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Hamas e Hezbollah: uma análise sob a ótica do Direito Internacional

Hamas e Hezbollah: uma análise sob a ótica do Direito Internacional

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1.Introdução

O século XXI se inicia permeado de desafios no campo da política e do Direito internacional, principalmente no que tange ao Oriente Médio. Os temores de um Irã nuclear levantam preocupações em todo o mundo. A necessidade de contenção de organizações terroristas como a Al-Qaeda e o Taliban tem alimentado uma guerra que já se arrasta por mais de dez anos sem que as potências aliadas possam falar em vitória. O futuro do Iraque, que agora experimenta um vácuo de poder, com a saída dos EUA, tem suscitado dúvidas quanto à influência persa na região.

No centro de tudo isso, temos o conflito árabe-israelense, que, longe de chegar ao fim, já produziu até o presente momento sete guerras entre dois grupos de pessoas que declaram diferentes identidades nacionais, mas reivindicam o mesmo pedaço de terra. Esses conflitos levaram a criação de organizações político-militares no interior de territórios ocupados ou sitiados por Israel, que, sob o argumento de estarem lutando contra uma ocupação estrangeira, têm freqüentemente praticado atos de violência contra pessoas civis, recebendo apoio de países estrangeiros.

De um lado temos o Hamas, que ocupa a Faixa de Gaza e se conclama um movimento de resistência islâmica, sendo na prática, ao mesmo tempo, um partido político e um movimento militar, como as brigadas Qassam, responsáveis por diversos ataques envolvendo foguetes contra Israel. Criado em 1987, prega o fim do Estado judaico e sua substituição por um Estado palestino que ocuparia a área onde hoje se situa Israel, a Faixa de Gaza e a Cisjordânia. O movimento é uma filial da Irmandade Muçulmana egípcia, organização global que se constitui em um dos maiores movimentos do fundamentalismo islâmico dos tempos modernos.

Na mesma vertente de oposição ao Estado judeu, temos o partido político libanês e organização paramilitar Hezbollah, criado em 1982/83 por militantes xiitas e membros da Guarda Revolucionária Iraniana, no vale do Bekaa, leste do Líbano. A organização integra formalmente a estrutura administrativa do Estado, possuindo diversas cadeiras no parlamento libanês.

Embora esteja há mais de vinte anos em atuação e seja mais conhecida em razão de ações extremistas que realiza, foi no conflito militar envolvendo forças regulares israelenses e seus integrantes, ocorrido no período de 12 de julho a 14 de agosto de 2006, que o Hezbollah se apresentou como notável e proeminente organização do Oriente Médio. Os 34 dias de conflito ocasionaram a morte de mais de 1.500 pessoas, o deslocamento de cerca de 1,5 milhões de habitantes, a interrupção da normalidade em Israel e no Líbano e reações internacionais diversificadas.

É a esse contexto de ataques armados envolvendo dois protagonistas não estatais contra o Estado de Israel, e outros países, que se volta a análise do presente artigo. Será que ataques dirigidos à população civil, com a utilização de "homens-bomba" e foguetes de fabricação militar, podem ser enquadrados como atos de beligerância praticados por "movimentos de libertação"? Como classificar os atos de violência praticados por estas organizações, que, como se sabe, recebem apoio de outros países?

Esse, portanto, o escopo da idéia que se pretende desenvolver no presente artigo, que busca delinear o papel destes atores não estatais em face do Direito Internacional, analisando os atos praticados pelos mesmos, sua constituição e seus objetivos, com vistas a fornecer elementos necessários ao correto tratamento dessas entidades.


2.Histórico do conflito árabe-israelense

Para compreendermos a questão envolvendo as organizações político-militares que compõem o conflito árabe-israelense, temos de fazer uma incursão pelo histórico das diversas guerras envolvendo ambos os povos, conflitos estes que têm origem na disputa pelo território denominado Palestina. Segundo o Cientista Político Jorge Zaverucha, "Palestina foi o nome dado à antiga Terra de Israel pelo Império Romano. Plishtim, em hebraico (em português, filisteus) tem origem no termo ´filistin’, que significa invasores. Os filisteus eram originários de ilhas mediterrâneas que invadiram a região há quatro mil anos. Foram dizimados e não possuem relação histórica com os árabes. Um dos objetivos dos romanos em rebatizar a Terra de Israel por Palestina era o de destruir a presença judaica nessa região". [01]

Na Primeira Guerra Mundial, a região que atualmente é a Palestina era governada pelos turcos, e o Império Turco-Otomano era aliado da Alemanha. Depois da derrota turca, seu império foi desmembrado e seus territórios submeteram-se ao regime de mandato da Liga das Nações. A França passou a controlar a Síria e o Líbano, e a Grã-Bretanha ganhou o mandato sobre a Palestina e o Iraque.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial e a descolonização da Índia, a Grã-Bretanha encontrava-se desgastada financeira e politicamente. Tais fatos, aliados ainda às constantes crises decorrentes das imigrações de judeus para o território palestino, levaram os britânicos a anunciarem no final de 1947 que, no mês de maio de 1948, o território seria devolvido às Nações Unidas.

Assim, antes do término do mandato britânico, em 29 de Novembro de 1947, a Assembléia Geral das Nações Unidas aprovou por 33 a 13 e 10 abstenções, a Resolução 181 que recomendou a criação dos Estados Judeu e Palestino na Palestina e também a internacionalização de Jerusalém, que deveria se constituir como corpus separatum.

O professor de Relações Internacionais da Universidade de Harvard, Joseph S. Nye Jr., explica que "ironicamente, teria sido melhor para os árabes se eles tivessem aceitado o plano de divisão proposto pela ONU, mas em vez disso eles o rejeitaram. Isso levou à irrupção de combates locais. Em maio de 1948, Israel se declarou independente, e os vizinhos árabes de Israel atacaram para tentar reverter a divisão. A primeira guerra durou oito meses de lutas intermitentes. Muito embora os árabes fossem em maior número que os israelenses, na razão de 40 para 1, eles eram mal organizados e prejudicados pela desunião. Depois de um cessar-fogo e a mediação da ONU, a Jordânia controlava a região chamada de Margem Ocidental e o Egito controlava Gaza, mas a maior parte restante da concessão palestina era controlada pelos israelenses; na verdade, mais do que teriam se os árabes tivessem aceitado o plano da ONU de 1947". [02]

Importante destacar que, com o término do mandato, e o conflito que se seguiu a isso, Israel ocupou militarmente a parte ocidental de Jerusalém, ficando a parte oriental, também conhecida como Cidade Velha, nas mãos da Jordânia. Esta situação perdurou até Junho de 1967, quando Israel então capturou a Cidade Velha, na chamada Guerra dos Seis Dias.

