Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/18322
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

A carga probatória não é movediça.

Apontamentos críticos sobre a dinamização da "carga probandi"

A carga probatória não é movediça. . Apontamentos críticos sobre a dinamização da "carga probandi"

Publicado em . Elaborado em .

O ônus da prova não funciona per se: é necessário inquirir as presunções do fundo de direito que militarão no caso concreto para se desvendar a parte prejudicada pela deficiência da prova.

Sumário: 1. Introdução. 2. Relevância jurídica e fundamento da definição da carga probatória. 3. Breve panorama sobre as correntes históricas orientadoras da distribuição da carga probatória. 4. Teoria das cargas probatórias dinâmicas. 5. Críticas à teoria das cargas probatórias dinâmicas. 6. Considerações finais. Bibliografia.


1. Introdução

A distribuição do ônus probatório segue, tradicionalmente (com ponto basilar na teoria de Chiovenda), a sorte de imputar ao autor a prova dos fatos constitutivos do seu direito (inc. I do art. 333 do Código de Processo Civil) e ao demandado a prova dos fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor (inc. II do art. 333 do CPC). A esse estado inicial da carga da prova atribui-se uma inércia que, dependendo do caso concreto, supostamente não conviria à melhor resolução do litígio, orientando-se a sua flexibilização – quando não estipulado convencionalmente (parágrafo único do art. 333 do CPC) –, a fim de provocar, especialmente, um equilíbrio de forças entre os sujeitos do processo, não se exigindo de uma parte produção probatória cuja realização resultaria melhor à outra.

Assim, em determinadas hipóteses, o próprio legislador tem dinamizado o onus probandi (sem que inversão do ônus confunda-se com dinamização da carga), supondo debilidade na produção das provas por uma das partes, tal como ocorre nas relações consumerísticas (inc. VIII do art. 6º da Lei n. 8.078/90 – Código de Defesa do Consumidor). A partir dessa ideia geral de flexibilização, parte relevante da doutrina processual, especialmente em estudos mais recentes realizados na Argentina (com Jorge W. Peyrano, Juan A. Rambaldo, etc.) e na Colômbia (com H. Devis Echandía, etc.), tem defendido uma dinamização das cargas probatórias em todas as hipóteses nas quais, a partir do caso concreto, resultar difícil a uma das partes a perfeita inteiração fática envolvida no litígio.

O presente artigo pretende, em linhas breves, trazer apontamentos sobre a referida doutrina processual, tecendo, ao final, as considerações críticas que a nova teoria merecer.


2. Relevância jurídica e fundamento da definição da carga probatória

O juiz está obrigado a sentenciar, inclusive quando as provas colacionadas aos autos não demonstrarem cabalmente os fatos alegados pelas partes, diversamente do magistrado romano do período formulário, que podia proferir um pronunciamento mediante o non liquet (sibi non liquere),1 como expressão de "não o vejo claro" (sentença inibitória por falta de provas). A autorização do non liquere (iurare sibi non liquere) estava também bastante relacionada com a possibilidade de responsabilização pessoal do magistrado, quando advindos prejuízos às partes em razão da sentença (VILLAR, 1995, p. 19).

Assim, face à exigência de vedação do non liquet, deveu-se aparelhar o órgão jurisdicional com um instrumento que permitisse a verificação concreta de situações de indefinição probatória, outorgando-lhe, em razão disso, novas regras de julgamento, para se determinar sobre qual parte o ônus probatório recairá mais facilmente (RAMBALDO, 2008, p. 28).

Como cediço, para averiguar a realidade dos fatos envolvidos em um litígio, o magistrado, no processo civil atual, vale-se das provas subministradas ao processo pelas partes com o escopo de superar as razões contrárias ou de fixar o suporte fático de suas pretensões. A partir disso, resta evidente que, ante a ausência de provas ou ante a presença de fatos controvertidos,2 os princípios regentes da distribuição da carga probatória adquirem relevância.

A concepção originária da carga probatória foi desenvolvida por Goldschmidt,3 como espécie de um imperativo do próprio interesse, surgindo posteriormente regras de distribuição da carga probatória, tais como a que determina que ao alegante incumbe a prova dos fatos invocados na demanda (regra insculpida no art. 333 do Código de Processo Civil),4 cujo tratamento inclusive já foi denominado intuitivo (DALMOTTO, p. 1)

Afastando a rigidez dessa concepção, o processualista alemão Leo Rosenberg aduz que a teoria da carga probatória representa muito mais uma teoria das consequências pela ausência de prova (ROSENBERG apud TEPSICH, 2008, p. 156). Com efeito, a carga probatória consistiria em um imperativo pesado sobre cada litigante (segundo atividade própria dos atores processuais) de realizar a produção de prova para os fatos controvertidos. Vige-se, assim, não uma obrigação de realização das provas, mas uma faculdade que, onerosa, causará prejuízo ao próprio agente omissivo, pois o juiz, ante a carência de prova ou a sua insuficiência, sentenciará contra quem devia provar mas não o fez. Obviamente, faz-se referência às situações em que há carência de prova eficaz para a elucidação do conflito pelo juiz, pois, quando o magistrado tiver certeza dos fatos, deverá sentenciar conforme a sua convicção (ROSENBERG apud TEPSICH, 2008, p. 157).

