed. São Paulo: Rideel, 2007, p. 42.
  5. MIRABETE, Julio Fabrine. Manual de direito penal. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 3.
  6. BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 17-18.
  7. Ibidem, p. 15-16, grifo do autor.
  8. DALLARI, opus citatum, p. 216, grifo do autor.
  9. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. v. 1. 4. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2004, passim.
  10. BONFIM, opus citatum, p. 3-4, grifo nosso.
  11. COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda et al. Crítica à teoria geral do direito processual penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 16, grifo do autor.
  12. Ibidem, passim.
  13. DINAMARCO, opus citatum, p.190, grifo do autor.
  14. Ibidem, p. 190-192, grifo do autor.
  15. LAGO, Cristiano Álvares Valladares. Sistemas processuais penais. Revista Eletrônica de Direito Dr. Romeu Vianna. Número 3, Fev. 2006, p 22-23. Disponível em: <http://www.viannajr.edu.br/site/ menu/publicacoes/revista_direito/artigos/edicao3/art_30005.pdf>. Acesso em: 28 nov. 2008.
  16. Ibidem, p.13.
  17. SOUZA, Keity Mara Ferreira de. Sistema acusatório e mutatio liblli (releitura do art. 384, caput,do CPP, face ao ordenamento constitucional). Jus Navigandi. Teresina, 8 fev. 2000. Disponível em:<http://jus.com.br/artigos/1062>. Acesso em: 8 ago. 2008.
  18. COUTINHO, opus citatum, p. 32, grifo do autor.
  19. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 21. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva,1999, p.79.
  20. Ibidem, p. 90.
  21. Ibidem, p. 90.
  22. Ibidem, p. 85-88.
  23. COUTINHO, opus citatum, p. 23-24.
  24. LAGO, opus citatum, p. 12.
  25. AGUIAR, Alexandre Magno Fernandes. Dos sistemas processuais penais: tipos ou formas de processos penais. Jus Navigandi. Teresina, jun. 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/6948>. Acesso em: 5 set. 2008.
  26. BRASIL. Presidência da República. Decreto-lei n.º 2.848 de 7 de dezembro de 1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del2848.htm>. Acesso em:11 out. 2008. Grifo nosso.
  27. BRASIL. Constituição de 1988. República Federativa do Brasil. Vade Mecum acadêmico de direito. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 7
  28. MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 5. ed. São Paulo: Atlas, 1999, p. 524.
  29. LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado.11. ed. São Paulo: Método, 2007, p. 38-39.
  30. Ibidem, p.39.
  31. DALLARI, opus citatum, p. 199.
  32. Ibidem, p. 202, grifo do autor.
  33. AMARAL, Luiz Otávio de Oliveira. Teoria Geral do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 180-185, grifo nosso.
  34. COUTINHO, opus citatum, p. 16
  35. DALLARI, opus citatum, p. 217, grifo nosso.
  36. BRASIL. Constituição de 1988. República Federativa do Brasil. Vade Mecum acadêmico de direito. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 9.
  37. Ibidem, p. 10.
  38. Ibidem, p. 45.
  39. Ibidem, p. 10.
  40. Ibidem, p. 36.
  41. BRASIL. Constituição de 1988, opus citatum, p. 7.
  42. Ibidem, p. 9.
  43. Ibidem, p. 10.
  44. COUTINHO, opus citatum, p. 14-15, grifo do autor.
  45. LAGO, opus citatum, p. 33.
  46. PESSOA, Robertônio Santos. Processualidade administrativa. Disponível em:<http://www.pi.trf1.gov.br/Revista/revistajf1_cap7.htm>. Acesso em: 28 nov. 2009.
  47. BRASIL. Constituição de 1988, opus citatum, p. 10.
  48. Ibidem.
  49. BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Direito processual constitucional: aspectos contemporâneos. Belo Horizonte: Fórum, 2006, p. 14, grifo nosso.
  50. PESSOA, opus citatum.
  51. BONFIM, opus citatum, p. 17, grifo do autor.
  52. COUTINHO, opus citatum, p. 30-31, grifo nosso.
  53. RANGEL, opus citatum, grifo nosso.
  54. BRASIL. Presidência da República. Lei nº 11.719, de 20 de Junho de 2008. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11719.htm>. Acesso em: 10 ago. 2008.
  55. COUTINHO, opus citatum, p. 53.
  56. BONFIM, opus citatum, p. 454, grifo nosso.
  57. BRASIL. Presidência da República. Decreto-Lei 3.689, de 3 de outubro de 1941. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccIVIL_03/Decreto-Lei/Del3689.htm>. Acesso em: 23 ago. 2008.
  58. Ibidem.
  59. RANGEL, opus citatum.
  60. BRASIL. Presidência da República. Decreto-Lei 3.689, de 3 de outubro de 1941. Opus citatum.
  61. Idem, Lei n.º 9.099, de 26 de setembro de 1995. Disponível em:
  62. BRASIL. Presidência da República. Decreto-Lei 3.689, de 3 de outubro de 1941. opus citatum.
  63. Ibidem. Acesso em:11 nov. 2007.
  64. Ibidem.
  65. TOURINHO FILHO, opus citatum, p. 54.
  66. BRASIL. Presidência da República. Decreto-Lei 3.689, de 3 de outubro de 1941, opus citatum.
  67. RANGEL, opus citatum.
  68. CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 467.
  69. Ibidem, p. 470, grifo do autor.
  70. MIRABETE, opus citatum, p. 453-458.
  71. BONFIM, p. 456-457, grifo do autor.
  72. BRASIL. Presidência da República. Lei nº 11.719, de 20 de Junho de 2008. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11719.htm>. Acesso em: 10 ago. 2008.
  73. Idem, Decreto-Lei 3.689, de 3 de outubro de 1941, opus citatum.
  74. Ibidem.
  75. Ibidem.
  76. FUDOLI, Rodrigo de Abreu. Inovações referentes a procedimentos penais. Jus Navigandi. Teresina, jun. 2008. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/11429>. Acesso em: 18 set. 2008, grifo nosso.
  77. BONFIM, opus citatum, p. 460, grifo do autor.
  78. BRASIL. Constituição de 1988, opus citatum, p. 9.
  79. Ibidem, p. 35-44.
  80. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula N.º 453. Vade Mecum acadêmico de direito. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 1.691.
  81. BONFIM, opus citatum, p. 460.
  82. BRASIL. Constituição Federal de 1988, opus citatum.
  83. LENZA, Pedro. Direitoconstitucional esquematizado. 11. ed. São Paulo: Método, 2007, p. 590, grifonosso.
  84. Ibidem, p. 591, grifo do autor.
  85. BRASIL. Constituição Federal de 1988, opus citatum.
  86. Ibidem.
  87. Ibidem.
  88. PIAUÍ. Assembléia Legislativa. Lei Complementar nº 12, de 18 de dezembro de 1993. Disponível em: <http://ged.al.pi.gov.br/Portal/pages/portal.html#>. Acesso em: 12 nov. 2008.
  89. BRASIL. Presidência da República. Lei n.º 8.625 de 8 de fevereiro de 1993. Disponível em:
  90. Ibidem.
  91. PIAUÍ. Assembléia Legislativa. Lei Complementar N.º 12, de 18 de dezembro de 1993. opus citatum.
  92. Ibidem.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Levy Zend Ferreira da. Sistema processual penal brasileiro atual. Análise constitucional da "emendatio" e "mutatio libelli". Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2676, 29 out. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17736. Acesso em: 25 abr. 2024.