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As ilegalidades das regras de competência do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia no julgamento dos prefeitos municipais

As ilegalidades das regras de competência do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia no julgamento dos prefeitos municipais

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Partindo da análise histórica da competência para julgamento de Chefes do Executivo Municipal, analisa-se o tratamento dos Tribunais sobre o tema, enfocando, em especial, o Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia.

RESUMO: O presente estudo, partindo da análise histórica da competência para julgamento de Chefes do Executivo Municipal, visa analisar o tratamento dado pelos Tribunais pátrios acerca do tema, enfocando, em especial, as regras contidas no Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, haja vista as flagrantes ilegalidades por parte das mesmas.

Palavras-chave: inconstitucionalidade, julgamento, ação penal originária, prefeito.

ABSTRACT: This present essay, based on the historical analysis of the competence for trial of the Municipal Executive Chief, intends to scrutinize the treatment given by the patriotic courts about the theme, focusing, especially, in rules contained in the Internal Regiment of the Court of Justice of the State of Bahia, considering the flagrant violations of the constitutional text by themselves.

Keywords: unconstitutionality, judgement, original prosecution, mayor.

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO; 1 COMPETÊNCIA; 2 COMPETÊNCIA NO PROCESSO PENAL; 2.1 EM RAZÃO DO LOCAL DO CRIME; 2.2 EM RAZÃO DO DOMICÍLIO OU RESIDÊNCIA DO RÉU; 2.3 EM RAZÃO DA NATUREZA DA INFRAÇÃO; 2.4 EM RAZÃO DE DISTRIBUIÇÃO; 2.5 EM RAZÃO DA CONEXÃO OU CONTINÊNCIA; 2.6 EM RAZÃO DA PREVENÇÃO 2.7 EM RAZÃO DA FUNÇÃO; 3 A COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA FUNÇÃO NOS TRIBUNAIS SUPERIORES; 3.1 AS REGRAS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL; 3.2 AS REGRAS DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA; 4 AS REGRAS DE COMPETÊNCIA NOS TRIBUNAIS DE SEGUNDO GRAU; 4.1 HISTÓRICO DA ATRIBUIÇÃO DE COMPETÊNCIA PARA PROCESSAR E JULGAR OS PREFEITOS MUNICIPAIS NO ESTADO DA BAHIA; 4.2 A ATUAL COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO DAS AÇÕES PENAIS ORIGINÁRIAS NO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA; 5 AS ILEGALIDADES DAS REGRAS REGIMENTAIS; 5.1 VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA IGUALDADE OU ISONOMIA; 5.2 VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE; CONSIDERAÇÕES FINAIS; REFERÊNCIAS.


INTRODUÇÃO

O presente estudo, partindo de premissas normativas e doutrinárias, em confronto com as regras de competência dos Tribunais pátrios, visa retratar as violações cometidas pelo Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJ-BA) ao dispor, em seu Regimento Interno, regras de competência para processar e julgar os Prefeitos Municipais.

Após freqüentes mudanças na legislação estadual, sendo estas acompanhadas pelo Tribunal de Justiça, quando da elaboração do seu Regimento Interno, decidiu-se, por fim, ditar regras de excepcionalidade nos julgamento dos Chefes dos Executivos Municipais, violando garantias e direitos fundamentais previstos na Carta Magna de 1988, sendo a discussão de tais transgressões o cerne da problematização deste trabalho.

Basicamente, as regras consistem em tratamento diferenciado dado aos membros do Executivo Municipal, único cargo julgado por uma das Câmaras Criminais do TJ-BA, sendo, o julgamento dos demais – tais como Secretários de Estado, o Vice-Governador, etc. – de competência da composição máxima da Corte, o Tribunal Pleno.

Afinal, não resta dúvida, que a aplicação de tal sistema viola o princípio da igualdade, pois conferir competência ao Tribunal Pleno para julgar todas as funções que possuem foro por prerrogativa de função perante o TJ-BA, em detrimento exclusivo dos Prefeitos Municipais, que deverão ser julgados por uma das Câmaras Criminais, contraria princípios basilares da Constituição Federal (CF/88).

O trabalho a seguir apresentado visa ainda trazer à tona a antinomia existente entre o Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (RITJBA) e a Lei Estadual nº. 10.845/2007 (Lei de Organização Judiciária do Estado da Bahia) nos critérios de atribuição de competência para processo e julgamento dos Prefeitos Municipais, levantando as eventuais hipóteses de resolução do conflito entre as normas.

Será também identificada a flagrante discrepância entre o papel social idealizado pelo legislador brasileiro ao dispor acerca das regras de competência no foro por prerrogativa de função e as diretrizes edificadas pelo TJ-BA nas definições de tais regras no âmbito de sua competência.

O presente trabalho não tem o intuito de esgotar as discussões acerca das ilegalidades existentes nas regras de competência do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia no tocante ao julgamento dos Prefeitos Municipais, mas, sim, oportunizar aos operadores do Direito, em especial advogados militantes na área, e também aos próprios alcaides, reflexões acerca da atual conjuntura jurídica de tais regras.


1 COMPETÊNCIA

Para Oliveira (2008, p.58), "a competência seria parcela em que estaria subdividida a jurisdição, sendo aquela derivada do próprio texto constitucional, reunida sob a proteção da cláusula constante no art. 5º, LIII, da Constituição Federal (CF)".

De maneira objetiva, mais acertada parece ser a definição adotada por Mirabete (2006, p. 156) ao afirmar que "a competência é, assim, a medida e o limite da jurisdição, é a delimitação do poder jurisdicional".

Diante da unicidade do direito, cumpre ainda destacar as sábias palavras de Theodoro Júnior (2008, p. 186) ao afirmar que "a competência interna divide a função jurisdicional entre os vários órgãos da Justiça Nacional, levando em conta os seguintes pontos fundamentais de nossa estrutura judiciária."

O fato é que seria humanamente impossível que um só juiz, ou um só órgão do Poder Judiciário, fosse responsável pelo julgamento de todas as lides, razão pela qual, a distribuição de competência é inerente à atividade jurisdicional, seja pela materialização da razoável duração do processo, seja pela eficácia na prestação jurisdicional.

Diante das respectivas colocações, é possível concluir que a competência, seria, portanto, o limite instituído pela lei à jurisdição de determinado magistrado ou qualquer outro órgão do Poder Judiciário com o intuito de tanto proteger o processado, garantindo-lhe o direito de ser julgado por autoridade competente, previsto no art. 5º, LIII da Constituição Federal, quanto operacionalizar de maneira coerente o julgamento dos litígios em todo o território nacional.


2 COMPETÊNCIA NO PROCESSO PENAL

O legislador brasileiro, visando a proteção ao princípio do juiz natural, que confere ao cidadão o direito de ser processado por autoridade competente, optou pela adoção de rol exaustivo acerca dos critérios utilizados para a atribuição de competência no âmbito do processo criminal.

As regras de determinação de competência estão dispostas nos incisos do art. 69 ao art. 91 do Código de Processo Penal (CPP), passando, cada uma delas, a serem tratadas detalhadamente em tópicos posteriores.

2.1 EM RAZÃO DO LOCAL DO CRIME

Também denominada rationae loci [01], leia-se, em razão do lugar, esta regra de competência é o foro comum no Processo Penal, ou seja, aquele adotado como regra, em contrapartida com o processo civil, onde o foro comum é o do domicilio do réu, encontrando escopo no disposto pelo inciso I do art. 69 do CPP; todavia, em que pese a objetividade que lhe é inerente, merece algumas considerações.

Visando suprimir ainda mais o posicionamento jurisprudencial acerca do tema, o legislador, atento aos anseios da sociedade, prevê, no bojo dos parágrafos incisos do art. 70 do CPP, casos especiais, estabelecendo regras para a fixação da competência.

Nos casos de crime tentado, a competência será fixada pelo local onde se deu o último ato de execução, por força do art. 70 do CPP.

As hipóteses em que ocorrerem crimes iniciados em território nacional e consumados fora dele serão julgados na Comarca onde se praticou o último ato de execução (§1º do art. 70), ou, ainda, quando este último ato for praticado também fora do território nacional, será competente o juiz do local onde o crime tenha produzido ou deveria ter produzido seu resultado, consoante leciona o §2º do mesmo dispositivo.

