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Aposentadoria espontânea e efeitos trabalhistas.

Discussões remanescentes

Aposentadoria espontânea e efeitos trabalhistas. Discussões remanescentes

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Desde 2006 sedimentou-se na jurisprudência que a aposentadoria espontânea previdenciária não extingue automaticamente o contrato de trabalho, mas remanesce debate sobre situações especiais.

SUMÁRIO:INTRODUÇÃO . 1 - SITUAÇÃO ANTERIOR - ALTERAÇÃO JURISPRUDENCIAL – REGRA GERAL – VÍCIO DE CONSENTIMENTO NÃO SE PRESUME. 2 - ACUMULAÇÃO DE PROVENTOS DO INSS E REMUNERAÇÃO X DECISÃO DO STF NA ADI 1770. 3 - APOSENTADORIA PREVIDENCIÁRIA E VACÂNCIA. 4 - SERVIDOR PÚBLICO CELETISTA ESTÁVEL – FORMALIDADE DO ART. 500 DA CLT – PRESUNÇÃO DE VÍCIO DE VONTADE. 5 - SERVIDOR PÚBLICO CELETISTA – APLICABILIDADE DO LIMITE DE 70 ANOS DE IDADE.6 - PERCEPÇÃO DE COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA – PRESUNÇÃO DE INTERESSE DO TRABALHADOR NA RESCISÃO DO CONTRATO DE TRABALHO.7 - NOVO ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL X VANTAGENS CRIADAS EM REGULAMENTO EMPRESARIAL NO REGIME ANTERIOR. CONCLUSÕES


INTRODUÇÃO

Em que pese já a partir de fins de 2006 se tenha sedimentado na jurisprudência o entendimento de que a aposentadoria espontânea previdenciária não extingue automaticamente o contrato de trabalho, remanesce debate sobre os desdobramentos da questão em algumas situações especiais, sobre as quais registraremos alguns breves comentários.


1 - SITUAÇÃO ANTERIOR - ALTERAÇÃO JURISPRUDENCIAL – REGRA GERAL – VÍCIO DE CONSENTIMENTO NÃO SE PRESUME

Com base no art. 453 da CLT [01], entendia-se que a aposentadoria previdenciária de um trabalhador coincidia com sua "aposentadoria" também para fins trabalhista, ou seja, que provocaria a automática rescisão do contrato de trabalho, rescisão esta não imputável ao empregador, portanto sem a incidência de aviso prévio nem multa de 40% do FGTS. Entretanto, a partir das decisões do Supremo Tribunal Federal prolatadas no julgamento das ADI’s 1.721 e 1.770, em que declarada a inconstitucionalidade dos parágrafos 1º e 2º do artigo 453 da CLT, houve guinada na jurisprudência trabalhista, como ilustra o cancelamento da OJ SDI1 177 [02] e posterior edição da OJ SDI1 361 [03], sedimentando-se que a aposentadoria espontânea não é causa de extinção do contrato de trabalho.

Assim, segundo o entendimento ora pacificado, pode o trabalhador continuar no mesmo emprego normalmente após sua jubilação previdenciária, a qual passou a ser juridicamente irrelevante em termos de efeitos propriamente trabalhistas.

Quando rescindido o contrato, seja simultaneamente com a concessão da aposentadoria previdenciária, seja tempos após, deve-se perquirir de quem partiu a iniciativa da ruptura contratual, presumindo-se, como regra geral, a dispensa imotivada, em razão do princípio da continuidade da relação de emprego, da mesma forma que ocorre com os rompimentos em geral, onde não envolvida a aposentadoria. Presume-se que a vontade do empregado era permanecer no emprego e que o desligamento "por aposentadoria" na realidade se tratou de dispensa imotivada, sendo devidas as pertinentes vantagens, como aviso prévio e multa de 40% sobre o FGTS de toda a contratualidade.

Impõe-se relembrar que tal presunção é relativa, e que não se pode chegar ao extremo de considerar devida a indenização rescisória em todos os casos, já que o desligamento do labor por ocasião da aposentadoria pode ser dar por vontade do próprio trabalhador, o que então equivale a um pedido de demissão.

Havendo pedido de demissão expresso ou outra manifestação de vontade equivalente, entretanto, não basta para infirmá-los uma alegação genérica de coação ou de outro vício de consentimento. Os vícios de consentimento não podem ser presumidos, afigurando-se imprescindível prova robusta de sua existência.

Em tal sentido tem decidido o TRT da 4ª Região, como exemplifica o seguinte aresto, onde confirmada sentença de nossa lavra:

0160400-16.2009.5.04.0202 (RO) - Redator: CARMEN GONZALEZ Data: 17/03/2011 Origem: 2ª Vara do Trabalho de Canoas

EMENTA: PARCELAS RESCISÓRIAS. PROVA INEQUÍVOCA DA AUSÊNCIA DE VÍCIO DE CONSENTIMENTO NO PEDIDO DO EMPREGADO DE DESLIGAMENTO DOS QUADROS DA EMPRESA. Em que pese a aposentadoria espontânea não constitua causa extintiva do contrato de trabalho, a prova dos autos demonstra a iniciativa do reclamante para o rompimento do contrato de trabalho e ausente qualquer vício na manifestação de sua vontade, circunstância que exime o empregador do pagamento de parcelas decorrentes da despedida imotivada.


2 - ACUMULAÇÃO DE PROVENTOS INSS E REMUNERAÇÃO X DECISÃO DO STF NA ADI 1770

Como já mencionado, o maior dissenso atual reside na aplicação do entendimento antes mencionado a algumas situações especiais.

É o caso do emprego público, para o qual parte respeitável da jurisprudência [04] tem aderido ao entendimento de que haveria óbice à continuidade da relação de emprego após a aposentadoria previdenciária em razão da vedação constitucional à acumulação de cargos ou empregos públicos e proventos de aposentadoria.

