Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/17747
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Possibilidade de ajuizamento de ação de desapropriação como instrumento processual de celeridade ao programa de reforma agrária, mesmo na existência de outras demandas judiciais em trâmite discutindo o domínio público ou privado da área

Possibilidade de ajuizamento de ação de desapropriação como instrumento processual de celeridade ao programa de reforma agrária, mesmo na existência de outras demandas judiciais em trâmite discutindo o domínio público ou privado da área

Publicado em . Elaborado em .

Sumário: 1.Introdução. 2.Bem público imóvel dominical e a regularização fundiária. 3.Ação de cancelamento de registro cumulada com reintegração (ou imissão) . 4.Reintegração de posse pelo particular. Cabimento de oposição. Deslocamento do feito para a Justiça Federal.. 4.1. A questão da posse por particular em área pública. 5.Do cabimento de ação de desapropriação. 5.1. Da impossibilidade de ajuizamento de ação de desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária caso o imóvel cumpra sua função social ou caso tenha sido objeto de esbulho possessório ou invasão motivada por conflito agrário ou fundiário de caráter coletivo. 5.2. O Princípio da proporcionalidade e a desapropriação de área cujo domínio é objeto de disputa judicial. 5.3. Da vedação à desapropriação no caso de área invadida em razão de conflito agrário ou fundiário. 5.4. Invasão que não altere a produtividade da área não é óbice à desapropriação. 6.Da possibilidade de ajuizamento de ação de desapropriação por interesse social em casos onde é vedada a desapropriação para reforma agrária . 7.Conclusão


01 – INTRODUÇÃO

O conceito de reforma agrária é dado pelo Estatuto da Terra, tratando do "conjunto de medidas que visem a promover melhor distribuição da terra, mediante modificações no regime de sua posse e uso, a fim de atender aos princípios de justiça social e ao aumento de produtividade" (parágrafo 1º, do artigo 1º, da Lei nº 4.504/1964).

O legislador brasileiro não se ocupou de definir um conceito de regularização fundiária, sendo que muito se discute a respeito de se tratar de uma espécie do gênero reforma agrária, ou de instituto jurídico de natureza distinta.

À míngua de definição legal, podemos conceituar, de modo amplo, regularização fundiária como o procedimento administrativo tendente realizar o ordenamento da malha fundiária, através da transferência de áreas públicas ao particular que cumpra os requisitos normativos, visando alcançar a função social da propriedade, seja urbana ou rural.

Compete ao Instituto de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, autarquia federal, executar a regularização fundiária rural, ficando a urbana a cargo do Serviço do Patrimônio da União – SPU, órgão vinculado ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.

Deste modo, entendemos que, tratando-se de regularização fundiária em área rural, seria sim uma espécie de reforma agrária, eis que, se visa uma melhor distribuição da terra, através de modificação no regime de sua posse (que passa do público para o privado), visando atender princípios como o de justiça social, e, dependendo do caso, o aumento de produtividade da terra.

É dever do Poder Público promover e criar as condições de acesso do trabalhador rural à propriedade da terra (artigo 2º, parágrafo 2º, alínea "a" da Lei nº 4.504/64).

Desde a Lei de Terras (1964) cabe à Autarquia Agrária promover a discriminação das terras devolutas federais, reconhecer as posses legítimas nestas terras (manifestadas através da cultura efetiva e da morada habitual) e incorporar ao patrimônio público as terras devolutas federais ilegitimamente ocupadas e as que se encontrarem desocupadas (artigo 11 da Lei nº 4.504/64).

Tendo em vista a descentralização administrativa, o INCRA é a agência executiva incumbida de executar a política agrária nacional, devendo, com base no ordenamento jurídico (atenção ao princípio da legalidade), destinar as terras públicas federais devolutas ou ocupadas irregularmente para fins de projetos de assentamento de trabalhadores rurais, ou regularização fundiária dos ocupantes, a depender de qual seja a política pública viável para a área em questão.

Tratando-se de terras públicas devolutas, cabe à Autarquia, através de suas áreas técnicas, realizar estudos no sentido de determinar se a área é passível de instalação de projeto de assentamento de trabalhadores rurais, e se existe demanda social na região para este tipo de política pública, hipótese em que esta deverá ser a destinação a ser dada à área, perseguindo dar concretude ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, pelo acesso à terra, ao trabalho, à vida digna.

Não sendo o caso de criação de projeto de assentamento, e existindo ocupante na área, desde que atendidos os requisitos legais, poderá ser esta destinada à regularização fundiária, com a alienação ou concessão de direito real de uso ao particular.

Ocorre que, muitas vezes, as terras públicas federais onde a Administração já demonstrou interesse em criação de projetos de assentamento encontram-se ocupadas de modo irregular, e assim, tratando de área onde a política pública a ser implementada já foi decidida pela Administração no sentido da realização da reforma agrária por via de criação de projeto de assentamento, não cabe a regularização destes ocupantes, devendo ser retomada a área.

Esta ocupação irregular de terras públicas costuma ocorrer, na maioria das vezes, por três diferentes maneiras:

a)Sem qualquer titulação, simples invasão da área;

b)Por meio de títulos falsos levados a registro;

c)Por meio de títulos de concessão de direito real de uso ou de alienação de terras oriundos de contratos firmados com o INCRA, onde eram previstas diversas condições a serem adimplidas pelo adquirente/beneficiário, em cláusulas que impõem a resolução do contrato, no caso de inadimplemento, e não tendo sido este adimplido.

Tratando-se de simples invasão da área, não possuindo o ocupante qualquer titulação, estando a terra registrada em nome da União ou do INCRA, será a autarquia a responsável por sua gestão, em qualquer hipótese, cabendo o ajuizamento de ação de reintegração ou imissão na posse, a depender do caso concreto. Não havendo registro, cumpre, antes, realizar estudo de cadeia dominial, para certificar se a área é federal ou estadual, tendo em vista a distribuição constitucional das terras devolutas. [01]

Nos outros dois casos (títulos falsos e títulos resolvidos por inadimplemento), quando já tiver sido efetuado o registro dos títulos no Cartório de Registro de Imóveis, é necessário que se proceda ao cancelamento deste registro.

Nestas hipóteses, cabe o ajuizamento de ação judicial, requerendo o cancelamento do registro (ou da matrícula, conforme o caso), cumulada com a reintegração (ou imissão, a depender do caso) do INCRA na posse da área.


02 – BEM PÚBLICO IMÓVEL DOMINICAL E A REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA

Antes de adentrar especificamente na questão processual para a retomada de terras públicas ocupadas irregularmente, cumpre delimitarmos quais são estas áreas.

Bens jurídicos são aqueles que podem servir como objeto de relações jurídicas; são as utilidades materiais ou imateriais que podem ser objeto de direitos subjetivos.

Várias são as espécies de divisões dos bens, sendo que nos interessa no presente estudo a distinção entre bens móveis e imóveis; bens públicos e privados; e, dentre os bens públicos, os dominicais.

De acordo com o critério utilizado para classificar os bens, poderemos dizer que eles serão móveis ou imóveis, quando classificados por eles mesmos, ou seja, tomando de parâmetro para a classificação o próprio bem; já quando se classifica de acordo com o sujeito a quem pertencem, os bens podem ser públicos ou privados.

O conceito de bem imóvel é dado pelo Código Civil, que traz em seu artigo 79 serem "bens imóveis o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente".

Móveis, por sua vez, são "os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social" (artigo 82 do Código Civil).

Assim, patente a classificação das terras como bens imóveis.

Mas poderão ser terras (ou áreas) públicas ou privadas, a depender de quem pertençam. Serão públicas as de domínio nacional ou pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno; e privadas as demais, por exclusão (artigo 98 do Código Civil).

Assim, são áreas públicas federais as já arrecadas em nome da União, as registradas em nome da União, e as devolutas compreendidas no artigo 20, inciso II, da Constituição Federal.

Os bens públicos, por sua vez, podem ser de três espécies: a) de uso comum do povo; b) de uso especial; e c) os dominicais.

De uso comum do povo são os bens públicos que podem ser livremente utilizados pela população, como os rios, as estradas, as ruas, as praças e outros; enquanto de uso especial são os bens públicos destinados a um específico uso, por parte da administração, como os prédios onde funcionam os órgãos públicos, as autarquias, os tribunais e etc.

Dominicais, por sua vez, são os bens públicos que não estão sendo utilizados nem para o uso comum do povo e nem para o uso especial, ou seja, não estão afetados a um fim público, e assim, podem ser objeto de alienação por parte do ente público, desde que observadas as exigências legais.

Nos termos do artigo 188, da Constituição Federal, a destinação das terras públicas e devolutas será realizada de acordo com a política agrícola e com as disposições do plano nacional de reforma agrária.

Assim, tratando-se de terra pública federal dominical, situada em área rural, deverá o INCRA realizar estudos técnicos para levantar a possibilidade de criação de projeto de assentamento para trabalhadores rurais na área, de modo a implantar a política pública de reforma agrária. Subsidiariamente, chegando-se à conclusão de não ser a área recomendada para a criação de projeto de assentamento, estará esta liberada para ser alienada ao particular, por meio de programa de regularização fundiária, nos termos da lei.

A regularização fundiária de terras públicas federais atualmente é disciplinada por dois instrumentos normativos distintos, um para as áreas localizadas no âmbito da Amazônia Legal (Lei nº 11.952/2009) e outro para as demais (Lei nº 4.504/64).

Em todas as normas que versam sobre a alienação ou concessão, a qualquer título, de terras públicas federais (regularização fundiária), é prevista uma série de obrigações a serem adimplidas pela pessoa que se candidatar a adquirir a área.