Quando tratar-se de jurisdição incerta, ou a infração tenha sido consumada ou tentada em divisas de duas ou mais jurisdições, a competência será fixada por prevenção, haja vista, neste caso, a ocorrência do instituto jurídico da competência concorrente, sendo qualquer um dos foros competentes, de início. É o que se depreende do disposto pelo §3º do mencionado enunciado normativo.

Por fim, nas infrações de caráter continuado ou permanente, praticadas em dois ou mais territórios ou jurisdições, adotar-se-á a regra da prevenção, ou seja, será competente o Juízo que praticar o primeiro ato decisório (art. 71).

2.2 EM RAZÃO DO DOMICÍLIO OU RESIDÊNCIA DO RÉU

Como já dito, diferentemente da legislação processual civil, a fixação de competência tendo como fator determinante o domicílio ou residência do réu não é a regra geral do processo penal, todavia, não foi absolutamente descartada pela legislação pátria.

Prevalecerá a aludida regra quando for desconhecido o local da infração pelas autoridades competentes. Nos casos em que o réu possuir mais de uma residência, mais uma vez, a prevenção será o critério utilizado para definir a competência a ser atribuída entre um destes Juízos.

Caso desconhecido o local da residência do réu, ou não conhecido o seu paradeiro, será competente o juízo que primeiro tomar conhecimento do fato. Insta salientar que, neste caso, o legislador não utilizou a expressão "prevenção", o que nos leva a concluir que o ato processual não precisa ser necessariamente praticado pela autoridade judiciária, bastando que a mesma tenha conhecimento da ocorrência do fato.

Em hipótese final, o caput do art. 73 do CPP, nos casos de ação penal privada, facultou ao querelante a propositura da mesma no local do domicílio do réu, ainda que conhecido o local da infração.

Na ausência de disposição legal do legislador penal, utilizam-se como conceito de domicílio as disposições previstas nos arts. 70 a 78 do Código Civil de 2002.

2.3 EM RAZÃO DA NATUREZA DA INFRAÇÃO

As regras de competência tendo como critério a natureza da infração praticada encontram-se dispostas no art. 74 do CPP.

Via de regra, as atribuições de competência pela natureza do delito praticado encontram-se elencadas na Lei de Organização Judiciária de cada Estado-membro, visto que, o legislador constitucional atribuiu a cada um deles a organização do Poder Judiciário no âmbito da Justiça Comum Estadual.

Com efeito, poderiam os Estados criar diversos órgãos judiciários com competência a ser designada pela Lei de Organização Judiciária vigente, como, por exemplo: Varas de Infância de Juventude, Varas de Tóxicos, Vara de Repressão de Crimes Contra a Mulher, etc.

Entretanto, o Código de Processo Penal, mais precisamente o §1º do art. 74, optou por tutelar expressamente a competência do Tribunal do Júri, não deixando a cargo do legislador estadual as disposições acerca da mencionada instituição, na esteira do disposto pelo inciso XXXVIII do art. 5º da CF/88.

Já no §2º, o dispositivo impõe que, caso no curso do processo haja desclassificação da infração praticada que enseje competência de outro juiz, deverá o feito ser imediatamente remetido ao juiz competente.

O último dos parágrafos trata da hipótese da ocorrência da desclassificação, por parte do juiz da pronúncia, da infração, para outra de competência do juiz singular. Neste caso, ocorrerá o disposto pelo art. 410 do CPP [02], devendo o magistrado passar à fase de instrução processual. Todavia, ocorrendo a desclassificação em plenário do Tribunal do Júri, caberá ao próprio magistrado presidente a prolação da sentença.

2.4 EM RAZÃO DE DISTRIBUIÇÃO

A fixação da competência por distribuição não apresenta qualquer complexidade. Pelo termo distribuição, entende-se que a demanda judicial, seja ela ação ou simples petição dirigida ao órgão do Poder Judiciário, será protocolizada perante o setor responsável e, posteriormente, distribuída entre os juízes competentes.

Ao que parece, a adoção de tal critério somente se justifica nas comarcas onde exista mais de um juiz competente para processar e julgar o feito, pois, nas comarcas onde houver apenas um juiz ou Vara, o correto seria afirmar que a ação será simplesmente protocolizada, haja vista que não existirá qualquer sorteio posterior para atribuição de competência.

Nesse contexto, utilizando a nomenclatura adequada, o legislador processual penal dispõe que a distribuição também é critério para fixação da competência. É o que se depreende da leitura do art. 75 do CPP:

Art. 75.  A precedência da distribuição fixará a competência quando, na mesma circunscrição judiciária, houver mais de um juiz igualmente competente.

Parágrafo único.  A distribuição realizada para o efeito da concessão de fiança ou da decretação de prisão preventiva ou de qualquer diligência anterior à denúncia ou queixa prevenirá a da ação penal.

Pela interpretação da norma, constata-se que, por questões lógicas, a distribuição somente fixará competência nos casos onde houver mais de um magistrado competente, visto que, nas Comarcas que possuam vara com jurisdição plena, por exemplo, a distribuição resta absolutamente prejudicada, devendo o feito ser remetido, de logo, à autoridade judicial.

O parágrafo único, por sua vez, confere competência ao magistrado que atue em qualquer diligência – tais como pedido de liberdade provisória com ou sem fiança, prisão preventiva, medidas assecuratórias e etc. –, mesmo que em fase de inquérito policial, para processar e julgar o feito quando terminada a conclusão do inquérito, estando, portanto, já prevento o juízo.

Insta salientar que esta regra de competência deverá e, por vezes, é utilizada em harmonia com as demais regras de atribuição de competência. Por exemplo, caso ocorra crime na cidade de Salvador, haja vista que nesta Comarca existem diversas varas criminais, deverá ocorrer a distribuição da ação penal para fixar a competência e determinar a Juízo responsável para processar e julgar o processo criminal.

Portanto, no caso em exemplo, caminham em convergência os critérios da atribuição de competência por local da infração e por distribuição. Nos casos de competência em razão da função, esta determinará somente o órgão colegiado, sendo a distribuição o critério utilizado para escolha do Ministro ou Desembargador competente para figurar como relator do feito.

2.5 EM RAZÃO DA CONEXÃO OU CONTINÊNCIA

Embora parte da doutrina não considere os arts. 76 e 77 como critérios de fixação de competência, inegável é o fato de que as hipóteses descritas nos mesmos merecem abordagem no presente estudo.

Em verdade, a conexão e a continência visam a atrair para um determinado juízo crimes ou infratores da norma penal que poderiam, facultativamente, ser julgados por órgãos diversos do Poder Judiciário.

A utilização de tal critério pelo legislador ocorre em prol da celeridade processual, bem como com o intuito de evitar decisões conflitantes e facilitar a produção de prova em busca da reconstrução da verdade real.

Assim, segundo o art. 76 do CPP, a competência será determinada pela conexão: a) se, ocorrendo duas ou mais infrações, houverem sido praticadas, ao mesmo tempo, por várias pessoas reunidas, ou por várias pessoas em concurso, embora diverso o tempo e o lugar, ou por várias pessoas, umas contra as outras; b) se, no mesmo caso, houverem sido umas praticadas para facilitar ou ocultar as outras, ou para conseguir impunidade ou vantagem em relação a qualquer delas; c) - quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influir na prova de outra infração.

Por sua vez, o art. 77 prevê as hipóteses em que a competência será determinada pela continência, ou seja, quando "duas ou mais pessoas forem acusadas pela mesma infração" ou "no caso de infração cometida nas condições previstas nos arts. 51, § 1º, 53, segunda parte, e 54 do Código Penal".

Entretanto, há que se ressaltar que a união dos processos nem sempre será possível, estabelecendo o próprio legislador hipóteses de impossibilidade da unicidade de processo e julgamento, estas elencadas nos incisos do art. 79 do CPP.

Em verdade, tais critérios, em regra, sucumbem perante o foro por prerrogativa de função, haja vista as disposições constitucionais acerca da matéria; todavia, algumas considerações relevantes devem ser tecidas acerca do tema.