Vê-se, então, que o onus probandi não parecer ter outra razão senão a de assinalar as consequências prejudiciais que a carência probatória provocará à parte que se omitiu.5

Ademais, buscando claramente o que se deve entender por carga probatória, seria indispensável distinguir dois aspectos dessa noção, nestes termos: a) por um lado, representa uma regra ao julgador, ou regra de juízo, porque indica como se deverá sentenciar caso não se encontre prova suficiente ou eficaz dos fatos invocados, evitando-se o vedado non liquet, ou seja, uma sentença inibitória por falta de prova, de tal modo que a carga probatória venha a ser um sucedâneo da prova de tais fatos; b) por outro lado, significa uma regra de conduta às partes, pois, indiretamente, indica quais são os fatos que a cada parte interessa provar (caso ainda careça os autos de prova suficiente) para que sejam considerados como certos pelo juiz (DEVIS ECHANDÍA, 2000, p. 196).

Define-se a carga probatória, então, como um instituto processual detentor da regra de juízo que indica ao magistrado como deve sentenciar, sempre que não houver no processo provas que forneçam a necessária certeza sobre os fatos delimitadores da sua decisão, e, indiretamente, a carga constitui indicativo às partes do interesse sobre a prova, evitando-se a sucumbência por insuficiência ou ausência probatória (Ibidem, p. 196).

Por fim, pode-se dizer que, como princípio geral, a carga probatória não supõe nenhum direito do adversário, mas apenas um imperativo do próprio interesse de cada litigante; significa uma circunstância de risco indicativa da sucumbência daquele que não prova os fatos sobre os quais se funda o seu direito. Nesse sentido, a carga não representa uma obrigação de provar, nem mesmo a necessidade de que a prova advenha de alguma parte; representa a submissão às consequências advindas da produção, da ausência ou da insuficiência das provas (FASSI apud TEPSICH, 2008, p. 158).


3. Breve panorama sobre as correntes históricas orientadoras da distribuição da carga probatória

Consoante afirma o processualista italiano Gian Antonio Micheli, qualquer estudo sobre o dogma da carga probatória depende, ainda que numa exposição breve, de considerações sobre os respectivos pressupostos históricos (MICHELI apud WHITE, 2008, p. 48).

Como já exposto no presente artigo, a tradição romana, então recepcionada com generalidade pela legislação do século XIX, fundava o conceito de carga probatória sobre a necessidade prática de que a comprovação do alegado fosse imputada ao alegante, ou seja, a prova dos fatos aos quais a norma jurídica vincula os efeitos pretendidos. A partir dessa noção, tem-se desenvolvido largamente a doutrina das cargas processuais em geral (e da carga probatória, em especial) para estabelecer que, em dados casos, a norma jurídica fixa a conduta que se necessita observar, quando o sujeito quer lograr um resultado jurídico relevante.

Com efeito, a falta de observância dessa conduta conduz a uma situação de notória desvantagem ao sujeito que a perpetra, demonstrando a aquisição de consistência (relevância) própria ao instituto (carga) dentro da sistematização processual, diferenciando-o, claramente, do conceito de obrigação, caracterizado como vínculo imposto sobre a vontade do obrigado por um interesse alheio (WHITE, 2008, p. 49).

Interessante observar que na passagem do século XVIII para o século XIX, Jeremy Bentham já trabalhou com a noção de elasticidade do ideal romano de onus probandi, para definir que, a fim de alcançar a justiça concretamente, a incumbência probatória "deve ser imposta, caso por caso, à parte que puder satisfazê-la com menores inconvenientes, vale dizer, despesas menores, menor perda de tempo e menor incômodo" (SOARES DE FARIA apud AZÁRIO, 2006, p. 44), cogitando uma distribuição não estática do ônus da prova e o seu compartilhamento segundo a possibilidade das partes (AZÁRIO, 2006, p. 45).6

Modernamente, selecionam-se, para cotejo das respectivas contribuições teóricas, as ideias centrais de quatro autores, participantes da moderna concepção processual de distribuição do ônus da prova, quais sejam, os italianos Giuseppe Chiovenda e Gian Antonio Micheli, o alemão Leo Rosenberg e o colombiano Hernando Devi Echandía.

