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Prestação de serviços: o fato gerador das contribuições previdenciárias

Prestação de serviços: o fato gerador das contribuições previdenciárias

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A Súmula 368, III, do TST é incompatível com a tese de que o fato gerador das contribuições previdenciárias seria o pagamento.

RESUMO: O presente estudo analisa o fato gerador das contribuições previdenciárias e conclui que é a prestação de serviços. Através da ponderação de dispositivos constitucionais e da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, demonstra-se que o fato gerador das contribuições sociais não está estabelecido na Constituição Federal e deve obedecer à legislação ordinária. Em seguida, analisam-se a Lei 8.212/91 e o Decreto 3.048/99 tomando como referência a interpretação das expressões "pagos" e "creditados" constantes no art. 195, I da Constituição Federal. Por fim, comprova-se que a Súmula 368, III do TST é inteiramente incompatível com a tese de que o fato gerador das contribuições previdenciárias seria o pagamento.

SUMÁRIO: 1 O fato gerador das contribuições sociais deve obedecer à legislação ordinária.2 O fato gerador das contribuições sociais previsto na lei 8.212/91. 3 Aplicação da Súmula Vinculante 10 do STF. 4 As expressões "pagos" e "creditados" constantes no art. 195, I, "a" da CF. 5 Análise do Decreto 3.048/99. 5.1 Compreensão gramatical do art. 276, caput do Decreto 3.048/99. 5.2 Natureza do prazo para recolhimento fixado no art. 276 e sua derrogação pelo art. 43, §3º da lei 8.212/1991, na redação da lei 11.941/2009. 6 A incompatibilidade da súmula 368, III do TST com a tese de que o fato gerador das contribuições previdenciárias é o pagamento.


1 O fato gerador das contribuições sociais deve obedecer à legislação ordinária

Inicialmente, deve-se esclarecer que o Supremo Tribunal Federal adotou a tese pentapartida [01] das espécies tributárias, ou seja, existem em nosso ordenamento jurídico cinco espécies de tributos, muito bem elencados e discriminados no Acórdão RE 138.284 [02], que apaziguou qualquer discussão que existia dentro do Pretório Excelso:

1) os impostos;

2) as taxas;

3) as contribuições de melhoria;

4) as contribuições do art. 149 da CF;

5) os empréstimos compulsórios.

A espécie tributária que demonstra relevo na presente explanação é a de n.º 4 (contribuições do art. 149 da CF), dentro das quais se encontram as contribuições sociais do art. 195 da CF:

Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo. (grifo do autor)

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: (grifo do autor)

Segundo entendimento do Pretório Excelso, o fato gerador dos tributos não se encontra previsto na Constituição Federal, mas, a depender da espécie tributária, em leis complementares ou leis ordinárias. Desde logo se esclarece que, no caso das contribuições sociais gerais (art. 149 e art. 195, I, II, III e IV da CF), exige-se que o fato gerador seja definido em lei ordinária.

Pois bem, segundo o art. 146, III, "a" da CF, a definição dos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes dos impostos discriminados na Constituição é matéria que deve necessariamente ser tratada por lei complementar:

Art. 146. Compete à Lei Complementar:

III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes; (grifo do autor)

Por sua vez, como ressaltou o Ministro CARLOS VELLOSO no RE 138.284 [03], a instituição das contribuições do art. 149 e do art. 195 da CF não exige a edição de lei complementar:

Todas as contribuições, sem exceção, sujeitam-se à lei complementar de normas gerais, assim ao C.T.N. (art. 146, III, ex vi do disposto no art. 149). Isto não quer dizer que a instituição dessas contribuições exige lei complementar: porque não são impostos, não há exigência no sentido de que os seus fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes estejam definidos em lei complementar (art. 146, III, a). (grifos do autor)

A contrario sensu, portanto, já seria lícita a conclusão de que o fato gerador das contribuições sociais dos arts. 149 e 195, I, II, III e IV deve ser disciplinado por lei ordinária. O Ministro CARLOS VELLOSO, no Acórdão do AI 508.398-AgR [04], teve a oportunidade de analisar o aspecto ora ressaltado:

CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA DO EMPREGADOR. FATO GERADOR. PRAZO PARA RECOLHIMENTO.

I – O estabelecimento do momento em que se dá o fato gerador e a exigibilidade da contribuição social devida pelo empregador, incidente sobre a folha de salários, são questões a serem reguladas mediante legislação ordinária, que não integra o contecioso constitucional. Precedentes.

II – Agravo não provido. (grifo do autor)

Em outras palavras, o Supremo Tribunal Federal já se manifestou no sentido de que oestabelecimento do momento em que ocorre o fato gerador e a exigibilidade da contribuição social devida pelo empregador, incidente sobre a folha de salários, são questões a serem reguladas mediante legislação ordinária, que não integra o contencioso constitucional.

Destarte, como o momento em que se configura o fato gerador das contribuições sociais (se é quando a remuneração passa a ser devida ou se é quando a remuneração é paga) não é da alçada constitucional, os Tribunais não podem invocar o art. 195, I, "a" da CF com o intuito de afastar a aplicação de leis ordinárias (art. 28, I e art. 30, I, "b" da Lei 8.212/91) que previram o vocábulo "devido", sem que isso implique violação ao entendimento do STF e sem que isso implique verdadeiro juízo de inconstitucionalidade, como será demonstrado no item 3 infra.

Assim, o fato gerador das contribuições previdenciárias não está disciplinado no art. 195, I, "a" da CF, mas nos arts. 22, I; 28, I; 30, I, "b" e 43, §2º da Lei 8.212/91.