No tocante aos referidos critérios de fixação de competência, em análise sistemática com o foro por prerrogativa de função, objeto do presente estudo, insta salientar a possibilidade de separação de processos para os que possuem foro por prerrogativa de função e os que não o possuem.

Muito embora haja divergência doutrinária acerca da impossibilidade de separação processual, adota-se a tese explicitada de que a atração do processo ao foro por prerrogativa de função de um dos acusados, mesmo que o outro não o possua, não gera ofensa às normas constitucionais, conforme orientação explicitada na Súmula 704 do Supremo Tribunal Federal (STF) [03].

Em caso de concorrência entre órgãos de hierarquia distinta, prevalecerá a de maior hierarquia. A título de exemplo, na hipótese de Prefeito Municipal praticar crime em concurso com cidadão comum, ambos serão julgados pelo Tribunal de Justiça, órgão competente para julgar o Prefeito, que também prevalecerá para julgar o cidadão comum. Neste caso, a continência implica reunião de julgamento. Ademais, na hipótese em tela, caso os processos se iniciem separados, por força do art. 82 do CPP, deverá o Tribunal de Justiça avocar para si a competência para julgar o cidadão comum, salvo se o juízo singular já tiver proferido sentença definitiva.

Em que pese o órgão judiciário de maior hierarquia ser prevalente no julgamento de processos que envolvam um cidadão que possua foro por prerrogativa de função e um que não a detenha, tal entendimento não deverá prosperar nos casos em que ambos os processos possuam foro por prerrogativa de função, sob pena de ferir os preceitos esculpidos na Carta Maior. Acerca da hipótese, Távora e Antonni (2009, p. 217) entendem que

se ambos os infratores possuem foro privilegiado previsto na Constituição Federal, impõe-se a separação de processos, pois a aplicação das regras de foro prevalente, em razão da conexão ou continência, desaguaria na violação da própria Carta Magna.

Assim, na hipótese de um Governador praticar um crime em concurso com um Deputado Federal, caberá ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) o julgamento do Governador, sendo, por sua vez, competente o Supremo Tribunal Federal para processar e julgar o Deputado Federal.

A separação deverá também ocorrer nos casos de competência do Tribunal do Júri, pois o art. 5º, inciso XXXVIII, da CF/88, consagra às demais pessoas tal instituição como juiz natural para processar e julgar crimes dolosos contra a vida. Tal entendimento também já é pacificado no âmbito da Súmula 721 do STF: "A competência constitucional do tribunal do júri prevalece sobre o foro por prerrogativa de função estabelecido exclusivamente pela constituição estadual."

2.6 EM RAZÃO DA PREVENÇÃO

Em que pese a competência por prevenção ser elencada pelo legislador no rol expresso do Código de Processo Penal, em verdade, esta somente possui caráter suplementar. O art. 83, do CPP, impõe que se torna prevento o juiz quando, concorrendo dois ou mais juízes competentes, um deles tiver antecedido aos outros na prática de algum ato decisório no processo ou medida a este relativa, ainda que anterior ao oferecimento da denúncia.

Acerca da referida espécie de fixação de competência, apenas deve-se registrar que esta somente ocorrerá nas Comarcas onde houver mais de um juiz competente para julgar o feito, podendo ainda ser aplicada em órgãos colegiados, ocorrendo, neste caso, a competência concorrente, passando a ser competente aquele que primeiro praticar qualquer manifestação, ainda que esta ocorra na fase de inquérito policial.

Ademais, por razões metodológicas, entendeu por bem o legislador explicitar as hipóteses em que a prevenção determinará a competência do órgão judiciário, assim fazendo nos arts. 70, § 3º, 71, 72, § 2º, e 78, II, c, aos quais nos remete o art. 83 que dispõe acerca da aplicação de tal instituto jurídico.

2.7 EM RAZÃO DA FUNÇÃO

No Código de Processo Penal, as disposições acerca do foro por prerrogativa de função estão elencadas nos arts. 84 a 87; todavia, algumas delas não foram recepcionadas pela CF/88. É o caso, por exemplo, do art. 87 que conferia aos Tribunais de Apelação o julgamento dos Governadores, e, entretanto, estes, a partir da vigência da atual Constituição Federal, são julgados pelo STJ, por força do dispositivo constante do art. 105, I, "a" da CF/88.

Neste critério de atribuição de competência, optou o legislador brasileiro por suprimir os demais critérios de fixação, fazendo com que a função pública exercida pelo cidadão processado seja caráter determinante para fixação da competência, afastando os demais critérios.

Isso significa dizer que, por exemplo, se um Juiz de Direito no Estado da Bahia comete crime no Estado de Sergipe, o mesmo não será julgado pelo tribunal sergipano, e sim pelo Tribunal de Justiça ao qual está subordinado, ou seja, o Tribunal de Justiça do Estado da Bahia. Desta forma, resta descartada a competência em razão do lugar.

Há ainda a hipótese de usurpação da competência em razão da matéria. Em tese, os crimes eleitorais deveriam ser julgados pela Justiça Eleitoral, haja vista o grau de especialidade ostentado pela mesma. Todavia, ao dispor acerca do foro por prerrogativa de função do Presidente da República, o legislador constitucional atribuiu competência ao Supremo Tribunal Federal para processar o Chefe do Executivo em qualquer crime, até mesmo nos militares e eleitorais.

Outra não é a intenção do legislador senão atentar-se ao gravame político-social que implicarão e repercutirão as aludidas decisões judiciais que tenham eficácia perante os ocupantes das funções tuteladas.

Este é também o entendimento doutrinário, bem explicitado nas palavras de Feitoza (2009, p. 318) ao afirmar que

A competência especial pela prerrogativa de função significa que as pessoas que estejam no exercício de determinados cargos públicos serão processadas e julgadas diretamente nos tribunais especificados (2º grau). [...] É competência rationae personae [04], determinada pela função da pessoa e dignidade do cargo respectivo. Não se trata, assim, de privilegio pessoal, pois a Constituição Federal proíbe foro privilegiado, juízes ou tribunais de exceção.

Assim sendo, severas são as críticas doutrinárias quanto ao uso da expressão "foro privilegiado", uma vez que a real intenção do legislador não é criá-lo, até porque há expressa vedação por parte do texto constitucional, mas tutelar o interesse público, aqui presente pelo processamento de cidadãos ocupantes de relevantes cargos públicos.

Assim, para o referido autor (FEITOZA, 2009, p. 318), portanto, inadequada seria a utilização da expressão "foro privilegiado", ao doutrinar que

Podemos denominar a competência especial pela prerrogativa de função de maneira mais sintética como competência hierárquico-funcional. O tribunal que tem a competência por prerrogativa de função é denominado juízo especial, no sentido de ser o órgão jurisdicional especifico para exercer tal competência. Contudo, utiliza-se muito mais a expressão correlata foro especial por prerrogativa de função, bem como, em menos medida foro privilegiado, que é mais inadequada ainda.

Todavia, nem sempre foi este o posicionamento adotado pelo STF, haja vista o enunciado constante na já cancelada Súmula 394 [05] desta Corte, que mantinha o foro por prerrogativa de função, ainda que o inquérito ou ação penal tivesse se iniciado após o fim do exercício da função, desde que o crime tivesse sido cometido durante o exercício do cargo.

No ano de 1999, ao proceder ao julgamento do ex-Deputado Federal Jarbas Pinto Rabelo, a Corte Suprema decidiu por não admitir o foro especial aos ex-ocupantes de cargos e ou funções públicas, determinando, a partir de então, o cancelamento da Súmula 394.

A partir de então, o foro em razão da função busca beneficiar o cargo ocupado, e não a pessoa que o ocupa, pois, se assim o fosse, estaria o legislador indo de encontro ao próprio princípio da impessoalidade (art. 37, caput, da CF/88), também norteador da Administração Pública. Neste sentido, assim já decidiu o STF:

EMENTA: COMPETÊNCIA – AÇÃO PENAL – EX-PREFEITO – PRERROGATIVA DE FORO.