Assim, são realizados contratos de alienação de terra pública, nos termos da lei de regência da regularização fundiária, com diversas cláusulas que trazem condições resolutórias, que versam a obrigação do adquirente de efetivar, em suma, a função social da propriedade.

Tratando-se de cláusulas com condições resolutórias, a propriedade é transferida particular quando da celebração do contrato, mas sob condições, que se não forem implementadas, implicam na resolução imediata da alienação, voltando a propriedade plena da área à União/INCRA.

Nestas hipóteses, muitas vezes, por já ter sido realizado o registro do título de concessão ou alienação da área pública no Cartório do Registro de Imóveis, dependendo do caso, é necessário o ajuizamento de demanda judicial visando o cancelamento deste registro.

Em outras situações, mesmo não tendo havido prévia alienação ou concessão de direito real de uso pela União/INCRA ao particular, de onde se origina o título que será levado a registro em cartório, visando a transferência da área pública ao domínio particular, acaba por ser registrada a área em nome de proprietário particular, por meio de títulos falsos, ou através da abertura de matrículas sem lastro.

Em todos estes casos, em atenção à segurança jurídica, é necessário que a União/INCRA proceda à retomada da área, com o cancelamento do registro ou matrícula em nome do particular, para que possa dar à terra pública seu destino apropriado, seja através da afetação para a criação de assentamento ou pela alienação ou concessão de direito real de uso em programa de regularização fundiária.


03 - AÇÃO DE CANCELAMENTO DE REGISTRO CUMULADA COM REINTEGRAÇÃO (OU IMISSÃO) DE POSSE

Feito o prévio estudo da cadeia dominial, e certificado pela Autarquia que a área é pública, não obstante encontrar-se registrada em nome de particular, deve proceder a sua retomada.

A propriedade imóvel, no sistema brasileiro, é transmitida com o registro do título translativo junto ao Cartório de Registro de Imóveis (artigo 1.245 do Código Civil).

Segundo o princípio da força probante (fé pública) ou presunção, os registros públicos gozam da presunção de veracidade, assim, presume-se pertencer a propriedade à pessoa em nome de quem esteja registrado o imóvel. Trata-se de presunção relativa, juris tantum, cabendo, portando, demonstrar sua invalidade, e, consequentemente, requerer o cancelamento do registro, nos termos do disposto no parágrafo segundo, do artigo 1.245, do Código Civil, e artigo 1.247, vejamos [02]:

Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.

§ 1o Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel.

§ 2o Enquanto não se promover, por meio de ação própria, a decretação de invalidade do registro, e o respectivo cancelamento, o adquirente continua a ser havido como dono do imóvel.

Art. 1.246. O registro é eficaz desde o momento em que se apresentar o título ao oficial do registro, e este o prenotar no protocolo.

Art. 1.247. Se o teor do registro não exprimir a verdade, poderá o interessado reclamar que se retifique ou anule.

Parágrafo único. Cancelado o registro, poderá o proprietário reivindicar o imóvel, independentemente da boa-fé ou do título do terceiro adquirente.

Assim, visando afastar a presunção de propriedade em favor do particular cuja área pública federal encontra-se indevidamente registrada, é necessário ajuizar ação judicial, onde se buscará a decretação de invalidade do registro, e o seu cancelamento, passando a valer o registro anterior, em nome da União/INCRA.

Cumpre observar que não basta requerer a decretação de invalidade do registro e seu respectivo cancelamento, sendo mister que seja determinada, ademais, a reintegração/imissão da Autarquia Agrária na posse do imóvel, de modo a possibilitar o início de sua atuação, efetuando a política pública agrária que seja determinada para o local.

O instrumento processual normalmente utilizado para a retomada de terras públicas para fins de implantação de programa de reforma agrária é a ação ordinária de cancelamento de registro cumulada com reintegração/imissão na posse. Entretanto, tendo em vista tratar-se de causa que versa a respeito de direitos coletivos, e sendo competente para a demanda judicial o INCRA, cabe o ajuizamento de ação civil pública, nos termos da Lei nº 7.347/85, que se demonstra instrumento mais favorável, tendo em vista diversos aspectos, como, por exemplo, a não previsão de efeito suspensivo ao recurso de apelação, o que permite o início imediato da política pública de reforma agrária na área, no caso de sentença procedente em primeira instância [03].

Em diversas ocasiões, ao tempo em que a Autarquia ingressa com o pedido de cancelamento de registro cumulado com reintegração/imissão de posse, a área já se encontra ocupada por trabalhadores rurais de baixa renda, em busca de um mínimo de condição de vida. Nestas situações, é aconselhável requerer, em sede de antecipação de tutela, que seja reintegrado/imitido o INCRA na posse, para possibilitar o início dos trabalhos de implantação do projeto de assentamento, buscando dar condições dignas a estes trabalhadores.

Logrando o deferimento da antecipação de tutela, já pode a Autarquia começar a realizar a política pública para a qual a área foi indicada, qual seja, o assentamento de trabalhadores rurais.

Entretanto, em algumas ocasiões, a liminar é indeferida, o recurso desta decisão não tem prosseguimento célere ou é denegado, e não possui o INCRA segurança jurídica para iniciar o projeto de assentamento.


04 - REINTEGRAÇÃO DE POSSE PELO PARTICULAR. CABIMENTO DE OPOSIÇÃO. DESLOCAMENTO DO FEITO PARA A JUSTIÇA FEDERAL

Ocorre ainda do ocupante do imóvel, com base em título falso ou resolvido por inadimplemento, ajuizar ação de reintegração de posse em face dos trabalhadores rurais, alegando esbulho, perante o juízo estadual competente. Sendo concedida a antecipação de tutela neste tipo de demanda, causa séria instabilidade social, tendo em vista a iminência da expulsão forçada, por meio de recurso policial, dos trabalhadores rurais da área.

Nestes casos, qual o caminho jurídico a ser seguido pelo INCRA, na tutela do interesse público?

Ingressar no feito, perante a Justiça Estadual, demonstrando seu interesse, de modo a deslocar a competência para a justiça federal, nos termos do artigo 109, inciso I, da Constituição Federal, e demonstrar o não cabimento da ação possessória por parte do ocupante irregular de área pública, tendo em vista tratar-se de mero detentor, e não de possuidor, carecendo de legitimidade para a demanda, motivo pelo qual deve ser julgada improcedente a possessória movida pelo ocupante irregular (detentor), sem resolução de mérito.

No caso de ocupante que detinha título com a União/INCRA cujas condições resolutivas foram descumpridas, deverá ser demonstrado, em sede de oposição ajuizada pela União/INCRA, o descumprimento de alguma das cláusulas que continha condições resolutivas, o que implica a resolução do contrato de alienação de terra pública, e implica novamente a condição da União/INCRA como proprietária plena do imóvel, devendo ser reintegrada na posse, tendo em vista inexistência de posse, após o inadimplemento, do titulado, mas sim de mera detenção.

A reintegração de posse entre o ocupante irregular e os trabalhadores sem terra é uma ação possessória, em que se discute a posse, sendo, assim, vedada a oposição com base em discussão de propriedade, nos termos do artigo 923 do CPC, vejamos:

Art. 923 – Na pendência do processo possessório é defeso, assim ao autor como ao réu, intentar ação de reconhecimento de domínio.

Deste modo, não caberia, a princípio, o ajuizamento de oposição aduzindo tratar-se de área pública federal, ou seja, com fundamento no domínio da área, quando a possessória se limita à discussão da posse.

Caso a ação de reintegração de posse trate da questão da posse juntamente com a propriedade, será possível a oposição por parte do INCRA/União alegando propriedade.

Mas caso a possessória tenha como fundamento único a suposta posse do ocupante, deveremos observar se este possui ou não contrato firmado com o INCRA de concessão de direito real de uso, ou mesmo de alienação de terras públicas sob condições resolutivas.

Caso seja ocupante desprovido de relação jurídica que lhe haja transferido a propriedade/posse da terra, ainda que sob condição resolutiva, será indubitavelmente caso de detenção de bem público, tratando-se de bem público dominical, e não cabendo o ajuizamento de possessória por este ocupante, que não tem a posse do imóvel.

As ações possessórias são procedimentos especiais de jurisdição contenciosa previstos nos artigos 920 a 933 do Código de Processo Civil, cujo rito apenas é aplicável em favor de quem prove, de plano, deter a posse da coisa. Nos termos do artigo 927, inciso I, do CPC, incumbe ao autor da possessória provar a sua posse. Logo, não havendo posse, mas mera detenção, não há o cumprimento de pressuposto específico exigido para esta modalidade processual, o que leva à impossibilidade jurídica do pedido, motivo pelo qual deve ser extinta, sem resolução de mérito, a ação possessória intenta por detentor contra outro particular, quando se trata de bem público.

No sentido do não cabimento de ação de reintegração de posse entre particulares quando se trata de imóvel público, eis que os particulares não têm posse, mas apenas detenção, cumpre transcrever manifestação do Superior Tribunal de Justiça:

Civil e Processo civil. Recurso especial. Ação possessória. Possibilidade jurídica do pedido. Bem imóvel público. Ação ajuizada entre dois particulares. Situação de fato. Rito especial. Inaplicabilidade.

- A ação ajuizada entre dois particulares, tendo por objeto imóvel público, não autoriza a adoção do rito das possessórias, pois há mera detenção e não posse. Assim, não cumpridos os pressupostos específicos para o rito especial, deve o processo ser extinto, sem resolução de mérito, porquanto inadequada a ação.

Recurso especial provido.