Tal, entretanto, não nos parece razoável.

Reza o art. 37, §10º da CRFB que:

§ 10. É vedada a percepção simultânea de proventos de aposentadoria decorrentes do art. 40 ou dos arts. 42 e 142 com a remuneração de cargo, emprego ou função pública, ressalvados os cargos acumuláveis na forma desta Constituição, os cargos eletivos e os cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração.(Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

A norma é expressa no sentido de que a vedação de acumulação de cargos ou empregos públicos com proventos de aposentadoria se aplica aos regimes de previdência especiais próprios dos entes públicos, previstos nos arts. 40, 42 e 142 da Carta Política. Não há qualquer menção ao art. 201 do mesmo Diploma, o qual consagra o regime geral de previdência social.

Trata-se do chamado silêncio eloqüente, através do qual o constituinte derivado deixou claro que não pretendia equiparar, para fins de tal vedação, os regimes próprios dos entes públicos e o regime geral, vinculado ao INSS. A vedação de acumulação de proventos de aposentadoria com a remuneração de cargo, emprego ou função pública se aplica aos casos em que o custeio de ambos decorra do tesouro dos próprios entes públicos empregadores, não alcançando as situações jurídicas em que a fonte de custeio dos proventos de aposentadoria decorre do regime geral de previdência social.

Em tal sentido tem reiteradamente decidido o TST, que entende que a OJ SDI-1 361 se aplica mesmo quando o empregador é a Administração Pública, não havendo falar em acumulo ilícito com proventos de aposentadoria decorrentes do regime geral de previdência social, como exemplificam os seguintes arestos:

-ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DIRETA. EMPREGADA PÚBLICA ESTÁVEL. APOSENTADORIA ESPONTÂNEA. EFEITOS NO CONTRATO DE TRABALHO. Conforme a OJ n.º 361 da SDI-1 do TST, 'a aposentadoria espontânea não é causa de extinção do contrato de trabalho se o empregado permanece prestando serviços ao empregador após a jubilação'. Esse entendimento tem aplicação ainda que se trate de vínculo empregatício com a Administração Pública direta, pois não existe no ordenamento jurídico pátrio óbice à continuidade da prestação de serviços pelo empregado público aposentado pelo Regime Geral da Previdência Social. O § 10 do art. 37 da Constituição Federal veda apenas a cumulação da remuneração de cargo, emprego ou função pública com os proventos das aposentadorias decorrentes dos arts. 40, 42 ou 142 da Constituição Federal, ou seja, de regimes previdenciários especiais (servidores estatutários, magistrados, membros das polícias militares e corpos de bombeiros militares e membros das forças armadas). Recurso de revista conhecido e provido.- (RR - 5309/2007-678-09-00.2, Relatora Ministra: Kátia Magalhães Arruda, DEJT 28/8/2009)

RECURSO DE REVISTA - APOSENTADORIA ESPONTÂNEA - EXTINÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO - CONTINUIDADE DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS - EMPRESA PÚBLICA - EFEITOS. O Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que a aposentadoria espontânea não constitui causa de extinção do contrato de trabalho, a partir do qual esta Corte Superior se posicionou quanto à manutenção do vínculo empregatício após a aposentadoria, quando há a continuidade na prestação do serviços, hipótese dos autos. Acrescente-se que a vedação de acumulação de proventos de aposentadoria com a remuneração de cargo, emprego ou função pública de que cogitam os arts. 37, § 10, 40, 42 e 142 da Constituição Federal leva em consideração a unicidade das fontes dos proventos e da remuneração dos cargos, empregos ou funções públicas, mas não alcança as situações jurídicas em que a fonte de custeio dos proventos de aposentadoria decorre do regime geral da Previdência Social e a remuneração, dos cofres públicos. Precedentes do STF.

Recurso de revista conhecido e provido. (RR - 76300-55.2007.5.10.0001, Relator Ministro: Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 25/02/2011).

A discussão adquire contornos mais complexos, entretanto, ante os fundamentos da decisão do Pleno do STF no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.770-4-DF, (DJ 01/12/2006), relatada pelo Ministro Joaquim Barbosa, cuja ementa diz:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. READMISSÃO DE EMPREGADOS DE EMPRESAS PÚBLICAS E SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA. ACUMULAÇÃO DE PROVENTOS E VENCIMENTOS. EXTINÇÃO DO VÍNCULO EMPREGATÍCIO POR APOSENTADORIA ESPONTÂNEA. NÃO-CONHECIMENTO. INCONSTITUCIONALIDADE. Lei 9.528/1997, que dá nova redação ao § 1º do art. 453 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT -, prevendo a possibilidade de readmissão de empregado de empresa pública e sociedade de economia mista aposentado espontaneamente. Art. 11 da mesma lei, que estabelece regra de transição. Não se conhece de ação direta de inconstitucionalidade na parte que impugna dispositivos cujos efeitos já se exauriram no tempo, no caso, o art. 11 e parágrafos. É inconstitucional o § 1º do art. 453 da CLT, com a redação dada pela Lei 9.528/1997, quer porque permite, como regra, a acumulação de proventos e vencimentos - vedada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal -, quer porque se funda na idéia de que a aposentadoria espontânea rompe o vínculo empregatício. Pedido não conhecido quanto ao art. 11, e parágrafos, da Lei nº 9.528/1997. Ação conhecida quanto ao § 1º do art. 453 da Consolidação das Leis do Trabalho, na redação dada pelo art. 3º da mesma Lei 9.528/1997, para declarar sua inconstitucionalidade.

