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As ações monitórias da CNA na Justiça do Trabalho

As ações monitórias da CNA na Justiça do Trabalho

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Palavras-Chave: Direito do Trabalho. Contribuição Sindical. Trabalhador Rural. Ação Monitória. Enquadramento Sindical.


1 Introdução

Os foros trabalhistas vêm se abarrotando de ações monitórias movidas pela Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária - CNA contra proprietários rurais, dando margem para as mais variadas interpretações acerca do cabimento ou não deste tipo de procedimento para a cobrança da contribuição sindical do trabalhador rural, integrante da categoria econômica.

A recente alteração de competência promovida pela Emenda Constitucional nº 45/2004 alterou para a Justiça do Trabalho a atribuição de conhecer das contribuições aos sindicatos, sendo mister que se faça uma releitura das disposições legais sobre o tema, levando-se em conta a própria natureza da Justiça do Trabalho e os princípios norteadores do Direito do Trabalho.

Neste trabalho, tentar-se-á esclarecer questões quanto à pertinência da ação monitória para a cobrança da contribuição sindical rural, bem como quanto a legitimidade dos réus nestas ações. Almeja-se, ainda, provocar uma reflexão acerca da finalidade da Justiça do Trabalho frente a esta nova competência material.


2 Fundamentos utilizados pela CNA

A petição apresentada pela CNA é exageradamente simples, na medida em que não traz todos os fundamentos necessários para esclarecimento da sua pretensão. Narra que obteve os dados dos contribuintes mediante convênio com a Secretaria da Receita Federal e, sem apontar alíquota ou base de cálculo, especifica um valor para a dívida.

A CNA fundamenta a pretensão monitória no artigo 579 da CLT, combinado com o § 2º do artigo 10 do ADCT, que dispõe acerca da contribuição sindical rural, bem como indica o Decreto Lei nº 1.166/71 para legitimar o enquadramento sindical e a existência da dívida.


3 O enquadramento sindical

O enquadramento sindical vem regulado pelo Decreto-Lei nº 1166/71, que, após a modificação trazida pela Lei nº 9.701/98, assim dispõe:

Art. 1º  Para efeito da cobrança da contribuição sindical rural prevista nos arts. 149 da Constituição Federal e 578 a 591 da Consolidação das Leis do Trabalho, considera-se:

I - trabalhador rural:

a) a pessoa física que presta serviço a empregador rural mediante remuneração de qualquer espécie;

b) quem, proprietário ou não, trabalhe individualmente ou em regime de economia familiar, assim entendido o trabalho dos membros da mesma família, indispensável à própria subsistência e exercido em condições de mútua dependência e colaboração, ainda que com ajuda eventual de terceiros;

II - empresário ou empregador rural:

a) a pessoa física ou jurídica que, tendo empregado, empreende, a qualquer título, atividade econômica rural;

b) quem, proprietário ou não, e mesmo sem empregado, em regime de economia familiar, explore imóvel rural que lhe absorva toda a força de trabalho e lhe garanta a subsistência e progresso social e econômico em área superior a dois módulos rurais da respectiva região;

c) os proprietários de mais de um imóvel rural, desde que a soma de suas áreas seja superior a dois módulos rurais da respectiva região.

Depreende-se inciso II do dispositivo transcrito, que é o que nos interesse para este estudo, que há três hipóteses de enquadramento sindical na categoria econômica, e cada uma das hipóteses possui alguns requisitos para serem preenchidos. Sem que se enquadre em uma dessas hipóteses e sejam preenchidos todos os requisitos, o trabalhador rural não poderá ser incluído na categoria econômica, mas sim na profissional. Pelo menos uma das hipóteses deve ficar demonstrada para encaixar o trabalhador na categoria econômica, sendo que, em caso contrário, é na categoria profissional que o trabalhador receberá guarida.

A primeira é ser o trabalhador rural empregador, isto é, possuir empregados que lhe prestem serviços para a atividade rural. A melhor exegese do precitado inciso aponta para a necessidade de o empregado estar vinculado à atividade rural do produtor, não valendo para fins de enquadramento sindical a contratação de empregado doméstico, por exemplo.