(STJ, REsp 998409 / DF, Relator(a) Ministra NANCY ANDRIGHI, Órgão Julgador T3 - TERCEIRA TURMA, Data do Julgamento 13/10/2009, Data da Publicação/Fonte DJe 03/11/2009)

Já na hipótese de se tratar de área cujo contrato de alienação de terra pública ou de concessão de direito real de uso foi descumprido pelo ocupante, gerando a aplicação imediata da cláusula resolutiva, deverá o INCRA demonstrar em sua oposição o descumprimento da condição resolutiva por parte do titulado, fato este suficiente para implicar a resolução do contrato de alienação da terra pública, e, por conseguinte, devolver à União/INCRA a propriedade plena da área, com todos os atributos do domínio. Logo, deixa o titulado, a partir do momento em que ocorre o inadimplemento de alguma das condições resolutivas do contrato, de ser proprietário da área, passando, neste mesmo momento, de possuidor para mero detentor, ocupante irregular de terra pública. Assim, não será cabível o ajuizamento de possessória por parte do ocupante irregular pois ele não detém mais a posse justa do imóvel, sendo agora mero detentor, eis que resolvido de pleno direito o contrato firmado com o INCRA quando do descumprimento de suas cláusulas, o que implica a reversão do domínio integral do bem à União/INCRA, devendo estes serem reintegrados na posse.

Cumpre observar, no que tange ao disposto no artigo 923 do Código de Processo Civil, a respeito da vedação da exceção de domínio quando se trata de demanda fundada no juízo possessório, que em relação a bens públicos, a Administração mantém a posse do bem, ainda que não exercendo faticamente seus poderes sobre o mesmo, o que legitima a apresentação da oposição, com fulcro em juízo possessório, e não petitório, por parte do INCRA.

Nesse sentido, convém transcrever decisão do Superior Tribunal de Justiça:

Processo civil. Ação possessória, entre dois particulares, disputando área pública. Oposição apresentada pela Terracap. Extinção do processo, na origem, com fundamento na inadmissibilidade de se pleitear proteção fundamentada no domínio, durante o trâmite de ação possessória. Art. 923 do CPC. Necessidade de reforma. Recurso provido.

- A jurisprudência do STJ pacificou-se no sentido de considerar públicos os bens pertencentes à Terracap.

- Ao ingressar com oposição, a Terracap apenas demonstra seu domínio sobre a área para comprovar a natureza pública dos bens. A discussão fundamentada no domínio é meramente incidental. A pretensão manifestada no processo tem, como fundamento, a posse da Empresa Pública sobre a área.

- A posse, pelo Estado, sobre bens públicos, notadamente quando se trata de bens dominicais, dá-se independentemente da demonstração do poder de fato sobre a coisa. Interpretação contrária seria incompatível com a necessidade de conferir proteção possessória à ampla parcela do território nacional de que é titular o Poder Público.

- Se a posse, pelo Poder Público, decorre de sua titularidade sobre os bens, a oposição manifestada pela Terracap no processo não tem, como fundamento, seu domínio sobre a área pública, mas a posse dele decorrente, de modo que é incabível opor, à espécie, o óbice do art. 923 do CPC.

Recurso especial conhecido e provido." (STJ, REsp 780401 / DF, Relator(a) Ministra NANCY ANDRIGHI, Órgão Julgador T3 - TERCEIRA TURMA, Data do Julgamento 03/09/2009, Data da Publicação/Fonte DJe 21/09/2009)

04.1 – A QUESTÃO DA POSSE POR PARTICULAR EM ÁREA PÚBLICA

É pacífico o entendimento na jurisprudência pátria da não ocorrência de posse em área pública por particular, tratando-se de mera detenção [04].

Ocorre que, no caso específico dos imóveis públicos federais administrados pelo INCRA, a questão deve ser analisada sobre diferentes prismas.

Em se tratando de terra devoluta, pertencente à União, ou mesmo já arrecadada, mas que não tenha sido objeto de nenhum negócio jurídico ou dever legal específico entre a União e o particular, a ocupação da área por qualquer pessoa será tida como mera detenção.

Já na hipótese de imóveis públicos em que, atendendo a programa de regularização fundiária, tenha sido realizado contrato de alienação de terra pública, sob condições resolutivas, ocorre a transferência da propriedade do imóvel para o particular com o registro do título do Cartório do Registro de Imóveis, a partir de quando o particular passa a ter o domínio da área, mas sob a condição de cumprir as obrigações assumidas para com a Administração. Caso seja descumprida alguma das obrigações assumidas sob a forma de cláusula com condição resolutiva, ocorre a resolução do contrato de alienação da terra pública, voltando a propriedade plena da área à União, passando o ocupante a ser detentor, e não possuidor.

Nas hipóteses em que é celebrado contrato de concessão de direito real de uso, também sob condições, enquanto estiver sendo plenamente cumprido o pactuado entre as partes, terá o particular a posse direta do imóvel, cabendo à União a posse indireta do mesmo, nos termos do artigo 1.197 do Código Civil, vejamos:

Art. 1.197 – A posse direta, de pessoa que tem a coisa em seu poder, temporariamente, em virtude de direito pessoal, ou real, não anula a indireta, de quem foi havida, podendo o possuidor direto defender a sua posse contra o indireto.

No caso de contrato de alienação de terras públicas com condições resolutivas, caso sejam cumpridas todas as obrigações da parte, as condições serão tidas como adimplidas, e a propriedade irá se consolidar em favor do particular, com todos os atributos do domínio, passando este a deter a propriedade plena.

Entretanto, ocorrendo o descumprimento de alguma condição resolutiva, o contrato se resolve de pleno direito, voltando a União a deter todos os poderes do domínio sobre o bem. Neste momento, encerra a posse justa do particular sobre o bem público, em face da precariedade, passando este a ser tido como mero detentor.

O particular, assim, deixa de ter posse injusta sobre o bem público, passando a ser mero detentor, devendo a União/INCRA requerer a reintegração da posse.

Assim, em síntese, quando o particular estiver ocupando bem público sem que exista qualquer relação jurídica anterior entre este e o ente público cuja área pertence, trata-se de mera detenção, não possuindo o particular a posse da área. Logo, não detém o particular legitimidade para ajuizar ação visando a proteção possessória, eis que não se trata de possuidor, mas mero detentor. Nesta hipótese, havendo ocupação da área por trabalhadores rurais, e sendo ajuizada possessória de reintegração de posse por parte do particular detentor, cabe oferecimento de oposição pelo INCRA, demonstrando o não cabimento da ação possessória ajuizada pelo particular, e requerendo sua reintegração na área.

Já no caso de particular que detinha relação jurídica com o INCRA/União, por meio de contrato de alienação de terra pública com condição resolutiva descumprida, a propriedade do imóvel passa ao INCRA/União na mesma data em que ocorre o inadimplemento do contrato, passando o particular a ser ocupante irregular da área, mero detentor, portanto. Deste modo, ocorrendo ocupação da área por trabalhadores rurais, e intentando o particular a manutenção ou reintegração de posse por meio de ação possessória, cabe o ajuizamento de oposição pelo INCRA/União, com base em sua posse sobre o bem, posse de direito, e não de fato, demonstrando a resolução do contrato que detinha com o particular, e requerendo seja a Autarquia reintegrada na posse de fato da área.


05 – DO CABIMENTO DE AÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO

Mas e se mesmo com o ajuizamento de oposição em face da ação de reintegração de posse entre os particulares não for possível obter provimento judicial que impeça a expulsão dos trabalhadores rurais da área, sendo mantida a decisão de reintegração em favor do ocupante, e negada ou ainda não deferida a retomada ajuizada pela Autarquia, ficarão os hipossuficientes desamparados, ou ainda é possível a atuação do INCRA?

Entendemos que nestas hipóteses, visando tutelar o interesse público, traduzido na manutenção dos trabalhadores sem terra na área pública, cujo domínio público ainda não foi declarado judicialmente, e que o detentor já teve decisão de reintegração da posse, é possível o ajuizamento de ação de desapropriação, de modo extraordinário, tendo em vista tratar-se de área pública, visando a mais urgente solução da demanda social.

Passemos, assim, a estudar as questões que envolvem o cabimento do instrumento processual da desapropriação, em relação a imóvel público cujo domínio ainda é discutido, visando atender a urgência social.

05.1 – DA IMPOSSIBILIDADE DE AJUIZAMENTO DE AÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO POR INTERESSE SOCIAL PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA CASO O IMÓVEL CUMPRA SUA FUNÇÃO SOCIAL OU CASO TENHA SIDO OBJETO DE ESBULHO POSSESSÓRIO OU INVASÃO MOTIVADA POR CONFLITO AGRÁRIO OU FUNDIÁRIO DE CARÁTER COLETIVO

A ação de desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária tem previsão constitucional, constando do art. 184 da Carta de 1988, vejamos:

Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei.

§ 1º - As benfeitorias úteis e necessárias serão indenizadas em dinheiro.

§ 2º - O decreto que declarar o imóvel como de interesse social, para fins de reforma agrária, autoriza a União a propor a ação de desapropriação.

§ 3º - Cabe à lei complementar estabelecer procedimento contraditório especial, de rito sumário, para o processo judicial de desapropriação.

§ 4º - O orçamento fixará anualmente o volume total de títulos da dívida agrária, assim como o montante de recursos para atender ao programa de reforma agrária no exercício.

§ 5º - São isentas de impostos federais, estaduais e municipais as operações de transferência de imóveis desapropriados para fins de reforma agrária.

A norma constitucional traz como único legitimado ativo para a ação de desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária a União. Assim, não cabe aos demais entes da federação (Estados, Distrito Federal e Municípios) desapropriar para fins de reforma agrária.