A teoria de Giuseppe Chiovenda teve a especial relevância de, com o coroamento dos seus apontamentos nas normas gerais de distribuição do ônus probatório (regras de certa igualdade distributiva), sistematizar uma concepção formada por diversas categorias, quais sejam, fatos constitutivos, impeditivos e extintivos (CHIOVENDA apud WHITE, 2008, p. 59). Chiovenda até trabalhava com a ideia inicial de que, em tese, o autor deveria provar inclusive a inocorrência de fatos modificativos ou extintivos do seu direito, mas, na maioria das vezes, tal tarefa seria difícil (para os fatos modificativos) ou impossível (para os fatos extintivos), recomendando-se, então, a distribuição probatória (solidariamente entre autor e réu) que tornou célebre a sua teoria (AZÁRIO, 2006, p. 50).

Para o seu compatriota Gian Antonio Micheli, a carga probatória deveria ser distribuída segundo o efeito jurídico pretendido pelas partes. Ou seja, para esse Autor, deve-se estabelecer a distribuição da carga probatória conforme a posição da parte em relação ao efeito jurídico pretendido, cujo vínculo deve ser estabelecido tanto pelo direito material (posto que delimita a hipótese legal) como pelo direito processual, tendo-se presente o perfil unilateral, adotado por cada uma das partes no processo, isto é, a situação processual posta em prática pela parte, a qual formula a própria demanda posta em juízo (MICHELI apud AZÁRIO, 2006, p. 70).

A teoria de Leo Rosenberg não difere muito da de Micheli e preceitua que sobre cada parte seja imputada a carga probatória dos pressupostos de fato da norma jurídica que lhe resulte favorável,7 retirando a relevância da distribuição probatória sobre os fatos (constitutivos, modificativos, etc.) para deslocá-los às próprias normas jurídicas, das quais os fatos são pressupostos de sua aplicação (PACÍFICO apud AZÁRIO, 2006, p. 59). Para o Autor, só há uma regra de distribuição do onus probandi, qual seja, cada parte deve afirmar e provar os pressupostos da norma que lhe é favorável (AZÁRIO, 2006, p. 58).

E também as ideias de Devis Echandía coincidem, substancialmente, com as ideias de Micheli e Rosenberg – apontando que a teoria do italiano e a do alemão aproximam-se –, defendendo o Autor colombiano que como regra geral deve-se atentar ao efeito jurídico pretendido pela prova, relacionando-o à norma jurídica que o consagra e se pretende aplicar. Estabelece o Autor colombiano que o problema da distribuição probatória não reside em se fixar quem deve produzir a prova, mas sim quem assume o risco pela ausência de sua produção (AZÁRIO, 2006, p. 73). Ou seja, qual das partes pretende o resultado dependente de dada prova, a posição "substancial" da parte no processo (ECHANDÍA apud AZÁRIO, 2006, p. 74).


4. Teoria das cargas probatórias dinâmicas

Costuma-se apontar na doutrina processualista argentina que o conjunto de observações e regras construídas ao redor do processo liberal – estritamente vinculado ao princípio dispositivo – afasta-se de uma melhor noção de justiça; em outros termos, a preocupação liberal com a liberdade, aplicada ao processo, voltou-se contra a liberdade própria, expressa no ideal de justiça:

"La doctrina se ocupó tanto de resguardar y proteger el bien denominado libertad, en todas sus formas y expresiones, que olvidó que muchas veces este ideal no alcanza cuando las partes que son beneficiadas por él no se encuentran en igualdad de condiciones.8 Olvidó que lo libre, lógico, razonable e incluso justo puede no ser equitativo. Y olvidó acompañar los cambios por los que el derecho sustantivo transitó durante los últimos cien años" (WHITE, 2008, p. 65).

Nessa linha, a teoria das cargas probatórias dinâmicas foi concebida como mecanismo de suposta correção e reparação da distribuição estática (concepção de Chiovenda) do ônus probatório, preconizando que, independentemente da condição da parte (demandante ou demandado), "a carga probatória deve recair sobre ambas as partes, em especial sobre aquela que se encontra em melhor situação para produzi-la" (NOGUEIRA, 2009, p. 106).

Conforme afirma uma das maiores autoridades no tema no direito processual argentino (Jorge W. Peyrano), a teoria das cargas probatórias dinâmicas pretende repelir qualquer noção estática dos antigos padrões conceituais de distribuição.