2 O fato gerador das contribuições sociais previsto na lei 8.212/91

De início, deve-se trazer à colação antigo julgado do STF, anterior à CF de 1988, em época que lhe competia analisar não só questões constitucionais como também questões da alçada da legislação federal (infraconstitucional), RE 90.466 [05]:

PREVIDÊNCIA SOCIAL. CONTRIBUIÇÃO. TRABALHADOR AVULSO. LEI ORGÂNICA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL, ART. 69, §2º - A prestação de serviço remunerado pelo trabalhador autônomo é fato gerador da obrigação para empresa tomadora de serviço de pagar a contribuição previdenciária pertinente. Recurso extraordinário conhecido e provido. (grifos do autor)

Já foi visto que, segundo o Pretório Excelso, o fato gerador dos impostos deve vir discriminado em lei complementar, ao passo que o fato gerador das contribuições sociais previstas no art. 149 e no art. 195, I, II, III e IV deve vir discriminado em lei ordinária.

Destarte, salta aos olhos a importância da Lei 8.212/91, particularmente do art. 30, I, "b", com a redação que lhe foi conferida pela Lei 9.876/99, mantida pela Lei 11.488/2007 e pela Lei 11.933/2009, segundo o qual o fato gerador das contribuições sociais é a remuneração paga, devida ou creditada:

Art. 30. A arrecadação e o recolhimento das contribuições ou de outras importâncias devidas à Seguridade Social obedecem às seguintes normas:

I - a empresa é obrigada a:

b) recolher o produto arrecadado na forma da alínea a deste inciso, a contribuição a que se refere o inciso IV do art. 22 desta Lei, assim como as contribuições a seu cargo incidentes sobre as remunerações pagas, devidas ou creditadas, a qualquer título, aos segurados empregados, trabalhadores avulsos e contribuintes individuais a seu serviço até o dia 20 (vinte) do mês seguinte ao da competência; (grifo do autor)

A referida "fórmula" utilizada pelo legislador ordinário (remunerações pagas, devidas ou creditadas) também se repete no art. 22, I e no art. 28, I da mesma Lei.

Pois bem, sendo o fato gerador da obrigação tributária a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência (art. 114 do CTN [06]), percebe-se que qualquer uma das três situações previstas no juízo de alternatividade estatuído no art. 30, I, "b" da Lei 8.212/91 é capaz de fazer surgir a obrigação tributária principal.

Assim, a primeira das três situações que se concretizar no mundo dos fatos será suficiente à ocorrência do fato gerador.

Explica-se.

A regra em nossa sistemática trabalhista é que o pagamento da remuneração seja efetuado após a prestação de serviços. Como a remuneração passa a ser devida com a prestação dos serviços, a partir da referida prestação já resta concretizada uma das hipóteses de incidência eleitas pela lei (remuneração devida), independentemente de qual data posterior ocorra o pagamento.

Por outro lado, caso o pagamento preceda a prestação de serviços, será ele próprio o fato gerador porque, a partir de então, já resta concretizada uma das hipóteses de incidência eleitas pela lei (remuneração paga), antes mesmo da prestação dos serviços.

O presente estudo será focado na primeira situação, qual seja, nos casos em que primeiro ocorre a prestação de serviços (remuneração devida) e só depois o efetivo pagamento.

Cabe analisar quando se torna devida a remuneração do trabalhador. Para tanto, há de se distinguir o surgimento do direito e o surgimento da pretensão (exigibilidade), e exatamente isso é tratado no art. 189 do CC: "Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206".

Sendo a remuneração contraprestação do empregador ao empregado pelos serviços deste prestados àquele, o direito à remuneração nasce tão-logo sejam prestados os serviços (art. 457 [07] da CLT).

Por outro lado, se é certo que a remuneração é devida com a prestação de serviços (o direito à remuneração surge com a prestação de serviços), também é certo que as partes podem convencionar não efetuar o respectivo pagamento diariamente, mas uma vez por mês. Nesses casos, consoante prevê o art. 459 [08] da CLT, o direito à remuneração não é exigível desde a prestação do serviço, mas a partir do quinto dia útil do mês subseqüente ao vencido/trabalhado. Ou seja, a pretensão à remuneração (exigibilidade do direito) surge após o não pagamento estipulado legalmente para o quinto dia útil de cada mês.

Em suma, muito embora a remuneração do trabalhador seja devida desde a prestação dos serviços dentro do respectivo mês, ela só é exigível e, portanto, pleiteável judicialmente, a partir do quinto dia útil do mês subseqüente, quando houver a violação do direito pelo não pagamento.

Assim, tem-se que:

PREMISSA 1 - a remuneração do trabalhador é-lhe devida, in continenti, com a prestação dos serviços;

PREMISSA 2 - o fato gerador das contribuições sociais ocorre quando a remuneração passa a ser devida;

CONCLUSÃO - o fato gerador ocorre com a prestação dos serviços pelo empregado ao empregador, independentemente do cumprimento das obrigações trabalhistas (pagamento).

Mesmo quando o pagamento da remuneração não ocorrer até o quinto dia útil do mês subseqüente ao que foi prestado o trabalho, já existirá a obrigação tributária previdenciária desde prestação do serviço, pois a partir de então surgiu o dever de remunerar, consumando-se o fato gerador (remuneração devida).

Portanto, ressalvando-se as hipóteses em que o pagamento ocorre antes da prestação do trabalho, conclui-se que a norma aplicável para o cálculo da contribuição previdenciária será a que estava vigorando no momento em que houve a prestação do serviço (art. 144, caput [09] do CTN), não importando se o pagamento se deu a posteriori, uma vez que o fato gerador já se consumara quando a remuneração passou a ser tão-somente devida. Como se demonstrará no item 6, infra, é justamente nesse aspecto que existe insuperável incompatibilidade entre a Súmula 368, III do TST e a tese de que o fato gerador das contribuições previdenciárias é o pagamento.