São, pois, indicados como fundamentos para a declaração da inconstitucionalidade do § 1º do art. 453 da CLT, o fato de que sua redação permitiria "como regra, a acumulação de proventos e vencimentos - vedada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal", bem como "porque se funda na idéia de que a aposentadoria espontânea rompe o vínculo empregatício".

Existe aparente conflito intrínseco em tal decisão, uma vez que um de seus fundamentos, em princípio, excluiria a validade do outro e vice-versa. É que, caso se considere vedada a acumulação de proventos do INSS com vencimentos pagos pela Administração Pública, então seria juridicamente impossível o empregado público, após a jubilação, manter hígido seu contrato de trabalho, o qual estaria automaticamente rompido. Como decorrência lógica, não haveria como declarar inconstitucional o §1º em tela por se fundar "na idéia de que a aposentadoria espontânea rompe o vínculo empregatício", já que tal rompimento seria obrigatório, em tal hipótese interpretativa, a fim de evitar o acúmulo tido como vedado. O mesmo raciocínio também pode ser feito de forma inversa: se o Excelso Pretório declarou a inconstitucionalidade de tal norma justamente "porque se funda na idéia de que a aposentadoria espontânea rompe o vínculo empregatício", então não há como considerar que a continuidade de tal vínculo resultaria em situação de acúmulo ilícito.

Por outro lado, a decisão menciona "a acumulação de proventos e vencimentos - vedada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal", citando em tal sentido, como precedentes, o RE 163.204, RE 463.028, AI-AgR 484.756, ADI 1.328, RE 141.376, RE 197.699. Em qualquer de tais precedentes, entretanto não há sequer menção à acumulação de cargos e empregos públicos com proventos do INSS, mas tão-somente com proventos de regimes próprios dos servidores públicos estatutários.

Ademais, o acórdão da ADI 1770 menciona "que o entendimento do Tribunal foi confirmado com o advento da Emenda Constitucional nº 20, que taxativamente vedou o tipo de acumulação ora em questão ao acrescentar o § 10 ao art. 40 [rectius: art. 37] da Carta de 1988 ...". No entanto, como já mencionado acima, tal norma faz referência apenas aos arts. 40, 42 e 142 da CRFB, atinentes aos regimes próprios dos entes públicos, sendo evidentemente intencional a omissão do constituinte quanto ao regime geral de previdência social (art. 201) denotando que não pretendia que fosse incluído na vedação.

Tal análise se confirma pela dicção do próprio Ministro Joaquim Barbosa, relator na ADI 1.770, que indeferiu liminar na Reclamação 7733, entendendo que a decisão reclamada tem fundamento, ao destacar "a circunstância de o art. 37, § 10 da Constituição proibir a acumulação de proventos oriundos dos regimes previstos nos arts. 40, 42 e 142 com remuneração", enquanto que "o benefício previdenciário aplicável à interessada pautar-se-ia pela sistemática do art. 201 da Constituição":

Rcl 7733 MC / SP - SÃO PAULO - MEDIDA CAUTELAR NA RECLAMAÇÃO - Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA - DJe-084 DIVULG 07/05/2009 PUBLIC 08/05/2009 (...)

Ainda ressaltando o juízo eminentemente liminar, observo que a decisão reclamada invoca com fundamento a circunstância de o art. 37, § 10 da Constituição proibir a acumulação de proventos oriundos dos regimes previstos nos arts. 40, 42 e 142 com remuneração. Em situação diversa, o benefício previdenciário aplicável à interessada pautar-se-ia pela sistemática do art. 201 da Constituição, como se lê no seguinte trecho da sentença reclamada: "Não ocorre o alegado óbice à cumulação de proventos e salário, pois o § 10 do art. 37 remete expressamente às aposentadorias previstas nos artigos 40, 42 e 142, da Constituição Federal, que não se confundem com o benefício previdenciário do Regime Geral de Previdência Social, fixado no art. 201." (Fls. 139). Assim, e sem prejuízo de exame mais aprofundado por ocasião do julgamento de mérito, ainda não está plenamente caracterizada a identidade entre o precedente indicado e a situação retratada na decisão reclamada.

O entendimento de que não é vedada a acumulação de emprego público com proventos do INSS, pois, é harmônico com a própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a exemplo dos julgados acima. No mesmo sentido é ainda o acórdão prolatado no RE 387269, julgado em 04/11/2004, além de diversos julgamentos monocráticos prolatados em Reclamações, estes últimos bem recentes, indicando que mesmo após a ADI 1770, predomina tal entendimento no Supremo. Exemplificamos abaixo.

O Ministro Ricardo Lewandowski tem decidido na mesma senda, como nas Reclamações 8.246 e 7.982, esta última parcialmente transcrita:

Com efeito, dispõe ao art. 37, § 10, da Constituição que 'é vedada a percepção simultânea de proventos de aposentadoria decorrentes do art. 40 ou dos arts. 42 e 142 com a remuneração de cargo, emprego ou função pública, ressalvados os cargos acumuláveis na forma desta Constituição, os cargos eletivos e os cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração' (grifei). Ora, o benefício previdenciário percebido pelos interessados está embasado no art. 201, § 7º, do Texto Constitucional, o que afasta a cumulação vedada. Esse entendimento está em conformidade com a jurisprudência desta Casa, conforme se observa do julgamento do RE 387.269/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, em que consignou: 'O Município confere à norma apontada como infringida, ou seja, ao § 10 do artigo 37 da Constituição Federal, alcance que o dispositivo não tem. Como consta em bom vernáculo no texto constitucional, 'é vedada a percepção simultânea de proventos de aposentadoria decorrentes do art. 40 ou dos arts. 42 e 142 com a remuneração de cargo, emprego ou função pública, ressalvados os cargos acumuláveis na forma desta Constituição, os cargos eletivos e os cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração". Vale dizer que, consoante bem decidiu o Tribunal de origem, a glosa diz respeito à acumulação de proventos decorrentes da aposentadoria como servidor público, considerado o regime específico e remuneração do novo cargo. A recorrida aposentou-se pelo regime geral de previdência social, não havendo, assim, a impossibilidade de assumir o novo cargo. Pouco importa que haja sido servidora do Município. À luz do texto constitucional, cumpre perquirir a fonte dos proventos, que, iniludivelmente, não está nos cofres públicos. Isso posto, nego provimento ao agravo regimental (art. 21, § 1º, do RISTF). (Reclamação 7982 AgR, julgado em 29/7/2009, relator Ministro Ricardo Lewandowski)