Diz-se que o princípio das cargas probatórias dinâmicas implica um desenvolvimento diferenciado do processo – apartado da nossa liberal de "luta" judicial – protagonizando a solidariedade e a cooperação para a elucidação dos fatos postos em juízo (LEGUISAMÓN, 2008, p. 116).

Para trazer à tona um conceito mais preciso sobre a teoria da dinamização, nada melhor que citar ainda Peyrano, ao introduzir o tema em artigo propriamente dedicado à questão, com a declaração proferida nas "Quintas Jornadas Bonaerenses de Derecho Civil, Comercial, Procesal e Informático", celebradas em Junín (outubro de 1992), nestes termos:

"La llamada doctrina de las cargas probatorias dinámicas puede y debe ser utilizada por los estrados judiciales en determinadas situaciones en las cuales no funcionan adecuada y valiosamente las previsiones legales que, como norma, reparten los esfuerzos probatorios. La misma importa un desplazamiento del onus probandi, según fueren las circunstancias del caso, en cuyo mérito aquél puede recaer, verbigracia, en cabeza de quien está en mejores condiciones técnicas, profesionales o fácticas para producirlas, más allá del emplazamiento como actor o demandado o de tratarse de hechos constitutivos, impeditivos, modificativos o extintivos" (PEYRANO, 2008, p. 19-20).

Recorde-se que o tema, até hoje em voga, foi também abordado no "XVII Congreso Nacional de Derecho Procesal", também realizado na Argentina.9

Todavia, a teoria das cargas probatórias dinâmicas, ao contrário do que possa transparecer imediatamente, não pretende negar os supostos básicos de orientação das regras de distribuição do ônus da carga probatória, mas, conjugando-o com a denominada "justiça do caso concreto" e com os deveres de conduta das partes, pretende imputar elasticidade ao mecanismo de distribuição do onus probandi.

Interessante notar que, para os defensores da doutrina das cargas dinâmicas probatórias, o novo regramento teórico deve ser já intuído, pois, na praxe forense, a despeito de se conhecer e propugnar a concepção de Chiovenda à exaustão, não seria razoável cogitar-se eventual "surpresa" às partes quando da dinamização da carga probatória, em razão da busca notória de justiça ao caso concreto e da vedação de que a parte melhor posicionada à produção probatória se esquive, por malícia, da inteiração dos fatos e ainda se beneficie com tal omissão.

Por outro lado, quando se atribui a carga como consequência da atividade probatória desenvolvida pelo sujeito que ostenta posição inferior (para a produção da prova), não se tratará de outra coisa senão de valoração da prova produzida e dos seus alcances.

Diz-se que, por intermédio da carga dinâmica, traslada-se um maior peso probatório sobre uma das partes, provocando, por sua vez, aligeiramento do ônus da ex adversa. Por essa razão, entende-se que quem pretende o deslocamento da carga probatória, aliviando o onus probandi que lhe compete, terá que provar, mesmo indiretamente, a presença de condições melhores de prova do adversário (BARBERIO, 2008, p. 102).

Portanto, o fundamento da carga dinâmica é melhor explicado pelo dever de solidariedade,10 originando a noção de prova compartilhada, pois mesmo a parte que se beneficia da dinamização não se isenta diretamente de todo ônus probatório. É importante que se diga isso, pois, em tempos áureos da doutrina, houve quem, excedendo e deturpando a compreensão adequada do tema, invocou a teoria "como una lisa y llana inversión de la carga probatoria" (BARBERIO, 2008, p. 102).

Tal exigência de prova, mesmo pela parte mais frágil, não ressuscita as provas diabólicas (ou "difíceis") que a teoria das cargas dinâmicas tanto quis reprimir, pois, nesse caso, a exigência de prova é muito mais simples do que a da ex adversa (melhor posicionada), de tal modo que "la dificultad en convencer sobre la mejor posición probatoria de su adversario permitirá al sujeto acudir, en su caso, al expediente del favor probationes o de las pruebas leviores" (BARBERIO, 2008, p. 103).

Além disso, deve-se convir que a circunstância de se localizar em situação menos privilegiada não priva a parte (frágil), necessariamente, da indicação de prova que demonstre a superioridade do adversário.

Por tudo, para o melhor aproveitamento da doutrina dinâmica "no se trata de fijar quién debe llevar la prueba, sino quién asume el riesgo de que falta" (DEVIS ECHANDIA, 2000, p. 211).

As regras sobre a carga probatória estão, outrossim, dirigidas tanto às partes como ao juiz. Os litigantes devem-se atentar a isso, ao organizarem as suas estratégias, ataques e defesas, enquanto que o juiz o deve fazer na sentença, pois os apontamentos da teoria têm por finalidade evitar que "el juzgador adopte resoluciones con relación a la cuestión de derecho debatida que se fundamenten en lo dudoso de los hechos" (LEGUISAMÓN, 2008, p. 110).

