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A reprodução não-autorizada de obras literárias na Internet

A reprodução não-autorizada de obras literárias na Internet

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INTRODUÇÃO


No presente trabalho, analisamos a questão da disponibilização de obras literárias na internet sem a devida autorização do autor, tanto nos casos em que há intuito de lucro, como nos casos em que não há esse fim.

Para tanto, procuramos dar fundamentos a uma opinião que já estava pré-concebida em nossa mente, mesmo antes de nos inteirarmos no assunto. Por esta razão, em alguns momentos, divergimos tanto da doutrina predominante quanto da própria legislação e convenções.

Nosso objetivo principal é tentar demonstrar que a disponibilização de obras literárias na internet sem o intuito de lucro não deveria ser considerada uma violação aos direitos do autor.

Buscando a fundamentação jurídica dos direitos autorais, notamos a grande importância do princípio da função social da propriedade intelectual e veremos que o interesse da sociedade prevalece sobre o interesse do autor na proteção que o Estado dá a esses direitos autorais.

Assim, é no interesse social que o Estado deve se nortear para criar normas de proteção aos direitos de autor, contribuindo, desta forma, para o desenvolvimento da cultura e da ciência.

Outro ponto que analisaremos será a posição da doutrina, principalmente, norte-americana, sobre o assunto. Veremos que existe uma tentativa de inclusão da disponibilização de obras literárias na internet sem o intuito de lucro entre o uso legítimo (fair use).

Em seguida, faremos uma breve análise de como a atual legislação brasileira (Lei 5.988/73) encara o assunto, antecipando desde já, o anacronismo desta lei face o rápido avanço tecnológico no campo das comunicações e informática.


2. GENERALIDADES


Infinitos problemas de ordem jurídica surgiram, e ainda surgem, com o advento da internet. A International Network, antes com fins unicamente militares, evoluindo para objetivos científicos e educacionais, popularizou-se e transformou-se em um utensílio quase indispensável nos lares modernos, servindo tanto para pesquisas importantes, como para o simples lazer.

Talvez com um pouco de exagero, podemos dizer que esta grande rede (a rede das redes) "anarquizou" o direito e as relações jurídicas até então vigentes. Caóticas, mas não sem lógica, são as palavras famosas do guru da comunicação Mcluhan ao afirmar que "a internet é a coisa mais parecida com a verdadeira anarquia jamais criada".

Dos infindáveis e, à primeira vista, insolucionáveis problemas jurídicos surgidos podemos citar o problema do lugar da infração, do controle jurídico (postulando-se, inclusive a criação de uma Corte Internacional para a apuração dos chamados computer crimes), o sigilo e privacidade da informação, e, o que realmente nos interessa, a proteção dos direitos de autor na rede.

Obviamente, todos estes problemas têm ligação entre si. Afinal, se não houver uma convenção internacional para regulamentar o controle das infrações, não há como se falar em proteção aos direitos autorais.

No entanto, se formos analisar pormenorizadamente cada situação, nós nos alongaríamos sobremaneira e escaparíamos aos objetivos de nosso trabalho.

Estudaremos, portanto, apenas a questão da proteção dos diretos de autor, mais especificamente sobre a reprodução não autorizada de obra literária.

Antes, porém, de iniciarmos o estudo, faremos algumas ressalvas necessárias a melhor compreensão da matéria e à fundamentação de nossos posicionamentos pessoais.

Primeiramente, sabemos que não há uma legislação sui generis, no Brasil, específica sobre a internet. A Lei 5988/73 que regulamenta os direitos de autor no Brasil não dispõe sobre a digitalização, scanner e divulgação on-line de obras. Diferente não poderia ser, dada a modernidade da grande rede e dessas tecnologias.

Não obstante, tentamos, como qualquer jurista ao se deparar com uma situação nova, conciliar as normas vigentes com os fatos surgidos. No entanto, esta conciliação seria uma verdadeira profissão de fé, pois as transformações provocadas com a revolução cibernética é diferente de tudo o que conhecemos até agora. Assim, muitas vezes a conciliação da Lei de Direitos Autorais com os princípios da internet torna-se bastante difícil, senão impossível.