A prerrogativa de foro, prevista em norma a encerrar direito estrito, visa a beneficiar não a pessoa, mas o cargo ocupado. Cessado o exercício, tem-se o envolvimento, no caso, de cidadão que se submete às normas gerais. (HC nº 88537/GO- GOIÁS. Relator (a): Min. MARCO AURÉLIO. Julgamento: 25/09/2007. Órgão Julgador: Primeira Turma. Publicação: DJE 15/02/2008)

Desta forma, o privilégio não é dispensado à pessoa do infrator da norma penal, mas em razão do exercício da função pública relevante. Tal premissa encontra-se pacificada na jurisprudência pátria, sendo, inclusive, matéria tratada pela Súmula 451 [06] do STF, atualmente em vigor.


3 A COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA FUNÇÃO NOS TRIBUNAIS SUPERIORES

Muito embora as demais regras de competência estejam explicitadas no Código de Processo Penal, o legislador constituinte entendeu por bem dispor expressamente no texto constitucional sobre as hipóteses de competência do STF e STJ no julgamento das ações penais originárias nos respectivos tribunais.

Assim sendo, em análise minuciosa da competência dos aludidos tribunais, faz-se mister dedicar tópico especial ao estudo das mencionadas ações penais originárias tendo como base não somente as diretrizes constitucionais, mas também as regras de regência interna de cada colegiado.

3.1 AS REGRAS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

O Supremo Tribunal Federal, órgão máximo na hierarquia da pirâmide jurisdicional brasileira, é composto por onze Ministros escolhidos pelo Presidente da República, a partir da lista tríplice enviada ao Executivo, mediante prévia aprovação pela maioria absoluta do Senado Federal, respeitado o quinto constitucional.

Ao Pretório Excelso, sem deixar de lado o seu caráter de "guardião" da Constituição, também são atribuídas competências em razão da função, cabendo à Corte Suprema o julgamento, pelas infrações penais comuns, dos ocupantes das funções elencadas pela alínea "b", e, nas infrações penais comuns e de responsabilidade, os investidos nos cargos elencados pela "c", ambas do inciso I do art. 102 da CF/88.

É de mencionar, ainda, a extensão do foro no STF também para julgamento do Advogado-Geral da União, do Chefe da Casa Civil, da Controladoria-Geral da União e do Presidente do Banco Central e outros cargos de secretaria, em virtude das respectivas funções terem sido elevadas ao patamar de Ministros de Estado, em razão da Medida Provisória nº. 2.216, transformada na Lei Federal nº. 10.683/2003, consoante disposto pelo parágrafo único do art. 25, posteriormente alterado pela Lei Federal nº. 11.958/2009.

Assim sendo, visando o trâmite regular das respectivas ações, as seguintes normas foram editadas no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (RISTF):

Art. 5º Compete ao Plenário processar e julgar originariamente:

I – nos crimes comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os Deputados e Senadores, os Ministros de Estado, os seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República;

II – nos crimes comuns e de responsabilidade, os Ministros de Estado, salvo o disposto no inciso I do art. 42 da Constituição; os membros dos Tribunais Superiores da União, dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, os Ministros do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente;

Art. 234. Apresentada, ou não, a resposta, o Relator pedirá dia para que o Plenário delibere sobre o recebimento ou rejeição da denúncia ou da queixa.

Diante da interpretação conjunta das aludidas normas, é possível concluir que o RISTF determinou expressamente o órgão competente para proferir a decisão acerca do recebimento ou rejeição da denúncia ou queixa apresentada perante a Corte Suprema, independente do cargo ocupado pelo acusado, sendo tais atos de competência exclusiva do Plenário.

Em verdade, partindo-se à interpretação teleológica da norma, conclui-se que a real intenção da Corte, seguindo o disposto pela Lei Maior, seria captar a atenção de todos os membros para que estes se debruçassem de maneira minuciosa e delicada perante cada caso concreto, em defesa do interesse público, haja vista os cargos indicados especialmente pelas normas constitucionais que impõem a competência originária desta Corte para o julgamento de ações penais, bem como a repercussão jurídica e social dos respectivos julgamentos.

Outrossim, a aludida norma espelha ainda de maneira exemplar o princípio da igualdade ao dispor que, independentemente do cargo ocupado, os processados que possuem foro em razão da função no STF, serão julgados pelo mesmo órgão, qual seja, o Plenário.

Por outro lado, há que se ressaltar que, diante da opção pelo órgão Plenário, visto que o julgamento não seria realizado por uma das duas Turmas, resta ceifada a possibilidade de recurso ou até mesmo impetração de Mandado de Segurança, pois, por razões óbvias, não caberia pretensão recursal ao próprio órgão prolator da decisão, mormente diante do fato deste órgão situar-se no topo da pirâmide jurisdicional do país, exceto os Embargos de Declaração.

3.2 AS REGRAS DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Ao STJ caberá processar e julgar, originariamente, nos crimes comuns, os ocupantes dos cargos de Governadores de Estado e do Distrito Federal, e, nestes e nos crimes de responsabilidade, os desembargadores dos Tribunais de Justiça Estaduais e do Distrito Federal, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais, conforme impõe o art. 105, I, "a" da Constituição Federal.

Isto posto, de acordo com o Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça (RISTJ), caberá exclusivamente à Corte Especial a deliberação acerca do recebimento ou rejeição da denúncia ou queixa em casos de ações penais originárias, sendo também tal órgão responsável pela instrução processual e avanço à fase decisória. Vejamos:

Art. 222. A seguir, o relator pedirá dia para que a Corte Especial delibere sobre o recebimento ou a rejeição da denúncia ou da queixa, ou sobre a improcedência da acusação, se a decisão não depender de outras provas.

Como visto, a norma possui clareza solar, não deixando margem a qualquer outra interpretação, haja vista que a indicação da competência para processar e julgar os aludidos feitos é do respectivo órgão fracionário do STJ.

Ademais, cumpre destacar que a referida Corte Especial, mencionada pela norma regimental supratranscrita, deverá ser composta pelos quinze Ministros mais antigos da Corte, consoante disposto pelo §2º do art. 2º da regência interna, in verbis:

Art. 2º O Tribunal funciona:

§2º A Corte Especial será integrada pelos quinze Ministros mais antigos e presidida pelo Presidente do Tribunal.

Assim, não seria leviano concluir que, logo no momento do sorteio realizado para distribuição da ação, estariam excluídos os outros dezoito Ministros que compõem a Corte, devendo a mesma ser distribuída a um dos quinze mais antigos membros que, após oportunizar o oferecimento de defesa prévia, levará o processo à apreciação dos seus pares para deliberação acerca do recebimento ou rejeição da queixa ou denúncia.

Ao que parece, assim como ocorre no STF, o RISTJ também considera a importância dos casos postos à análise da Corte, determinando que a competência para o julgamento de tais demandas caberá aos Ministros mais antigos, diante da repercussão política no país, além do considerável conhecimento jurídico ostentado por parte destes julgadores, notadamente diante do tempo de carreira jurídica e experiência adquirida na magistratura.


4 AS REGRAS DE COMPETÊNCIA NOS TRIBUNAIS DE SEGUNDO GRAU

Em que pese o legislador constituinte não ter dedicado artigos específicos às competências dos Tribunais de Justiça, como fez nos casos do STF e STJ, algumas competências foram diretamente atribuídas ao Judiciário Estadual por parte da Carta Magna.

Além da organização interna, aos Tribunais de Justiça, o legislador constituinte também impôs regras para o foro por prerrogativa de função, atribuindo às Cortes Estaduais competência para julgamento dos juízes estaduais e do Distrito Federal e Territórios, bem como os membros do Ministério Público Estadual, nos crimes comuns e de responsabilidade, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral (art. 96, III) e os Prefeitos Municipais (art. 29, X).

Assim sendo, muito embora os Estados-membros já possuíssem legislações que versassem acerca da organização judiciária estadual, a Constituição Federal de 1988 trouxe inovações à matéria, sendo imprescindível a adaptação da legislação estadual aos novos imperativos constitucionais.