A fixação do fato gerador como a prestação dos serviços justifica-se pelo fato de a Previdência Social ampara o trabalhador a partir do momento em que este inicia a prestação de seus trabalhos, quando se sujeita aos riscos a que se destina a cobertura dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, nos termos da Lei 8.213/91:

Art. 11. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintespessoas físicas:

I - como empregado:

a) aquele que presta serviço de natureza urbana ou rural à empresa, em caráter não eventual, sob sua subordinação e mediante remuneração, inclusive como diretor empregado;

II - como empregado doméstico: aquele que presta serviço de natureza contínua a pessoa ou família, no âmbito residencial desta, em atividades sem fins lucrativos;

V - como contribuinte individual: (...)

g) quem presta serviço de natureza urbana ou rural, em caráter eventual, a uma ou mais empresas, sem relação de emprego; (grifo do autor)

Do contrário, não seria possível dar cumprimento ao princípio do equilíbrio econômico e atuarial, exigido no art. 195, § 5º [10] e no art. 201, caput [11]da CF, já que o trabalhador poderia estar exposto a riscos cobertos por benefícios da Previdência Social antes que esta pudesse arrecadar os recursos destinados ao custeio desses mesmos benefícios.

Por fim, deve-se salientar a alteração impingida pela Medida Provisória 449/2008, convertida na Lei 11.941/2009, consagrando o entendimento que já era pacífico no Colendo Superior Tribunal de Justiça [12], e que já era perfilhado por inúmeros Tribunais do Trabalho [13], segundo o qual o fato gerador das contribuições previdenciárias é a prestação de serviços:

Art. 43. Nas ações trabalhistas de que resultar o pagamento de direitos sujeitos à incidência de contribuição previdenciária, o juiz, sob pena de responsabilidade, determinará o imediato recolhimento das importâncias devidas à Seguridade Social. (Redação dada pela Lei n° 8.620, de 5.1.93)

§ 1º Nas sentenças judiciais ou nos acordos homologados em que não figurarem, discriminadamente, as parcelas legais relativas às contribuições sociais, estas incidirão sobre o valor total apurado em liquidação de sentença ou sobre o valor do acordo homologado. (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009).

§ 2º Considera-se ocorrido o fato gerador das contribuições sociais na data da prestação do serviço. (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009).

§ 3º As contribuições sociais serão apuradas mês a mês, com referência ao período da prestação de serviços, mediante a aplicação de alíquotas, limites máximos do salário-de-contribuição e acréscimos legais moratórios vigentes relativamente a cada uma das competências abrangidas, devendo o recolhimento ser efetuado no mesmo prazo em que devam ser pagos os créditos encontrados em liquidação de sentença ou em acordo homologado, sendo que nesse último caso o recolhimento será feito em tantas parcelas quantas as previstas no acordo, nas mesmas datas em que sejam exigíveis e proporcionalmente a cada uma delas. (grifos do autor)


3 Aplicação da Súmula Vinculante 10 do STF

Neste item, será demonstrado que é necessária, como pressuposto lógico para deixar de aplicá-los, a declaração de inconstitucionalidade, pelo plenário ou pela corte especial, do art. 28, I; do art. 30, I, "b" e do art. 43, §§2º e 3º da lei 8.212/91.

Após reiterados julgamentos que remontam à década de 1990, o Pretório Excelso editou Súmula Vinculante visando a conferir inteira e plena aplicabilidade à cláusula de reserva de plenário insculpida no art. 97 [14] da CF.

Em verdade, o que rotineiramente acontece nos tribunais pátrios é um fenômeno através do qual o relator e a Turma (ou Câmara), convenientemente, deixam de aplicar o disposto em lei alegando, genericamente, certa norma-dispositivo ou norma-princípio da Constituição Federal sem, no entanto, declarar de modo expresso a sua inconstitucionalidade, seja parcialmente, seja integralmente.

Transcreve-se a referida Súmula Vinculante para melhor compreensão:

SÚMULA VINCULANTE Nº 10: Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de Tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte.

Assim, nada impede que um Juízo monocrático de 1º grau de jurisdição, ou um tribunal deixe de aplicar lei ou ato normativo. No entanto, tal procedimento implica verdadeira declaração de inconstitucionalidade, motivo pelo qual demanda, obrigatoriamente, no 2º grau de jurisdição, a aplicação do art. 97 da CF, com a manifestação do plenário ou do órgão especial.

Depreende-se, portanto, do contido na Súmula Vinculante 10 do STF, que a não aplicação do art. 28, I e do art. 30, I, "b" da Lei 8.212/91, com a redação que lhes foi conferida pela Lei 9.876/99, especificamente a não aplicação do vocábulo "devido" na configuração do fato gerador das contribuições previdenciárias, bem como do art. 43, §§2º e 3º da Lei 8.212/91, com a redação da Lei 11.941/2009, em razão do disposto no art. 195, I "a" [15] da CF implica verdadeira declaração de inconstitucionalidade, devendo obediência à reserva de plenário fixada no art. 97 da CF.

Destarte, qualquer Tribunal Regional do Trabalho, bem como o Tribunal Superior do Trabalho, na hipótese de entender que o fato gerador das contribuições previdenciárias é o efetivo pagamento da remuneração, e não o fato de ela ser "devida" ao trabalhador, deve submeter a questão ao órgão especial ou ao plenário, obedecendo o rito previsto nos arts. 480 [16] e ss. do CPC.


4 As expressões "pagos" e "creditados" constantes no art. 195, I, "a" da CF

Impende relembrar que o STF, conforme já demonstrado em tópico anterior já deixou assente que o fato gerador das contribuições sociais previstas no art. 149 e no art. 195, I, II, III e IV deve ser definido em lei ordinária.

CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA DO EMPREGADOR. FATO GERADOR. PRAZO PARA RECOLHIMENTO.