Outro grande problema diz respeito à parca jurisprudência e doutrina, principalmente no Brasil, praticamente inexistente sobre a questão; além da dificuldade existente com relação ao enorme teor técnico da matéria, chegando-se ao exagero de alguns afirmarem que a questão dos direitos autorais na internet seria mais viável se controlada por engenheiros do que por juristas.

Não é nossa pretensão esgotar toda a matéria nesse simples trabalho acadêmico; longe disso, nossa intenção é apenas dar uma contribuição bastante pequena para a solução da questão dos direitos autorais na internet, com base em nossa prática como usuário e em artigos extraídos da própria rede. Por enquanto, o assunto ainda engatinha, mas temos certeza de que muita tinta ainda rolará sobre a matéria.


3. A REPRODUÇÃO NÃO-AUTORIZADA DE OBRAS LITERÁRIAS NA INTERNET


3.1 CASOS EM QUE HÁ LUCRO DIRETO OU INDIRETO

A Internet não possui um "dono". Não há um órgão específico que controle as atividades e as vias de informação da rede. No entanto, muitos lucram com o comércio surgido na internet. Provedores de acesso, empresas de software, programadores, pessoas que cedem espaço à publicidade em suas home-pages, favorecem-se financeiramente com as atividades na Net.

Não seria de boa justiça, portanto, a cobrança dos direitos autorais de pessoas que lucram direita ou indiretamente com as obras publicadas na rede?

Não hesitamos em responder afirmativamente. Neste sentido, uma Corte norte-americana já se pronunciou obrigando a CompuServ (uma das maiores empresas provedoras de acesso à internet) a pagar a quantia devida por oferecer a seus usuários o serviço de música on-line.

Neste caso, em que há lucro, mesmo indireto, é bastante fácil perceber a obrigação de pagamento dos valores relativos ao uso de obra musical sem autorização. A interpretação do art. 73 da Lei 5998/73 se aplica perfeitamente a este caso:

"Art. 73. Sem a autorização do autor, não poderão ser transmitidas pelo rádio, serviços de alto-falantes, televisão ou outro meio análogo, representados ou executados em espetáculos públicos e audições públicas, que visem lucro direto ou indireto, drama, tragédia, comédia, composição musical, com letra ou sem ela, ou obra de caráter assemelhado." (grifos nossos)

Outro caso, relativo a reprodução não autorizada de obras, em que o pagamento dos direitos autorais é justo, é o caso em que se disponibiliza obra literária de terceiro sem a autorização devida em uma home-page em que há publicidade, pois nessa situação também há o lucro indireto. O lucro indireto, com as palavras de SILVIO RODRIGUES,

"é aquele em que não há um pagamento em dinheiro, mas o escopo de quem presta serviço é alcançar um proveito oblíquo, resultante daquele serviço aparentemente gratuito."

(SILVIO, Rodrigues. Direito Civil. 23 ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1996. 6v v.5: Direito das Coisas. p. 237)

Muito comum, outrossim, são os usuários ou empresas que cobram do "internauta" uma certa quantia para "visitar" sua home-page. Nesse caso, havendo publicação de obra sem autorização, nem necessitaríamos demonstrar, após os exemplos acima, que o autor merece receber os louros por sua criação, pois neste caso, em que há pagamento em dinheiro, o lucro é direto.

3.2 CASOS EM QUE NÃO HÁ LUCRO

O assunto, no entanto, se complica nos casos em que a intenção de lucro inexiste. Tomemos como exemplo as Bibliotecas Virtuais que estão se alastrando pelo mundo cibernético. São sites onde estão disponibilizadas centenas de obras de autores sem a autorização prevista em lei, unicamente com o fim educacional e científico. Poderíamos citar uma série delas, como por exemplo a Guttenberg, a Universalis, e inclusive algumas em português como a Biblioteca Virtual de Obras Portuguesas.

Ainda sem a finalidade especulativa, existem milhares de home-pages não oficiais, que publicam obras de autores ao bel prazer do criador da página. Para ilustrar, vale recordar o caso, bastante polêmico, de uma home-page do poeta brasileiro Vinícius de Moraes criada por uma fã.