Cumpre destacar que, antes da Guerra dos Seis Dias em 1967, um outro evento marcou a história do conflito árabe-israelense, foi a Crise do Canal de Suez ocorrida em 1956, conhecida como a segunda guerra envolvendo estes dois povos. Conforme relata Joseph S. Nye Jr., "em 1952, Gamal Abdel Nasser e outros jovens oficiais nacionalistas depuseram o rei Faruk do Egito e tomaram o poder. Logo receberam armas da União Soviética e fizeram manobras para obter o controle do canal de Suez, um canal de navegação mercante fundamental ligando a Europa e a Ásia. O Egito hostilizou Israel com uma série de ataques guerrilheiros. Grã-Bretanha e a França, irritadas quanto ao canal e preocupada com o domínio de Nasser sobre o Oriente Médio, conspiraram com Israel para atacar o Egito. Entretanto, os Estados Unidos recusaram-se a ajudar a Grã-Bretanha, e a guerra foi impedida por uma resolução da ONU e por uma força de paz que foi inserida para manter os dois lados afastados". [03]

Ocorre que as tensões entre árabes e israelenses não cessaram e a terceira guerra, a Guerra dos Seis Dias, eclodiu em junho de 1967. Importante destacar que esse conflito é considerado por especialistas como o mais importante, pois deu forma aos problemas territoriais subseqüentes no centro do atual problema de paz no Oriente Médio, dos quais se destaca a ocupação por Israel da parte oriental da cidade de Jerusalém, que hoje se constitui como ponto de total inflexão entre ambas as partes nas negociações, já que os Palestinos vislumbram a parte leste da cidade como a capital de seu futuro Estado.

Em maio de 1967, o Egito, temendo um ataque israelense contra a Síria e desejando poder socorrer Damasco, demanda a retirada das Forças de Urgência das Nações Unidas da zona que ocupavam no Sinai, por ocasião da crise do Canal de Suez.

O Secretário-Geral das Nações Unidas, Sr. U-Thant, que sucedeu a Hammarskjöld, questiona se ele está obrigado a deferir a demanda egípcia. Ele é lembrado então de que a força foi criada em 1956, com o consentimento das "nações interessadas" e que o governo de Tel-Aviv recusou-se na época a recebê-las em seu território. Conseqüentemente, ela foi implantada unicamente no território egípcio, com o acordo do Cairo. Considerando que este acordo viesse a ser retirado, o Secretário-Geral julga que ele não pode agir de outra forma a não ser dando a ordem de evacuação. Ele procede desta maneira e, imediatamente após, o Presidente Nasser decide fechar o estreito de Tiran à navegação israelense e aos navios transportadores de produtos "estratégicos" (incluindo petróleo) para Israel. [04]

Nesse contexto, Israel, vendo Nasser preparar-se para a Guerra, decidiu não esperar, mas antecipar-se ao provável ataque do Egito. Os israelenses surpreenderam a força aérea egípcia no solo e atacaram também os demais países vizinhos Jordânia e Síria. O Líbano se aliou simbolicamente aos Estados árabes sem, contudo, participar efetivamente das hostilidades.

O Juiz Presidente da Corte Internacional de Justiça e Professor do Institut d’études Politiques de Paris, Gilbert Guillaume, em artigo publicado no Brasil no livro coordenado pelo Professor da PUCMINAS, Leonardo Nemer, explica com precisão a atuação do Conselho de Segurança e as implicações resultantes dos conflitos que marcaram a Guerra dos Seis Dias:

"O Conselho de Segurança se reuniu imediatamente e, como de hábito, discutiu o cessar-fogo. No entanto, rapidamente, os israelenses conquistaram, no curso desta Guerra de Seis Dias, importantes territórios. Entre eles, Gaza, a península do Sinai, as colinas de Golã e a Margem esquerda do rio Jordão (incluindo-se Jerusalém Oriental). Conseqüentemente, quando o Conselho de Segurança terminou de votar o cessar-fogo, este consagra um progresso considerável das posições de Israel.

Estas recomendações do Conselho de Segurança (que, contrariamente ao acontecido em 1948, não constituem decisões) visaram uma reorganização do dispositivo de observação criado em 1949 (ONUST) e sua abrangência sobre o Canal de Suez. Elas são acompanhadas por uma Resolução do Conselho de Segurança, votada unanimemente em 22 de novembro de 1967. Esta Resolução, conhecida como Resolução 242, trouxe princípios de regulamentação de paz entre Israel e seus vizinhos.

A Resolução 242 é um compromisso entre as teses israelenses e as teses árabes. Os árabes entendiam ser necessário uma retirada de Israel de todos os territórios ocupados antes de qualquer regulamentação de paz. Os israelenses aceitavam a idéia de evacuar certos territórios, mas somente no caso de uma regulamentação de paz.

O compromisso da Resolução 242 comporta uma dupla ambigüidade sobre estes dois pontos.

Esta Resolução afirma que o acatamento dos princípios da Carta exige a instauração de uma paz justa e duradoura no Oriente Médio. Seria necessária a aplicação de dois princípios que ela coloca em pé de igualdade, sem precisar se eles deveriam ser acatados sucessivamente ou simultaneamente. Estes princípios são:

- a retirada das forças armadas israelenses dos territórios ocupados (versão francesa do texto) à época do recente conflito;

- o cessar de todo estado de guerra ou de beligerância, o respeito e o reconhecimento da soberania, da integridade territorial e da independência política de cada Estado da região e do seu direito de viver em paz no interior de suas fronteiras certas e reconhecidas.

O texto não precisava se, como desejavam os árabes, a evacuação deveria preceder o reconhecimento e a paz, ou se, como desejavam os israelenses, os dois princípios deveriam ser acatados de maneira concomitante" (BRANT, 2003, p. 76).