Aduz, ainda, que apenas imóvel rural que não esteja cumprindo a função social é passível de desapropriação para fins de reforma agrária. Ou seja, não cabe para imóvel urbano, e nem pra imóvel que esteja cumprindo a função social.

Cumpre observar que não quer dizer que não seja passível de desapropriação um imóvel que venha cumprindo sua função social, mas apenas que não caberá a desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária, que traz, como grande diferencial das demais desapropriações, o pagamento da indenização da terra nua em títulos da dívida agrária, resgatáveis no prazo de até 20 anos.

A função social da propriedade rural vem disposta no art. 186 da Constituição Federal, que aduz a respeito de suas quatro vertentes, quais sejam: a) função social fática; b) função social ambiental; c) função social do trabalho; e d) função social do bem-estar.

Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:

I - aproveitamento racional e adequado;

II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;

III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;

IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

Em sendo desrespeitada a função social da propriedade, em qualquer uma de suas vertentes, será o imóvel considerado passível de desapropriação para fins de reforma agrária, com pagamento da terra nua em títulos da dívida agrária.

A Constituição veda expressamente a desapropriação para fins de reforma agrária da pequena e média propriedade rural, desde que seu proprietário não possua outra. Ou seja, a priori, apenas as grandes propriedades serão passíveis de desapropriação para fins de reforma agrária; a pequena e a média propriedade somente poderão ser desapropriadas para reforma agrária caso o seu proprietário possua outra propriedade rural.

Outro óbice à desapropriação é o fato de ser a propriedade produtiva, mas perceba-se que este inciso II, do artigo 185, da Constituição Federal, deve ser interpretado de forma sistemática, levando, assim, em conta, o disposto no artigo 186, que trata da função social, assim, mesmo que a propriedade seja produtiva, cumprindo o requisito do aproveitamento racional e adequado, mas descumpra sua função social nas vertentes ambiental, do trabalho e do bem estar, será sim passível de desapropriação.

Art. 185. São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária:

I - a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra;

II - a propriedade produtiva.

Parágrafo único. A lei garantirá tratamento especial à propriedade produtiva e fixará normas para o cumprimento dos requisitos relativos a sua função social.

O parágrafo terceiro, do artigo 184, da Constituição de 1988 traz a exigência de lei complementar para regulamentar o procedimento judicial especial, de rito sumário, da ação de desapropriação para fins de reforma agrária.

Assim, foi editada a Lei Complementar nº 76, de 06 de julho de 1993, que trata do procedimento contraditório especial, de rito sumário, para o processo de desapropriação de imóvel rural, por interesse social, para fins de reforma agrária. Ou seja, este procedimento apenas será aplicado quando da desapropriação de imóvel rural (não cabe para imóvel urbano), e que tenha como finalidade a reforma agrária (qualquer outra finalidade que tenha a desapropriação por interesse social, seguirá o disposto na Lei nº 4.132/62, que remete ao Decreto Lei nº 3.365/41, a Lei Geral de Desapropriação).

O artigo primeiro da LC nº 76/93 traz a competência privativa da União (nos termos do dispositivo constitucional), e aduz, em seu parágrafo primeiro, que a ação será proposta pelo órgão federal executor da reforma agrária (INCRA), e será processada e julgada perante a Justiça Federal (regra de competência está que não necessitava vir expressa na lei, tendo em vista que decorre diretamente de preceito constitucional, previsto no artigo 109 da Carta de 1988).

É requisito para o ajuizamento da ação de desapropriação em tela o prévio decreto presidencial, declarando o imóvel como de interesse social para fins de reforma agrária. Apenas a partir da publicação do decreto, é que se terá por declarado o interesse social para fins de reforma agrária, podendo a União, através da autarquia executora da política pública de reforma agrária, realizar a vistoria e a avaliação do imóvel.

Art. 1º O procedimento judicial da desapropriação de imóvel rural, por interesse social, para fins de reforma agrária, obedecerá ao contraditório especial, de rito sumário, previsto nesta lei Complementar.

Art. 2º A desapropriação de que trata esta lei Complementar é de competência privativa da União e será precedida de decreto declarando o imóvel de interesse social, para fins de reforma agrária.

§ 1º A ação de desapropriação, proposta pelo órgão federal executor da reforma agrária, será processada e julgada pelo juiz federal competente, inclusive durante as férias forenses.

§ 2º Declarado o interesse social, para fins de reforma agrária, fica o expropriante legitimado a promover a vistoria e a avaliação do imóvel, inclusive com o auxílio de força policial, mediante prévia autorização do juiz, responsabilizando-se por eventuais perdas e danos que seus agentes vierem a causar, sem prejuízo das sanções penais cabíveis.

A petição inicial da ação de desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária, além dos requisitos genéricos de toda inicial, esculpidos no artigo 282 do Código de Processo civil, deverá conter a oferta do preço, sendo em títulos da dívida agrária no que se refere ao valor da terra nua, e em dinheiro, no que tange às benfeitorias úteis e necessárias (conforme regramento constitucional), e, deverá conter: a) o texto do decreto presidencial que declara o interesse social para fins de reforma agrária (através de cópia da publicação do decreto no Diário Oficial da União); b) as certidões atualizadas de domínio e de ônus real do imóvel (retirada junto ao Cartório de Registro de Imóveis); c) o documento cadastral do imóvel (que é obtido junto ao INCRA, que mantém o cadastro de imóveis rurais); d) o laudo de vistoria e avaliação (realizado pelos peritos da autarquia agrária, trazendo a descrição do imóvel, a relação das benfeitorias e os valores da terra nua e das benfeitorias indenizáveis); e) o comprovante de lançamento dos títulos da dívida agrária (em montante suficiente para o pagamento do valor da terra nua); e, f) o comprovante de depósito, em espécie, à disposição do juízo, do valor referente às benfeitorias úteis e necessárias.

Art. 5º A petição inicial, além dos requisitos previstos no Código de Processo Civil, conterá a oferta do preço e será instruída com os seguintes documentos:

I - texto do decreto declaratório de interesse social para fins de reforma agrária, publicado no Diário Oficial da União;

II - certidões atualizadas de domínio e de ônus real do imóvel;

III - documento cadastral do imóvel;

IV - laudo de vistoria e avaliação administrativa, que conterá, necessariamente:

a) descrição do imóvel, por meio de suas plantas geral e de situação, e memorial descritivo da área objeto da ação;

b) relação das benfeitorias úteis, necessárias e voluptuárias, das culturas e pastos naturais e artificiais, da cobertura florestal, seja natural ou decorrente de florestamento ou reflorestamento, e dos semoventes;

c) discriminadamente, os valores de avaliação da terra nua e das benfeitorias indenizáveis.

V - comprovante de lançamento dos Títulos da Dívida Agrária correspondente ao valor ofertado para pagamento de terra nua; (Incluído pela Lei Complementar nº 88, de 1996).

VI - comprovante de depósito em banco oficial, ou outro estabelecimento no caso de inexistência de agência na localidade, à disposição do juízo, correspondente ao valor ofertado para pagamento das benfeitorias úteis e necessárias. (Incluído pela Lei Complementar nº 88, de 1996).

Estando devidamente instruída a petição inicial, o juiz irá determinar a imissão do autor na posse do imóvel, de plano, independentemente de requerimento, e sem a oitiva do réu (liminar inaudita altera partes).

Art. 6º O juiz, ao despachar a petição inicial, de plano ou no prazo máximo de quarenta e oito horas:

I - mandará imitir o autor na posse do imóvel; (Redação dada pela Lei Complementar nº 88, de 1996).

II - determinará a citação do expropriando para contestar o pedido e indicar assistente técnico, se quiser; (Redação dada pela Lei Complementar nº 88, de 1996).

III - expedirá mandado ordenando a averbação do ajuizamento da ação no registro do imóvel expropriando, para conhecimento de terceiros.

§ 1º Inexistindo dúvida acerca do domínio, ou de algum direito real sobre o bem, ou sobre os direitos dos titulares do domínio útil, e do domínio direto, em caso de enfiteuse ou aforamento, ou, ainda, inexistindo divisão, hipótese em que o valor da indenização ficará depositado à disposição do juízo enquanto os interessados não resolverem seus conflitos em ações próprias, poderá o expropriando requerer o levantamento de oitenta por cento da indenização depositada, quitado os tributos e publicados os editais, para conhecimento de terceiros, a expensas do expropriante, duas vezes na imprensa local e uma na oficial, decorrido o prazo de trinta dias. (Renumerado do § 2º pela Lei Complementar nº 88, de 1996).

Não existindo dúvida a respeito do domínio do imóvel, poderá o expropriado requerer o levantamento de oitenta por cento do valor da indenização depositada. Caso contrário, ou seja, havendo dúvida a respeito de quem seja o titular do domínio do imóvel, o valor ficará depositado à disposição do juízo enquanto os interessados discutem o domínio em ações próprias.

Destarte, em se tratando de imóvel que esteja registrado em nome de terceiro, pessoa física ou jurídica, mas que a União entenda se tratar de imóvel público federal, haverá dúvida a respeito do domínio. O registro em nome do particular traz a presunção de propriedade do bem imóvel, nos termos do artigo 1.245 do Código Civil, mas trata-se de presunção relativa, e não absoluta, assim, passível de ser afastada, desde que demonstrada a invalidade do título cujo registro gerou a presunção de propriedade.

Como o imóvel encontra-se registrado em nome de particular, será este o proprietário, a priori, cabendo, portanto, a desapropriação, desde que declarado o interesse social na área, para fins de reforma agrária, por meio de decreto presidencial.