A fã do Poetinha, com o objetivo único de prestar uma inocente homenagem a Vinícius, criou uma home-page muito bonita (foi, inclusive, considerada na época uma das cinco mais bem elaboradas do Brasil) sobre o poeta. Neste site, a fã disponibilizava inúmeros poemas e letras de músicas do autor sem o consentimento da família do autor, no caso os titulares dos direitos autorais das obras de Vinícius. Inconformados com a atitude da fã, os familiares do Poetinha consultaram seus advogados que pediram através do correio eletrônico para a fã retirar a home-page da internet, sob a justa ameaça de acionar o Judiciário.

Sem alternativas, a fã retirou a página, colocando no seu lugar um comovente manifesto de protesto contra a atitude da família do poeta e a favor da liberdade de expressão na internet. Vários "internautas" do mundo inteiro se comoveram com o protesto e resolveram criar, da mesma maneira que a fã, páginas sobre Vinícius de Moraes em diversos países diferentes. Então, quem quisesse conhecer a obra do Poetinha, bastaria acessar gratuitamente e sem restrições, a internet. A tentativa dos advogados da família de Vinícius de Moraes foi infrutífera e teve um efeito contrário do esperado.

Face a nossa legislação vigente, essa prática de publicação, ou seja, comunicação ao público de obra alheia sem autorização constitui ofensa aos direitos de autor, mesmo não havendo o intuito de lucro. Nossa Carta Magna, em seu artigo 5º que trata dos direitos e garantias individuais e coletivos garante aos autores o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei determinar; e o art. 30 da Lei 5989/73 dispõe:

"art. 30. Depende de autorização do autor de obra literária, artística ou científica, qualquer forma de sua utilização, assim como:

IV- a comunicação ao público, direta ou indireta, por qualquer forma ou processo."

Por outro lado, está disposto no artigo 48, inciso III, da mesma lei:

"art. 48. Além das obras em relação às quais decorreu o prazo de proteção aos direitos patrimoniais, pertencem ao domínio público:

III- as publicadas em países que não participem de tratados a que tenha aderido o Brasil, e que não confiram aos autores de obras aqui publicadas o mesmo tratamento que dispensem aos autores sob sua jurisdição."

Desta sorte, este artigo torna qualquer tentativa de controle às violações dos direitos de autor na internet, no mínimo, inútil. Ora, para fugir da alçada de proteção aos direitos autorais basta publicar a obra em uma home-page em um país que se insira no caso do inciso III deste artigo.

Percebemos, portanto, que a nossa atual legislação de proteção aos direitos de autor torna-se ineficaz em relação à internet.

Mesmo sem discutir o mérito da questão para saber se a cobrança dos direitos autorais nesse caso é justa, é inegável a necessidade de uma regulamentação sui generis, com base em uma convenção a nível internacional, para a solução das questões de violação dos direitos autorais na rede.

No entanto, mesmo sabendo que face à nossa legislação vigente essa prática de divulgação de obras sem autorização (com lucro ou sem lucro, não importa) configura violação aos direitos autorais dos titulares desses direitos, tentaremos defender opinião contrária. Ou seja, consideramos que a disponibilização de obras na internet sem o intuito lucrativo não deveria ser vista como uma ofensa aos direitos dos autores, mas como uma exceção a ser tolerada pelos titulares de tais direitos.

Para tanto, necessário se faz a análise dos fundamentos jurídicos que servem como alicerce à proteção aos direitos de autor.


4. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA DA PROTEÇÃO AOS DIREITOS AUTORAIS


Como sabemos, ao lado da concepção individualista, que estruturou originariamente as bases dos direitos intelectuais com influência principalmente da Revolução Francesa, aparece com força total uma visão social da proteção ao direito autoral que passa a estender seu amparo muito mais à própria obra intelectual do que o seu autor ou os demais titulares desses direitos. Nesse sentido, vale citar as palavras de EDUARDO VIEIRA MANSO:

"Confrontam-se, dessa forma, dois interesses igualmente legítimos, igualmente inafastáveis, que o Estado deve atender de maneira igualmente satisfatória para ambos: de um lado, o autor, cujo trabalho pessoal e criativo (dando uma forma especial às idéias) deve ser protegido e recompensado e, de outro, a sociedade que lhe forneceu a matéria-prima dessa obra e que é seu receptáculo natural. Como membro dessa sociedade, o autor não pode opor-lhe seu próprio interesse pessoal, em detrimento do interesse superior da cultura; e como mantenedora da ordem, não pode a sociedade subjugar o indivíduo, em seu exclusivo benefício, retirando-lhe aquelas mesmas prerrogativas que o governo confere ao autor, para o favorecimento da criação intelectual, e que são instrumento de importância relevante de seu próprio desenvolvimento e de sua subsistência soberana." (Manso, Eduardo Vieira. Direitos Autorais, p. 90)

E é principalmente pelo interesse social que o Estado tem motivos para conferir ao autor da obra a proteção exclusiva aos direitos autorais, inclusive constitucionalmente.