A aplicação correta da doutrina da carga dinâmica indica que não se deve indicar aprioristicamente quando será aplicada, na marcha processual, porque o material fático do processo e todos os processos são variáveis, distintos, e contêm complexidades próprias (AIRASCA, 2008, p. 141). Com efeito, a aplicação da doutrina encontra o seu fundamento no dever que têm as partes de conduzir o processo com lealdade, probidade e boa-fé, tudo inerente ao dever que têm entre si de cooperação com o órgão jurisdicional, a fim de averiguar como ocorreram os fatos que podem ditar uma sentença justa (AIRASCA, 2008, P. 141).

Finalmente, veja-se que se costuma apontar a colaboração da teoria das cargas probatórias dinâmicas na prevenção e na repressão do abuso de direito processual, "proibindo" a utilização abusiva dos direitos subjetivos processais, pois, ao envolver todos os sujeitos do processo (partes e juiz), constitui verdadeiro "principio eje, general y autónomo, alrededor del cual todo el ordenamiento cobre nueva dimensión y sentido" (VENINI apud FAURE, 2008, p. 328).

Por essa razão, diz-se que a teoria revela "un principio de principios, que por su naturaleza de fuente normativa ha dado nacimiento a una importante cantidad de institutos legales, pretorianos y doctrinarios" (FAURE, 2008, p. 329).


5. Críticas à teoria das cargas probatórias dinâmicas

A despeito do grande número de entusiastas da teoria das cargas probatórias dinâmicas – especialmente na Argentina, em razão do trabalho desenvolvido pelo "Ateneo de Estudios del Proceso Civil", dirigido por Jorge Walter Peyrano –, há vários pontos sobre a nova doutrina que merecem ser considerados criticamente.

As presentes considerações críticas, conforme será apontado nas cinco conclusões abaixo, seguem o roteiro de Maximiliano García Grande (Las cargas probatorias dinámicas. Inaplicabilidad), eleito pelo fato de ser, em terreno argentino (especialmente fértil da doutrina), o Autor que mais se debruçou criticamente sobre o tema.

De início, convém então citar García Grande, que esquematizou nas conclusões do seu trabalho estes cinco pontos de crítica à denominada teoria das "cargas probatórias dinâmicas":

"I.La sentencia en casos de falta de prueba eficaz debe estar fundada en las presunciones legales y no en la distribución del onus probandi.

II.La inversión del onus probandi genera contradicción insuperable entre las presunciones del derecho de fondo y la carga probatoria del derecho formal (que debe ser un reflejo de aquellas), porque las normas de forma estarían coerciendo a demostrar la incupabilidad que las normas de fundo presume.

III.Sobre la 'justicia del caso concreto', como fundamento de la teoría, resulta utópico sostener que el juez debe aplicar la justicia de cada caso en concreto, cuando todos sabemos que por el colapso judicial reinante es imposible, en la práctica, que el juez conozca o pueda interiorizarse de cada litigio.

IV.Sobre la "mejor posición de probar", como elemento de la teoría de las cargas probatorias dinámicas, aunque muchas veces no se sepa quien se encuentra en mejores condiciones de aportar el material probatorio, debe estudiarse hasta donde, existiendo el principio constitucional por el cual nadie puede ser coaccionado a declarar en su contra, puede coexistir un instituto que obliga a las partes a probar su inocencia.

V.En varios casos donde se aplica la teoría de las cargas probatorias dinámicas pueden aplicarse institutos ya creados por la legislación o la doctrina, como pueden ser el abuso del proceso y el valor probatorio de la conducta de las partes" (GRANDE, 2005, p. 99-100).

Como já visto, a teoria das cargas probatórias dinâmicas surgiram em contraposição à imutabilidade (rigidez) da distribuição do ônus da prova e à impossibilidade de uma parte, ante a sua posição "desprivilegiada", demonstrar os fatos por seu próprio e único empenho, necessitando-se, então, para a inteiração fática dos autos, do auxílio da parte adversa. Traduz-se, então, como a denomina a doutrina, em um princípio de solidariedade ou de colaboração.

Assim, a parte que esteja em melhores condições de prova de determinado fato, não a realizando, estará sujeita às consequências de sua inércia, operando-se no convencimento do magistrado presunção favorável à parte débil. Pode-se dizer, então, que a teoria tem dois alicerces básicos de sustentação, quais sejam, a carência de prova apta à formação da convicção judicial e a fixação de ônus probatório à parte que o esteja em melhores condições de cumpri-lo (GRANDE, 2005, p. 99).