Por razões didáticas, em especial pelo foco deste trabalho dedicar-se às regras de competência no Estado da Bahia, é imprescindível tecer considerações históricas acerca do tratamento dispensado pela legislação estadual baiana aos Prefeitos Municipais quando do julgamento perante o Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, ainda que tais considerações sejam prévias à vigência da atual Constituição Federal.

4.1 HISTÓRICO DA ATRIBUIÇÃO DE COMPETÊNCIA PARA PROCESSAR E JULGAR OS PREFEITOS MUNICIPAIS NO ESTADO DA BAHIA

Ainda sob o manto da ditadura militar, quando vigorava a Constituição Federal de 1967, inexistia qualquer dispositivo constitucional que determinasse a competência para processar e julgar os Prefeitos Municipais.

Eis que, o Estado da Bahia, então governado por Antônio Carlos Magalhães, visando ditar regras acerca do Poder Judiciário Estadual, promulgou a Lei Estadual nº. 3.731, de 22 de Novembro de 1979, dispondo normas gerais de organização judiciária no Estado.

O referido diploma legal não tratava acerca da competência para processar e julgar os Prefeitos Municipais. Desta forma, face à lacuna legislativa, estes eram julgados pelos Juízes de Direito, sendo os seus casos levados à vala comum do Poder Judiciário, inexistindo, portanto, qualquer foro por prerrogativa de função dispensado aos alcaides, com destaque ao Governador do Estado, que, por força do inciso XXV do art. 29 do respectivo diploma legal, estaria submetido à jurisdição do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJ-BA).

Em 14.03.1980 ocorre a publicação do Regimento Interno do Tribunal de Justiça, onde a Corte simplesmente optou por recriar os mandamentos contidos na legislação estadual, não dispondo acerca do julgamento dos Prefeitos; entretanto, fazendo permanecer o Governador do Estado como detentor de foro por prerrogativa de função perante o TJ-BA.

Com o fim da ditadura militar e a promulgação da Constituição Federal de 1988, a legislação pátria passava a dispor, expressamente, mais precisamente no inciso X do art. 29, que a competência para processar e julgar os Prefeitos Municipais seria, enfim, dos Tribunais, transferindo ainda para o Superior Tribunal de Justiça a competência para processar e julgar os Governadores de Estado, antes julgados pelos Tribunais Estaduais.

Muito embora o legislador constitucional não tenha promulgado artigo específico dispondo sobre a competência dos Tribunais Estaduais, como fez nos casos do STF e STJ, impôs aos mesmos a competência para processar e julgar os Prefeitos.

É o que se depreende da leitura do inciso X do art. 29 da Carta Magna:

Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos:

X - julgamento do Prefeito perante o Tribunal de Justiça;

Desta forma, ainda que considerado o livre arbítrio dado pelo art. 125 da CF/88 às Constituições Estaduais, o poder constituinte derivado decorrente, em que foram investidos os Estados-membros para elaborarem suas próprias Constituições [07], deveriam obedecer ao disposto pelo art. 29, X do texto constitucional, onde há determinação expressa acerca do foro por prerrogativa de função conferido aos Prefeitos Municipais.

A Constituição do Estado da Bahia, em total consonância com a Constituição Federal, ao tratar da competência do Poder Judiciário Estadual, confere competência ao Tribunal de Justiça para processar e julgar ações penais originárias propostas em face dos alcaides, vejamos:

Art. 123 - Compete ao Tribunal de Justiça, além das atribuições previstas nesta Constituição:

I - processar e julgar, originariamente:

a) nos crimes comuns, o Vice-Governador, Secretários de Estado, Deputados Estaduais, membros do Conselho da Justiça Militar, Auditor Militar, inclusive os inativos, Procurador Geral do Estado, Juízes de Direito, membros do Ministério Público, membros da Defensoria Pública e Prefeitos;

Isto posto, os Prefeitos Municipais eram julgados pela composição plenária do Tribunal de Justiça, situação que perdurou até o ano de 1996, quando, no âmbito estadual, promulgou-se a Lei nº. 6.982/96, acrescentando à estrutura do Tribunal de Justiça órgão específico para julgamento de Prefeitos Municipais nos crimes comuns e de responsabilidade, dentre outras competências, sendo este denominado simplesmente de Câmara.

Seguindo o disposto pela Constituição Federal, a referida lei estadual também ampliou a competência atribuída ao TJ-BA, sendo o mesmo, a partir de então, competente para processar e julgar os Prefeitos Municipais não só nos crimes comuns, mas também nos de responsabilidade.

Vejamos o disposto pelo art. 2º do mencionado diploma legal:

Art. 2º - A estrutura do Tribunal de Justiça do Estado fica acrescida de uma Câmara, competente para:

I - processar e julgar, originariamente, os Prefeitos Municipais nos crimes comuns e de responsabilidade;

II - julgar os recursos originários das Varas da Fazenda Pública Estadual e Municipal da Comarca da Capital, bem como os mandados de segurança contra atos de Juízes das referidas Varas.

Parágrafo único - A Câmara que trata o "caput" deste artigo será também integrada pelo Vice-Presidente do Tribunal de Justiça, tão somente para efeito de presidi-la.

Assim sendo, a Assembléia Legislativa optou por criar órgão específico dentro do Tribunal de Justiça, conferindo-lhe competência para processar e julgar os Chefes dos Executivos Municipais. Por sua vez, cabia ao TJ-BA dispor sobre a composição deste órgão, tendo a legislação estadual somente determinado expressamente que o mesmo fosse presidido pelo Desembargador em exercício da vice-presidência do Tribunal de Justiça.

Já no Terceiro Milênio, eis que surge a Lei Estadual nº. 10.433, de 20 de Dezembro de 2006 que, em seu art. 10º, revoga expressamente o art. 2º e seu parágrafo único [08] da Lei nº. 6.982/96 que criou a Câmara Especializada para o julgamento dos Prefeitos, sendo esta, a partir de então, transformada na Quinta Câmara Cível.

Em obediência à nova legislação estadual, o TJ-BA edita a Resolução nº. 07/2007, revogando as regras de regência interna que outrora atribuíam competência à Câmara Especializada para processar e julgar, em caráter originário, os Prefeitos Municipais, seja nos crimes comuns ou de responsabilidade.

Com efeito, surge a seguinte indagação: com a mudança da competência, os feitos em trâmite na Quinta Câmara Cível, anteriormente denominada Câmara Especializada, devem ser remetidos ao novo órgão competente?

A partir de então, diversos foram os Habeas Corpus impetrados perante o Superior Tribunal de Justiça, visando que a Corte Superior decretasse a incompetência da Câmara Especializada para prosseguir no julgamento dos feitos, tendo em vista a transferência da competência para o Tribunal Pleno.

Isto posto, utilizando como base a legislação processual civil, decidiu o Superior Tribunal de Justiça por determinar a imediata remessa dos feitos ao Tribunal Pleno, vejamos:

Com a extinção da Câmara Especializada, o feito deveria ter sido deslocado imediatamente para o órgão competente, em atenção ao disposto na parte final do art. 87 do Estatuto Processual Civil, aplicado subsidiariamente à espécie, diante da omissão do Código de Processo Penal, o qual excepciona o princípio da perpetuação da jurisdição nas hipóteses de alteração da competência absoluta ou de extinção do órgão, caso dos autos. (HC nº 77998/BA- BAHIA. Relator (a): Min. LAURITA VAZ. Julgamento: 31/10/2000 Órgão Julgador: Quinta Turma. Publicação: DJ 08/09/2009)

Com entendimento contrário, em defesa do princípio da perpetuatio jurisdicionis [09] cumpre destacar o posicionamento de Távora e Antonni (2009, p. 222-223) ao afirmarem que

não deve haver a remessa, justamente em razão da perpetuação da jurisdição. Pela ausência à época da instauração do processo, de vara especifica para julgamento da matéria, temos que o feito se iniciou perante o juízo competente, leia-se aquele já existente, por previsão legal, antes da ocorrência da infração.