Devemos, portanto, ao fundamentar juridicamente os direitos autorais, observar dois interesses: o interesse da sociedade e o interesse do autor que está subordinado ao primeiro.

4.1 INTERESSE INDIVIDUAL

O interesse individual do autor recai principalmente sobre o valor pecuniário que toda obra proporciona.

"Sendo a obra intelectual o fruto do esforço humano capaz de proporcionar proveitos econômicos, nada mais natural que atribuir, ao criador dela, todas garantias para que essa utilização patrimonial seja possível ao autor desse bem." (Manso, Eduardo Vieira. Direitos Autorais)

Dessa forma, ao autor é legítima qualquer participação nos lucros decorrentes da utilização de sua obra. O esforço da criação da obra coube ao autor, logo este merece tirar os proveitos econômicos de seu esforço.

Qualquer pessoa, portanto, que pretenda "comercializar", ou seja, obter lucro do fruto do esforço do autor, deve a este uma recompensa, do contrário estaria violando os seus direitos. Nesse caso, ainda se faz necessária a autorização expressa do autor na reprodução (se for o caso) de sua obra, pois a este é dado o direito exclusivo de aproveitar-se economicamente de sua obra.

Como meio de defesa a este direito, nossa legislação foi bastante severa nos casos em que há a publicação fraudulenta de obra alheia. Presumindo a lei que essa publicação fraudulenta causa prejuízo a seu autor, que deve ser indenizado por aquele que fraudou.

De modo geral, podemos resumir que o legislador confere ao autor que teve sua obra utilizada fraudulentamente por terceiro o direito de busca e apreensão dos exemplares produzidos fraudulentamente. No entanto, outras são as sanções impostas pela Lei 5988/73, em seu art. 122 caput e parágrafo único:

"Art. 122. Quem imprimir obra literária, artística ou científica, sem autorização do autor, perderá para este todos os exemplares que se apreenderem e pagar-lhe-á o restante da edição ao preço por que foi vendido, ou for avaliado.

Parágrafo único. Não se conhecendo o número de exemplares que constituem a edição fraudulenta, pagará o transgressor o valor de dois mil exemplares, além dos apreendidos."

4.2 INTERESSE DA SOCIEDADE

Para a sociedade, é interessante que a produção cultural se dê da maneira mais ampla possível. Ou seja, atribuindo ao autor uma recompensa ao seu esforço, que se resume na cobrança dos royalytes frutos de sua criação intelectual, tendo em vista que toda obra é capaz de proporcionar proveitos econômicos, a sociedade dá ao autor um incentivo que certamente beneficiará a sociedade proporcionando o seu desenvolvimento cultural.

Sem esse incentivo o autor não teria motivação alguma na publicação da obra, e quem sabe até sua própria criação estaria ameaçada. Assim, é de interesse da sociedade que se dê ao autor o direito de aproveitar economicamente a sua obra. Pois,

"Se ao autor não fosse atribuída a prerrogativa exclusiva de realizar esse potencial econômico derivado da obra, se, depois de criada, desde logo fosse dado a qualquer um lançar mão dela para sua exploração econômica - nenhum estímulo haveria para sua publicação e, conseqüentemente, sua própria criação." (Manso, Eduardo Vieira. Direitos Autorais.)

A proteção aos direitos autorais está, portanto, muito mais na importância da obra intelectual para a sociedade do que na proteção aos interesses individuais do autor. Nesse sentido, lembra-nos o próprio EDUARDO VIEIRA MANSO:

"Em razão do efeito cultural que toda obra intelectual tende a causar, e porque toda obra intelectual é, ao mesmo tempo, efeito da cultura, como vivida pelo se próprio autor - é o interesse social que justifica e fundamenta a elaboração de regras positivas de direito, protetivas dela, nomeando-se seu autor o seu guardião natural." (Manso, Eduardo Vieira. Direitos Autorais)

Desta forma, uma das principais qualidades da obra é que ela serve de inspiração para outras obras. Protegendo os interesses do autor, protege-se o interesse da sociedade em ter garantida a continuidade da produção cultural.