I – O estabelecimento do momento em que se dá o fato gerador e a exigibilidade da contribuição social devida pelo empregador, incidente sobre a folha de salários, são questões a serem reguladas mediante legislação ordinária, que não integra o contecioso constitucional. Precedentes.

II – Agravo não provido.

(STF - AG. REG. NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 508.398 – AI 508398 – AgR. Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 14.10.2005)

Destarte, a inclusão do vocábulo "devida", nos arts. 22, I; 28, I e 30, I, "b" da Lei 8.212/91, determinando que o fato gerador é o fato de a remuneração ser devida, bem como a inclusão dos §§2º e 3º ao art. 43 da mesma Lei, não consiste em "inovação inconstitucional de fato gerador".

No entanto, a título argumentativo, mesmo que se considere, em frontal violação à jurisprudência do STF, que a lei ordinária não poderia estipular o momento da ocorrência do fato gerador das contribuições sociais (se ocorre quando a remuneração é devida ou quando a remuneração é paga), não merece prosperar a tese de que o fato gerador seria o efetivo pagamento.

Explica-se.

A CF em seu art. 195, I, "a" estabelece que a Seguridade Social será financiada com a contribuição do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada, na forma da lei, incidente sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos OU creditados, a qualquer título à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício.

Salta aos olhos a alternatividade que a Constituição utilizou entre os vocábulos "pagos" e "creditados". Desse modo, é imprescindível se evitar interpretações apressadas e simplistas que destruam o verdadeiro propósito dessa norma: por exemplo, deve-se excluir a interpretação que considera as expressões "pagos" e "creditados" como sinônimas, haja vista que a lei, e especialmente a Constituição, não contêm palavras inúteis.

Noutros termos, as expressões "pagos" e "creditados" utilizadas pelas Constituição Federal NÃO são sinônimas, e seus verdadeiros conteúdos devem ser efetivamente buscados. Remuneração "creditada" não significa, obviamente, "creditada na conta corrente do trabalhador", já que isto importaria justamente em pagamento, recaindo na sinonímia que deve ser evitada.

É essencial dar aplicação ao princípio hermenêutico segundo o qual na Constituição e na lei não se presumem palavras inúteis. Nesse sentido, CARLOS MAXIMILIANO [17] aponta o aforismo, oriundo do Direito Romano, de que a lei não contém palavras inúteis: "verba cum effectu, sunt accipienda".

Remuneração "creditada", para a Constituição e para a legislação previdenciária, significa remuneração da qual o trabalhador tem crédito, ou seja, da qual é "credor", à qual tem direito subjetivo. Tal direito, como também é evidente, é adquirido com a realização do trabalho para o qual ele, trabalhador, é contratado. Importante, ainda, não confundir a aquisição do direito com sua exigibilidade, como já demonstrado no item 2, supra.

Ademais, a correta compreensão do termo "creditada" demanda a distinção entre os chamados "regime de competência" e "regime de caixa", que se refere à diferença entre o momento em que uma prestação torna-se devida (creditada), isto é, alguém se torna credor dessa prestação, e o momento em que essa prestação é executada (paga), isto é, quando aquele credor tem sua prestação satisfeita, passando a ter "em caixa" o respectivo objeto ou quantia.

Essa distinção entre conceitos jurídicos é muito claramente compreendida pelas ciências contábeis. Salienta JOSÉ CARLOS MARION [18]:

Diante do Regime de Competência dos Exercícios (Princípio Básico), a Contabilidade considera a Receita gerada em determinado exercício social, não importando o recebimento da mesma. (...) No que tange à Despesa, o raciocínio é o mesmo: importa a despesa consumida (incorrida) em determinado período contábil, sendo irrelevante o período de pagamento. (...) Se consumirmos uma despesa no mês de setembro cujo pagamento foi fixado para dezembro, admitindo-se que o resultado seja apurado mensalmente, a referida despesa será alocada (apropriada), considerada para o mês de setembro (mês do consumo) e não dezembro (mês do pagamento). A despesa compete a setembro.

Isto quer dizer que, ainda que seja estipulado momento posterior para o pagamento da remuneração, já se encontram transpostos para o mundo do direito o fato jurídico da prestação de serviços, o débito da remuneração – dever jurídico de pagá-la – no patrimônio jurídico da empresa e o correspondente crédito – direito subjetivo de recebê-la – no patrimônio jurídico do trabalhador.


5 Análise do Decreto 3.048/99

5.1 Compreensão gramatical do art. 276, caput do Decreto 3.048/99

O Decreto 3.048/99 é o Regulamento da Previdência Social e traz em seu bojo tanto normas concernentes à concessão de benefícios previdenciários, quanto normas relativas à arrecadação e recolhimento das contribuições sociais.

Cabe destacar, em especial, o art. 216, I, "b" do referido regulamento, segundo o qual as contribuições previdenciárias devem ser recolhidas no dia vinte do mês seguinte àquele a que se referirem as remunerações.

Ou seja, o Regulamento adota, expressamente, em consonância ao disposto na Lei 8.212/91 e ao disposto na CF, como fato gerador das contribuições sociais a prestação de serviçona medida em que determina a obrigação de as contribuições sociais serem recolhidas no mês seguinte àquele a que se referem as remunerações.