Esta situação, ressalte-se, não pode ser simplesmente presumida, mas deve restar provada. A demonstração da existência de empregados pode ser feita, ou pelos dados existentes junto ao Ministério do Trabalho e Emprego ou por outros meios de prova admitidos em direito. Sem que se demonstre a efetiva existência de empregados, o trabalhador rural, se não se enquadrar nas demais hipóteses, não poderá ser considerado integrante da categoria econômica.

A segunda hipótese prevista em lei para o trabalhador ser considerado integrante da categoria econômica é aquela prevista na alínea ‘b’ do inciso II do artigo 1º do Decreto Lei nº 1.166/71, que se refere ao trabalhador que, proprietário ou não e mesmo sem empregado, em regime de economia familiar, explore imóvel rural que lhe absorva toda a força de trabalho e lhe garanta a subsistência e progresso social e econômico em área superior a dois módulos rurais da respectiva região.

Esta hipótese é complexa e deve ser minuciosamente analisada.

O primeiro requisito para enquadramento sindical lastreado nesta hipótese é que o trabalhador deve exercer as atividades em economia familiar, empregando toda a sua força de trabalho. Não necessariamente deve ser proprietário, mas o labor da família deve ser empregado na atividade rural e que ela gaste toda a sua força de trabalho para este fim.

Pela letra da lei, já não pode ser considerado integrante da categoria econômica se um membro da família contribuir para o sustento da família com realização de atividades urbanas, como magistério, por exemplo, tão comum no interior do Rio Grande do Sul.

O segundo requisito é extremamente subjetivo, no sentido de que o trabalho naquela área necessariamente deve garantir ao trabalhador e à sua família a subsistência e o progresso social e econômico.

A subsistência equivale à sobrevivência da família do trabalhador rural. Mas não basta que este tenha o suficiente para a sobrevivência para pertencer à categoria profissional. O progresso social econômico deve se fazer presente.

Em outras palavras, "a fração de terras tem que possibilitar a melhoria de vida daqueles que nela trabalham, como estudos, saúde e lazer"(BARROS, 2002, p. 34).

Outro requisito para que se caracterize o enquadramento sindical econômico pela hipótese da alínea ‘b’ é que a área de trabalho utilizada seja superior a dois módulos rurais da respectiva região.

O módulo rural é fixado de acordo com o tipo de cultura e com as peculiaridades de cada região. Não basta, assim, demonstrar a quantidade de hectares de terra que determinado agricultor possui, sendo mister a comprovação, tanto do tipo de cultura predominantemente produzida no local, como o quociente do módulo rural fixado pelo Incra para aquela cultura, naquela região.

O módulo rural pode ser definido como:

A propriedade rústica, de área contínua, qualquer que seja sua localização, desde que se destine à exploração extrativa agrícola, pecuária ou agroindustrial, e seja executada, direta e pessoalmente, pelo agricultor e sua família, absorvendo-lhes toda a força de trabalho, garantindo-lhes a subsistência e o progresso social e econômico e sofrendo ainda variações pela região em que se situe e o tipo de exploração que se pratique. (BARROS, 2002, P. 32).

Note-se que há confusão entre os requisitos, sendo que se repete a exigência da subsistência e o progresso social e econômico, o que reforça a necessidade da sua comprovação para fins de enquadramento sindical.

Sublinhe-se, ainda, que a quantidade de módulos rurais independe da quantidade de hectares que o trabalhador possui e "não é fixável pelo proprietário ou possuidor da área rural. Estes apenas fornecem os elementos cadastrais essenciais, que jungidos a outros de caracteres mais genéricos, permitem que o INCRA estabeleça o módulo rural de cada imóvel" (BARROS, 2002, p. 34).

Deve ser reiterado que é imprescindível a prova do preenchimento de todos os requisitos para o enquadramento sindical rural na categoria econômica, tanto os objetivos como os subjetivos. Sem a prova do enquadramento sindical, o trabalhador rural fará parte do sindicato profissional e não do econômico.