Acontece que, se a ausência de prova constitui pressupusto para a aplicação dessa doutrina – pois se provas suficientes houver, não haverá que se falar em debilidade de quaisquer das partes –, seria necessário inferir que a dinamização probatória operasse sobre provas inexistentes, sugerindo aparente paradoxo. Defende a doutrina, porém, como visto no tópico anterior, que a dinamização ocorre sobre a carga, viabilizando os efeitos jurídicos da desincumbência probatória. Porém, não é a inércia da parte que constitui fundamento da decisão – inclusive porque, tratando-se de ônus, não se poderia obrigar (coerção) as partes à produção da prova –, mas uma presunção incutida na convicção do magistrado.

Registre-se, então, a primeira crítica à teoria das cargas dinâmicas probatórias, pois não é a suposta alteração na distribuição do ônus probatório que instrumentaliza a convicção judicial (baseada em ausência de produção de provas por quem a devia realizar), supostamente autorizada pela doutrina da dinamização; a convicção judicial orienta-se por intermédio de presunções do fundo de direito, ante a ausência probatória. Ora, não se poderia "dinamizar" o que se deixou de produzir.

Ora, a carga probatória não se destina a determinar a sorte final do litígio, mas apenas se refere ao caminho de análise judicial sobre a produção probatória para, conforme o conjunto de presunções aplicáveis à espécie, verificar qual parte não se incumbiu eficazmente da demonstração dos fatos. E, obviamente, se as carga probatórias não podem cumprir com esse mister "decisório", ainda com menor razão as cargas dinâmicas o cumpririam.

Com efeito, a sentença responsável por dirimir um conflito com ausência ou insuficiência probatória será motivada por presunções, não se destinando a condenar quem tinha a carga e não cumpriu a prova (a condenação supõe a presunção operada no convencimento judicial). Pode-se dizer, desse modo, que as cargas dinâmicas desatam o envolvimento entre a distribuição do onus probandi e as presunções do fundo de direito, obscurecendo esse ponto limiar de encontro do direito material com o processo.11

Do mesmo modo, a tutela jurisdicional que provê a pretensão autoral não resulta da suficiência probatória levantada pelo demandante, mas se origina da convicção que o acervo de provas engendrou. Afinal, as presunções legais consubstanciam convicções das normas (GRANDE, 2005, p. 61). A recíproca do raciocínio, então, não poderia ser verdadeira, ou seja, o juiz não poderia sentenciar fundado em uma inatividade (senão na presunção).


6. Considerações finais

A doutrina das cargas probatórias dinâmicas não constitui novidade no estudo da distribuição do onus probandi, cujo gérmen, como visto, encontrava-se já presente na teoria de J. Bentham.

Parece-nos, em reflexões finais sucintas, que a carga probatória não é "movediça", como a teoria das cargas dinâmicas sugere, porque o ônus da prova não funciona per se, necessitando-se sempre inquirir as presunções do fundo de direito que militarão no caso concreto para se desvendar a parte prejudicada pela ausência ou pela deficiência do acervo probatório. Vale dizer, as cargas probatórias não se dinamizam sem que estejam atreladas a uma presunção, sugerindo, inclusive, inexatidão na terminologia majoritariamente eleita pela doutrina ("Cargas Probatórias Dinâmicas").

Portanto, a utilidade do estudo sobre as cargas dinâmicas probatórias inteira-se mais sobre a formação de um juízo de convicção, do que sobre um juízo de distribuição de prova (juízo de risco), propondo aos magistrados, principalmente (e aí reside o mérito da teoria), uma exata avaliação da conduta das partes na constituição das provas.

A efetiva contribuição à prova (princípio de solidariedade), o exaurimento das suas possibilidades ou a impossibilidade justificada (provada) de sua produção, sempre transparecerão as reais possibilidades de demonstração, pelas partes, dos elementos fáticos relevantes à controvérsia. Não há exata necessidade de que se sopesem eventuais debilidades das partes, em busca de um utópico equilíbrio. Afinal, mesmo no processo, a "(boa-)fé move montanhas".


NOTAS

1. "En el procedimiento formulario del Derecho Romano se le otorgaba al juez in judicio la posibilidad de declararse incompetente en caso de no arribar a ninguna conclusión" (ODERIGO apud RAMBALDO, 2008, p. 28).

2. "(...) el problema de la carga de la prueba se presenta fundamentalmente cuando el juez debe dictar sentencia y no tiene en el proceso prueba suficiente y eficaz de los hechos alegados por las partes que le produzca certeza suficiente para formar su convicción, ya que puede ocurrir no sólo que no hayan sido probados algunos hechos, sino que otros no hayan sido probados ni como verdaderos ni como falsos, que no se los pueda tener ni de una forma ni de otra" (CARBONE, 2008, p. 200).