Assim, a Resolução 242 continha nítidas ambigüidades que dificultaram seriamente as negociações para a solução do impasse que se estabeleceu. O problema girou em torno das traduções Francesa e Inglesa da Resolução. Dependendo de qual das versões do texto que se lesse, ela não indicava todos os territórios, mas apenas "territórios", implicando que alguns poderiam não ser devolvidos. Também era ambígua sobre a situação dos palestinos, que não eram reconhecidos como uma nação, mas classificados como refugiados. Mais uma vez o problema básico não era resolvido.

Gilbert Guillaume salienta que "o Conselho só chegou a uma solução ao preço de uma ambigüidade aceitável, se não desejada. Deste modo, a Guerra dos Seis Dias termina com um cessar-fogo, marcando os claros progressos de Israel sobre o terreno, e com uma Resolução equivocada que, apesar disto, torna-se um dos textos fundamentais nesta matéria". [05]

Alguns especialistas consideram que a quarta guerra envolvendo árabes e judeus foi a denominada Guerra de Atrito, ocorrida em 1969-1970 [06], portanto, em plena Guerra Fria. O então governante do Egito, Nasser, com o apoio da União Soviética, organizou interceptações no canal de Suez e outras hostilidades. Estas provocaram uma guerra aérea na qual pilotos israelenses e egípcios travaram numerosas batalhas aéreas. Finalmente, a guerra no ar acabou empatada.

Na seqüência dos acontecimentos temos a Guerra do Yom Kippour, declarada em 6 de outubro de 1973 ( dia da festa do Kippour, um dos dias mais importantes do Judaísmo) por uma ação militar egípcia e Síria. Depois do avanço das tropas árabes, o exército israelense começou a progredir, chegando a 30km de Damasco, na Síria, e sobre a margem ocidental do canal de Suez. O governante egípcio Anuar Sadat, que sucedeu Nasser no cargo, com a morte deste, decidira atacar a margem oposta do canal de Suez, mas não tentar recapturar toda a península do Sinai. Desse modo, ele conspirou com os Sírios e conseguiu uma surpresa eficaz. Nas primeiras etapas, a guerra foi bem para os egípcios, mas os israelenses contra-atacaram energicamente.

Em pleno contexto de Guerra Fria, as superpotências resolveram intervir e pediram um cessar-fogo. O secretário de Estado americano Henry Kissinger encaminhou-se para Moscou, mas enquanto ele se encontrava lá os israelenses cercaram os exércitos egípcios. Os soviéticos acharam que haviam sido enganados. Então mobilizaram suas forças na região sul da União Soviética e enviaram uma carta ao Estados Unidos sugerindo que suas forças interferissem no conflito diretamente. Os Estados Unidos reagiram elevando o nível de alerta nuclear nos Estados Unidos e os soviéticos retiraram suas exigências. Os israelenses também recuaram ante a pressão americana e afrouxaram o cerco em torno do exército egípcio. [07]

O Conselho de Segurança adota, em 22 e 23 de outubro de 1973, textos trazidos em comum pelas delegações soviéticas e americanas: as Resoluções 338 e 339, adotadas por 14 votos de 15 (a China não participou da votação). Estas Resoluções recorreram à ambígua Resolução 242 e decidiram que as negociações teriam lugar entre as partes em causa sob "proteção apropriada" (o que conduziu à convocação da Conferência de Genebra). Então, em 25 de outubro, o Conselho adotou a Resolução 340, criando uma nova Força de Urgência das Nações Unidas, que seria de uma dimensão mais modesta que aquela adotada na época da crise de Suez e retirada do Sinai, a pedido de Nasser, na Guerra dos Seis Dias. Ao mesmo tempo observadores foram posicionados no Sinai e nas colinas de Golan, para fiscalizar o cessar-fogo. Importante notar que desta vez o procedimento adotado é irrepreensível, pois a operação foi decidida não pela Assembléia Geral, mas pelo Conselho de Segurança. [08]

Após negociações com o Egito e a Síria, o Canal de Suez é reaberto e o Egito aceita que embarcações israelenses possam utilizá-lo. Um acordo de desprendimento análogo é concluído do lado Sírio, em 31 de maio de 1974. Israel evacua a vila de Kuneitra e se limita a ocupar a parte de Golã que domina a Galiléia. Na análise de Gilbert Guillaume, "com a Guerra do Kippour, Israel mantém em 1975 o essencial de suas conquistas de 1967 e se acha, conseqüentemente, em uma posição militar e política forte". [09]

Ocorre que, conforme explica Joseph Nye S. Jr., "o resultado mais notável da guerra, porém, foi retardado. Em 1977, Sadat foi a Israel e anunciou que o Egito estava pronto para negociar uma paz separada. Em 1978 e 1979, com a mediação do presidente americano Jimmy Carter, Israel e Egito negociaram os acordos de Camp David, que devolviam o Sinai ao Egito e previam conversações sobre a autonomia local na Margem Ocidental. Os acordos de Camp David significaram que o maior estado árabe rompia com a coalizão de confronto a Israel e o nacionalismo egípcio prevaleceu sobre o pan-arabismo. Sadat rompeu com a coalizão pan-arábica, mas poucos anos depois foi assassinado por extremistas religiosos que eram contrários à sua política". [10]

Assim, pela primeira vez, e ao preço da evacuação do Sinai, Israel é reconhecido enquanto Estado Nacional por um de seus vizinhos com o qual a paz é firmada.

Entretanto, a linha de frente muda por causa das crises libanesas e tem início a sexta guerra entre árabes e israelenses, com a invasão do Líbano por Israel, em 1982. A invasão tem como causa os ataques dirigidos contra Israel pelos Feddayins instalados no Líbano. Em seguida a uma primeira invasão, em março de 1978, o Conselho de Segurança obtém, pela Resolução 425, a retirada das forças israelenses da fronteira. As Nações Unidas então instalam em território Libanês uma nova força, a FINUL (Força Interina das Nações Unidas pelo Sul do Líbano), encarregada de "confirmar" esta retirada e de "ajudar o governo libanês a restaurar sua autoridade efetiva na região".