5. LIMITAÇÕES AOS DIREITOS AUTORAIS


Por outro lado, esse mesmo interesse social, ao fundamentar juridicamente a proteção aos direitos do autor, justifica a necessidade de, em certos casos, haver uma limitação a esses direitos, para que a sociedade possa também favorecer-se com o uso da obra. Essas limitações são exceções que se impõe aos titulares dos direitos autorais quanto a determinados usos, dispostas no próprio direito positivo, baseadas na função social da propriedade intelectual.

Então, dialeticamente, o direito positivo com supedâneo no interesse social dá ao autor o direito exclusivo de utilização econômica de sua obra, e, ao mesmo tempo, com base nesse mesmo interesse social, determina a não exclusividade, em certos casos, em favor da sociedade como um todo.

Essas exceções são prerrogativas taxativas que variam de legislação para legislação segundo o nível de desenvolvimento cultural, econômico e social de cada país. Apesar de algumas convenções determinarem certas limitações aos direitos autorais, possibilita-se que cada país discrimine suas próprias limitações. Dessa forma, estabelece a alínea 2 do art. 9º da Convenção de Berna (1971), que:

"os países da União têm a faculdade de permitir a reprodução de citadas obras, em certos casos especiais, sempre que uma tal reprodução não atente contra a exploração normal da obra nem cause um prejuízo injustificado aos interesses do autor."

Portanto, ao delimitar as exceções a serem toleradas pelos autores, deve-se ter em mente que em hipótese alguma poderia ser retirada desse autor a prerrogativa de poder aproveitar-se economicamente todo o potencial lucrativo contido em sua obra.

Esse argumento é utilizado por aqueles que defendem a cobrança dos direitos autorais de obras publicadas na internet, mesmo sem lucro. Pois, alegam os adeptos desse argumento que ao publicar a nível mundial gratuitamente a obra inteira de um autor, a comercialização desta obra tornaria-se completamente inviável ou, no mínimo, bastante prejudicada.

Tentaremos demonstrar mais a frente que esse argumento, apesar de razoável, não corresponde inteiramente com a verdade. Um bom exemplo disso é o fato de que a maioria dos grandes jornais possuem páginas na internet onde disponibilizam toda a sua publicação diária sem cobrar um centavo sequer. Estes jornais estariam sendo tão benevolentes a ponto de, em favor da informação pública, arriscar toda a venda de seu periódico? Certamente que não.

Vale salientar, outrossim, que esses limites devem ser taxativos. Ou seja, as limitações devem ser categoricamente expostas pelo legislador, para que não ocorra abusos em nome de um pseudo interesse público. Assim, as exceções são numerus clausus e devem ser interpretados restritivamente.

Dentre esses limites podemos citar as decorrentes da natureza da obra, como os textos dos atos oficiais, as notícias, certas obras orais etc; as expressas em convenções internacionais, como o uso privado, o uso para fins judiciários ou administrativos (Conferência de Estocolmo para revisão da Convenção de Berna); as acolhidas pelas legislações de vários países, incluindo-se uma que nos interessa em especial, a saber, o fair use (uso legítimo ou uso razoável, se bem que a primeira tradução pareça-nos mais apropriada) nascido no direito pretoriano norte-americano, que, apesar de constituir o gênero de uma série de limitações ( direito de citação, a licitude das paródias, a reprografia nas bibliotecas etc ) fundamenta-se em um princípio constitucional que é a fonte de todo o direito autoral norte-americano, e que corresponde com a finalidade social:

"to promote the Progress of Science and useful Arts, by securing for limited Times to Authors and Inventors the exclusive Right to their respective Writings and Discoveries."

5.1 O FAIR USE NORTE-AMERICANO E A INTERNET

Como foi dito anteriormente, o uso legítimo constitui uma exceção a prerrogativa que dá aos autores a exclusividade do uso de sua obra.