3. "La concepción originaria de la carga de la prueba fue conceptualizada por Goldschmidt como 'un imperativo del propio interés', surgiendo posteriormente reglas de distribución de la carga de la prueba" (TEPSICH, 2008, p. 156).

4. Tal regra basilar integra a teoria de Chiovenda, para quem "corresponde al actor probar los hechos constitutivos, esto es, aquellos que normalmente producen determinados efectos juridicos: el demandado debe probar los hechos impeditivos o extintivos" (CHIOVENDA apud TEPSICH, 2008, p. 156).

5. "El onus probandi no parecer tener otra significación que la de señalar la falta de prueba y las consecuencias perjudiciales que tal falta entraña para la parte a la que le correspondía probar" (TEPSICH, 2008, p. 157).

6. Em rumo semelhante, o francês René Demogue defendia a prevalência do princípio da solidariedade na distribuição do onus probandi (SOARES DE FARIA apud AZÁRIO, 2006, p. 45).

7. "Esta teoría impone a cada una de las partes la carga de probar los presupuestos de hecho de la norma jurídica que le resulta favorable. No difere demasiado de la de Micheli, y há sido recepcionada por diversos códigos (WHITE, 2008, p. 59).

8. "La médula de la justicia es la idea de igualdad. Desde Aristóteles, se distinguen dos clases de justicia, en cada una de las cuales se plasma bajo una forma distinta el postulado de la igualdad: la justicia conmutativa representa la igualdad absoluta entre una prestación y una contraprestación, por ejemplo, entre la mercancía y el precio, entre el daño y la reparación, entre la culpa y la pena. La justicia distributiva preconiza la igualdad proporcional en el trato dado a diferentes personas, por ejemplo, el reparto entre ellas de los tributos fiscales (...). La justicia conmutativa presupone la existencia de dos personas juridicamente equiparadas entre sí; la justicia distributiva, por el contrario, presupone tres personas, cuando menos: una persona colocada en un plano superior y que impone cargas o confiere beneficios a dos o más subordinadas a ella" (RADBRUCH apud WHITE, 2008, p. 65).

9. Seguem destacadas as três primeiras conclusões, sobre a teoria das cargas probatórias dinâmicas, resultantes daquele Encontro de estudos. "Primera conclusión. La temática del desplazamiento de la carga de la prueba reconoce hoy como capítulo más actual y susceptible de consecuencias prácticas a la denominada doctrina de las cargas probatorias dinámicas, también conocida como principio de solidaridad o de efetiva colaboración de las partes con el órgano jurisdiccional en el acopio del material de convicción" (PEYRANO, 2008, p. 20). "Segunda conclusión. Constituye doctrina ya recibida la de las cargas probatorias dinámicas. La misma importa un apartamiento excepcional de las normas legales sobre la distribución de la carga de la prueba, a la que resulta procedente recurrir sólo cuano la aplicación de aquellas arroja consecuencias manifiestamente disvaliosas" (PEYRANO, 2008, p. 21). "Tercera conclusión. Se recomienda la regulación legal del ideario ínsito en la doctrina de las cargas probatorias dinámicas. Resultaría, en cambio, inconveniente su incorporación legislativa a través de disposiciones taxativas, demasiado casuísticas y que puedan interpretarse de manera inflexible, dificultándose así el necesario ajuste de la decisión respectiva a las circunstancias del caso" (PEYRANO, 2008, p. 22).

10. "Así aparece el nuevo concepto de carga probatoria compartida, como manifestación de una nueva cultura del proceso judicial caracterizada por la vigencia del principio de solidaridad y el deber de cooperación de todos en procura de un rendimiento del servicio de justicia más eficientes que el actual, donde se encuentra aceptable que, en buena medida, la tarea probatoria es común a ambas partes" (LEGUISAMÓN, 2008, p. 115).

11. "Las cargas probatorias dinámicas contrarían las presunciones legales de derecho, motivo suficiente para no ser aplicadas. (...) Si la teoria de las cargas probatorias dinámicas es fruto del valorable esfuerzo por afianzar la justicia, y nosotros encontramos fallas en la teoría, debemos entonces proponer otras soluciones" (GRANDE, 2005, p. 80).


BIBLIOGRAFIA

AIRASCA, Ivana María. Reflexiones sobre la doctrina de las cargas probatorias dinámicas. In: Cargas probatorias dinámicas. Coord. Jorge W. Peyrano. 1. ed. 1. reimp. - Santa Fe : Rubinzal-Culzoni, 2008, p. 125-152.