Porém, em junho de 1982, o ministro da Defesa Israelense, Ariel Sharon, decidiu ir além. Primeiro, disse que Israel avançaria por apenas 40 quilômetros dentro do Líbano para proteger as regiões ao norte de Israel, mas na verdade as tropas israelenses marcharam mais ainda para o norte e sitiaram Beirute por dez semanas. O cerco levou à evacuação da OLP (Organização Pela Libertação da Palestina) de Beirute, e um líder cristão libanês, Bashir Gemayel, assinou um tratado de paz com Israel. Entretanto, Gemayel logo foi assassinado, o tratado ruiu e o Líbano ingressou em um verdadeiro caos. Em 1985, os israelenses se retiraram da maior parte do Líbano, com exceção da zona de segurança no sul, que eles finalmente evacuaram em 2000. [11]

No entanto, em 2006, Israel e a organização libanesa Hezbollah travaram ainda uma outra guerra no Líbano, conflito este que, conforme salientado durou exatos 34 dias, ocasionando a morte de mais de 1.500 pessoas, o deslocamento de cerca de 1,5 milhão de habitantes, a interrupção da normalidade em Israel e no Líbano e reações internacionais diversificadas.

Como se vê, diversos foram os conflitos envolvendo árabes e judeus e as soluções para o impasse sempre esbarraram na etnicidade, religião e nacionalismo. Nesse contexto, em que pesem alguns poucos avanços nas negociações no que tange aos territórios ocupados por Israel, sobretudo na década de noventa, com as negociações envolvendo a OLP e o governo de Yitzhak Rabin, posteriormente assassinado por extremistas judeus, temos que a situação do processo de paz é de total estagnação e os sentimentos de ódio e aversão continuam a crescer entre os dois povos, dificultando cada vez mais uma solução pautada na razão e no bom senso.

Assim, cumpre nos capítulos seguintes fazermos um breve histórico das duas organizações político-militares hoje envolvidas no conflito árabe-israelense, para depois traçarmos uma análise acerca das implicações trazidas por estes dois grupos ao Direito Internacional.


3.O Hamas

HAMAS é o acrônimo de Harakat aL-Muqawamat aL-Islamiyyah, que significa Movimento de Resistência Islâmica. Segundo o Cientista Político Jorge Zaverucha, foi criado em 1987 com o beneplácito de Israel, que via no Hamas um movimento de assistência social capaz de enfraquecer a liderança de Yasser Arafat [12], líder da Autoridade Palestina e Presidente da Organização Para Libertação da Palestina (OLP).

Com o início da primeira Intifada [13], em 1987, o Hamas passou a agir militarmente contra Israel, chegando nos dias atuais a se utilizar de táticas de guerrilha e armamento típico de exércitos nacionais como morteiros e foguetes.

O movimento é uma filial da Irmandade Muçulmana egípcia, organização global fundada em 1928 por Hassan-al-Banna e que se constitui em um dos maiores movimentos do fundamentalismo islâmico dos tempos modernos.

Segundo o Council on Foreign Relations, atualmente o Hamas é o maior e mais influente movimento de militantes palestinos, sendo responsável por mais de 350 atentados terroristas distintos desde 1993, atentados estes que custaram a vida de mais de 500 pessoas, dentre eles árabes. [14]

Em janeiro de 2006 o grupo ganhou as eleições para a Autoridade Palestina, derrotando o partido rival Fatah ao conquistar 76 contra 43 assentos no Parlamento, de um total de 132. Isso gerou uma onda de protestos internacionais e um boicote econômico aos territórios palestinos, devido à plataforma política do Hamas, que prega uma política de combate aos judeus, tal como preconizado em sua Carta de Fundação, tornada pública em 1988:

"CARTA DO HAMAS

Art. 7º

. O Movimento de Resistência Islâmica é um elo da corrente da Jihad contra a invasão sionista. Acha-se conectado e vinculado ao (corajoso) levante do mártir Izz Al-Din Al Kassam e sua irmandade, os combatentes da Jihad da Fraternidade Muçulmana, no ano de 1936. Em seguida está relacionado e conectado a outro elo, a Jihad dos palestinos, o empenho e a Jihad da Fraternidade Muçulmana, no ano de 1948, e às operações da Jihad da Fraternidade Muçulmana, de 1968 em diante. Apesar de que tais ligações estejam distantes e apesar de que a continuidade da Jihad tenha sido interrompida por obstáculos colocados no caminho dos combatentes da Jihad por aqueles que gravitam na órbita do sionismo, o Movimento de Resistência Islâmica aspira concretizar a promessa de Alá, não importando quanto tempo levará. O Profeta, que as bênçãos e a paz de Alá recaiam sobre ele, disse: "A hora do julgamento não chegará até que os muçulmanos combatam os judeus e terminem por matá-los e mesmo que os judeus se abriguem por detrás de árvores e pedras, cada árvore e cada pedra gritará: Oh! Muçulmanos, Oh! Servos de Alá, há um judeu por detrás de mim, venha e mate-o, exceto se se tratar da árvore Gharkad, porque ela é uma árvore dos judeus". (registrado na coleção de Hadith de Bukhari e Muslim)". (ZAVERUCHA, 2010, p. 129)

Como forma de conter essa onda de protestos, no início de 2007, representantes do Fatah e do Hamas reuniram-se na Arábia Saudita, onde chegaram a um acordo sobre a constituição de um novo governo de união palestino que assumiria em março de 2007. Entretanto, essa união durou pouco tempo. Em junho de 2007, estourou a chamada batalha de Gaza, que resultou na expulsão da Fatah da Faixa de Gaza e na morte de 600 palestinos.

Esse conflito é denominado , entre os palestinos, de Wakseh, que significa ruína oriunda de autoflagelação. Em represália, o presidente palestino Mahmoud Abbas, retirou representantes do Hamas do governo da Autoridade Nacional Palestina, na Cisjordânia. Com a vitória, o Hamas passou a controlar a Faixa de Gaza enquanto a Fatah domina a Cisjordânia, situação esta que perdura até hoje, prejudicando sobremaneira o processo de paz na região.