Assim sendo, segundo fundamentação jurídica apresentada, em que pese ter ocorrido a modificação da nomenclatura do órgão, bem como o deslocamento da competência para o Tribunal Pleno, em virtude da perpetuação da jurisdição, ocorrida a partir do início do feito, estes deveriam continuar tramitando agora sob a competência da Quinta Câmara Cível, outrora Câmara Especializada.

O fato é que, de maneira mais sensata, o Legislativo Estadual decidiu por reconhecer a repercussão gerada pelas decisões judiciais nos processos em que envolviam os Prefeitos, optando por alterar a competência dada então à Câmara Especializada, passando a atribuí-la à composição plena da mais alta Corte de Justiça Estadual, o Tribunal Pleno.

Em 2007 é então promulgada no Estado da Bahia a Lei nº. 10.845/07, a Nova Lei de Organização Judiciária do Estado da Bahia (LOJ) [10], mantendo a competência do Tribunal Pleno para processar e julgar os Prefeitos, desde que os mesmos estejam em exercício do respectivo cargo eletivo.

Mais uma vez, o legislador estadual avança nas regras de competência do Tribunal de Justiça, impondo, desta vez, que os Prefeitos sejam julgados pelo Tribunal Pleno, consoante art. 17, in verbis:

Art. 17 - As competências do Tribunal Pleno e dos órgãos jurisdicionais fracionários serão definidas por ato do Tribunal de Justiça.

Parágrafo único - O julgamento de prefeitos, no exercício do cargo, será da competência do Tribunal Pleno.

Ainda no dispositivo em questão, resta-nos concluir que não há no mesmo qualquer indício de irregularidade ou inconstitucionalidade, sendo o legislador baiano condizente com os mandamentos constitucionais, atribuindo, sob a égide do art. 125, caput, da Constituição da República, normas organizacionais à Justiça Comum Estadual, sem olvidar do foro por prerrogativa de função dispensado aos membros do Poder Executivo Municipal por força do inciso X do art. 29 da CF/88.

Portanto, percebe-se que, segundo regramento expresso da legislação baiana, os Prefeitos Municipais, seja nos crimes comuns ou de responsabilidade, devem ser julgados pelo Tribunal Pleno, órgão máximo na estrutura do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia.

Por se tratar do objeto principal do presente estudo, necessária utilização de tópico específico para tratar do tema, mormente diante do fato de que esta é a atual situação jurídica da legislação estadual que trata acerca das normas de organização judiciária no Estado da Bahia.

4.2 A ATUAL COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO DAS AÇÕES PENAIS ORIGINÁRIAS NO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA

Muito embora a LOJ baiana atribua expressamente a competência para julgamento dos Prefeitos Municipais ao Tribunal Pleno, surpreendentemente, no segundo semestre do ano de 2008, em sessão plenária realizada pelo TJ-BA, sob a presidência da Desembargadora Silvia Carneiro Santos Zarif, decidiu-se, por mais uma vez, reformular o Regimento Interno da Corte, estabelecendo que a competência para processar e julgar os Prefeitos Municipais, seja nos crimes comuns ou de responsabilidade, estaria novamente modificada, sendo agora de uma das Câmaras Criminais, a ser definida no momento da distribuição.

Nessa esteira de raciocínio, o Tribunal de Justiça da Bahia, ao dispor sobre as normas procedimentais acerca das regras de competência das ações penais originários, editou os seguintes dispositivos em seu atual Regimento Interno:

Art. 83 - Ao Tribunal Pleno, constituído por todos os membros efetivos do Tribunal de Justiça, compete privativamente:

X - processar e julgar originariamente:

a) nas infrações penais comuns, inclusive nas dolosas contra a vida e nos crimes de responsabilidade, os Deputados Estaduais, os Juízes Estaduais, os membros do Ministério Público Estadual, o Procurador-Geral do Estado, o Defensor Público Geral e os Secretários de Estado;

b) o Vice-Governador nas infrações penais comuns.

Art. 98 - Compete às Câmaras Criminais processar e julgar:

I - os Prefeitos Municipais nos crimes comuns e de responsabilidade;

Art. 289 - A seguir, o Relator pedirá dia para que a Câmara ou o Tribunal Pleno delibere sobre o recebimento ou a rejeição da denúncia ou da queixa, ou sobre a improcedência da acusação, se a decisão não depender de outras provas, assim como determinar a suspensão do processo, nas hipóteses previstas em lei.

As normas regimentais atribuem competência ao Relator do feito para pedir inclusão em pauta e, posteriormente, submeter o feito à apreciação do Tribunal Pleno ou da Câmara Criminal a qual esteja vinculado, conforme o cargo ocupado pelo indivíduo processado.

Ocorre que, tais normas derivam da repartição de competência dentro da própria Corte para tratar de ações penais originárias, sendo ora do Tribunal Pleno, ora da Câmara Criminal, esta exclusivamente competente para julgar os Prefeitos Municipais.

Insta salientar que as normas constitucionais relativas ao foro por prerrogativa de função não obrigam que os processados sejam julgados pela composição plenária dos Tribunais, o que importa dizer que não há qualquer exigência, seja por imperativo constitucional ou Lei Ordinária, quanto ao órgão competente para julgamento da ação penal, podendo este ser realizado por Turma, Câmara, Seção ou Plenário, garantindo, como única exigência, a formação colegiada.

É também o entendimento que se extrai dos seguintes julgados pelo Supremo Tribunal Federal:

EMENTA: "HABEAS-CORPUS". CRIME PRATICADO POR PREFEITO MUNICIPAL (ART. 1º, I E IX, DO DECRETO-LEI N. 201/67). REGIMENTO INTERNO E RESOLUÇÃO N. 15/91 DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIAS: COMPETÊNCIA ORIGINARIA PARA PROCESSAR E JULGAR PREFEITO ATRIBUIDA AS CÂMARAS CRIMINAIS ISOLADAS (CF, ART. 29, VIII, DA REDAÇÃO ORIGINAL, OU ART. 29, X, COM A REDAÇÃO DADA PELA E.C. N. 1/92).

1.Cabe, exclusivamente, ao Regimento Interno do Tribunal de Justiça atribuir competência ao Pleno, ou ao Órgão Especial, ou a órgão fracionário, para processar e julgar Prefeitos Municipais (CF, art. 29, X, e art. 96, I, a). 2. A Resolução n. 15, de 12.06.91, do Plenário do Tribunal de Justiça goiano, que vigora como Emenda Regimental, atribui competência originaria as Câmaras Criminais Isoladas para o julgamento de Prefeitos Municipais, ressalvados os crimes dolosos contra a vida, cuja competência e do Pleno. 3. Improcedência da alegação de incompetência da Primeira Câmara Criminal, para julgar Prefeito Municipal. 4. "Habeas-corpus" conhecido, mas indeferido. (HC nº 73232/GO-GOIÁS. Relator (a): Min. MAURÍCIO CORRÊA Julgamento: 12/03/1996 Órgão Julgador: Segunda Turma. Publicação: DJ 03/05/1996)

EMENTA: PENAL ORIGINARIA CONTRA PREFEITO MUNICIPAL - COMPETÊNCIA ATRIBUIDA A CÂMARA CRIMINAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA - OBSERVANCIA DO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL - LEGITIMIDADE DO PROCESSO PENAL CONDENATÓRIO. O preceito consubstanciado no art. 29, X, da Carta Política não confere, por si só, ao Prefeito Municipal o direito de ser julgado pelo Plenário do Tribunal de Justiça – ou pelo respectivo Órgão Especial, onde houver – nas ações penais originárias contra ele ajuizadas, podendo o Estado-membro, nos limites de sua competência normativa, indicar, no âmbito dessa Corte judiciária, o órgão fraccionário (Câmara, Turma, Seção, v.g.) investido de atribuição para processar e julgar as referidas causas penais. (HC 72465/SP- SÃO PAULO, Relator (a): Min. CELSO DE MELLO Julgamento em 05/09/1995, Órgão Julgador: Primeira Turma. Publicação: DJ de 24/11/1995)

No caso do art. 83, X, "a" e "b" e art. 98, inciso I do Regimento Interno do Tribunal de Justiça da Bahia, resta demonstrada flagrante inconstitucionalidade diante do fato do tratamento diferenciado entre indivíduos que possuem foro por prerrogativa de função no mesmo Tribunal, todavia, são julgados por composições colegiadas distintas.