AZÁRIO, Márcia Pereira. Dinamicização da distribuição do ônus da prova no processo civil brasileiro. Dissertação de Mestrado defendida na UFRS. Orientador: Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. In: www.bibliotecadigital.ufrgs.br. Acessado em 8.12.2009. Porto Alegre, 2006.

BARBERIO, Sergio José. Cargas probatorias dinámicas: ¿qué debe probar el que no puede probar? In: Cargas probatorias dinámicas. Coord. Jorge W. Peyrano. 1. ed. 1. reimp. - Santa Fe : Rubinzal-Culzoni, 2008, p. 99-107.

BENABENTOS, Omar. Visión crítica de las cargas probatórias dinámicas. http://www.estudiobedoya.com.ar/archivos/benaponencia.htm; Acessado em 8.12.2009. Exposição proferida no "XVIII Congreso Panamericano de Derecho Procesal". Arequipa, 2005. Texto finalizado em Buenos Aires, 2006.

CARBONE, Carlos Alberto. Cargas probatorias dinámicas: una mirada al Derecho Comparado y novedosa ampliación de su campo de acción. In: Cargas probatorias dinámicas. Coord. Jorge W. Peyrano. 1. ed. 1. reimp. - Santa Fe : Rubinzal-Culzoni, 2008, p. 197-228.

DALMOTTO, Eugenio. L'onere della prova e la protezione del consumatore. In: www.processocivile.org/dalmotto%5Cop0014.pdf ; Acessado em 8.12.2009.

DEVIS ECHANDÍA, Hernando. Compendio de la prueba judicial. t. 1 . Santa Fe : Rubinzal-Culzoni, 2000.

FAURE, Miryam Balestro. La dinámica de las cargas probatórias: una proyección del principio que prohíbe abusar de los derechos procesales. In: Cargas probatorias dinámicas. Coord. Jorge W. Peyrano. 1. ed. 1. reimp. - Santa Fe : Rubinzal-Culzoni, 2008, p. 321-365.

GRANDE, Maximiliano García. Las cargas probatorias dinámicas. Inaplicabilidad. 1. ed. Rosario : Juris, 2005.

LEGUISAMÓN, Héctor E. La necesaria madurez de las cargas probatorias dinámicas. In: Cargas probatorias dinámicas. Coord. Jorge W. Peyrano. 1. ed. 1. reimp. - Santa Fe : Rubinzal-Culzoni, 2008, p. 109-124.

NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa. A Inversão do Ônus da Prova no Código de Defesa do Consumidor como Técnica de Distribuição Dinâmica da Carga Probatória. In: Revista Dialética de Direito Processual. n. 75. jun./09. p. 105-113. São Paulo : Dialética, 2009.

PEYRANO, Jorge W. Nuevos lineamientos de las cargas probatorias dinámicas.In: Cargas probatorias dinámicas. Coord. Jorge W. Peyrano. 1. ed. 1. reimp. - Santa Fe : Rubinzal-Culzoni, 2008, p. 19-24.

PEYRANO, Jorge W.; CHIAPPINI, Julio O. Lineamientos de las cargas probatorias dinámicas.In: Cargas probatorias dinámicas. Coord. Jorge W. Peyrano. 1. ed. 1. reimp. - Santa Fe : Rubinzal-Culzoni, 2008, p. 13-18.

RAMBALDO, Juan Alberto. Cargas probatorias dinámicas: un giro epistemológico. In: Cargas probatorias dinámicas. Coord. Jorge W. Peyrano. 1. ed. 1. reimp. - Santa Fe : Rubinzal-Culzoni, 2008, p. 25-34.

TEPSICH, María Belén. Cargas probatórias dinámicas. In: Cargas probatorias dinámicas. Coord. Jorge W. Peyrano. 1. ed. 1. reimp. - Santa Fe : Rubinzal-Culzoni, 2008, p. 153-167.

VILLAR, Alfonso Murillo. La motivacion de la sentencia en el proceso civil romano. In: Cuadernos de Historia del Derecho. n. 2. p. 11-46. Madrid : Editorial Complutense, 1995.

WHITE, Inés Lépori. Cargas probatorias dinámicas. In: Cargas probatorias dinámicas. Coord. Jorge W. Peyrano. 1. ed. 1. reimp. - Santa Fe : Rubinzal-Culzoni, 2008, p. 35-73.


Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MONTEIRO NETO, João Pereira. A carga probatória não é movediça. . Apontamentos críticos sobre a dinamização da "carga probandi". Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2760, 21 jan. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18322. Acesso em: 26 abr. 2024.