Embora possua um braço militar, as brigadas denominadas Izz AL-Din-al-Qassam, o Hamas dedica muito do seu orçamento estimado em US$70 milhões anuais para uma extensa rede de serviços sociais. De fato o extenso trabalho social e político que realiza, bem como sua reputação entre os palestinos como avesso à corrupção, explica sua vitória legislativa nas eleições em 2006, o que demonstra a popularidade do grupo entre o povo palestino. A organização possui escolas, orfanatos, mesquistas, centros médicos, refeitórios e ligas esportivas. A Autoridade Nacional Palestina muitas vezes deixa de prestar tais serviços, que então passam a ser assegurados pelo Hamas, aumentando o prestígio do movimento entre a população. [15]

Importante destacar a origem dos fundos que financiam esta organização político-militar. Segundo o Council on Foreign Relations, "desde sua vitória nas eleições para liderar a Autoridade Palestina, o Hamas possuía fundos públicos em seu favor, apesar de não ter acesso aos dólares em ajuda externa prestados à Autoridade Palestina por Estados Unidos e União européia. Historicamente, grande parte vem de doadores privados da Arábia Saudita e de Estados ricos em petróleo do Golfo Pérsico. O Irã também fornece um apoio significativo, que alguns diplomatas dizem que pode atingir de US$20 a US$30 milhões por ano. Além disso, algumas instituições de caridade muçulmana nos Estados Unidos, Canadá e Europa Ocidental canalizam dinheiro para o Hamas. Em dezembro de 2001, a administração Bush se apropriou do patrimônio da fundação Terra Santa, a maior organização de caridade muçulmana nos Estados Unidos, por suspeita de que estava a financiar o Hamas". [16]

O Hamas é considerado uma organização terrorista pela União Européia, Canadá, Japão, Estados Unidos e Israel. Grã-Bretanha e Austrália consideram terrorista apenas a facção militar do grupo, as Brigadas Qassam. Possui vários líderes, com alguns deles já tendo sido assassinados por Israel, como o fundador do grupo, o Sheik Ahmed Yassin, em 2004. Seu principal líder atualmente é Khalid Meshal, que dirige o grupo de Damasco, na Síria e também do Golfo Pérsico, por razões de segurança.


4.O Hezbollah

O outro grupo que se apresenta como proeminente organização político-militar no Oriente Médio, sendo responsável por diversos ataques contra Israel, é o Hezbollah, nome em árabe composto pelas palavras Hizb (partido) e Allah (Deus), foi criado em 1982/83 por militantes xiitas e membros da Guarda Revolucionária iraniana, no vale do Bekaa, leste do Líbano.

O objetivo à época era lutar contra a invasão israelense em 1982, conhecida como a sexta guerra entre árabes e judeus. Sua criação foi inspirada na Revolução Iraniana, sendo que o grupo recebeu treinamento da Guarda Revolucionária Iraniana e financiamento por parte de Teerã. [17]

De fato, em seu manifesto, tornado público em fevereiro de 1985, apresenta-se como "movimento jihadista com o objetivo de libertar o território libanês do domínio israelense". A declaração também indica que pretendia adotar o modelo iraniano de revolução para instituir a República Islâmica do Líbano e livrar o país de influência não- islâmica, até mesmo opondo-se a presença das tropas da ONU então presentes no país – majoritariamente francesas e americanas – tidas como "extensão do colonialismo". [18]

Além de muçulmanos xiitas, este grupo abriga também drusos, sunitas e cristãos. A organização concentra sua atuação no sul do Líbano e em alguns subúrbios mais pobres de Beirute. Conforme explica Eliane Schroder de Moura, da Agência Brasileira de Inteligência, "a instância suprema da organização é o Conselho Consultivo de Decisão, com onze membros, presidido por Hassan Nasrallah, secretário –geral, um radical carismático que esteve envolvido em várias operações terroristas. Esse conselho elabora a agenda político-militar no exterior, em cooperação com Teerã/Irã. O Conselho Consultivo possui, em última instância, o poder de decisão e julga todos os assuntos em razão de sua gravidade, em particular, as questões de segurança. O líder máximo da organização é o aiatolá iraniano Ali Khamenei". [19]

No campo espiritual, o xeque Mohamad Hussein Fadllalah, era considerado a figura mais importante da organização. Ele morreu de uma hemorragia no fígado em 04 de julho de 2010, na idade de 75 anos. Desfrutava de status especial, o de guia supremo, ocupando o cargo mais elevado na hierarquia religiosa islâmica, o que lhe facultava grande influência sobre os ativistas do Hezbollah. Até o presente momento não se sabe ainda quem irá sucedê-lo, de qualquer forma a sucessão permitirá maiores análises acerca da influência de fato do Irã no Líbano, afirma o Council on Foreign Relations. [20]

A participação do movimento na política libanesa é ativa. No ano de 1992, em sua primeira disputa por vagas nas eleições libanesas, conquistou 12 das 128 cadeiras do Parlamento. Em 1996, foram dez assentos, e em 2000 oito. Nas eleições de 2005, das seis cadeiras que ainda possuía, o Partido de Deus passou a um total de 25 e, após uma aliança com o grupo xiita Amal, que conquistou dez outras cadeiras, o Hezbollah passou a contar com 35 deputados no parlamento libanês. Sua influência política cresceu mais ainda depois da morte do premiê libanês Rafik Hariri, assassinado em Beirute em 2005. Tal fato ensejou a aliança de governo com a coalizão pró-ocidente liderada por Saad Hariri, filho do estadista morto.

Atualmente a coalizão que governa o país, que contava com 11 ministros partidários do Hezbollah, foi desfeita pela organização em razão da resistência do premiê Saad Hariri em desautorizar o tribunal da ONU, que deve indiciar integrantes do Hezbollah pelo atentado que matou o seu pai, em 2005, gerando temor de novo período de instabilidade política e conflitos sectários no país.

O grupo também tem forte atuação social na comunidade libanesa, provendo escolas, hospitais, orfanatos, farmácias, mercados e clínicas dentárias para as comunidades xiitas, majoritariamente concentradas no sul do país (fronteira com Israel), bem como na periferia ao sul de Beirute, denominada Dahiya ("subúrbio" em árabe). Entre outros, a organização opera também o sistema de coleta e reciclagem de lixo e o programa de reconstrução de residências destruídas durante a ocupação israelense da região.