O TJ-BA confere às Câmaras Criminais a competência para processar e julgar somente os Prefeitos Municipais, deixando para o Tribunal Pleno o julgamento dos ocupantes das demais funções elencadas no art. 123, I, a da Constituição do Estado da Bahia. Ocorre que, o tratamento diferenciado vai de encontro não só ao princípio da igualdade, este de natureza constitucional, mas também confrontando com a norma estadual responsável pela organização judiciária, eivando, portanto, de inerentes ilegalidades as referidas normas regimentais.


5 AS ILEGALIDADES DAS REGRAS REGIMENTAIS

Explicitadas as atuais regras de competência utilizadas pelo Tribunal de Justiça do Estado da Bahia no processo e julgamento dos Prefeitos Municipais e evidenciado tratamento diferenciado dispensado aos alcaides baianos, faz-se mister dedicar tópicos específicos às ilegalidades que eivam as regras de regência, apresentando detalhadamente a violação ao ordenamento jurídico, e à real intenção do legislador brasileiro quando da adoção das normas acerca do foro por prerrogativa de função.

5.1 VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA IGUALDADE OU ISONOMIA

Em análise perfunctória, o referido princípio não apresenta qualquer coerência com o tema ora debatido, todavia, em interpretação conjunta do aludido princípio constitucional e do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, vê-se sua flagrante violação.

O legislador constituinte de 1988, mantendo o posicionamento das constituições anteriores, decidiu por elevar ao patamar de cláusula pétrea o princípio da igualdade ou isonomia, passando a elencá-lo no art. 5º da Carta Magna vigente. Ao comentar o referido dispositivo constitucional, assim leciona Bulos (2007, p. 119)

Os estudiosos seccionam o princípio da isonomia em: igualdade perante a lei e igualdade na lei. O primeiro concerne ao dever de se aplicar o direito no caso concreto, mesmo se tal aplicação partir de ato discriminatório; o segundo exige que as normas jurídicas não contenham distinções, exceto aquelas autorizadas constitucionalmente.

O referido princípio encontra sua razão de ser na máxima de Aristóteles disseminada por Ruy Barbosa, consistente na seguinte expressão: "a igualdade consiste em aquinhoar os iguais igualmente e os desiguais na medida de sua desigualdade" [11].

Assim, o referido princípio pode ser caracterizado sob duas modalidades de desigualdade: a desigualdade natural ou física, oriunda da natureza, em virtude da disparidade de sexo, idade, saúde e das forças do corpo e a desigualdade moral, decorrente de convenções estabelecidas ou autorizadas pelo consentimento dos homens, consistente nos diferentes privilégios que alguns gozam em detrimento de outros, como serem mais ricos, mais importantes e mais poderosos. [12]

Ao dispor acerca do instituto jurídico do foro por prerrogativa de função, o legislador constituinte baiano, seguindo o disposto pelo texto constitucional, decidiu por tratar igualmente os ocupantes de cargos públicos, reconhecendo a desigualdade perante os cidadãos comuns, conferindo àqueles o direito de serem processados e julgados pelo Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, enquadrando-se, portanto, na desigualdade moral descrita por Rousseau.

Assim, considerando as desigualdades, a verdadeira intenção do legislador é elevar ao patamar de igualdade os Deputados Estaduais, os Prefeitos Municipais, os Juízes Estaduais, os membros do Ministério Público Estadual, o Procurador-Geral do Estado, o Defensor Público Geral, os Secretários de Estado e o Vice-Governador, atribuindo a todas essas funções públicas foro perante o Tribunal de Justiça do Estado da Bahia.

Muito embora a Constituição Estadual tenha respeitado o princípio da igualdade, o RITJBA, na contramão da intencionalidade do legislador, impôs tratamento desigual aos indivíduos ocupantes dos cargos elencados.

Conforme se infere da interpretação conjunta do inciso I do art. 98 e das alíneas "a" e "b" do inciso X do art. 83 do RITJBA, somente os Prefeitos Municipais são julgados pelas Câmaras Criminais, cabendo ao Tribunal Pleno o julgamento dos demais indivíduos ocupantes dos cargos públicos listados anteriormente.

Flagrante está a violação ao princípio ora explicitado. Pois bem, uma vez que o próprio legislador constituinte baiano garantiu foro por prerrogativa de função aos respectivos ocupantes dos mencionados cargos públicos, reprovável é a atitude do Tribunal de Justiça da Bahia quando da elaboração do Regimento Interno, decidindo por segregar os cargos, deixando somente o processamento e julgamento dos Prefeitos Municipais sob competência das Câmaras Criminais.

Significa dizer que, em fiel respeito ao princípio da isonomia, deveriam todos os cargos públicos detentores de foro por prerrogativa de função perante o TJ-BA ser julgados pelo mesmo órgão, ou pelo Tribunal Pleno, ou por uma das Câmaras Criminais, vez que, conforme jurisprudência do STF ao interpretar o art. 29, X, da CF/88, estes não possuem, necessariamente, o direito de serem julgados pela composição plenária do Tribunal.

5.2 VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

Como se não bastasse a evidente violação ao princípio supramencionado, as regras regimentais do TJ-BA estão em flagrante oposição aos mandamentos explicitados pela própria legislação estadual.

Verificou-se que, por força do inciso I do art. 98 do RITJBA, os Prefeitos Municipais serão processados e julgados pelas Câmaras Criminais. Por outro lado, o parágrafo único do art. 17 da Lei Estadual nº. 10.845/2007 dispõe expressamente que os Prefeitos Municipais, no exercício do cargo, serão, obrigatoriamente, julgados pela composição plenária da Corte Estadual de Justiça.

Notória é a antinomia entre os dispositivos supramencionados, vez que atribuem a mesma competência ora a um órgão fracionário do TJ-BA – uma das Câmaras Criminais -, ora ao Plenário deste mesmo tribunal.

Ao que parece, a resolução do conflito normativo não apresenta simplicidade, visto que, de um lado figura a legislação estadual atribuindo expressamente a competência ao Tribunal Pleno para julgamento dos Prefeitos Municipais, de outro, evidente está o mandamento constante do RITJBA, conferindo tal competência às Câmaras Criminais.

Diante da situação jurídica apresentada, necessário é que se adote um dos três métodos utilizados pela hermenêutica jurídica na solução de conflitos normativos como o apresentado, sendo estes: o critério cronológico, o critério hierárquico e o critério da especialidade.

No caso em tela, mais acertada parece ser a utilização do critério hierárquico, visto que, muito embora o RITJBA tenha sido editado após a Lei Estadual nº. 10.845/2007, o primeiro é norma estritamente administrativa, sucumbindo perante a norma jurídica promulgada pela Assembléia Legislativa do Estado da Bahia.

Quando da elaboração do Regimento Interno, o TJ-BA utilizou-se do exercício do poder regulamentar dispensado à Administração Pública, estabelecendo normas sobre o funcionamento interno do aludido colegiado.

Ao caracterizar os atos administrativos oriundos do exercício de tal poder, Di Pietro (2008, p. 82) leciona que "os atos pelos quais a Administração exerce o poder normativo têm em comum com a lei o fato de emanarem normas, ou seja, atos com efeitos gerais e abstratos."

Assim, vez que o Regimento Interno do Tribunal de Justiça é também caracterizado como ato administrativo oriundo do exercício do poder regulamentar, tal espécie também deverá obedecer fielmente aos princípios norteadores do Direito Administrativo pátrio.

Nesse sentido, Di Pietro (2008, p. 85) entende que,

em todas as hipóteses, o ato normativo não pode contrariar a lei, nem criar direitos, impor obrigações, proibições, penalidades que nela não estejam previstos, sob pena de ofensa ao principio da legalidade (arts. 5º, II, e 37, caput, da Constituição).

Assim, resta configurada a violação ao princípio da legalidade, pois, uma vez que a Lei de Organização Judiciária do Estado da Bahia prevê expressamente que a competência para julgamento dos Prefeitos Municipais é do Tribunal Pleno, o Regimento Interno, modalidade de ato administrativo emanado do poder regulamentar, deve fielmente obedecer aos dispositivos de lei específicos da matéria tratada.