Traz-se à colação, devido à suma importância que representa, o art. 216, I, "b" do Decreto 3.048/99:

Art. 216. A arrecadação e o recolhimento das contribuições e de outras importâncias devidas à seguridade social, observado o que a respeito dispuserem o Instituto Nacional do Seguro Social e a Secretaria da Receita Federal, obedecem às seguintes normas gerais:

I - a empresa é obrigada a:

b) recolher o produto arrecadado na forma da alínea "a" e as contribuições a seu cargo incidentes sobre as remunerações pagas, devidas ou creditadas, a qualquer título, inclusive adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, acordo ou convenção coletiva, aos segurados empregado, contribuinte individual e trabalhador avulso a seu serviço, e sobre o valor bruto da nota fiscal ou fatura de serviço, relativo a serviços que lhe tenham sido prestados por cooperados, por intermédio de cooperativas de trabalho, até o dia vinte do mês seguinte àquele a que se referirem as remunerações, bem como as importâncias retidas na forma do art. 219, até o dia vinte do mês seguinte àquele da emissão da nota fiscal ou fatura, antecipando-se o vencimento para o dia útil imediatamente anterior quando não houver expediente bancário no dia vinte;" (Redação dada pelo Decreto nº 6.722, de 2008). (grifos do autor)

Não restam dúvidas, portanto, quanto à adoção pelo Decreto 3.048/99 da prestação de serviços como fato gerador das contribuições sociais, haja vista a obrigação de as mesmas serem recolhidas no dia 20 do mês subseqüente àquele a que se referirem as remunerações.

O art. 276 do referido regulamento, por sua vez, deve ser analisado em consonância e observância ao disposto no seu art. 216, I, "b", bem como em consonância aos comandos do art. 30, I, "b" e art. 43, §§2º e 3º da Lei 8.212/91 e aos dispositivos constitucionais anteriormente analisados.

Art. 276. Nas ações trabalhistas de que resultar o pagamento de direitos sujeitos à incidência de contribuição previdenciária, o recolhimento das importâncias devidas à seguridade social será feito no dia dois do mês seguinte ao da liquidação da sentença. (grifos do autor)

Inicialmente, é imprescindível que na análise do referido dispositivo sejam observadas as regras da língua portuguesa, mais especificamente a concordância nominal em destaque na transcrição acima.

O vocábulo "pagamento" encontra-se no singular e os vocábulos "direitos" e "sujeitos" encontram-se no plural. Assim, é inarredável a conclusão de que o particípio-passado do verbo sujeitar – "sujeitos" (plural) – está concordando em número com o substantivo "direitos" (plural), e não com o substantivo "pagamento" (singular).

Observem-se os exemplos abaixo:

1) "Nas ações trabalhistas de que resultar o pagamento de direitos sujeito à incidência de contribuição previdenciária...". Neste exemplo, o que está sujeito à incidência de contribuição previdenciária é "o pagamento", e não "os direitos", haja vista a concordância em número singular do particípio-passado "sujeito" com o substantivo "pagamento".

2) "Nas ações trabalhistas de que resultar o pagamento de direitos sujeitos à incidência de contribuição previdenciária...". Neste exemplo, o que está sujeito à incidência de contribuição previdenciária não é o pagamento, mas "os direitos", haja vista a concordância em número plural do particípio-passado "sujeitos" com o substantivo "direitos".

Desse modo, consoante o art. 276, caput do Decreto 3.048/99, da maneira como escrito, haja vista as regras de concordância da língua portuguesa, o que sofre a incidência das contribuições previdenciárias não é, nem pode ser, em hipótese alguma, o pagamento.O que, certamente, sofre a incidência das contribuições sociais são "os direitos" reconhecidos na sentença trabalhista de mérito, cuja existência fora declarada no comando condenatório, pois, afinal, toda condenação tem como pressuposto lógico uma declaração.

Uma vez demonstrado, consoante o art. 276, caput, do Decreto 3.048/99, que a incidência da contribuição previdenciária recai sobre "os direitos", cabe perquirir, agora, que direitos são esses.

Pois bem, os direitos pagos nas reclamatórias trabalhistas são aqueles reconhecidos pela sentença de mérito, ou seja, são os direitos à remuneração, sejam eles oriundos de labor extraordinário, de descanso semanal remunerado, adicional de periculosidade ou de insalubridade ou noturno, enfim, quaisquer direitos aferíveis pecuniariamente que se insiram na definição de salário-de-contribuição contida no art. 28, I da Lei 8.212/99.

5.2 Natureza do prazo para recolhimento fixado no art. 276 e sua derrogação pelo art. 43, §3º da lei 8.212/1991, na redação da lei 11.941/2009

Por certo, o art. 30, I, "b" da Lei 8.212/91 e o art. 216, I, "b" do Decreto 3.048/99 são as regras fixadoras do vencimento da obrigação tributária previdenciária, qual seja, dia 20 do mês seguinte àquele a que se referem as remunerações, ou seja, no dia 20 do mês seguinte àquele em que houve a prestação do serviço.

O não recolhimento das contribuições previdenciárias, cujo fato gerador é a prestação do serviço, no prazo indicado acarreta o pagamento de multa e juros de mora, nos termos do art. 61 da Lei 9.430/1996, segundo dispõe o art. 35 da Lei 8.212/91:

Art. 35. Os débitos com a União decorrentes das contribuições sociais previstas nas alíneas a, b e c do parágrafo único do art. 11 desta Lei, das contribuições instituídas a título de substituição e das contribuições devidas a terceiros, assim entendidas outras entidades e fundos, não pagos nos prazos previstos em legislação, serão acrescidos de multa de mora e juros de mora, nos termos do art. 61 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996.

Indaga-se: qual seria a finalidade do prazo para recolhimento nas reclamatórias trabalhistas previsto no art. 276, caput do Decreto 3.048/99 e do prazo para recolhimento previsto no art. 43, §3º da Lei 8.212/91, acrescentado pela Lei 11.941/2009? Seriam eles novos vencimentos fixados para as obrigações tributárias a serem pagas e executadas no bojo da execução fiscal trabalhista, de sorte a impedirem, enquanto não ultrapassados, o cômputo de juros e multa de mora? Certamente a resposta para estas indagações é negativa, conforme se passa a demonstrar.