Interessante notar que o grupo mantém estreitos laços com a Síria e o Irã, países acusados de financiar as atividades deste movimento. Serviços de inteligência ocidentais estimam que entre 100 e 200 milhões de dólares são doados anualmente ao Hezbollah pelo governo do Irã, na forma de assistência militar, mercadorias e recursos financeiros. Afirmam ainda que, valendo-se do Hezbollah, o Irã aproxima-se do seu objetivo de transformar o Líbano em Estado Islâmico, pró-iraniano. Haveria, ainda, evidências de que iranianos também participariam diretamente no planejamento das operações do grupo. [21]

Outra questão intrigante acerca desta organização é o seu poderio militar, que ao que tudo indica é superior ao do próprio Estado libanês. Segundo o Council on Foreign Relations, seu núcleo é constituído por vários milhares de militantes e ativistas, sendo que o seu arsenal de armas inclui entre 40.000 a 80.000 artefatos bélicos entre foguetes, morteiros e mísseis de curto e longo alcance. Basta lembrarmos que na guerra travada entre a organização e Israel em 2006, foram utilizados inúmeros foguetes Katiusha, de fabricação russa, lançados pelo Hezbollah contra o norte do país. [22]

Destaca-se ainda que o grupo mantém células em várias partes do mundo, com ampla infra-estrutura no Oriente Médio, na África Ocidental e na Europa. Devido à existência de expressiva colônia na América Latina, pode dispor de eventual apoio neste continente. Além das relações externas com a Síria e o Irã, a organização mantém contatos com outros grupos radicais fora do Líbano, como, por exemplo, o Hamas, existindo fortes evidências de coordenação entre as ações dos dois movimentos. [23]

Por fim, temos que a organização é considerada terrorista por diversos países tais como, Estados Unidos, Israel, Canadá, alguns países da Europa e pelo Parlamento Europeu. Numerosas ações terroristas são atribuídas ao grupo, como os ataques contra a Embaixada dos Estados Unidos e o acampamento do Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA em Beirute (outubro de 1993); o ataque ao anexo da Embaixada americana em Beirute (setembro de 1984); os seqüestros de 17 estadunidenses e outros ocidentais (1984 a 1988) e do vôo 847 da TWA (1985); os atentados à Embaixada de Israel na Argentina (1992); e à Associação Mutual Israelita Argentina (1994); e ainda, mais recentemente, existem suspeitas de que o grupo esteja por trás da morte do ex-premiê libanês Rafik Hariri, em 2005, em um atentado que matou 23 pessoas, embora o grupo negue veementemente e acuse o Tribunal criado pela ONU de complô formado por Israel e os Estados Unidos.


5.Movimentos de libertação ou grupos terroristas

Deixando de lado considerações acerca da legitimidade, seja de Israel ou do povo palestino em possuir as terras em disputa, temos que as atitudes levadas a efeito por estas organizações repercutem sobre o ordenamento jurídico internacional, sendo passível de análise no plano da violação aos direitos humanos, assim como sobre questões mais complexas envolvendo a paz e a segurança internacional.

Em que pese ditas organizações serem formalmente constituídas no interior de seus respectivos territórios, inclusive integrando a estrutura administrativa do Estado, no caso do Hezbollah no Líbano, e do Hamas, no governo da Faixa de Gaza, e ainda, exercerem uma militância em prol do direito à autodeterminação de seus povos, temos que estes grupos estiveram por diversas vezes envolvidos em ataques armados contra civis inocentes em Israel e em outros países, causando inúmeras mortes, como, por exemplo, os diversos atentados utilizando-se de "homens-bomba" praticados pelo Hamas, como o que matou 16 pessoas e deixou 50 feridas num salão recreativo de Tel Aviv, em maio de 2002, ou o atentado em um ônibus que matou 19 pessoas e deixou outras 52 feridas em junho deste mesmo ano.

Da mesma forma, como ressaltado no item 4, o Hezbollah praticou inúmeros ataques armados contra pessoas civis, como, por exemplo, o lançamento de foguetes Katyusha contra áreas civis do norte de Israel, em 2006, ou os atentados à Embaixada de Israel na Argentina, em 1992 e à Associação Mutual Israelita Argentina, em 1994, em flagrante desrespeito aos Direitos Humanos, razão pela qual não é razoável aceitar que a prática de ataques armados contra civis por este grupos possam ser enquadradas como atos de beligerância praticados por movimentos de libertação nacional.

Cumpre destacar que a Assembléia-Geral das Nações Unidas, por meio da resolução 51/210 (medidas para eliminar o terrorismo internacional), de 1996, destinada a eliminar o terrorismo internacional, pretendeu defini-lo como um "ato criminoso praticado com a intenção de provocar um estado de terror no público em geral, um grupo de pessoas ou de pessoas específicas com objetivos políticos". [24]

A essa definição que, ademais, é tautológica, como grande parte das definições fornecidas pela doutrina e por convenções internacionais, já que conceituam terrorismo com base no vocábulo-raiz, terror – acrescentou que esses atos "não seriam, de forma alguma, justificáveis, quaisquer que sejam as considerações de natureza política, filosófica, ideológica, racial, étnica, religiosa ou de qualquer outra espécie, que pudessem ser invocados para justificá-los". [25]

Desse modo, nota-se que existe um consenso da comunidade internacional de que atos praticados com vistas a infligir terror nas pessoas não são justificáveis, razão pela qual os atentados praticados contra civis por estes grupos devem ser classificados como de terrorismo e todas as medidas de prevenção e combate ao terror devem ser levadas a efeito pela comunidade internacional contra os braços armados destes grupos, já que o exercício da militância por meios pacíficos é legítimo.

Cumpre ainda analisar que estas organizações são apoiadas por países estrangeiros, que financiam suas atividades, fornecendo capital, armas, munições, treinamentos, suporte logístico e operacional, dentre outras formas de assistência, como são os casos da Síria e do Irã.

Segundo o Council on Foreign Relations, em novembro de 2009 autoridades israelenses interceptaram um navio que transportava mais de três mil foguetes iranianos e morteiros que eles acreditavam se dirigir para o Hezbollah. Da mesma forma, os EUA e autoridades israelenses alegaram também que a Síria transferiu mísseis SCUD ao grupo, [26] além dos dados fornecidos por diversos serviços de inteligência acerca da assistência financeira anual repassada a estes grupos por estes dois países. [27] Em que pese a veracidade destas informações, já que temos sérias questões de política internacional por trás destes supostos acontecimentos, é fato notório que ambas organizações já praticaram diversos ataques se utilizando de foguetes e mísseis, muitos deles de fabricação russa que acredita-se foram fornecidos pelo Irã e pela Síria.