Há que se ressaltar ainda que a lei estadual, dotada de evidente caráter democrático, resplandece a vontade popular, sendo, neste caso, representada pela atuação dos Deputados Estaduais baianos, enquanto, de outro lado, restam as meras adoções de técnicas procedimentais utilizadas pelos Desembargadores quando da elaboração do Regimento Interno, ou seja, normas exclusivamente administrativas.

Ademais, ainda que reconhecido o conflito cronológico entre as respectivas normas, haja vista que o Regimento Interno é norma posterior à lei estadual, prevaleceria esta última visto que, existindo conflito entre o critério cronológico e o critério hierárquico, este último há de se sobrepor.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao dispor sobre a competência do STF e STJ, o legislador constituinte enumerou as funções que estariam submetidas a julgamento por parte destas Cortes. Isto posto, os respectivos Tribunais partiram para a edição de suas normas regimentais em total consonância com o mandamento constitucional, não criando, portanto, distinção dentro do próprio Tribunal competente para julgar feito em razão das funções ocupadas.

Conforme explicitado no presente estudo, no caso do STF, todos os ocupantes dos cargos cujo julgamento compete ao Pretório Excelso serão julgados pelo Tribunal Pleno; no STJ, a Corte Especial é competente para processar e julgar feitos que envolvam como acusados os indivíduos ocupantes dos cargos públicos que possuem foro privilegiado naquele Tribunal Superior.

Entretanto, diferentemente do posicionamento adotado pelo STF e STJ, o TJ-BA optou por conferir tratamento diferenciado tão somente aos Prefeitos Municipais, visto que as regras regimentais deliberam que a competência para processá-los e julgá-los seria de uma da suas Câmaras Criminais, sendo os demais - Vice-Governador, Secretários de Estado, Juízes de Direito, Membros do Ministério Público Estadual e Deputados Estaduais – julgados pelo Tribunal Pleno.

Admite-se, portanto, a obrigatoriedade de o Prefeito ser julgado não pelo Tribunal Pleno, mas sim por uma de suas Câmaras Criminais, cuja composição é bastante limitada (no caso, 03 julgadores), abstendo-se o RITJBA de dispor de qualquer critério de antiguidade dos membros do colegiado, como fez o STJ visando refletir em suas regras de regência interna a real intenção do legislador constitucional.

É preciso entender que, de fato, compete ao Regimento Interno do Tribunal estadual deliberar sobre a organização interna do respectivo colegiado, mas nunca em afronta à Constituição Federal ou dispositivos de lei hierarquicamente superiores.

Como visto, resta evidenciada a ilegalidade cometida pela Corte de Justiça Baiana, violando ainda o princípio da igualdade, pois, de acordo com o Regimento Interno, somente os Prefeitos Municipais estariam submetidos ao julgamento das Câmaras Criminais, sendo, aos demais cargos, imposta a condição de serem processados e julgados perante a composição plenária do TJ-BA.

Ademais, não parece leviano concluir que, diferentemente do STF e STJ, quando da elaboração das regras de regência, o TJ-BA distanciou-se da real intenção do legislador constitucional que, em verdade, adotando posição de cautela, almeja a atenção dos julgadores e, se possível, em maior número, quando do processamento e julgamento das autoridades públicas detentoras de foro por prerrogativa de função.

Nessas breves páginas, constatou-se ainda a evidente antinomia entre o RITJBA e a Lei de Organização Judiciária do Estado da Bahia que, mesmo dotada de evidente caráter democrático, não foi suficiente para deter as deliberações do Poder Judiciário que, extrapolando suas competências, alterou os critérios fixados pela própria legislação estadual.

Diante de todo o exposto, resta concluir que a situação jurídica explanada enseja adoção de medidas jurídico-administrativas de caráter imediato, sob pena de ferir o princípio da separação dos poderes, ante a violação da legislação estadual por parte de normas dotadas de caráter meramente organizacional, ressaltando a repercussão das considerações delineadas, ante a notória e incontestável ocorrência de usurpação de competência absoluta atribuída por lei estadual ao Tribunal Pleno para processar e julgar os alcaides baianos.


REFERÊNCIAS

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BAHIA. Lei n. 3.731, de 22 de novembro de 1979. Dispõe sobre a organização judiciária do Estado e dá outras providências. Publicado pelo Diário Oficial do Estado no dia 23.11.1979, com republicação no dia 19.12.1979.

______. Lei n. 6.982, de 25 de julho de 1996. Introduz alterações na Organização Judiciária do Estado da Bahia e dá outras providências. Publicado pelo Diário Oficial do Estado no dia 26.07.1996.

______. Lei n. 10.433, de 20 de dezembro de 2006. Institui Altera a redação dos artigos 18, caput, 20, 21, 22 e 23, §§ 1º e 3º, 24, 26, 37, 40, 42, 43, 44, 45, 46, 47 e 61, acresce parágrafo único ao art. 32 e artigos 18A, 37A e 40A à Lei nº 3.731, de 22 de novembro de 1979, que dispõe sobre a organização judiciária do Estado, e dá outras providências. Publicado pelo Diário Oficial do Estado no dia 21.12.2006.

_______. Lei n. 10.845, de 27 de novembro de 2007. Dispõe sobre a Organização e Divisão Judiciária do Estado da Bahia, a administração e o funcionamento da Justiça e seus serviços auxiliares. Publicado pelo Diário Oficial do Estado no dia 28.11.2007.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 13ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002.

BRASIL. Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941. Institui o Código de Processo Penal. Publicado pelo Diário Oficial da União no dia 13.10.1941.

_______. Lei n. 10.683, de 28 de maio de 2003. Dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios, e dá outras providências. Publicado pelo Diário Oficial da União no dia 29.05.2003.

_______. Lei n. 11.958, de 26 de junho de 2009. Altera as Leis nos 7.853, de 24 de outubro de 1989, e 10.683, de 28 de maio de 2003; dispõe sobre a transformação da Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca da Presidência da República em Ministério da Pesca e Aquicultura; cria cargos em comissão do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores – DAS e Gratificações de Representação da Presidência da República; e dá outras providências. Publicado pelo Diário Oficial da União no dia 29.06.2009.

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Notas

  1. Razão do lugar (tradução nossa)
  2. Art. 410.  O juiz determinará a inquirição das testemunhas e a realização das diligências requeridas pelas partes, no prazo máximo de 10 (dez) dias.
  3. "Não viola as garantias do juiz natural, da ampla defesa e do devido processo legal a atração por continência ou conexão do processo do co-réu ao foro por prerrogativa de função de um dos denunciados."
  4. Razão da pessoa (tradução nossa).
  5. Súmula 394: "Cometido o crime durante o exercício funcional, prevalece a competência especial por prerrogativa de função, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados após a cessação daquele exercício".
  6. Súmula 451 do STF: "A competência especial por prerrogativa de função não se estende ao crime cometido após a cessação definitiva do exercício funcional."
  7. Art. 11 da ADCT: "Cada Assembléia Legislativa, com poderes constituintes, elaborará a Constituição do Estado, no prazo de um ano, contado da promulgação da Constituição Federal, obedecidos os princípios desta."
  8. Art. 10 – Revogam-se as disposições em contrário e, especialmente, o artigo 2º e parágrafo único da Lei nº. 6.982, de 25 de julho de 1996.
  9. Perpetuação da jurisdição (tradução nossa).
  10. O texto legislativo revoga expressamente a Lei Estadual 3.731/79, até então utilizada como espinha dorsal da organização judiciário no Estado da Bahia.
  11. Neste sentido: STF, MS 26.690/DF, Rel. Min. Eros Grau, ac. de 03.09.08, DJe 241 de 19.12.08.
  12. Cf. ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. Trad. Maria Ermantina Galvão. São Paulo; Martins Fontes, 1999.

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LAMA, David Roldan Vilasboas. As ilegalidades das regras de competência do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia no julgamento dos prefeitos municipais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2798, 28 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18595. Acesso em: 27 abr. 2024.