Também o Ministro Ayres Britto julga no mesmo sentido, registrando que tal entendimento coincide com aquele fixado pelo Supremo Tribunal no julgamento da ADI 1.721, de sua relatoria:

Rcl 9034 MC / SP - SÃO PAULO - MEDIDA CAUTELAR NA RECLAMAÇÃO - Relator(a): Min. CARLOS BRITTO - DJe-184 PUBLIC 30/09/2009 (...).

5. No caso, não tenho como presentes os requisitos necessários à concessão da medida liminar. É que, neste juízo provisório, concluo que, na ADI 1.770, este Supremo Tribunal Federal nada decidiu sobre a possibilidade de acumulação de proventos do regime geral de previdência social com salários pagos pelo empregador público. (...)

7. Bem vistas as coisas, o Relator não se posicionou sobre a possibilidade de acumulação do benefício de aposentadoria pago pelo regime geral de previdência social (art. 202 da CF) com a remuneração do emprego público. E não o fez porque a

inconstitucionalidade do § 1º do art. 453 da CLT estaria na premissa, ínsita ao dispositivo legal, de que a aposentadoria espontânea dos empregados públicos rompe automaticamente seus vínculos empregatícios. Tanto é assim que os Ministros Joaquim Barbosa (ele próprio o Relator da ADI 1.770) e Ricardo Lewandowski indeferiram medidas liminares, respectivamente, nas Rcl’s 7.733 e 8.246, in verbis: (...)

9. Cuida-se, por fim, de entendimento que coincide com aquele fixado por este nosso Supremo Tribunal no julgamento da ADI 1.721, de minha relatoria: "4. O direito à aposentadoria previdenciária, uma vez objetivamente constituído, se dá no âmago de uma relação jurídica entre o segurado do Sistema Geral de Previdência e o Instituto Nacional de Seguro Social. Às expensas, portanto, de um sistema atuarial-financeiro que é gerido por esse Instituto mesmo, e não às custas desse ou daquele empregador" (grifei).

10. Ante o exposto, indefiro a liminar, sem prejuízo de uma mais detida análise quando do julgamento do mérito.

Adotando a mesma ótica, o Ministro Gilmar Mendes:

Rcl 8484 / SC - SANTA CATARINA - RECLAMAÇÃO - Relator(a): Min. GILMAR MENDES - Julgamento: 06/12/2010 Publicação - DJe-243 DIVULG 13/12/2010 PUBLIC 14/12/2010

DECISÃO: Trata-se de reclamação constitucional, com pedido de medida liminar, ajuizada pela Companhia Catarinense de Águas e Saneamento (CASAN) contra ato da 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região que, ao decidir pela aplicação de multa de 40%, além de aviso prévio indenizado e seus reflexos, teria descumprido a decisão do Supremo Tribunal Federal proferida na ADI 1.770, Tribunal Pleno, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ 1.12.2006, cuja ementa dispõe: (...) A decisão reclamada concluiu que a aposentadoria espontânea do empregado, ainda que o empregador seja sociedade de economia mista ou empresa pública, não encerra, por si só, o vínculo laboral.Essa decisão está de acordo com a orientação firmada nesta Corte tanto na ADI 1.770, Tribunal Pleno, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ 1.12.2006, como na ADI 1.721, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ayres Britto, DJe 29.6.2007. (...) Ante o exposto, nego seguimento à reclamação, ficando prejudicado o pedido de medida liminar (art. 21, § 1º, RISTF). (...)

A Ministra Carmen Lúcia, em que pese, por questões processuais, tenha indeferido liminar onde pretendida a reintegração do trabalhador junto ao Município de Manduri, tratou de registrar seu posicionamento quanto ao mérito de forma similar:

RECLAMAÇÃO. CUMULAÇÃO DE PROVENTOS DE APOSENTADORIA E REMUNERAÇÃO. ALEGADO DESCUMPRIMENTO DO QUE DECIDIDO NAS AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE NS. 1.721/DF E 1.770/DF. AUSÊNCIA DE IDENTIDADE MATERIAL. USO DA RECLAMAÇÃO COMO SUCEDÂNEO DE RECURSO. RECLAMAÇÃO À QUAL SE NEGA SEGUIMENTO. (...)

4. O direito à aposentadoria previdenciária, uma vez objetivamente constituído, se dá no âmago de uma relação jurídica entre o segurado do Sistema Geral de Previdência e o Instituto Nacional de Seguro Social. Às expensas, portanto, de um sistema atuarial-financeiro que é gerido por esse Instituto mesmo, e não às custas desse ou daquele empregador.

5. O Ordenamento Constitucional não autoriza o legislador ordinário a criar modalidade de rompimento automático do vínculo de emprego, em desfavor do trabalhador, na situação em que este apenas exercita o seu direito de aposentadoria espontânea, sem cometer deslize algum.

6. A mera concessão da aposentadoria voluntária ao trabalhador não tem por efeito extinguir, instantânea e automaticamente, o seu vínculo de emprego. (...)