Nesse contexto, uma vez que estamos diante de organizações que praticam atos de violência armada contra civis de outros Estados, não combatentes, com o intuito de provocar terror, tendo como objetivo pressionar governos ou transmitir mensagens de cunho ideológico, religioso ou político, e ainda, que ditos grupos recebem apoio de outros Estados, não nos resta outra alternativa, senão tratar estes movimentos no âmbito do terrorismo internacional.

Segundo José Cretella Neto, o "terrorismo internacional é a atividade ilegal e intencional que consiste no emprego da violência física e/ou psicológica extrema e sistemática, generalizada ou não, desenvolvida por grupos ou por indivíduos, apoiados ou não por Estados, consistindo na prática de atos de destruição de propriedades e/ou de pessoas, ou de ameaçar constantemente usá-los, em uma seqüência imprevisível de ataques, dirigidos a grupos de indivíduos aleatoriamente escolhidos, perpetrados em territórios de Estados, cujos governos foram selecionados como inimigos da causa a que se dedicam os autores, causando indizível sensação de insegurança aos habitantes da sociedade contra a qual são feitas as ameaças ou cometidos os atentados". [28]

Conforme explica Cretella, sua conceituação envolve alguns elementos que caracterizam o terrorismo internacional. Estes elementos, quando confrontados com os atos praticados pelos braços armados de ambas organizações, se amoldam perfeitamente às suas atividades, vejamos:

1.Um componente político-estratégico ligado ao fenômeno, que se manifesta na escolha de sociedades e governos considerados como inimigos da causa", por questões ideológicas e/ou religiosas, visando a provocar transformações políticas que os terroristas alegam não ser possíveis por meio ordinários e lícitos

; No caso em questão, ambas organizações dirigem seus atos contra o Estado de Israel e os demais países estrangeiros considerados aliados do mesmo, do qual o maior exemplo é os EUA, tais adversários são considerados por ditas organizações como "inimigos do Islã".

2.A violência exacerbada dos métodos empregados, não apenas sob o aspecto físico, mas também no plano mental, psicológico, na forma de ameaças veiculadas na mídia, de modo a causar grande inquietação e insegurança na sociedade vítima dos ataques, que não seguem qualquer padrão cronológico previsível

; No caso em questão, temos que ambas organizações já praticaram diversos atentados utilizando-se de "homens-bomba" que atacam sem qualquer aviso, surpreendendo civis e aterrorizando a população.

3.A destruição, parcial ou total, de prédios – especialmente os que representam símbolos, como, por exemplo, o World Trade Center, ou de locais públicos onde há considerável afluxo diário de pessoas – como as estações de trem e metrô de Nova Iorque e Paris

; Cite-se como exemplo, os atentados suicidas contra o Corpo de Fuzileiros Navais dos Estados Unidos em Beirute, no ano de 1983, praticado pelo Hezbollah, matando mais de duzentos soldados;

4.Um elemento teleológico, que consiste na prática de um ato dirigido, direta ou indiretamente, contra um Estado, ainda que os bens destruídos ou as pessoas mortas sejam particulares

; Nesse particular, citam-se os atentados praticados pelo Hezbollah contra alvos judeus na argentina, como, por exemplo, a Embaixada de Israel em 1992, matando 29 pessoas, e os atentados à Associação Mutual Israelita Argentina, em 1994, que matou noventa e cinco pessoas.

5.Um elemento psicológico, já que as perdas materiais direta e efetivamente causadas – em número de vítimas ou de bens destruídos – são bem menores do que o dano espiritual, representado pelo estado de constante angústia e humilhação em que vivem as populações ameaçadas, sendo que as vítimas, em geral, não têm qualquer influência ou vínculo com os resultados políticos desejados pelos terroristas

; Cite-se como exemplo, o ataque suicida do Hamas a uma cafeteria da Universidade Hebraica de Jerusalém, em julho de 2002, que matou sete pessoas.

6.Um elemento de estraneidade, revelado pela diversidade de territórios onde os ataques são planejados e executados, as diferentes nacionalidades dos membros dos bandos terroristas e até mesmo a variada proveniência dos fundos necessários à execução dos atentados e à manutenção dos terroristas;

Citem-se como exemplo, os diversos atentados praticados contra cidades de Israel, assim, como no Líbano e na Argentina, envolvendo terroristas de diversas nacionalidades, como árabes e persas. Além disso, cumpre destacar a estraneidade no que tange aos fundos necessários à execução dos atentados, que conforme dito, são provenientes de países estrangeiros como a Síria e o Irã.

Cumpre destacar ainda, que alguns doutrinadores costumam classificar esta forma de terrorismo, financiado por Estados, como sendo o "Terrorismo de Estado", que na conceituação de Ali Khan, citado por José Cretella Neto, "é o uso ilegal da violência ou de repressão perpetrados ou patrocinados por um Estado contra todos ou alguns de seus nacionais, baseado em discriminação social, racial, religiosa ou cultural, ou contra os cidadãos de um território ocupado ou anexado por este Estado, ou contra os cidadãos de países vizinhos ou distantes". [29]

O autor segue explicando que de diversas formas pode manifestar-se o terrorismo de Estado:

1.O terrorismo é exercido pelo Estado;

2.O terrorismo é apoiado pelo Estado;

3.O terrorismo é tolerado pelo Estado;

4.O terrorismo se utiliza do Estado, sem que este consiga reagir (a exemplo do Hezbollah no Líbano, que possui um efetivo militar superior ao do próprio Estado).

Em qualquer caso, trata-se de comportamento de particular gravidade, pois inclui diversas violações de Direitos Fundamentais por parte do Estado ou com seu concurso (justamente a entidade encarregada, em primeiro plano, de sua defesa), assegurados por instrumentos de base do Direito Internacional, como a Declaração Universal dos Direitos do Homem e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos.