A terceira hipótese para enquadramento do trabalhador rural como integrante da categoria econômica e, logicamente, obrigado a contribuir para a CNA, se refere aos proprietários de mais de um imóvel rural, sendo que a soma de todas as áreas deve ser superior a dois módulos rurais da região.

Conforme já dito acima, o módulo rural é independente da quantidade de hectares da propriedade e as medidas não se confundem.

Através de estudos antecedentes e gerais, o INCRA já concluiu que existem no País 242 (duzentos e quarenta e duas) regiões e sub-regiões, considerando sua homogeneidade e características econômicas e ecológicas, e que a exploração da terra pode ser agrupada em 5 (cinco) tipos diferentes:

1) hortigranjeiro – como a plantação de tomate, alface, cenoura etc;

2) lavoura temporária – a plantação de milho, arroz, feijão, ou todo aquele tipo de lavoura sazonal ou por estação;

3) lavoura permanente – a plantação de café, parreira, ou todo tipo de cultura que se plante uma vez e permaneça produzindo durante muitos anos;

4) pecuária – a criação de animais de grande porte, como bois, cavalos etc. e

5) florestal – que é a atividade de plantar determinados tipos de árvores para corte, como é o caso do eucalipto e da acácia-negra para a feitura de papel. (BARROS, 2002, p. 34) [grifo nosso].

De acordo com o tipo de produção e a região do Brasil em que se localiza a propriedade existe uma medida de módulo rural específica, podendo variar de 2 ha até 60 ha, se corresponder a hortigranjeiros no sul ou pecuária no centro-oeste, respectivamente.

Percebe-se que não são simplórios os requisitos para o enquadramento sindical rural, não bastando a simples prova da propriedade da terra para ensejar a contribuição sindical dos trabalhadores rurais à CNA.

É importante, ainda, não confundir os requisitos para o enquadramento sindical com os requisitos e a forma de cobrança da contribuição pela CNA.

Com efeito, o parágrafo 1º do artigo 4º do Decreto-Lei nº 1166/71 estabelece que a contribuição sindical será lançada e cobrada de acordo com o valor adotado para o lançamento do Imposto Territorial Rural - ITR, aplicando-se a tabela do artigo 580 da CLT.

O ITR é calculado pela quantidade de área aproveitável e utiliza o hectare como medida. Assim, a contribuição sindical realmente deve ser calculada levando-se em conta a quantidade de hectares que o contribuinte possui.

Entretanto, sem entrar no mérito da possível bi-tributação pela cobrança dobrada pelo mesmo fato gerador, antes de se cogitar a forma do cálculo da contribuição sindical, mister que se estabeleça o enquadramento do trabalhador, cujos requisitos, como já dito, estão previstos no artigo 1º do Decreto-Lei 1166/71.

Desse modo, mesmo que para a cobrança do ITR não se utilize mais o módulo fiscal ou o rural e sim o hectare, e mesmo que a contribuição sindical também seja calculada levando-se em conta o hectare, não há qualquer dúvida que o enquadramento sindical fixa-se de acordo com a quantidade de módulos rurais da região, pois permanecem hígidas as disposições do Decreto-Lei antes mencionado.


4 Requisitos da ação monitória

De acordo com o artigo 1.102-A do CPC, a ação monitória compete a quem pretender, com base em prova escrita sem eficácia de título executivo, pagamento de soma em dinheiro, entrega de coisa fungível ou de determinado bem móvel.

Para propor validamente a ação monitória, assim, é necessário que o autor apresente prova escrita da obrigação e que não seja título executivo.

Mas o que pode ser considerado prova escrita da contribuição sindical para legitimar a ação monitória da CNA?

A CNA vem instruindo sua simplória petição inicial com cópia de editais publicados nos jornais Zero Hora e Correio do Povo, além de boletos bancários emitidos em nome dos proprietários rurais no valor que afirma ser da contribuição.