Ocorre que, já tendo sido ajuizada a ação de cancelamento de registro por parte da União/INCRA, é clara e incontestável a existência de dúvida acerca do domínio, o que impedirá o expropriado de efetuar o levantamento inicial de oitenta por cento do valor depositado para fins de indenização.

Deste modo, visando a urgente imissão na posse do imóvel, e não logrando sucesso em pleito liminar na ação ordinária de cancelamento de registro cumulada com reintegração ou imissão na posse (a depender do caso concreto), se mostra como via processual possível, visando dar celeridade à política pública de reforma agrária, o ajuizamento de ação de desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária.

Nenhum prejuízo terá a União, tendo em vista que os valores de indenização não serão levantados pelo expropriado enquanto perdurar a dúvida a cerca do domínio (se público ou privado), e enorme ganho social terão os clientes da reforma agrária, tendo em vista a possibilidade imediata de imissão na posse e conseqüente início de implantação de projeto de assentamento na área.

O levantamento, ou não, da indenização por parte do expropriado dependerá do resultado final da ação de cancelamento de registro anteriormente ajuizada pela União/INCRA.

É dizer, sendo a União vencedora, será cancelado o registro do imóvel em nome do expropriado, voltando a valer o registro anterior, em nome da União, hipótese em que o domínio será pleno da União, que já havia sido imitida na posse na ação de desapropriação, logo, ocorrerá o instituto da confusão, sendo credor e devedor na ação de desapropriação, no que tange à terra nua, a União, extinguindo-se, assim, a dívida, nos termos do artigo 381 do Código Civil.

Já na hipótese de ser a União derrotada na ação de cancelamento de registro, restará decidido judicialmente que o particular detinha a propriedade da área desapropriada. Teremos, então, segurança jurídica para sanar a dúvida a respeito do domínio, o que implicará a possibilidade do expropriado levantar oitenta por cento do valor depositado a título de indenização na ação de desapropriação.

Mas de qualquer modo, o fim social da demanda, qual seja, a execução do programa nacional de reforma agrária, com o assentamento de trabalhadores rurais de baixa renda na área onde havia interesse social para reforma agrária, já terá sido atingido anteriormente, a partir do momento da imissão da União na posse do imóvel, quando do despacho da petição inicial da ação de desapropriação.

Destarte, conclui-se que é possível sim o ajuizamento de ação de desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária, mesmo quando a União/INCRA entenderem se tratar de bem público, mas estando este registrado em nome de particular, e não sendo possível a reintegração/imissão na posse liminarmente na ação ordinária onde é disputado o domínio, e requerido o cancelamento do registro do imóvel em nome do particular. Trata-se de instrumento processual que permitirá a imediata imissão da União/INCRA na posse do imóvel, tornando mais célere a realização da política pública de reforma agrária, em atenção ao princípio da celeridade, presente no artigo 37 da Constituição Federal, e que não trará qualquer ônus para a Administração ou para o particular (que será devidamente indenizado, caso seja declarado judicialmente proprietário da área).

05.2 – O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E A DESAPROPRIAÇÃO DE ÁREA CUJO DOMÍNIO É OBJETO DE DISPUTA JUDICIAL

Analisando o ajuizamento da ação de desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária enquanto pendente ação de cancelamento de registro cumulada com pedido de reintegração/imissão na posse, não sendo lograda antecipação de tutela na ação ordinária, sobre os requisitos da proporcionalidade, que deve pautar a conduta administrativa, fica claro seu cabimento.

A imissão automática da União na posse do imóvel através da ação de desapropriação para fins de reforma agrária é adequada para o fim de assentar famílias na área, é necessária, tendo em vista que não foi possível conseguir esta imissão célere através da ação ordinária (ou ação civil pública) de cancelamento de registro, e é proporcional em sentido estrito, eis que traz o bônus de possibilitar o início imediato do programa de reforma agrária na área, e não tem ônus, tendo em vista que se for levantado o valor da indenização pelo expropriado, será porque este era o real proprietário da área, e assim ocorreria de qualquer modo, e caso seja a União/INCRA vencedora na ação de cancelamento de registro, nada irá pagar a título de indenização da terra nua, do mesmo modo que ocorreria se não tivesse ajuizado a ação de desapropriação, mas como benefício de já ter sido a muito tempo imitida na posse da área.

Percebe-se, assim, atendido o princípio da proporcionalidade, sobre seus três primas, quais sejam, da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito.

5.3 – DA VEDAÇÃO À DESAPROPRIAÇÃO NO CASO DE ÁREA INVADIDA EM RAZÃO DE CONFLITO AGRÁRIO OU FUNDIÁRIO

Ocorre, entretanto, que toda esta construção processual apenas poderá ser efetuada caso não tenha sido a área invadida em razão de conflito agrário ou fundiário.

A Lei Complementar nº 76/93 trata do procedimento para a ação de desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária, ou seja, versa questões de direito processual. O direito material referente à reforma agrária encontra-se previsto na Lei nº 8.629/93, que regulamenta os dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária.

A Lei nº 8.629/93 sofreu alterações por meio da Medida Provisória nº 2.138-86, de 24 de agosto de 2001, que acrescentou os parágrafos terceiro a nono no artigo segundo da lei, prevendo, no parágrafo sexto, a impossibilidade de desapropriação de imóvel rural, de domínio público ou particular, que tenha sido objeto de esbulho possessório ou invasão motivada por conflito agrário ou fundiário de caráter coletivo, desde a data da invasão ou do esbulho, até os dois anos seguintes à data da desocupação do imóvel, podendo chegar este prazo impeditivo de desapropriação a até quatro anos, no caso de reincidência.

Art. 1º Esta lei regulamenta e disciplina disposições relativas à reforma agrária, previstas no Capítulo III, Título VII, da Constituição Federal.

Art. 2º A propriedade rural que não cumprir a função social prevista no art. 9º é passível de desapropriação, nos termos desta lei, respeitados os dispositivos constitucionais.

§ 1º Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social.

§ 2o Para os fins deste artigo, fica a União, através do órgão federal competente, autorizada a ingressar no imóvel de propriedade particular para levantamento de dados e informações, mediante prévia comunicação escrita ao proprietário, preposto ou seu representante. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.183-56, de 2001)

§ 3o Na ausência do proprietário, do preposto ou do representante, a comunicação será feita mediante edital, a ser publicado, por três vezes consecutivas, em jornal de grande circulação na capital do Estado de localização do imóvel. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.183-56, de 2001)

§ 4o Não será considerada, para os fins desta Lei, qualquer modificação, quanto ao domínio, à dimensão e às condições de uso do imóvel, introduzida ou ocorrida até seis meses após a data da comunicação para levantamento de dados e informações de que tratam os §§ 2o e 3o. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.183-56, de 2001)

§ 5o No caso de fiscalização decorrente do exercício de poder de polícia, será dispensada a comunicação de que tratam os §§ 2o e 3o. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.183-56, de 2001)

§ 6o O imóvel rural de domínio público ou particular objeto de esbulho possessório ou invasão motivada por conflito agrário ou fundiário de caráter coletivo não será vistoriado, avaliado ou desapropriado nos dois anos seguintes à sua desocupação, ou no dobro desse prazo, em caso de reincidência; e deverá ser apurada a responsabilidade civil e administrativa de quem concorra com qualquer ato omissivo ou comissivo que propicie o descumprimento dessas vedações. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.183-56, de 2001)

§ 7o Será excluído do Programa de Reforma Agrária do Governo Federal quem, já estando beneficiado com lote em Projeto de Assentamento, ou sendo pretendente desse benefício na condição de inscrito em processo de cadastramento e seleção de candidatos ao acesso à terra, for efetivamente identificado como participante direto ou indireto em conflito fundiário que se caracterize por invasão ou esbulho de imóvel rural de domínio público ou privado em fase de processo administrativo de vistoria ou avaliação para fins de reforma agrária, ou que esteja sendo objeto de processo judicial de desapropriação em vias de imissão de posse ao ente expropriante; e bem assim quem for efetivamente identificado como participante de invasão de prédio público, de atos de ameaça, seqüestro ou manutenção de servidores públicos e outros cidadãos em cárcere privado, ou de quaisquer outros atos de violência real ou pessoal praticados em tais situações. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.183-56, de 2001)

§ 8o A entidade, a organização, a pessoa jurídica, o movimento ou a sociedade de fato que, de qualquer forma, direta ou indiretamente, auxiliar, colaborar, incentivar, incitar, induzir ou participar de invasão de imóveis rurais ou de bens públicos, ou em conflito agrário ou fundiário de caráter coletivo, não receberá, a qualquer título, recursos públicos. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.183-56, de 2001)

§ 9o Se, na hipótese do § 8o, a transferência ou repasse dos recursos públicos já tiverem sido autorizados, assistirá ao Poder Público o direito de retenção, bem assim o de rescisão do contrato, convênio ou instrumento similar. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.183-56, de 2001)

Importante frisar que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é pacífica em entender que apenas não poderá ocorrer a desapropriação para fins de reforma agrária, no prazo de dois anos, nos casos em que o imóvel a ser desapropriado tenha sofrido a invasão aludida no artigo 2º, parágrafo sexto, da Lei nº 8.629/93 antes da realização da vistoria pelos técnicos do INCRA, que irá realizar o levantamento dos graus de produtividade e de utilização da terra na área a ser desapropriada.