(Rcl 10971 / SP - SÃO PAULO – RECLAMAÇÃO - Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA - Julgamento: 29/11/2010)

Em decorrência, parece-nos inafastável o entendimento de que a aposentadoria espontânea concedida pelo INSS a servidor celetista ou empregado público não importa em extinção automática do contrato de emprego, não havendo falar em acumulação vedada, já que no §10º do art. 37 da CRFB foi propositalmente omitida referência ao art. 201 da Carta, denotando que o constituinte não pretendeu que o regime geral de previdência social integrasse a proibição, estando no mesmo sentido a jurisprudência dominante do Tribunal Superior do Trabalho e do próprio Supremo Tribunal Federal.


3 - APOSENTADORIA PREVIDENCIÁRIA E VACÂNCIA

Também tem sido suscitada em alguns julgados, como causa de extinção de vínculos de emprego com a Administração Pública Direta ou Indireta, a tese de que a aposentadoria espontânea previdenciária importaria em vacância do respectivo emprego público.

Tal interpretação, entretanto, se encontra em desarmonia com nosso ordenamento jurídico, já que a legislação prevê a aposentadoria como hipótese de vacância apenas quanto aos cargos efetivos, de vínculo institucional ou estatutário (art. 33, VII, da lei 8.112/90, por exemplo). Já para a legislação trabalhista, aplicável aos contratos de emprego mesmo quando o empregador seja a ente público ou paraestatal, não existe o instituto da vacância, tampouco importando a aposentadoria previdenciária em automática extinção do contrato de emprego (situação pacificada com as decisões vinculantes do STF nas ADIs 1770 e 1721 e, ainda com a OJ SDI1 361, do TST).

É que a Administração, quando opta por contratar pelo regime celetista, despe-se de seu poder de império e se sujeita às normas trabalhistas, como qualquer empregador privado, ressalvadas algumas intersecções com o direito administrativo constitucionalmente previstas (como a contratação por concurso, por exemplo). Em decorrência, ainda que por hipótese algum ente público estadual ou municipal legislasse no sentido de que a aposentadoria do celetista enseja vacância ou extinção do contrato, a par de haver inconstitucionalidade pelos mesmos fundamentos ventilados nas ADIs 1770 e 1721, tal norma também seria inconstitucional por invadir a competência legislativa privativa da União sobre direito do trabalho.

Temos, pois, que a aposentadoria previdenciária não pode ser considerada como causa de vacância em relação ao servidor celetista ou empregado público.


4 - SERVIDOR PÚBLICO CELETISTA ESTÁVEL – FORMALIDADE DO ART. 500 DA CLT – PRESUNÇÃO DE VÍCIO DE VONTADE

Uma outra peculiariedade merece destaque em relação aos efeitos da aposentadoria voluntária no contrato de emprego vinculado à Administração Pública.

Trata-se do chamado servidor público celetista, cujo empregador é o próprio ente público, da Administração Direta, Autárquica ou Fundacional, contratado pelo devido concurso público ou beneficiado pela regra de transição prevista no art. 19 do ADCT, para o qual a jurisprudência se firmou considerando aplicável a estabilidade prevista no art. 41 da CRFB (Súmula 390 do TST [05]).

O art. 500 da CLT [06] institui pressuposto de validade do pedido de demissão de trabalhador estável, demandando a assistência do sindicato da categoria, ou, "se não o houver, perante autoridade local competente do Ministério do Trabalho e Previdência Social ou da Justiça do Trabalho" (esta última hipótese, uma das raras previsões de atuação da Justiça Laboral em jurisdição voluntária ou atuação administrativa). Assim, dada a renúncia à estabilidade decorrente do pedido de demissão, impõe-se o cumprimento da formalidade sob pena de presumir-se vício de vontade, com o reconhecimento da nulidade do ato e conseqüente reintegração do empregado estável, ressalvado, como destaca Maurício Godinho Delgado [07] em hipótese similar, que "não se trata, evidentemente, de presunção absoluta, porém relativa, admitindo prova convincente em sentido contrário".

Entendeu o legislador que o pedido de demissão de empregado estável deveria ser assistido justamente para que fosse bem esclarecido das conseqüências de sua decisão, notadamente de que detinha estabilidade e da gravidade da renúncia à mesma, a fim de que pudesse escolher livremente e bem informado, afastando eventual vício de vontade.

Em muitos casos, dado perfil sócio-profissional do trabalhador, freqüentemente com baixo nível de escolaridade, é comum que não tenha real noção da extensão de seus direitos, às vezes nem sabendo que porta estabilidade no emprego ou que poderia continuar trabalhando após a aposentadoria previdenciária. Infelizmente, também é freqüente que o empregador não lhe esclareça sobre tais aspectos, ou mesmo que tenha entendimento ou interesses em sentido contrário, omitindo a informação.

Assim, se por ocasião da aposentadoria espontânea previdenciária um servidor público celetista estável se desligar do emprego sponte sua, por pedido de demissão, imprescindível a comprovação de que houve a assistência prevista no art. 500 da CLT, sob pena de se presumir vício de consentimento em tal pedido de demissão, com a nulidade do ato e reintegração ao labor.


5 - SERVIDOR PÚBLICO CELETISTA – APLICABILIDADE DO LIMITE DE 70 ANOS DE IDADE

Fixada acima a premissa de que o servidor público celetista mantém sua estabilidade e pode remanescer no mesmo contrato de emprego mesmo após a aposentadoria previdenciária, mais uma interessante questão se desdobra: então em que momento se processaria o desligamento de um servidor celetista estável? Prosseguindo com o raciocínio, poder-se-ia cogitar de o momento da extinção contratual ficar de forma permanente (ou vitalícia) sujeita ao exclusivo arbítrio do trabalhador? Poderia tal servidor exigir a manutenção de sua vaga até os 80, 90, ou mesmo 120 anos de idade, ad absurdum?