A CNA faz uma interpretação distorcida do artigo 605 da CLT, que obriga as entidades sindicais publicarem editais concernentes à contribuição nos jornais de maior circulação no local. Entretanto, a publicação dos editais não constitui, por si só, a dívida.

Na sistemática da CLT, em caso de não-pagamento da contribuição, a entidade sindical promoveria a ação executiva, com base em certidão expedida pelas autoridades regionais do Ministério do Trabalho (artigo 606 da CLT).

Ocorre que o Ministério do Trabalho recusa a emissão das certidões, especialmente porque não possui condições de reconhecer o enquadramento sindical dos trabalhadores rurais tão-só com base na quantidade de hectares que ele possui, sendo imprescindíveis maiores dados para tanto.

Sem certidão não há título executivo. Todavia, inexiste qualquer embasamento legal para considerar a publicação de editais ou emissão de boletos bancários prova da dívida.

Com efeito, mesmo que ficasse comprovado o enquadramento sindical do trabalhador como sendo na categoria econômica, a prova da dívida para legitimar uma ação monitória, de acordo com as exigências do artigo 1.102-A do CPC, é essencial a legitimar o manejo deste tipo de ação. Ressalta-se, contudo, que a publicação de editais genéricos sobre a cobrança da contribuição não é apta a provar a dívida, tampouco o boleto bancário emitido unilateralmente pela CNA.

Dessa forma, incabível a ação monitória para a cobrança da contribuição sindical rural, sendo mister que a entidade sindical promova a respectiva ação de cobrança, onde prove, além do enquadramento do trabalhador, a própria existência do crédito que diz possuir.

Embora o STJ tenha fixado entendimento pelo cabimento da ação monitória para a cobrança da contribuição sindical rural, a Justiça do Trabalho não pode se curvar ao entendimento dos tribunais comuns, sob pena de negar a própria natureza, origem e motivos da criação deste ramo especializado do Poder Judiciário.

Os Juízos e Tribunais do Trabalho devem interpretar os dispositivos legais de acordo com os princípios do Direito do Trabalho, notadamente ao Princípio da Proteção do Trabalhador que, nos casos das monitórias, são os réus.


5 Algumas decisões dos foros trabalhistas

A Justiça do Trabalho já vem decidindo sobre o tema. No Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT/4) é crescente a corrente que inadmite a ação monitória para a cobrança da contribuição sindical.

Vejamos algumas decisões do TRT/4:

RECURSO ORDINÁRIO INTERPOSTO PELA AUTORA. CABIMENTO DA AÇÃO MONITÓRIA. INEXISTÊNCIA DE CARÊNCIA DE AÇÃO (LEGITIMIDADE, POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO E INTERESSE PROCESSUAL). DESNECESSIDADE DE NOTIFICAÇÃO PESSOAL DO CONTRIBUINTE/DEVEDOR. COMPROVAÇÃO ACERCA DO ENQUADRAMENTO DA PARTE RECORRIDA. BASE DE CÁLCULO DA CONTRIBUIÇÃO SINDICAL RURAL (VALOR DA TERRA NUA TRIBUTÁVEL). PREQUESTIONAMENTO. "In casu", não há liquidez e certeza quanto à efetiva existência da dívida, pois os documentos foram unilateralmente confeccionados, sem notificação pessoal e prova de que o reclamado seja o devedor, nem de que este seja produtor rural, possua empregados ou propriedade superior a dois módulos rurais. Recurso desprovido. Neste contexto, inviável a admissão da cobrança pretendida pela via da ação monitória. Recurso desprovido. (Número do processo: 00589-2007-733-04-00-7 (RO). Juiz: BERENICE MESSIAS CORRÊA. Data de Publicação: 29/10/2007) [grifos nossos].