Ou seja, mesmo que ocorra invasão do imóvel a ser desapropriado por motivo de conflito agrário ou fundiário de caráter coletivo, mas sendo esta invasão posterior à data de realização da vistoria do imóvel, não será óbice ao ajuizamento da competente ação de desapropriação, vejamos:

EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO POR INTERESSE SOCIAL PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA. ARTIGO 184 DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. INVASÃO DO IMÓVEL POR MOVIMENTO DE TRABALHADORES RURAIS APÓS A REALIZAÇÃO DA VISTORIA DO INCRA. INEXISTÊNCIA DE ÓBICE À DESAPROPRIAÇÃO. ARTIGO 2º, § 6º DA LEI N. 8.629/93. ORDEM DENEGADA. 1. O § 6º, art. 2º da Lei n. 8.629/93 estabelece que "[o] imóvel rural de domínio público ou particular objeto de esbulho possessório ou invasão motivada por conflito agrário ou fundiário de caráter coletivo não será vistoriado, avaliado ou desapropriado nos dois anos seguintes à sua desocupação, ou no dobro desse prazo, em caso de reincidência; e deverá ser apurada a responsabilidade civil e administrativa de quem concorra com qualquer ato omissivo ou comissivo que propicie o descumprimento dessas vedações". 2. A jurisprudência desta Corte fixou entendimento no sentido de que a vedação prevista nesse preceito "alcança apenas as hipóteses em que a vistoria ainda não tenha sido realizada ou quando feitos os trabalhos durante ou após a ocupação" [MS n. 24.136, Relator o Ministro MAURICIO CORRÊA, DJ de 8.11.02]. No mesmo sentido, o MS n. 23.857, Relatora a Ministra ELLEN GRACIE, DJ de 13.6.03. 3. A ocupação do imóvel pelos trabalhadores rurais ocorreu após quase dois anos da data da vistoria realizada pelo INCRA. Segurança denegada.

(STF, MS 24984 / DF, Relator(a): Min. EROS GRAU, Julgamento: 17/03/2010. Órgão Julgador: Tribunal Pleno)

EMENTA: CONSTITUCIONAL. DESAPROPRIAÇÃO. REFORMA AGRÁRIA. ENTREGA DE NOTIFICAÇÃO ACERCA DO INÍCIO DA VISTORIA DE IMÓVEL RURAL A REPRESENTANTES DA IMPETRANTE SEM PODERES PARA RECEBÊ-LA. INOBSERVÂNCIA DO PRAZO MÍNIMO DE TRÊS DIAS PARA INÍCIO DOS TRABALHOS. FATO NOVO. ESBULHO OU INVASÃO. PROIBIÇÃO DA EXECUÇÃO DE VISTORIA OU CONTINUIDADE DO PROCESSO DE DESAPROPRIAÇÃO. 1. Mandado de segurança em que se alega a nulidade de processo de desapropriação, em razão da invalidade da notificação acerca do início da vistoria para elaboração de Relatório Agronômico de Fiscalização, dado que recebida por pessoas às quais não se outorgara mandato para tanto. Improcedência da alegação, porquanto as pessoas que receberam a notificação eram prepostos da empresa (gestores financeiros). 2. Alegada inobservância do prazo mínimo de três dias para início da vistoria, contado a partir do recebimento da notificação. Conforme se depreende da leitura dos autos, a notificação final foi realizada em 13.10.2000 e a vistoria iniciou-se apenas em 16.10.2000. Improcedência. 3. Alegado fato novo, impeditivo do prosseguimento do processo de desapropriação, consistente na invasão do imóvel rural. Improcedência. Somente obsta o processo de desapropriação ou a realização de vistoria o esbulho ou a turbação capazes de influir no quadro fático que serve de substrato ao Relatório Agronômico de Fiscalização. No caso em exame, devido ao tempo decorrido entre a vistoria (2000) e o alegado esbulho (2004), não se caracteriza o nexo de implicação necessário. Mandado de segurança denegado.

(STF, MS 24178 / DF, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA. Julgamento: 01/10/2009. Órgão Julgador: Tribunal Pleno)

EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. DESAPROPRIAÇÃO. REFORMA AGRÁRIA. FAZENDA INVADIDA POR INTEGRANTES DO MST. PERÍODO POSTERIOR À REALIZAÇÃO DA VISTORIA. TRANSMISSÃO DA PROPRIEDADE. IMÓVEL NÃO DIVIDIDO. ART. 1784 C/C ART. 1791 DO CÓDIGO CIVIL. ORDEM DENEGADA. A invasão do imóvel por integrantes do Movimento dos Sem-Terra ocorreu em período posterior à conclusão das vistorias realizadas pelo INCRA, de modo que não teve o condão de influenciar nos resultados encontrados sobre a produtividade da fazenda. Precedentes.(...)

(STF. MS 25283 / DF. Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA. Julgamento: 01/08/2008. Órgão Julgador: Tribunal Pleno)

EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. DESAPROPRIAÇÃO. ALEGAÇÃO DE DISCREPÂNCIA ENRE AS ÁREAS VISTORIADAS E AS CONSTANTES DO DECRETO PRESIDENCIAL. ERRO NA AVALIAÇÃO DE PRODUTIVIDADE. DEMONSTRAÇÃO COM LAUDO PARTICULAR. INVASÃO POR INTEGRANTES DO MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA - MST. ALTERAÇÃO DA PRODUTIVIDADE DO IMÓVEL. DECRETO EDITADO ANTES DA FINALIZAÇÃO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO. EXISTÊNCIA DE ÁREA DE PRESERVAÇÃO AMBIENTAL NÃO CONSIDERADA PELO INCRA. A apreciação da produtividade do imóvel e a comprovação de eventual discrepância de metragem das áreas físicas em discussão demandam dilação probatória inviável no espectro processual do mandado de segurança. A jurisprudência do STF é firme em considerar que as invasões hábeis a ensejar a aplicação do § 6º do art. 2º da Lei nº 8.629/93 são aquelas ocorridas durante a vistoria, ou antes dela (MS 26.136). No caso, a invasões ocorreram vários meses depois da medida administrativa. A interposição de recurso administrativo não impede a edição de atos pela Administração Pública, nos termos da Lei nº 9.784/99. Os recursos administrativos não têm efeito suspensivo. Precedente: MS 24.163. Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a área de reserva florestal não identificada no registro imobiliário não é de ser subtraída da área total do imóvel para o fim de cálculo da produtividade. Precedente: MS 22.688. Mandado de segurança indeferido.

(STF. MS 25186 / DF. Relator(a): Min. CARLOS BRITTO. Julgamento: 13/09/2006. Órgão Julgador: Tribunal Pleno)

Tendo em vista o fato do parágrafo sexto, do artigo 2º, da Lei nº 8.629/93 ter sido incluído pela Medida Provisória nº 2.027/2000, de 04 de maio de 2000, reeditada, pela última vez, como MP nº 2.138-86/2001, a vedação da desapropriação para fins de reforma agrária de imóvel que tenha sofrido esbulho ou invasão motivada por conflito agrário ou fundiário de caráter coletivo apenas poderá operar na hipótese de o esbulho ou a invasão terem ocorrido após a entrada em vigor deste dispositivo legal, ou seja, depois da data de vigência da primeira Medida Provisória. Sendo o suposto esbulho ou invasão anterior a esta data, não será óbice à desapropriação para fins de reforma agrária, tendo em vista a norma operar seus efeitos apenas para o futuro, não retroagindo para alcançar invasões ou esbulhos já ocorridos.

Neste sentido, já se pronunciou o Supremo Tribunal Federal:

EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. DESAPROPRIAÇÃO PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA. IMÓVEL OCUPADO POR INTEGRANTES DO MST ANTES DA VIGÊNCIA DA MEDIDA PROVISÓRIA 2.027/00. VISTORIA REALIZADA EM DATA ANTERIOR À OCUPAÇÃO. NÃO-OCORRÊNCIA DE LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. 1. Ocupação do imóvel por integrantes do MST antes da edição da Medida Provisória 2.027-43, de 27 de setembro de 2000, que introduziu o § 6º do artigo 2º da Lei 8.629/93, vedando a vistoria nos dois anos seguintes à desocupação do imóvel. Impossível a retroação da norma legal. 2. Vistoria realizada sete meses antes da referida ocupação, inexistindo, no ponto, óbice que possa viciar o decreto presidencial. 3. Litigância de má-fé não caracterizada, tendo-se em vista os fundamentos expostos na inicial, razoavelmente justificados sob o ponto de vista jurídico, embora não socorram a pretensão do impetrante. Segurança denegada.

(STF. MS 23818 / MS, Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA, Julgamento: 29/11/2001. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação DJ 22-02-2002 PP-00036)

Também o Superior Tribunal de Justiça tem precedente no sentido da não aplicação retroativa da vedação de desapropriação para fins de reforma agrária de imóvel objeto de esbulho ou invasão por conflito social:

ADMINISTRATIVO. PROCESSO CIVIL. ART. 4º DA MEDIDA PROVISÓRIA N.2.027/2000. APLICAÇÃO RETROATIVA. ART. 6º DA LICC. IMPOSSIBILIDADE. DECRETO N. 2.250/97. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO.

1. O art. 4º da Medida Provisória n. 2.027/2000, que impede a realização de vistoria nos dois anos seguintes à desocupação de imóvel rural invadido, não se aplica aos casos em que a ocupação do imóvel ocorreu em momento anterior à sua edição.

2. Incidem os óbices previstos nas Súmulas n. 282 e 356/STF quando a questão suscitada não tenha sido debatida no acórdão recorrido, nem, a respeito, tenham sido opostos embargos de declaração.