A solução parece-nos já se encontrar posta em nosso ordenamento jurídico.

Da mesma forma que se aplica a estabilidade do art. 41 da CRFB aos servidores públicos celetistas, também lhes deve ser aplicado o mesmo limite de idade, de 70 anos, previsto no art. 40, §1º, II, para que permaneçam na ativa.

É que, embora a literalidade do caput do art. 40 se refira aos servidores que contribuíam para os sistemas próprios de previdência dos entes públicos, não havia porque serem mencionados expressamente aqueles ligados ao regime geral de previdência social, já que, na época, era tranqüilo o entendimento de que a aposentadoria voluntária previdenciária também correspondia à "aposentadoria" trabalhista, ou seja, a extinção do contrato de trabalho por iniciativa do empregado.

Por outro lado, a determinação de compulsoriedade para a aposentadoria aos 70 anos de idade indica o limite tido como razoável pelo constituinte para renovação da força de trabalho do serviço público, sob pena, contrario sensu, de se ter excessivo envelhecimento de tal mão-de-obra, com presumível queda de produtividade e eficiência na prestação do serviço público.

Ademais, a situação seria anti-isonômica em relação aos servidores estatutários, já que, conforme exemplo acima, poder-se-ia chegar à situação de servidor celetista de 80, 90, ou mesmo 120 anos de idade, ainda na ativa, enquanto seus pares servidores estatutários são compelidos a deixar o cargo aos 70 anos de idade.

Logo, o exame da questão através de hermenêutica histórica e sistemática conduz à aplicação do limite de constitucional de 70 anos de idade também para os servidores públicos celetistas.

Em conclusão, embora não seja o contrato de emprego dos servidores públicos celetistas automaticamente extinto com a aposentadoria previdenciária, tal deve ocorrer quando do implemento da idade de 70 anos. Extinto o contrato em razão do termo constitucional, não se cogitará iniciativa do empregador, portanto quando de tal extinção não lhe serão imputáveis parcelas típicas da dispensa imotivada, como o aviso prévio indenizado e multa de 40% do FGTS.


6 - PERCEPÇÃO DE COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA – PRESUNÇÃO DE INTERESSE DO TRABALHADOR NA RESCISÃO DO CONTRATO DE TRABALHO

Outra discussão recorrente em processos nos quais se debatem os efeitos da aposentadoria voluntária previdenciária sobre o contrato de trabalho são os casos que envolvem planos de complementação de aposentadoria. Geralmente a lide versa sobre a causa da ruptura contratual, se de iniciativa do empregado ou do empregador, com a conseguinte discussão acerca das verbas rescisórias aplicáveis.

No caso em comento, a existência de complementação de aposentadoria, a ser paga a partir do desligamento dos quadros do empregador deve ser levada em conta na aferição do motivo da ruptura contratual.

Veja-se que tal situação não pode ser valorada da mesma forma que aquela atinente à maioria dos trabalhadores, onde a troca do salário pelos proventos do INSS significa prejuízo, pois geralmente inferior ao que se vinha recebendo na ativa, enquanto que para os empregados beneficiados por planos de complementação de aposentadoria, esta lhes garantirá a manutenção da mesma renda que percebiam na atividade, fazendo presumir o interesse do empregado desligar-se do emprego quando de sua aposentadoria, já que mantendo os mesmos rendimentos sem precisar prestar trabalho.

Ressalve-se que tal presunção é também meramente relativa, sendo sempre conveniente a colheita de outros elementos que a confirmem ou mesmo, eventualmente, levem à conclusão contrária.


7 - NOVO ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL X VANTAGENS CRIADAS EM REGULAMENTO EMPRESARIAL NO REGIME ANTERIOR

Como última questão que trazemos para debate neste breve estudo, está a considerável distorção de vantagens concedidas em regulamento empresarial num contexto em que a aposentadoria previdenciária importava também no desligamento do emprego, sobrevindo alteração de entendimento jurisprudencial, segundo o qual a aposentadoria voluntária previdenciária passou a não mais ser considerada causa de automática extinção do contrato de trabalho.

Inicialmente, rememoramos que regulamentos empresariais, embora tenham aparência de regra jurídica, geral, abstrata e impessoal, não são consideradas como tais pela pacífica jurisprudência trabalhista, já que representam manifestação unilateral de vontade do empregador, apenas a este vinculando, aderindo ao contrato individual do trabalho como cláusula contratual, vedada a posterior alteração unilateral, conforme art. 468 da CLT (eventual alteração do regulamento só afeta aos empregados admitidos em momento posterior).

Entretanto, assim como o empregado tem o direito a manter por toda a contratualidade uma vantagem que aderiu ao seu contrato por força de um regulamento empresarial, tem o empregador o direito a que tal vantagem não seja ampliada ou distorcida, fora dos limites originalmente aplicáveis, em razão de alteração da legislação ou do entendimento do Poder Judiciário sobre a legislação vigente que afetem as premissas sobre as quais se baseou a concessão da vantagem.

É que o regulamento constitui manifestação de vontade unilateral do empregador, a qual é emanada em um contexto de normas jurídicas à época vigentes e que permitem que se tenha em mente a extensão e conseqüências das vantagens deferidas. Alterado o conjunto de normas ou mesmo a interpretação uniformemente aceita acerca das mesmas, como é o caso ora tratado, não se pode analisar de forma rasa e literal o texto regulamentar antigo fora de seu contexto, sob a ótica exclusiva das novas normas ou do novo entendimento jurisprudencial, sob pena de criar vantagem completamente nova e estranha à manifestação de vontade original do empregador que a instituiu, em tal parte, portanto, não tendo o condão de vincular a tal empregador.