De fato, no Capítulo 1 (Subject Matter and Scope of Copyright), a Seção Nº 107, esclarece o seguinte:

"Seção 107. Apesar das medidas da seção 106, o uso legítimo de um trabalho de um direito autoral, incluindo tanto o uso por reproduções em cópias ou fitas ou por quaisquer outros meios especificados, por esta seção, para fins de crítica, comentário, reportagens de revistas, ensino (incluindo múltiplas cópias para uso em classe), cultura ou pesquisa, não é infração de direito autoral. Para determinar se o uso feito de um trabalho em um caso particular é uso legítimo, os fatores a serem considerados devem incluir:

1. o propósito e o caráter do uso, incluindo se tal uso é de natureza comercial ou se tem propósitos educacionais não lucrativos;

2. a natureza do trabalho com direito autoral;

3. a quantidade e substancialidade da parte usada em relação ao trabalho com direito autoral como um todo; e

4. o efeito do uso sobre o potencial mercado ou o valor do trabalho com direito autoral."

Desta forma, o fair use exige certos requisitos a serem observados. Não observando algum dos fatores enumerados pela lei, não se tratará de uso legítimo e sim de violação aos direitos autorais.

Chegamos, portanto, ao objetivo de nosso trabalho: as obras literárias disponíveis na internet, sem a autorização do autor, e sem intuito de lucro, devem ser consideradas uso legítimo ou violação de direitos autorais? Para responder a essa pergunta baseamo-nos em grande parte na nossa prática como usuário. Conhecendo por dentro a filosofia da internet e sabendo das dificuldades do controle e regulamentação, consideramos que grande parte das reproduções que ocorrem atualmente de obras literárias deve ser vista como uso legítimo, em que pese o fato de nossa legislação e a maioria das legislações do mundo (com o apoio dos doutrinadores) considerarem essa disponibilização como uma ofensa aos direitos dos autores.

Nossa opinião seria facilmente derrubada se não conseguíssemos demonstrar que essa prática não traz ao titular dos direitos autorais dessas obras um substancial prejuízo. Obviamente, não estaríamos sendo honestos se dissemos que a disponibilização de obras literárias na internet não causa prejuízo nenhum ao titular de tais direitos. Certamente que causa. No entanto, esse prejuízo é bastante pequeno e será compensado com a propaganda que o autor obterá.

Não pretendemos demonstrar matematicamente que a compra de um livro compensa muito mais do que a obtenção desse livro pela internet, tanto pelo aspecto financeiro como pelo fato de ser mais prático ir a uma livraria e comprar tal livro do que capturar (download) pela internet e o imprimir (pois ler um livro completo através da tela do computador é quase impossível). Para comprovar isso basta voltarmos ao exemplo dos jornais que publicam seus periódicos gratuitamente.

Outro grande argumento a nosso favor reside no fato de que as bibliotecas públicas ao disponibilizarem uma infinidade de obras gratuitamente não tornam a comercialização dessas mesmas obras inviáveis. Ora, quem quiser pode dirigir-se a uma biblioteca pública e ler qualquer obra livre de qualquer custo. Mesmo assim as obras literárias ainda são vendidas em larga escala sem o titular dos direitos autorais sofrer aparentemente nenhum prejuízo.

Além disso, o fato de a informação estar disponível gratuitamente a todos incentiva muito mais o desenvolvimento da produção literária, artística e científica do que se as obras fossem acessíveis apenas àqueles que possuem condições financeiras para arcar com as despesas referentes ao pagamento da obra.

5.2 DIREITOS AUTORAIS E O PRINCÍPIO DO LIVRE ACESSO E LIBERDADE DE EXPRESSÃO

Assim, os autores devem à comunidade uma espécie de retribuição no sentido de permitir a divulgação de suas obras visando o interesse social no aperfeiçoamento intelectual, na instrução popular, na formação cultural da juventude.

Os que defendem esta mesma opinião, que na maioria nem juristas são, não reconhecem limitação alguma nesta socialização, ou popularização da informação. Para eles, restringir de qualquer forma o acesso à informação e a livre expressão é uma afronta à própria democracia, uma vez que fere o princípio da isonomia e da livre informação. Além do que, nesta fase de globalização da Era da Informática não é mais o "o forte que devora o fraco" ou "o rico que supera o pobre", e sim o bem informado que engole o ignorante.