Desde logo se ressalta que o art. 276, caput do Decreto 3.048/99 foi derrogado pelo art. 43, §3º da Lei 8.212/91, motivo pelo qual o recolhimento das importâncias devidas à seguridade social deve ser feito não mais "no dia dois do mês seguinte ao da liquidação da sentença", mas sim "no mesmo prazo em que devam ser pagos os créditos encontrados em liquidação de sentença ou em acordo homologado".

Observem-se as redações dos mencionados dispositivos:

Art. 276. Nas ações trabalhistas de que resultar o pagamento de direitos sujeitos à incidência de contribuição previdenciária, o recolhimento das importâncias devidas à seguridade social será feito no dia dois do mês seguinte ao da liquidação da sentença. (grifos do autor)

Art. 43. Nas ações trabalhistas de que resultar o pagamento de direitos sujeitos à incidência de contribuição previdenciária, o juiz, sob pena de responsabilidade, determinará o imediato recolhimento das importâncias devidas à Seguridade Social. (Redação dada pela Lei n° 8.620, de 5.1.93)

§ 3º As contribuições sociais serão apuradas mês a mês, com referência ao período da prestação de serviços, mediante a aplicação de alíquotas, limites máximos do salário-de-contribuição e acréscimos legais moratórios vigentes relativamente a cada uma das competências abrangidas, devendo o recolhimento ser efetuado no mesmo prazo em que devam ser pagos os créditos encontrados em liquidação de sentença ou em acordo homologado, sendo que nesse último caso o recolhimento será feito em tantas parcelas quantas as previstas no acordo, nas mesmas datas em que sejam exigíveis e proporcionalmente a cada uma delas. (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009). (grifo do autor)

O prazo para recolhimento nas reclamatórias trabalhistas estipulado no art. 43, §3º da Lei 8.212/91 é o período que o contribuinte e/ou responsável tributário tem para, após apurada a base de cálculo das contribuições sociais através de liquidação de sentença nos autos da reclamatória trabalhista, espontaneamente, pagar o tributo, sem a necessidade de se iniciar a execução forçada, com os ônus que advêm da execução fiscal, tais como a invasão de seu patrimônio e os constantes no art. 185-A do CTN:

Art. 185-A. Na hipótese de o devedor tributário, devidamente citado, não pagar nem apresentar bens à penhora no prazo legal e não forem encontrados bens penhoráveis, o juiz determinará a indisponibilidade de seus bens e direitos, comunicando a decisão, preferencialmente por meio eletrônico, aos órgãos e entidades que promovem registros de transferência de bens, especialmente ao registro público de imóveis e às autoridades supervisoras do mercado bancário e do mercado de capitais, a fim de que, no âmbito de suas atribuições, façam cumprir a ordem judicial.

§1º A indisponibilidade de que trata o caput deste artigo limitar-se-á ao valor total exigível, devendo o juiz determinar o imediato levantamento da indisponibilidade dos bens ou valores que excederem esse limite.

§2º Os órgãos e entidades aos quais se fizer a comunicação de que trata o caput deste artigo enviarão imediatamente ao juízo a relação discriminada dos bens e direitos cuja indisponibilidade houverem promovido.

Noutros termos, mesmo estando em mora para com a Fazenda Pública, o contribuinte ou responsável tributário tem a garantia de não sofrer o processo executivo fiscal até decorrido o prazo previsto no art. 43, §3º da Lei 8.212/91, que derrogou o art. 276, caput do Decreto 3.048/99.

Não se pode inferir dessa regra que o pagamento realizado nos autos da reclamatória trabalhista não terá no seu cômputo juros moratórios e multa, posto que, reitere-se, o vencimento ocorreu no dia 20 do mês seguinte ao da competência (serviço prestado), consoante art. 30, I, "b" e art. 43, §2º da Lei 8.212/91 e art. 216, I, "b" do Decreto 3.048/99.

Por derradeiro, é importante trazer à colação os ensinamento da lavra de CARLOS ALBERTO PEREIRA DE CASTRO e JOÃO BATISTA LAZZARI [19] ao comentarem o art. 276 do Decreto:

Quanto ao ‘vencimento’ estabelecido pelo decreto, a sua interpretação é incorreta, uma vez que a contribuição já era devida no momento em que o direito do empregado, por exemplo, a horas extras, ou diferenças salariais, foi violado. Se o fato gerador da obrigação de recolher é a existência de remuneração devida, ainda que não quitada, o empregador inadimpliu contribuições, incorrendo em mora, a partir do dia 2 do mês subseqüente ao do pagamento não realizado ao empregado. Assim sendo, incidem sobre as contribuições juros de mora e multa, previstos, respectivamente, nos arts. 34 e 35 da Lei de Custeio. E não há que se falar em novo vencimento, uma vez que, como já salientado no início, a sentença judicial não é fato gerador de contribuição previdenciária, tampouco a sua liquidação. (grifos do autor)

Cumpre, ainda, citar um esclarecimento dos doutrinadores suso mencionados sobre a relação entre sentença judicial e aquisição de direitos. Ao tratarem do tema "Reconhecimento de Fatos Geradores em Decisões Proferidas Pela Justiça do Trabalho", os autores, na obra acima mencionada, esclarecem que:

Não é de decisão judicial que resultam direitos, mas da existência de direito, que em tempo pretérito foi lesado, e que somente por ocasião da sentença foi reconhecido pelo Estado-Juiz. Vale dizer, sentença judicial ainda que homologando transação entre as partes num litígio perante a Justiça do trabalho não é fato gerador de contribuição à Seguridade. [20]

E mais à frente continuam: "não se perca de vista que a decisão judicial condenatória tem tão-somente o efeito de um reconhecimento a posteriori de um direito vilipendiado; não cria direitos, apenas os declara existentes e não satisfeitos". [21]


6 A incompatibilidade da súmula 368, III do TST com a tese de que o fato gerador das contribuições previdenciárias é o pagamento

Para finalizar o presente estudo, deve-se chamar atenção para a grave incoerência existente entre a Súmula 368, III do TST, o art. 144 do CTN e o entendimento de que o fato gerador das contribuições previdenciárias é o pagamento.