3. Recurso parcialmente conhecido e, nessa parte, provido.

(STJ. Processo REsp 644717 / AL. Relator Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA. Órgão Julgador T2 - SEGUNDA TURMA. Data do Julgamento 27/06/2006. Data da Publicação/Fonte DJ 10/08/2006 p. 201)

Cumpre relembrar, ainda, que mesmo na hipótese de imóvel rural que sofreu esbulho ou invasão motivada por conflito agrário ou fundiário de caráter coletivo, este não fica impossibilitado da desapropriação para fins de reforma agrária, mas apenas sujeito a uma espécie de "quarentena". É dizer, não poderá ser objeto desta espécie de desapropriação nos dois anos que seguirem a contar da data da retomada da posse da área pelo particular, ou quatro anos, no caso de reincidência na invasão ou esbulho. Mas depois deste prazo, poderá perfeitamente ser desapropriado, desde que cumpridos os demais requisitos legais.

5.4 - INVASÃO QUE NÃO ALTERE A PRODUTIVIDADE DA ÁREA NÃO É ÓBICE À DESAPROPRIAÇÃO

A desapropriação para fins de reforma agrária tem como objeto imóveis rurais improdutivos, ou que não cumpram sua função social, nas outras vertentes, quais sejam, a ambiental, trabalhista e do bem estar.

Antes de proceder à desapropriação da área, é necessário que seja realizada uma vistoria, de modo a concluir pela improdutividade, quando for a desapropriação fundamentada na falta de aproveitamento racional e adequado da área (artigo 186, inciso I, da Constituição Federal).

Quando o imóvel rural sofre invasão motivada por conflito agrário ou fundiário de caráter coletivo, muitas vezes, tem alterada sua produtividade, em face da impossibilidade do suposto proprietário exercer sua posse, e, assim, de utilizar a área para produzir. Isto ocorrerá sempre que a ocupação se der sobre área utilizada pelo particular para fins de produção agrícola ou pecuária, seja direta ou indiretamente.

Esta é a intenção da norma disposta no parágrafo sexto, do artigo 2º, da Lei nº 8.629/93, qual seja, impedir que seja realizada a vistoria pelo INCRA, que irá auferir o grau de produtividade da área, após a ocupação por terceiros, que possam impossibilitar ou ao menos atrapalhar a utilização da terra. Tanto é este o sentido da norma, que o Supremo Tribunal Federal tem jurisprudência pacífica no sentido de sua não aplicação, na hipótese da invasão ser posterior à vistoria, justamente pelo fato de que, nestes casos, não irá influenciar no resultado do laudo técnico.

Foi ajuizada a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.213, visando, dentre outras, a declaração de inconstitucionalidade do aludido parágrafo sexto. O mérito da ação ainda não foi apreciado, tendo o Supremo rejeitado o pedido liminar, em decisão colegiada do Tribunal Pleno de 04.04.2002. Entretanto, o que ora se expõe não é de modo algum a inconstitucionalidade deste dispositivo legal, matéria que não é objeto de apreciação no presente estudo, mas tão somente a sua interpretação de modo sistemático, histórico e teleológico, de modo a afastar sua aplicação, quando a ocupação irregular por motivo de conflito social não venha a influenciar no resultado da vistoria da área.

Apreciando o teor do voto do Ministro Celso de Melo, nos autos da ADI 2.213, percebe-se que o entendimento do Supremo Tribunal Federal é pela constitucionalidade da norma, no sentido de que não seja objeto de desapropriação área cuja invasão implique em redução de sua produtividade, vejamos:

Ao contrário do que sustentam os autores, entendo que a limitação constante da norma em causa – que dispõe que o imóvel rural, objeto de esbulho possessório ou de invasão motivada por conflito agrário , não poderá constituir, durante certo período de tempo, bem suscetível d vistoria ou de declaração expropriatória – não faz instaurar hipótese nova de inexpropriabilidade, mas encontra sua razão de ser na necessidade de permitir, ao longo daquele lapso temporal, que se torne possível a reorganização do sistema de produção fundiária, além de viabilizar a própria recuperação física ou material do prédio invadido ou esbulhado, muitas vezes substancialmente afetado, em seu grau de produtividade, pela ação predatória praticada pelos invasores.

Destarte, mesmo na hipótese de uma certa porção da área vir a ser ocupada por movimentos sociais, desde que se trate de perímetro onde não havia qualquer exploração da terra, esta ocupação irregular não irá afetar em nada o resultado de suposta vistoria a ser realizada pelo INCRA, e, assim, de modo algum irá alterar o resultado final do estudo técnico da área, para auferir o seu grau de produtividade.

Logo, ocorrendo a ocupação em área inutilizada da terra, não irá influir na realização da vistoria, e, assim, não incidirá na intenção do legislador ao editar a regra do parágrafo sexto, de modo que, nestas hipóteses, por construção hermenêutica, não terá aplicação a vedação exposta neste dispositivo legal.

Mas tendo em vista a existência da norma, deverá o expropriante demonstrar que a ocupação da área por terceiros não influenciou em nada o resultado final da vistoria de produtividade, de modo a afastar a incidência da vedação legal, e possibilitar a desapropriação para fins de reforma agrária, desde que seja concluído pelo laudo técnico se tratar de área improdutiva.

Assim, mesmo que já tenha sido ajuizada ação ordinária de cancelamento de registro, caberá a demanda desapropriatória por interesse social para fins de reforma agrária, visando dar celeridade à política pública agrária, concretizando o princípio da dignidade da pessoa humana, vetor axiológico máximo da Constituição Federal de 1988.

Entretanto, a desapropriação para fins de reforma agrária, com os benefícios legais de imissão direta na posse e pagamento da terra nua por meio de títulos da dívida agrária, somente caberá em face de imóvel que descumprir sua função social, e tem como óbice a ocorrência, antes de concretizada a desapropriação, de esbulho possessório ou invasão motivada por conflito agrário ou fundiário de caráter coletivo, que venha a influenciar o resultado final da vistoria a ser realizada pelo INCRA na propriedade para auferir sua produtividade.


06 – DA POSSIBILIDADE DE AJUIZAMENTO DE AÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO POR INTERESSE SOCIAL EM CASOS ONDE É VEDADA A DESAPROPRIAÇÃO PARA REFORMA AGRÁRIA

Cumpre observar, entretanto, que a Lei nº 8.629/93 visa regulamentar os dispositivos constitucionais referentes à reforma agrária, e seu artigo segundo, mais especificamente, tem aplicação única e tão somente na hipótese de desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária, ação intentada com base no artigo 184 da Constituição Federal, e que segue o procedimento especial da Lei Complementar nº 76/93.

Logo, o esbulho possessório ou a invasão do imóvel a ser desapropriado por motivo de conflito agrário ou fundiário de caráter coletivo, não impede a desapropriação do imóvel de modo geral e irrestrito, mas apenas impede a desapropriação especial prevista no artigo 184 da Constituição Federal, onde o valor da terra nua é pago por meio de títulos da dívida pública resgatáveis no prazo de até 20 anos.

A desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, é garantida pelo disposto no inciso XXIV, do artigo 5º, da Constituição Federal, sendo a desapropriação por interesse social regulada pela Lei nº 4.132/62.

Dispõe o artigo primeiro, da Lei nº 4.132/62, que a desapropriação por interesse social será decretada, dentre outros motivos, para promover a justa distribuição da propriedade, e considera de interesse social, no inciso III, do seu artigo segundo, que não é exaustivo, mas meramente exemplificativo, o estabelecimento e a manutenção de colônias ou cooperativas de povoamento e trabalho agrícola.

Deste modo, não obstante ser mais interessante para o poder público, quando tenha a finalidade social específica da reforma agrária, desapropriar por meio do disposto no artigo 184 da Constituição Federal, nada impede que, vedada a desapropriação especial para reforma agrária, seja realizada a desapropriação geral para fins de interesse social, prevista no artigo 5º, inciso XXIV da Constituição Federal, e regulamentada pela Lei nº 4.132/62.

Os bens desapropriados por interesse social com base no disposto na Lei nº 4.132/64 devem ser objeto de venda ou locação a quem estiver em condições de dar-lhes a destinação social prevista. É justamente o que ocorre nos casos em que o INCRA desapropria a área para instalar projeto de assentamento, devendo os beneficiários dar a destinação social prevista à área e pagar aos cofres públicos, a longo prazo, o valor dos lotes onde são assentados.

A grande diferença em se desapropriar por interesse social geral, e não específico da reforma agrária, é que o procedimento será o previsto no Decreto-lei nº 3.365/1941, segundo o disposto no artigo quinto da Lei nº 4.132/64, e assim, o valor total da propriedade, com suas benfeitorias, deverá ser pago em dinheiro, não sendo permitida a expedição de títulos da dívida agrária para tal fim.

Exige-se, do mesmo modo, a expedição de decreto de desapropriação, aduzindo a respeito do interesse social na área, por parte do Presidente da República.

Desde que seja depositada a quantia arbitrada como suficiente à indenização do expropriado, e alegada urgência pelo expropriante, deverá o juiz mandar imiti-lo na posse.

Art. 13. A petição inicial, além dos requisitos previstos no Código de Processo Civil, conterá a oferta do preço e será instruída com um exemplar do contrato, ou do jornal oficial que houver publicado o decreto de desapropriação, ou cópia autenticada dos mesmos, e a planta ou descrição dos bens e suas confrontações.

Parágrafo único. Sendo o valor da causa igual ou inferior a dois contos de réis, dispensam-se os autos suplementares.

Art. 14. Ao despachar a inicial, o juiz designará um perito de sua livre escolha, sempre que possivel, técnico, para proceder à avaliação dos bens.

Parágrafo único. O autor e o réu poderão indicar assistente técnico do perito.