RECURSO ORDINÁRIO INTERPOSTO PELA AUTORA. AÇÃO MONITÓRIA. CONTRIBUIÇÃO SINDICAL. Trata-se o caso sob exame de ação movida por bem organizada entidade sindical contra suposto proprietário rural, sendo evidente o descompasso entre a finalidade para qual foi instituída a ação monitória e o caso concreto, pois é gritante o fato de que os documentos apresentados com a petição inicial não cumprem as exigências do art. 606 da CLT e 1102-A e seguintes do CPC. Destarte, entende-se que deve ser mantida a decisão de origem, que extinguiu o feito, sem resolução do mérito, com fundamento no art. 267 do CPC. Recurso desprovido. (Número do processo: 00556-2007-029-04-00-0 (RO). Juiz: BERENICE MESSIAS CORRÊA. Data de Publicação: 29/10/2007) [grifos nossos].

RECURSO ORDINÁRIO INTERPOSTO PELA AUTORA. AÇÃO MONITÓRIA - CONTRIBUIÇÃO SINDICAL (INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL). É indispensável a existência de prova documental, pré-constituída, sem eficácia de título executivo, em favor da autora, a qual não deixe dúvida a respeito do crédito e da condição de devedor da parte adversa, a fim de que o Juízo, pela conclusão emanada da prova, emita a ordem (mandado monitório) ao devedor para cumprimento da obrigação, só se admitindo o descumprimento desta se apresentar determinadas exceções. Desta forma, não basta a apresentação de qualquer documento, como ocorreu no caso dos autos, como a juntada de demonstrativo de débito e boletos bancários, unilateralmente confeccionados, sem qualquer anuência ou intervenção do suposto devedor. Recurso desprovido. (Número do processo: 00653-2007-102-04-00-2 (RO). Juiz: BERENICE MESSIAS CORRÊA. Data de Publicação: 29/10/200) [grifos nossos].

AÇÃO MONITÓRIA. CONTRIBUIÇÃO SINDICAL RURAL. ENQUADRAMENTO SINDICAL. Atividade preponderante da ré que não guarda relação com os interesses econômicos defendidos e representados pela recorrente. Não se enquadrando na categoria econômica pretendida pela recorrente, descabida a incidência de contribuição sindical rural no caso dos presentes autos. Provimento negado. (Número do processo: 00063-2007-733-04-00-7 (RO). Juiz: FABIANO DE CASTILHOS BERTOLUCCI. Data de Publicação: 15/10/2007) [grifos nossos].

AÇÃO MONITÓRIA. CONTRIBUIÇÃO SINDICAL. REQUISITOS. O prosseguimento da ação monitória para cobrança de contribuição sindical rural está condicionado à apresentação das guias de recolhimento da contribuição sindical, do comprovante de notificação pessoal do sujeito passivo tributário (artigo 145 do CTN) e da publicação dos editais a que se refere o artigo 605 da CLT. (Número do processo: 00355-2007-821-04-00-8 (RO). Juiz: JOÃO ALFREDO BORGES ANTUNES DE MIRANDA. Data de Publicação: 14/12/2007).

Em favor da CNA:

AÇÃO MONITÓRIA. CONTRIBUIÇÃO SINDICAL RURAL

REQUISITOS DA PROVA ESCRITA

A prova escrita apresentada cobre todos os elementos do fato constitutivo (débito). Além do mais, espelha débito previsto em lei, revelando o convencimento plausível da obrigação. Até em função destes argumentos, a falta de anuência do devedor não pode ser tomada como requisito imprescindível, posto sequer estar previsto em lei. NECESSIDADE DE INTIMAÇÃO PESSOAL. De acordo com o artigo 605 da CLT, a comunicação do débito ao contribuinte se faz através da publicação de editais em jornal de grande circulação local. Desnecessária a notificação pessoal. (Número do processo: 00341-2007-531-04-00-7 (RO). Juiz: MARIA HELENA MALLMANN. Data de Publicação: 10/10/2007).

O Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região também vem entendendo pela inviabilidade da ação monitória para a cobrança da contribuição sindical rural:

COBRANÇA DE CONTRIBUIÇÃO SINDICAL - AÇÃO MONITÓRIA - NÃO CABIMENTO O art. 1.102, a, do CPC faculta a utilização da ação monitória ao credor que possua prova escrita do débito, sem eficácia de título executivo, e merecedora de fé quanto à sua autenticidade. No caso da contribuição sindical, a prova da titularidade da dívida se faz através de certidão expedida pelas autoridades regionais do Ministério do Trabalho, que tem valor incontestável de título executivo extrajudicial, conforme preceitua o artigo 606 da CLT, sendo inadmissível a pretensão de comprovar o crédito através de ação monitória, com a juntada de meras guias de recolhimento, ou de notificações, unilateralmente confeccionados, que não se prestam para formar o juízo de convicção acerca da provável existência do crédito. Portanto, havendo título extrajudicial hábil para a comprovação do direito invocado, resta vedado à entidade sindical utilizar-se de ação monitória como sucedâneo da ação de cobrança. (PROCESSO TRT-15ª REGIÃO Nº 02415-2005-113-15-00-3. Relator: Manuel Soares Ferreira Carradita. Julgado em: 01/02/2008).

O Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região segue também vem negando o seguimento das monitórias, especialmente porque não provado o enquadramento sindical:

CONTRIBUIÇÃO SINDICAL RURAL. SUJEITO PASSIVO- LANÇAMENTO IRREGULAR. PROPRIETÁRIO RURAL- CONFIGURAÇÃO DE BIS IN IDEM. Para a cobrança da contribuição sindical rural prevista no Decreto nº 1166/71 incumbe ao sujeito ativo a demonstração de que o sujeito passivo da obrigação tributária insere-se, de forma estrita, na condição legal contida no lançamento da exação, por inteligência do contido nos arts. 97, III c/c 142 do CNT, bem como em observância ao sobreprincípio da Segurança Jurídica. A cobrança da contribuição sindical rural de proprietários rurais (art. 1º, II, alínea "c" do Decreto nº 1166/71) não atende às diretrizes constitucionais de representação sindical (art. 8º, II, CF c/c 511, § 1º da CLT), não sendo admissível compelir proprietários rurais ao pagamento da aludida contribuição, eis que a CNA representa, em âmbito nacional, apenas os produtores rurais e não os proprietários, por tão só este fato. Estes já suportam o ônus do imposto (ITR) que tem o mesmo fato gerador (propriedade imóvel rural) e mesma base de cálculo (VTN) da exação, sob pena de configuração de bis in idem (arts. 149 e 153, VI, CF). (TRT-PR-79005-2006-010-09-00-7-ACO-02409-2008 - 3A. TURMA. Relator: ARCHIMEDES CASTRO CAMPOS JÚNIOR. Publicado no DJPR em 25-01-2008).


6 Conclusão

Como foi visto, são vários requisitos a serem preenchidos para a caracterização do enquadramento sindical do trabalhador rural, os quais não vem sendo demonstrados pela CNA. Se de um lado há a responsabilidade inescusável do contribuinte em pagar a respectiva contribuição sindical, do outro lado há a obrigação também inescusável da credora em demonstrar o enquadramento sindical e a existência da dívida.

Não se pode olvidar da atual conjuntura rural brasileira, notadamente desta parte do Rio Grande do Sul, onde predominam minifúndios e é cada vez mais crescente o êxodo rural. Então se pergunta: a pequena propriedade de terra está garantindo o progresso social do trabalhador e de sua família? A resposta é logicamente negativa e fica evidente que a maioria, senão a totalidade dos requeridos nas ações monitórias da confederação se enquadram na categoria profissional e não na econômica.

É claro que o progresso social e econômico é de difícil comprovação, entretanto o Poder Judiciário do Trabalho não pode abrir mão da sua função primordial, qual seja, estender este braço do Estado ao hipossuficiente nas relações de trabalho. Hipossuficência maior do que a do trabalhador rural, invariavelmente de parcos estudos e que sobrevive graças ao feijão que ainda consegue plantar. Ao admitir-se a ação monitória sem exigir o preenchimento de todos os requisitos da legislação inverte-se a finalidade da Justiça do Trabalho, que passa a constranger o hipossuficiente com o mandado monitório levado pelo oficial de justiça quando deveria protegê-lo.