Embora o terrorismo não seja, em regra, associado a ações militares, a Convenção IV de Genebra, Relativa à Proteção das Pessoas Civis em Tempo de Guerra, dispõe, no artigo 33, que:

"Nenhuma pessoa protegida pode ser castigada por uma infração que não tenha cometido pessoalmente. As penas coletivas, assim como todas as medidas de intimidação ou de terrorismo, são proibidas. A pilhagem é proibida. As medidas de represália contra as pessoas protegidas e seus bens são proibidas".

Também os Artigos 27 e 34 da Convenção IV, o Artigo 51.2 do Protocolo Adicional I e o Artigo 13.2 do Protocolo Adicional II contêm proteções aos combatentes e aos civis, tanto em conflitos nacionais quanto em não-internacionais (vedações a atos de violência ou de intimidação, tomada de reféns, atos de violência ou ameaças, cujo objetivo seja infundir terror).

Assim, diante destas considerações e respaldados nos dados fáticos que envolvem estas organizações, temos que o envolvimento das mesmas em ataques armados perpetrados contra Estados e seus nacionais, sobretudo os diversos atentados contra civis, causando a morte de milhares de pessoas, constituem flagrante violação do Direito Internacional, não podendo ser enquadrados como atos de beligerância praticados por movimentos de libertação.


6.Conclusão

O presente artigo não tem a pretensão de deslegitimar a atuação das organizações não-estatais Hamas e Hezbollah, enquanto movimentos de resistência a uma ocupação estrangeira, mas tão-somente chamar a atenção para situações flagrantes de desrespeito aos Direitos Humanos e ao ordenamento jurídico internacional, situações estas que exigem uma resposta da comunidade internacional, que deve buscar formas de combater essa prática repugnante.

O terrorismo, como arma política e agressiva do Estado, ou de grupos organizados, como é o caso em questão, desenvolveu-se como uma tática furtiva e perniciosa, destinada a causar distúrbios sociais sofisticados, bem como o assassinato de pessoas inocentes e destruição de propriedade pública e privada. Os Estados que apóiam terroristas freqüentemente encaram o terrorismo como um meio eficaz para suprimir ameaças à sua autonomia nacional.

Tal não pode ser tolerado, exigindo-se da comunidade internacional que avance nas questões de conceituação e definição dos termos, aprimorando a legislação existente e construindo um arcabouço jurídico realmente eficaz.

Assim, temos que, em que pese as organizações em questão desenvolverem sua militância política, quando dirigem ataques armados contra um Estado, visando atingir civis e provocar o terror, assumem a condição de grupos terroristas, devendo, por esse motivo, serem repreendidas pela comunidade internacional, que não deve olvidar esforços para reprimir e punir ditos agressores, assim como os países que os apóiam, devendo o Direito Internacional aprimorar sua legislação como forma de realizar este ideal de forma plena e eficaz.


Bibliografia

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ZAVERUCHA, Jorge. Armadilha em Gaza: Fundamentalismo islâmico e guerra de propaganda contra Israel. São Paulo: Geração Editorial, 2010.


Notas

  1. ZAVERUCHA, Jorge. Armadilha em Gaza: Fundamentalismo islâmico e guerra de propaganda contra Israel. São Paulo: Geração Editorial, 2010, p. 21.
  2. NYE, Joseph S. Cooperação e Conflito nas Relações Internacionais. São Paulo: Editora Gente, 2009, p. 224.
  3. Idem, p. 225.
  4. BRANT, Leonardo Nemer Caldeira. Terrorismo e Direito: os impactos do terrorismo na comunidade internacional e no Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 75.
  5. Idem, p. 77.
  6. NYE, Joseph S. Cooperação e Conflito nas Relações Internacionais. São Paulo: Editora Gente, 2009, p. 226.
  7. Idem, p. 226
  8. BRANT, Leonardo Nemer Caldeira. Terrorismo e Direito: os impactos do terrorismo na comunidade internacional e no Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 78.
  9. Idem, p. 78.
  10. Idem, p. 226.
  11. Idem, p. 227.
  12. ZAVERUCHA, Jorge. Armadilha em Gaza: Fundamentalismo islâmico e guerra de propaganda contra Israel. São Paulo: Geração Editorial, 2010, p. 37.
  13. Palavra que significa insurreição ou revolta, em árabe e que é utilizada para designar o movimento de insurreição da população civil palestina contra a ocupação israelense
  14. http://www.cfr.org/publication/8968/hamas.html. Acessado em 12 de janeiro de 2011.
  15. http://www.cfr.org/publication/8968/hamas.html. Acessado em 12 de janeiro de 2011.
  16. Idem.
  17. http://www.cfr.org/publication/9155/hezbollah_aka_hizbollah_hizbullah.html. Acessado em 15 de janeiro de 2011.
  18. Revista Brasileira de Inteligência / Agência Brasileira de Inteligência. –Vol. 3, n. 4 (Set. 2007)-Brasília: Abin, 2005, p. 82.
  19. Idem, p. 99.
  20. http://www.cfr.org/publication/9155/hezbollah_aka_hizbollah_hizbullah.html
  21. Revista Brasileira de Inteligência / Agência Brasileira de Inteligência. –Vol. 3, n. 4 (Set. 2007)-Brasília: Abin, 2005, p. 82.
  22. http://www.cfr.org/publication/9155/hezbollah_aka_hizbollah_hizbullah.html. Acessado em 15 de janeiro de 2011.
  23. Revista Brasileira de Inteligência / Agência Brasileira de Inteligência. –Vol. 3, n. 4 (Set. 2007)-Brasília: Abin, 2005, p. 100.
  24. http://www.un.org/french/documents/view_doc.asp?symbol=A/RES/51/210&Lang=F. Acessado em 24 de janeiro de 2011.
  25. Idem.
  26. http://www.cfr.org/publication/9155/hezbollah_aka_hizbollah_hizbullah.html. Acessado em 15 de janeiro de 2011.
  27. Vide itens 3 e 4.
  28. NETO, José Cretella. Terrorismo Internacional: inimigo sem rosto – combatente sem pátria. – Campinas, SP: Millennium Editora, 2008, p. 36.
  29. Idem, p. 40.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RUGGIO, Rodrigo Alves Pinto; SIQUEIRA JÚNIOR, Luiz Márcio et al. Hamas e Hezbollah: uma análise sob a ótica do Direito Internacional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2784, 14 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18485. Acesso em: 26 abr. 2024.