Segundo a Súmula 368, III do TST, a contribuição do empregado, no caso de ações trabalhistas, deve ser calculada mês a mês, aplicando-se as alíquotas em vigor em cada um deles, bem como observando o limite máximo do salário de contribuição então em vigor em cada um deles:

SÚMULA Nº 368 DO TST

Descontos Previdenciários e Fiscais - Competência - Responsabilidade pelo Pagamento - Forma de Cálculo

III - Em se tratando de descontos previdenciários, o critério de apuração encontra-se disciplinado no art. 276, § 4º, do Decreto n º 3.048/99 que regulamentou a Lei nº 8.212/91 e determina que a contribuição do empregado, no caso de ações trabalhistas, seja calculada mês a mês, aplicando-se as alíquotas previstas no art. 198, observado o limite máximo do salário de contribuição. (ex-OJ nº 32 - Inserida em 14.03.1994 e OJ 228 - Inserida em 20.06.2001) (grifo do autor)

A referida súmula, ao prever que cálculo das contribuições previdenciárias deveria observar o regime de competência, observando, em cada mês, as alíquotas então vigentes, bem como o teto do salário-de-contribuição então em vigor, implicitamente reconheceu que o fato gerador é a prestação dos serviços. Essa constatação é facilmente percebida através da análise do art. 144 do CTN:

Art. 144. O lançamento reporta-se à data da ocorrência do fato gerador da obrigação e rege-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada.

§ 1º Aplica-se ao lançamento a legislação que, posteriormente à ocorrência do fato gerador da obrigação, tenha instituído novos critérios de apuração ou processos de fiscalização, ampliado os poderes de investigação das autoridades administrativas, ou outorgado ao crédito maiores garantias ou privilégios, exceto, neste último caso, para o efeito de atribuir responsabilidade tributária a terceiros.

O caput do art. 144 trata da legislação tributária material e estipula a regra da aplicação da legislação vigente à data do fato gerador. Já o §1º refere-se, fundamentalmente, à legislação formal, como se percebe pela referência às normas que tenham instituído "novos critérios de apuração ou processos de fiscalização".

Assim, quando lança um tributo, a autoridade competente deve aplicar a legislação material que estava em vigor no momento da ocorrência do fato gerador, mesmo que tal legislação já tenha sido modificada ou revogada (art. 144, caput do CTN). A legislação material (substantiva) deve ser entendida como as que definem fatos geradores, bases de cálculo, alíquotas, contribuintes, etc [22].

Por outro lado, a modificação de uma norma procedimental não muda a essência da obrigação tributária já surgida com a ocorrência do fato gerador, mas tão-somente a forma de sua apuração, tal como prescreve o art. 144, §1º do CTN.

Destarte, na medida em que a Súmula 368, III do TST determina a aplicação das alíquotas e do teto do salário-de-contribuição (base de cálculo) em vigor nos meses da prestação do serviço, inexoravelmente reconhece que o fato gerador é o serviço prestado, sob pena de se considerar como não escrita a regra do art. 144, caput do CTN.

O Superior Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de se manifestar diversas vezes no sentido de que a alíquota aplicável à obrigação tributária é a vigente na data da ocorrência do fato gerador, tal como estipula o art. 144 do CTN:

TRIBUTÁRIO. AFRMM. FATO GERADOR. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL.

1. Nos termos do art. 144 do CTN, aplica-se a legislação tributária vigente à época da ocorrência do fato gerador.

2. O DL 2.404, de 20/12/87 indica ser o fato gerador do AFRMM o momento de entrada da mercadoria no porto de destino.

3. Legislação editada após o embarque da mercadoria, mas antes da sua descarga, seja em benefício ou não do contribuinte, é a que deve ser observada.

4. Medida Provisória 158/90 que reduziu a alíquota do AFRMM deve ter aplicação, porque vigente quando da ocorrência do fato gerador.

5. Recurso especial conhecido e improvido. [23] (grifos do autor)

Para se manter a coerência do sistema jurídico brasileiro, portanto, faz-se essencial sejam aplicadas corretamente as normas tributárias.

Desse modo, caso se considere, equivocadamente, que o fato gerador é o pagamento, devem ser aplicadas as alíquotas em vigor quando do efetivo pagamento, sem que seja observada a apuração mês a mês a que se refere a Súmula 368, III do TST. Outrossim, deve ser observado o teto do salário-de-contribuição em vigor quando do mês do pagamento, sem que se possa proceder à apuração mês a mês.

Por outro lado, na hipótese de, corretamente, considerar-se a prestação dos serviços como fato gerador das contribuições sociais, deve ter plena aplicação a Súmula 368, III do TST, fazendo incidir, inclusive, os encargos moratórios previstos no art. 35 da Lei 8.212/91.


REFERÊNCIAS

ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado, 3ª Ed., São Paulo: Editora Método, 2009.

ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Tributário na Constituição e no STF. 14ª Ed. São Paulo: Método, 2008.

CARLOS MAXIMILIANO. Hermenêutica e Aplicação do Direito.16ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997.

CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário, ed. LTr, 4ª ed, 2001.

MARION, José Carlos.Contabilidade Empresarial, 8.ª ed., São Paulo: Atlas, 1998.