Desta visão do direito de expressão surgiu uma campanha internacional, dentro do cyberespaço denominada ribbon blue (fita azul), que no Brasil foi chamada de li-br-dade de expressão. A grande repercussão desta campanha influenciou, inclusive, a decisão da Suprema Corte Americana a declarar inconstitucional o Decent Act, que tentava por limites à pornografia na rede.

Na qualidade de jurista, no entanto, ao analisar a questão da liberdade de expressão e os direitos autorais na internet percebemos logo uma limitação óbvia, ou seja, a proteção aos direitos morais do autor, tais como a inderrogabilidade do direito de inédito, a eficácia do direito de arrependimento e o direito à conservação da integridade da obra. Não se trata de limites à proteção, mas limites a liberdade de expressão. São os direitos morais do autor inalienáveis e irrenunciáveis. Toda produção literária, artística e científica que seja criação do espírito estão protegida pelo escopo dos direitos morais do autor, inclusive as que já pertencem ao domínio público, que neste último caso cabe ao Estado zelar por essa proteção. Nesse sentido, nos lembra MANSO:

"E, evidentemente, neste particular, não cabe falar em limitações, visto que, a não ser em casos e situações muito especiais, as prerrogativas não patrimoniais, de ordem moral, devem ser mantidas na esfera de decisão dos autores. Daí porque não será admissível, sob condição alguma, qualquer que seja a finalidade da reprodução reprográfica, qualquer, a qualidade de seu usuário e qualquer, a de quem fornece a cópia, quando a obra ainda não tenha sido publicada, e até mesmo que tenha havido divulgação ou uma edição limitada." (Manso, Eduardo Vieira. Direitos Autorais, p. 253)

5.3 AS EXCEÇÕES NO DIREITO POSITIVO BRASILEIRO

A lei 5.988/73 adotou uma série de limitações aos direitos dos autores. Estas limitações estão quase na totalidade dispostas no capítulo IV, que dispõe em três artigos apenas (art. 49, art. 50 e art. 51) as limitações aos direitos do autor, nos seguintes termos:

"Art. 49. Não constitui ofensa aos direitos do autor:

I- a reprodução:

a) de trechos de obras já publicadas, ou ainda que integral, de pequenas composições alheias no contexto de obra maior, desde que esta apresente caráter científico, didático ou religioso, e haja a indicação da origem e do nome do autor;

b) na imprensa diária ou periódica, de notícia ou de artigo informativo, sem caráter literário, publicados em diários ou periódicos, com a menção do nome do autor, se assinados, e da publicação de onde foram transcritos;

c) em diários ou periódicos, de discursos pronunciados em reuniões públicas de qualquer natureza;

d) no corpo de um escrito, de obras de arte, que sirvam, como acessório, para explicar o texto, mencionados o nome do autor e a fonte de que provieram;

e) de obras de arte existentes em logradouros públicos;

f) de retratos, ou de representação da efígie, feitos sob encomenda, quando realizada pelo proprietário do objeto encomendado, não havendo a oposição da pessoa neles representadas ou de seus herdeiros;

II- a reprodução, em um só exemplar, de qualquer obra, contanto que não se destine à utilização com o intuito de lucro;

III- a citação, em livros, jornais ou revistas, de passagens de qualquer obra, para fins de estudo, crítica ou polêmica;

IV- o apanhado de lições em estabelecimentos de ensino por aqueles a quem elas se dirigem, vedada, porém, sua publicação, integral ou parcial, sem autorização expressa de quem as ministrou;

V- a execução de fonogramas e transmissões de rádio ou televisão em estabelecimentos comerciais, para demonstração à clientela;

VI- a representação teatral e a execução musical, quando realizadas no recesso familiar, ou para fins exclusivamente didáticos, nos locais de ensino, não havendo, em qualquer caso, intuito de lucro;

VII- a utilização de obras intelectuais, quando indispensáveis à prova judiciária ou administrativa;

Art. 50. São livres as paráfrases e paródias que não forem verdadeiras reproduções da obra originária, nem lhe implicarem descrédito.

Art. 52. É lícita a reprodução de fotografias em obras científicas ou didáticas, com a indicação ou nome do autor, e mediante o pagamento de retribuição eqüitativa a ser fixada pelo Conselho Nacional de Direito Autoral."

Desta forma, apenas esses casos enumerados pela lei poderão ser alegados como meio de defesa para a livre utilização das obras intelectuais.