Tomemos como exemplo o prêmio por aposentadoria concedido no regulamento de pessoal do Banco do Estado do Rio Grande do Sul, cujo art. 79 reza:

"Art. 79 - Aos empregados que se aposentarem, será concedido um prêmio especial, proporcional a sua remuneração mensal fixa, como tal definida no art. 54, vigente na época da aposentadoria, a saber: (...)

a) com 20 anos de serviço ao Banco, valor equivalente a uma (1) vez a sua remuneração mensal;

b) com 25 anos de serviço ao Banco, valor equivalente a duas (2) vezes a sua remuneração mensal;

c) com 30 anos de serviço ou mais, ao Banco, valor equivalente a cinco (5) vezes a sua remuneração mensal."

Considerando, que tal norma foi editada originalmente há décadas, inafastável que se examine seu significado pelo prisma de uma interpretação histórica e sistemática, sob pena de retirar a expressão "se aposentarem" do contexto em que o benefício em tela foi pensado e concebido, distorcendo-o.

Como já destacado diversas vezes neste trabalho, até o ano de 2006 a quase totalidade da jurisprudência [08] e da doutrina entendiam que a aposentadoria espontânea importava em causa automática de desligamento do empregado celetista, de forma similar ao que ainda hoje ocorre com o servidor público estatutário. Assim, era pacífico que o empregado que se aposentasse pelo INSS automaticamente "se aposentaria" da empresa, significando retirar-se do mercado de trabalho. Tanto é assim que o início da percepção de complementação de aposentadoria costuma se dar a partir do afastamento do empregado, geralmente seguida à ciência do deferimento da aposentadoria previdenciária. É em tal contexto que diversas empresas de porte instituíram algum tipo de premiação ou vantagem por ocasião do desligamento de seus empregados, como a exemplificada acima, compensando-os justamente pela saída sem as indenizações típicas da dispensa imotivada, após décadas de serviços prestados.

Aliás, este é ainda até hoje o significado vulgar do termo "se aposentar", ordinariamente empregado como "parar de trabalhar". A significação restrita à obtenção de aposentadoria previdenciária impera precipuamente no meio jurídico e se trata de situação relativamente recente, decorrente da guinada jurisprudencial causada pelas decisões do STF proferidas nas ADIs nºs 1.721 e 1.770.

Entendo que, em homenagem à segurança jurídica, a interpretação meramente literal deve ceder à interpretação histórica e sistemática, sob pena de se criar judicialmente benefício completamente diverso daquele originalmente previsto, distorcendo e distanciando o mesmo da original manifestação de vontade do empregador.

Por outro lado, registro ainda que o princípio da interpretação mais favorável ao trabalhador também não afasta a conclusão acima, já que não poderia ensejar resultado que sucumba ante o crivo dos demais critérios hermenêuticos. Ademais, deve-se perquirir qual realmente é a interpretação mais favorável aos trabalhadores, a nível macro, a médio e longo prazos, já que alteração jurisprudencial que enseje benefícios originalmente não previstos quando de sua instituição afeta a segurança jurídica e seguramente servirá de desestímulo para a concessão de outras vantagens aos empregados, por receio de que tais vantagens sejam posteriormente distorcidas e estendidas além de seus limites originais.

Diante dos fundamentos acima, não impressiona o argumento de que as vantagens em tela são devidas em razão da mera aposentadoria, não sendo a efetiva extinção do contrato de trabalho condição para a sua percepção. Como já mencionado, nem haveria porque referir expressamente, como condição, o afastamento do labor, já que, à época, era pacífico que a aposentadoria (previdenciária) automaticamente ensejava o desligamento do emprego, sendo praticamente sinônimos.

Assim, temos que as vantagens alcanças ao trabalhador por ato unilateral de vontade do empregador, através de regulamento empresarial, não podem ser distorcidas ou ampliadas para fora dos limites originalmente aplicáveis em razão de superveniência alteração da normativa ou jurisprudencial - como a que ocorreu em relação aos efeitos da aposentadoria voluntária sobre o contrato de emprego - afetando as premissas sobre as quais se baseou o instituidor da vantagem, não remanescendo vinculado a esta naquilo em que exceda à sua manifestação de vontade original.


CONCLUSÕES

Quando rescindido o contrato por ocasião da concessão da aposentadoria previdenciária, deve-se perquirir de quem partiu a iniciativa da ruptura contratual, presumindo-se, como regra geral, a dispensa imotivada, da mesma forma que ocorre com os rompimentos em geral. Havendo, entretanto, pedido de demissão expresso ou outra manifestação de vontade equivalente, não basta para infirmá-los uma alegação genérica de coação ou de outro vício de consentimento, já que os vícios de consentimento não podem ser presumidos, afigurando-se imprescindível prova robusta de sua existência.

A aposentadoria espontânea concedida pelo INSS a servidor celetista ou empregado público não importa em extinção automática do contrato de emprego, não havendo falar em acumulação vedada, já que, no §10º do art. 37 da CRFB, foi propositalmente omitida referência ao art. 201 da Carta, denotando que o constituinte não pretendeu que o regime geral de previdência social integrasse a proibição. Jurisprudência dominante do Tribunal Superior do Trabalho e do próprio Supremo Tribunal Federal em tal sentido.

Tampouco pode a aposentadoria previdenciária ser considerada como causa de vacância em relação ao servidor celetista ou empregado público, uma vez que se trata de instituto estranho à legislação trabalhista, havendo previsão legislativa referente à vacância apenas quanto aos servidores contratados de por vínculo institucional ou estatutário.

O desligamento de servidor público celetista estável que se aposenta voluntariamente, equivalendo a pedido de demissão, com renúncia da estabilidade, deve ser assistido na forma do art. 500 da CLT, sob pena de se presumir vício de consentimento, com a nulidade do ato e reintegração ao labor.