Art. 15. Se o expropriante alegar urgência e depositar quantia arbitrada de conformidade com o art. 685 do Código de Processo Civil, o juiz mandará imití-lo provisoriamente na posse dos bens;

§ 1º A imissão provisória poderá ser feita, independente da citação do réu, mediante o depósito: (Incluído pela Lei nº 2.786, de 1956)

a) do preço oferecido, se êste fôr superior a 20 (vinte) vêzes o valor locativo, caso o imóvel esteja sujeito ao impôsto predial; (Incluída pela Lei nº 2.786, de 1956)

b) da quantia correspondente a 20 (vinte) vêzes o valor locativo, estando o imóvel sujeito ao impôsto predial e sendo menor o preço oferecido; (Incluída pela Lei nº 2.786, de 1956)

c) do valor cadastral do imóvel, para fins de lançamento do impôsto territorial, urbano ou rural, caso o referido valor tenha sido atualizado no ano fiscal imediatamente anterior; (Incluída pela Lei nº 2.786, de 1956)

d) não tendo havido a atualização a que se refere o inciso c, o juiz fixará independente de avaliação, a importância do depósito, tendo em vista a época em que houver sido fixado originàlmente o valor cadastral e a valorização ou desvalorização posterior do imóvel. (Incluída pela Lei nº 2.786, de 1956)

§ 2º A alegação de urgência, que não poderá ser renovada, obrigará o expropriante a requerer a imissão provisória dentro do prazo improrrogável de 120 (cento e vinte) dias. (Incluído pela Lei nº 2.786, de 1956)

§ 3º Excedido o prazo fixado no parágrafo anterior não será concedida a imissão provisória. (Incluído pela Lei nº 2.786, de 1956)

§ 4o A imissão provisória na posse será registrada no registro de imóveis competente. (Incluído pela Lei nº 11.977, de 2009)

Percebe-se, então, que o fim social de possibilitar a imissão imediata da União/INCRA na posse do imóvel, para que seja possível o início do programa social de assentamento de trabalhadores rurais de baixa renda, será igualmente atingido se utilizado rito da ação de desapropriação por interesse social comum (comum em oposição à específica para reforma agrária, que seria especial).

A grande questão, aqui, será que o depósito inicial deverá ser realizado em espécie, e não em títulos da dívida agrária, o que irá gerar um peso maior aos cofres públicos.

Entretanto, este valor depositado inicialmente para fins de imissão provisória na posse não poderá ser levantado pelo expropriado no caso em tela, tendo em vista estar sendo discutido o domínio da área na ação de cancelamento de registro anteriormente ajuizada pela União/INCRA, nos termos do disposto no parágrafo único, do artigo 34, do Decreto-lei nº 3.365/41.

Art. 34. O levantamento do preço será deferido mediante prova de propriedade, de quitação de dívidas fiscais que recaiam sobre o bem expropriado, e publicação de editais, com o prazo de 10 dias, para conhecimento de terceiros.

Parágrafo único. Se o juiz verificar que há dúvida fundada sobre o domínio, o preço ficará em depósito, ressalvada aos interessados a ação própria para disputá-lo.

E logrando sucesso a Autarquia Agrária na ação de cancelamento de registro, a propriedade da área será consolidada em nome da União/INCRA, ocorrendo, no que tange à desapropriação, o já demonstrado instituto da confusão, podendo a União levantar os valores anteriormente depositados em juízo para fins de imissão provisória na posse.

Caso seja denegado o pedido na ação de cancelamento de registro, e restando assegurada a propriedade do expropriado, terá este direito de levantar os valores depositados na ação de desapropriação.

A questão mais relevante reside, como já demonstrado, no fato de que, caso tenha o expropriado sucesso na ação de cancelamento de registro, e demonstre ser o real proprietário da área, irá levantar os valores depositados em dinheiro, e não em títulos da dívida agrária, no caso de ser ajuizada a ação de desapropriação com fulcro na Lei nº 4.132/64, tendo em vista a impossibilidade de desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária, em se tratando de imóvel produtivo ou que sofreu esbulho possessório ou invasão motivada por conflito agrário ou fundiário de caráter coletivo.


07 - CONCLUSÃO

Deste modo, conclui-se que o ideal para fins de execução do programa nacional de reforma agrária, é que os movimentos sociais se abstenham de invadir as áreas requeridas, de modo a possibilitar o ajuizamento de ação de desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária, com a vantagem da possibilidade de pagamento da indenização do valor da terra nua em títulos da dívida agrária resgatáveis no prazo de vinte anos, e cuja emissão já se encontra regularmente prevista nas normas orçamentárias.

Entretanto, mesmo que tenha sido o imóvel objeto de ocupação por motivo de conflitos sociais, ainda sim será possível sua desapropriação para fins de reforma agrária, desde que fique demonstrado que esta ocupação em nada influenciou no resultado da vistoria sobre a produtividade da área.

E ainda que se trate de imóvel invadido de modo que possa alterar a análise técnica de produtividade da área, ou mesmo se tratando de imóvel produtivo, mas que a tensão social indique ser necessária a instalação, o mais urgente possível, de projeto de assentamento no local, de modo a evitar o conflito agrário, e proporcionar uma vida digna aos clientes da reforma agrária, entendendo a União/INCRA tratar-se de imóvel público, mas que se encontra registrado em nome de particular, e não logrando sucesso no pedido liminar de reintegração/imissão na posse formulado nos autos de ação de cancelamento de registro, pode sim a União/INCRA ajuizar ação de desapropriação por interesse social, visando a imissão célere na posse do imóvel.

E devemos lembrar sempre que nos casos ora apreciados, a União/INCRA entende tratar-se de terra pública, indevidamente ocupada pelo réu da ação de cancelamento de registro, e da possível ação de desapropriação. Assim, em termos de justiça social, nada mais adequado do que utilizar-se de todos os instrumentos legais possíveis para retirar o ocupante irregular, do modo mais célere possível, da área, e iniciar o programa de assentamento agrário, possibilitando que a terra pública venha a ser ocupada pelos reais clientes da reforma agrária.

O modo menos oneroso aos cofres públicos de realizar reforma agrária é instalar os projetos de assentamento em áreas públicas, e esse é justamente o objetivo buscando na espécie, onde a terra pública vem sendo indevidamente ocupada.

A questão, então, encontra-se sob o pálio da discricionariedade administrativa. Sendo todos os caminhos processuais traçados no presente trabalho possíveis juridicamente, caberá ao administrador optar por determinar a sua utilização.

Cumpre aduzir, entretanto, que para a propositura de "ação de desapropriação por interesse social geral" é necessária a prévia existência de dotação orçamentária para a realização do depósito inicial, em atenção às normas de direito financeiro. Logo, é necessário que o INCRA possua recursos para tanto, e que estes recursos possam ser alocados para esta finalidade.


Notas

  1. Nos termos do artigo 20, inciso II, da Constituição Federal de 1988, são bens da União as "terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e construções militares, das vias federais de comunicação e à preservação ambiental, definidas em lei".
  2. As demais terras devolutas, não arrecadas pela União até a o início da vigência da Constituição Federal de 1988, passaram ao domínio dos Estados-membros, nos termos do artigo 26, inciso IV, da Constituição, que aduz serem bens dos Estados as terras devolutas não compreendidas entre as da União.

  3. "O segundo princípio é o da força probante (fé pública) ou presunção. Os registros têm força probante, pois gozam da presunção de veracidade. Presume-se pertencer o direito real à pessoa em cujo nome encontra-se registrado. Trata-se de presunção juris tatum, sendo o adquirente tido como titular do direito registrado, até que o contrário se demonstre, como estatui o art. 1.247 do Código Civil.
  4. (...)

    Adotou o Código Civil brasileiro, nesse particular, solução intermediária, não considerando absoluta tal presunção (juris et de jure), como o fez o direito alemão (na Alemanha, a propriedade imóvel está toda cadastrada), nem afastando a relevância do registro, como o fez o direito francês, para o qual o domínio adquire-se pelo contrato, servindo o registro apenas como meio de publicidade. Podemos dizer que a Alemanha adotou simultaneamente os princípio da presunção e da fé pública e que o Brasil encampou somente o princípio da presunção, que prevalece até prova em contrário. No Brasil, apenas o registro pelo sistema Torrens (LRP, art. 277) acarreta presunção absoluta sobre a titularidade do domínio, mas só se aplica a imóveis rurais. Assume caráter contencioso, com citação de todos os interessados, sendo o pedido julgado por sentença."

    GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito das Coisas. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. pg. 129/130.

  5. O INCRA tem legitimidade para ajuizar ação civil pública versando a retomada de terras públicas federais para fins de reforma agrária, tendo em vista ser legalmente incumbido de administrar tais áreas, nos termos do disposto no Estatuto da Terra, e com escopo, ainda nos seguintes artigos da Lei nº 7.347/85:
  6. (...)

    Art. 3º - A ação civil pública poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer.

    (...)

    Art. 5º - Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar:

    (...)

    IV – a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista;"

  7. Neste sentido, vários são os precedente do Superior Tribunal de Justiça: REsp 489.732/DF, 4ª Turma, Rel. Min. Barros Monteiro, DJ de 13/06/2005; REsp 146.367/DF, 4ª Turma, Rel. Min. Barros Monteiro, DJ de 14/03/2005; AgRg no AG 648.180/DF, 3ª Turma, Rel. Min. Menezes Direito, DJ de 14/05/2007, REsp 699.374/DF, Rel. Min. Menezes Direito, DJ de 18/06/2007; e REsp 863.939/RJ, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe de 24/11/2008.

Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AGUIAR, Eduardo Henrique de Almeida. Possibilidade de ajuizamento de ação de desapropriação como instrumento processual de celeridade ao programa de reforma agrária, mesmo na existência de outras demandas judiciais em trâmite discutindo o domínio público ou privado da área. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2682, 4 nov. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17747. Acesso em: 28 mar. 2024.