Vemos, portanto, que a legislação não considera a disponibilização pública de obras literárias sem o intuito de lucro como uma limitação ao direito do autor. No entanto, permite a reprodução em um só exemplar, de qualquer obra, contanto não se destine à utilização com o intuito de lucro.

Para que a disponibilização de obras literárias na internet sem a autorização do titular não constitua ofensa aos direitos autorais, necessário se faz que a legislação inclua esse dispositivo no rol das limitações aos direitos do autor.

Por enquanto, tendo em vista que não há essa permissão legal, a solução viável que encontramos para que não haja uma diminuição nas informações disponíveis na internet, é a mesma do caso da home-page do Vinícius de Moraes: se houver alguma ameaça jurídica por parte dos titulares de alguma obra, tentando restringir a liberdade de expressão na internet, o melhor seria tentar comover a comunidade cibernética e transferir essa página para um site em outro país não unionista.


5. CONCLUSÃO


Desta forma, procurando garantir a democratização da informação, nossa opinião nos casos de disponibilização de obras literárias na internet resume-se no seguinte: se houver lucro de qualquer espécie, direto ou indireto, deve haver o pagamento de direitos autorais, em não havendo lucro, o montante resguardado ao pagamento dos direitos autorais pode e deve ser dispensado, assegurando-se, contudo, em ambas as situações os direitos morais do autor.

Essa opinião, no entanto, deve ser positivada em uma convenção internacional. Do contrário, considerando a ilicitude da reprodução de obras literárias na internet, essa prática habitual que ocorre atualmente deve ser banida através de um controle (consideramos quase impossível esse controle) por parte de algum órgão internacional, como vem sendo proposto.

Corroborando nossa opinião, muitos juristas, principalmente norte-americanos, tentam incluir as informações disponíveis na internet entre as limitações ao direito de propriedade intelectual, disposta no estatuto de direito autoral dos Estados Unidos (17 U.S.C. 101 e seg.) de 1978, fazendo com que essa disponibilização torne-se legítima com base em normas positivadas e não apenas em meros princípios abstratos.

Estas exceções legais que devem ser toleradas pelo titular do direito autoral é chamado "uso legítimo" (fair use), e que poderia perfeitamente adaptar-se ao princípio da função social da propriedade intelectual, que no Brasil, de certa forma, encontra-se positivado constitucionalmente no inciso XXIII do artigo 5º, e ainda, mesmo que de uma maneira bem menos ampla, no capítulo IV (artigos 49, 50 e 51) da lei 5.988/73, que dispõe sobre as limitações aos direitos do autor.

Para finalizar, transcreveremos duas passagens que resume bem nosso trabalho. A primeira do já citado MANSO em seu artigo Os Fundamentos da Exclusão de ilicitude em Atos que Contrariam Direitos Autorais, in RT 557/255:

"Tendo o Direito Autoral, como direito em geral, o fim último de proporcionar meios de realização de objetivos sociais, cabe-lhe reconhecer ao autor de obras intelectuais direitos subjetivos que, através da exclusividade, incentivem a criação dessas obras, que são elementos substanciais do patrimônio cultural de um povo, sem, contudo, possibilitar o entrave do desenvolvimento social, o que terminaria por constituir verdadeira instituição do abuso de direito. A exclusividade, pois, de acordo com mecânica da justiça distributiva e tendo em conta a finalidade do próprio Direito Autoral, não há de ser absoluta ou, como diria Ascarelli, deve sofrer limitações ‘para que possa alcançar aquela finalidade de progresso que, em definitivo, justifica a tutela’."

E no mesmo sentido HERMANO DURVAL, em sua clássica Violação dos Direitos Autorais:

"Dizer-se hoje que o Direito Autoral é exclusivo não tem mais sentido, porque tal afirmativa omite um dos dados essenciais do problema, ou seja, a medida em que o direito exclusivo do autor cede às injunções da coletividade em favor do interesse público, na divulgação da cultura e da informação pela imprensa escrita, falada e visual."


BIBLIOGRAFIA


BITTAR, Carlos Alberto. O Direito do Autor nos Meios Modernos de Comunicação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989.

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LIMA, George Marmelstein. A reprodução não-autorizada de obras literárias na Internet. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 2, n. 21, 19 nov. 1997. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1792. Acesso em: 24 abr. 2024.