Notas

  1. ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Tributário na Constituição e no STF. 14ª Ed. São Paulo: Método, 2008. p. 10-11.
  2. STF, RE 138.284/CE, Plenário, Rel. Min. Carlos Veloso, Data de julgamento: 01/07/1992, Data da publicação: 28/08/1992.
  3. STF, RE 138.284/CE, Plenário, Rel. Min. Carlos Veloso, Data de julgamento: 01/07/1992, Data da publicação: 28/08/1992.
  4. STF, AI-AgR 508398, Rel. Min. Carlos Velloso, Data da publicação 14.10.2005.
  5. STF, RE 90466/RJ, Primeira Turma, Rel. Min. Rafael Mayer, Data de julgamento: 16/12/1980, Data de publicação: 04/03/1981.
  6. CTN. Art. 114. Fato gerador da obrigação principal é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência.
  7. CLT. Art. 457. Compreendem-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber.
  8. CLT. Art. 459. § 1º Quando o pagamento houver sido estipulado por mês, deverá ser efetuado, o mais tardar, até o quinto dia útil do mês subsequente ao vencido.
  9. CTN. Art. 144. O lançamento reporta-se à data da ocorrência do fato gerador da obrigação e rege-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada.
  10. CF/1988. Art. 195. § 5º. Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total.
  11. CF/1988. Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:
  12. STJ, AgRg no REsp 1018189/RS, Primeira Turma, Rel. Ministro Francisco Falcão, Julgamento 15/05/2008, DJ 02.06.2008. STJ, AgRg no Ag 727948/SC, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, Julgamento 29/06/2006, DJ 28.08.2006. STJ, REsp 542109/SC, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Segunda Turma, Julgamento 19/09/2006, DJ 24.10.2006. STJ, REsp 501252/PR, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Segunda Turma, Julgamento 05/09/2006, DJ 17.10.2006 p. 271. STJ, AgRg no Ag 586342/SC, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, Julgamento 21/06/2005, DJ 01.07.2005. STJ, AgRg no REsp 711945/RS, Rel, Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, Julgamento 21/06/2005, DJ 03.10.2005. STJ, AgRg no Ag 550961/SC, Rel. Ministro Franciulli Netto, Segunda Turma, Julgamento 16/12/2004, DJ 02.05.2005. STJ, AgRg no Ag 550912/SC, Rel. Ministro José Delgado, Primeira Turma, Julgamento 17/02/2004, DJ 10.05.2004. STJ, REsp 513585/RS, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, Julgamento 05/08/2003, DJ 01.09.2003. STJ, REsp 361950/RS, Ministro Rel. Garcia Vieira, Primeira Turma, Julgamento 07/02/2002, DJ 25.03.2002. STJ, REsp 221362/RS, Ministro Rel José Delgado, Primeira Turma, Julgamento 09/11/1999, DJ 17.12.1999.
  13. TRT02, AP 01350200303702000, 2ª Turma, Rel. Juiz Sérgio Pinto Martins, j. 29.06.2006, DOE-PJ 14.07.2006. TRT02, RO 00834, Ac. 20070068709, Segunda Turma, Rel. Juiz Sérgio Pinto Martins, Julg. 08/02/2007, DOESP 27/02/2007. TRT15, AP 00931-1994-044-15-85-2, Ac. 2226/07, Oitava Câmara, Rel. Des. Vera Teresa Martins Crespo, DOESP 12/01/2007, Pág. 92. TST, AIRR 595/1989-001-13-40.5, Primeira Turma, Rel. Min. Vieira de Mello Filho, DJU 17/11/2006, Pág. 725. TRT15, Proc. 2822-1997-052-15-00-4, Ac. 51560/06, Décima Primeira Câmara, Rel. Des. Maria Cecília Fernandes Álvares Leite, DOESP 01/11/2006, Pág. 93. TRT15, RO 0065-2005-029-15-00-8, Ac. 41179/06, Oitava Câmara, Rel. Des. Vera Teresa Martins Crespo, DOESP 06/09/2006, Pág. 26. TRT02, APet 03137, Ac. 20050224861, Segunda Turma, Rel. Juiz Sérgio Pinto Martins, Julg. 14/04/2005, DOESP 03/05/2005. TRT12, Processo: Nº 01068-2007-055-12-00-3, Juiz Jorge Luiz Volpato, Publicado no TRTSC/DOE em 23/07/2008. TRT12, Processo: Nº 05768-2000-039-12-00-1, Juíza Sandra Márcia Wambier, Publicado no TRTSC/DOE em 23/07/2008. TRT12, Processo: Nº 03932-2005-028-12-85-0, Juíza Licélia Ribeiro, Publicado no TRTSC/DOE em 14/07/2008.
  14. CF/1988. Art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.
  15. CF. Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
  16. I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:

    a)a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício;

  17. TÍTULO IX: DO PROCESSO NOS TRIBUNAIS; CAPÍTULO II: DA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. Art. 480. Argüida a inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo do poder público, o relator, ouvido o Ministério Público, submeterá a questão à turma ou câmara, a que tocar o conhecimento do processo.
  18. CARLOS MAXIMILIANO. Hermenêutica e Aplicação do Direito.16ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 251.
  19. MARION, José Carlos.Contabilidade Empresarial, 8.ª ed., São Paulo: Atlas, 1998, p. 96.
  20. DE CASTRO, Carlos Alberto Pereira e LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. 4ª Ed. São Paulo: LTr, 2001, pg. 271.
  21. Ibid., pg. 269.
  22. Ibid., pg. 273.
  23. ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. 3ª Ed., São Paulo: Editora Método, 2009, Pág. 355.
  24. STJ. REsp 324582/SP, Relatora Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, Data do Julgamento: 28/05/2002, Data da Publicação: 05/08/2002.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CADETE, Antonio Henrique de Amorim. Prestação de serviços: o fato gerador das contribuições previdenciárias. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2842, 13 abr. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18890. Acesso em: 18 abr. 2024.