Aquele trabalhador que passou o dia tomando sol na pele para garantir o mínimo de renda para a sobrevivência da família, que não pôde estudar para trabalhar na roça, não pensará duas vezes ao ouvir do oficial de justiça que o Juiz do Trabalho mandou cobrar-lhe aquela dívida. O colono, como é conhecido nesta região, não lê correio do povo, zero hora e, muito menos, o diário oficial da união, nunca ouviu falar da tal CNA, mas respeita o poder do juiz e, provavelmente, comparecerá em juízo para pagar, até porque entre gastar com advogado ou com a dívida, melhor a segunda, porque já resolve o problema de uma vez e garante o seu sono à noite.

Mas a Justiça do Trabalho não pode se considerar simples cobradora da autora. Deve analisar se estão preenchidos todos os requisitos legais e só então, calcada na lei, expedir o mandado monitório, se for o caso.

Ocorre que nas ações monitórias da CNA não foram preenchidas as exigências legais, conforme já explanado acima, de sorte que é inviável, pelo menos com os documentos que instruem os processos, se aferir o real enquadramento sindical dos trabalhadores.

Ressalta-se que não se ignora o privilégio da contribuição sindical do artigo 606, §2º, da CLT. Entretanto, para garantir ao débito os privilégios processuais do crédito fiscal, mister que a dívida esteja estabelecida de forma a lhe garantir a presunção de legalidade que, no caso, seria adquirida com a certidão do §1º do mencionado dispositivo. Não há nos autos da monitória a certidão, o que impossibilita totalmente qualquer espécie de contraditório.

Outrossim, o procedimento monitório não é o correto para a cobrança da contribuição sindical, já que os requisitos do enquadramento somente poderiam ser demonstrados em ação ordinária, onde se perscrutasse a que categoria pertence o trabalhador. Note-se que a prova ficaria sobremaneira prejudicada na ação monitória, especialmente quando ao módulo rural e progresso social e econômico, fatores ligados ao próprio trabalhador.

Ademais, a Justiça Laboral não pode se constranger com o entendimento fixado pelos tribunais comuns, pois lá não há a preocupação com o trabalhador hipossuficiente. Ressalte-se que principal motivo para a existência de uma justiça especializada com vistas às relações de trabalho é justamente a proteção do mais fraco, buscando equilibrar os desiguais, totalmente diferente da justiça comum, onde a igualdade se presume.

É por esse motivo que o entendimento pacificado no STJ do cabimento da ação monitória para a cobrança da contribuição sindical rural não pode ser cegamente aplicada pelos juízes do trabalho, sob pena de se estar negando toda a história do direito trabalhista.

O caráter zetético do Direito do Trabalho deve prevalecer, sendo que mesmo os entendimentos dos tribunais superiores comuns devem ser revistos, levando-se em conta os princípios norteadores das relações laborais.


REFERÊNCIAS

BARROS, Wallington Pacheco. Curso de Direito Agrário. 4. ed. rev. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. 2 v.

BRASIL. Constituição Federal. 9 ed. Org. Yussef Said Cahali. São Paulo: RT, 2007.

BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho. Org. Nylson Paim de Abreu Filho. 5 ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2006.

JURIS SÍNTESE. Repertório de Jurisprudência. Rio de Janeiro, n. 41, maio/jun, 2003. 1 CD-ROM.

TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 4ª REGIÃO. Consulta de Jurisprudência. Disponível em: <http://www.trt4.gov.br/portal/page/portal/Internet/Home/Consultas/Jurisprudencia/ Acordaos>. Acesso em 12/02/2008.

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TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 15ª REGIÃO. Consulta de Jurisprudência. Disponível em: <http://www.trt15.gov.br/consulta/owa/pDecisao.wAcordao?pTipoConsulta=PROCESSO&n_idv=812851>. Acesso em 12/02/2008.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

URNAU, Evandro Luis. As ações monitórias da CNA na Justiça do Trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2802, 4 mar. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18622. Acesso em: 19 abr. 2024.