Embora não seja extinto automaticamente com a aposentadoria previdenciária o contrato de emprego dos servidores públicos celetistas, tal deve ocorrer quando do implemento da idade de 70 anos, limite tido como razoável pelo constituinte para renovação da força de trabalho do serviço público, sob pena de se ter excessivo envelhecimento de tal mão-de-obra, com presumível prejuízo ao serviço público, além de gerar situação discriminatória em relação aos estatutários, os quais são compelidos a deixar o cargo aos 70 anos de idade. Extinto o contrato em razão do termo constitucional, não se cogitará iniciativa do empregador, portanto quando de tal extinção não lhe serão imputáveis parcelas típicas da dispensa imotivada, como o aviso prévio indenizado e multa de 40% do FGTS.

A existência de complementação de aposentadoria, a ser paga a partir do desligamento dos quadros do empregador, deve ser levada em conta na aferição do motivo da ruptura contratual, fazendo presumir o interesse do empregado em desligar-se do emprego quando de sua aposentadoria, já que mantendo os mesmos rendimentos sem precisar contraprestar trabalho.

As vantagens alcanças ao trabalhador por ato unilateral de vontade do empregador, através de regulamento empresarial, não podem ser distorcidas ou ampliadas para fora dos limites originalmente aplicáveis em razão de superveniência alteração da normativa ou jurisprudencial - como a que ocorreu em relação aos efeitos da aposentadoria voluntária sobre o contrato de emprego - afetando as premissas sobre as quais se baseou o instituidor da vantagem, não remanescendo vinculado a esta naquilo em que exceda à sua manifestação de vontade original.


Notas

01 Art. 453 - No tempo de serviço do empregado, quando readmitido, serão computados os períodos, ainda que não contínuos, em que tiver trabalhado anteriormente na empresa, salvo se houver sido despedido por falta grave, recebido indenização legal ou se aposentado espontaneamente. (Redação dada pela Lei nº 6.204, de 29.4.1975)

§ 1º Na aposentadoria espontânea de empregados das empresas públicas e sociedades de economia mista é permitida sua readmissão desde que atendidos aos requisitos constantes do art. 37, inciso XVI, da Constituição, e condicionada à prestação de concurso público. (Incluído pela Lei nº 9.528, de 10.12.1997) (Vide ADIN .1770-4).

§ 2º O ato de concessão de benefício de aposentadoria a empregado que não tiver completado 35 (trinta e cinco) anos de serviço, se homem, ou trinta, se mulher, importa em extinção do vínculo empregatício. (Incluído pela Lei nº 9.528, de 10.12.1997) (Vide ADIN 1.721-3).

02 OJ-SDI1-177 APOSENTADORIA ESPONTÂNEA. EFEITOS. Inserida em 08.11.2000 - (Cancelada - DJ 30.10.2006) A aposentadoria espontânea extingue o contrato de trabalho, mesmo quando o empregado continua a trabalhar na empresa após a concessão do benefício previdenciário. Assim sendo, indevida a multa de 40% do FGTS em relação ao período anterior à aposentadoria.03 OJ-SDI1-361 APOSENTADORIA ESPONTÂNEA. UNICIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO. MULTA DE 40% DO FGTS SOBRE TODO O PERÍODO. DJ 20, 21 e 23.05.2008. A aposentadoria espontânea não é causa de extinção do contrato de trabalho se o empregado permanece prestando serviços ao empregador após a jubilação. Assim, por ocasião da sua dispensa imotivada, o empregado tem direito à multa de 40% do FGTS sobre a totalidade dos depósitos efetuados no curso do pacto laboral.

04 Rápida pesquisa jurisprudencial revela que tal debate tem surgido oriundo de vários Regionais (vide, por exemplo, 38940-63.2007.5.12.0023, 49000-06.2007.5.10.0006, 126140-73.2007.5.19.0004), inclusive desta 4ª Região (0000516-57.2010.5.04.0026 e 0000096-41.2010.5.04.0741, por exemplo).

05 SUM-390 ESTABILIDADE. ART. 41 DA CF/1988. CELETISTA. ADMINISTRAÇÃO DIRETA, AUTÁRQUICA OU FUNDACIONAL. APLICABILIDADE. EMPREGADO DE EMPRESA PÚBLICA E SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. INAPLICÁVEL (conversão das Orientações Jurisprudenciais nºs 229 e 265 da SBDI-1 e da Orientação Jurisprudencial nº 22 da SBDI-2) - Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005

I - O servidor público celetista da administração direta, autárquica ou fundacional é beneficiário da estabilidade prevista no art. 41 da CF/1988. (ex-OJs nºs 265 da SBDI-1 - inserida em 27.09.2002 - e 22 da SBDI-2 - inserida em 20.09.00)

II - Ao empregado de empresa pública ou de sociedade de economia mista, ainda que admitido mediante aprovação em concurso público, não é garantida a estabilidade prevista no art. 41 da CF/1988. (ex-OJ nº 229 da SBDI-1 - inserida em 20.06.2001)

06 Art. 500 - O pedido de demissão do empregado estável só será válido quando feito com a assistência do respectivo Sindicato e, se não o houver, perante autoridade local competente do Ministério do Trabalho e Previdência Social ou da Justiça do Trabalho. (Revigorado com nova redação, pela Lei nº 5.584, de 26.6.1970)

07 in Curso de Direito do Trabalho, LTr, 3ª ed., pg. 1143 in fine.

08 Em tal sentido a OJ nº 177, da SBDI-1 do TST, cancelada apenas em outubro de 2006.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PRITSCH, Cesar Zucatti. Aposentadoria espontânea e efeitos trabalhistas. Discussões remanescentes. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2859, 30 abr. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19004. Acesso em: 26 abr. 2024.