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Minutos residuais

Minutos residuais

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A importância da compreensão dos minutos residuais cresce com a Portaria n. 1510/2009. A regulamentação do ponto eletrônico cria ambiente adequado para o aprofundamento e correção de interpretações.

1.Introdução.

O Direito deve ser entendido como sistema. Tal sistema, em razão de sua finalidade básica que é garantir a convivência pacífica entre os indivíduos e em sua relação com o Estado, não pode permitir "vazios" legais para solução de casos concretos.

É por isto que o intérprete do Direito está autorizado a fazer uso de instrumentos como a analogia, o uso, os costumes, os princípios gerais de direito, doutrina, direito comparado, dentre outros, para estabelecer a solução do caso concreto, quando não esteja explicitada na lei.

E, ainda, enquanto sistema, não pode possuir antinomias, ou seja, contradições internas entre regras. Por isto, tais antinomias, quando verificadas, são taxadas como aparentes e, portanto, superáveis por instrumentos de hermenêutica que inclui a aplicação do princípio da razoabilidade.

Com base nestas premissas, passamos ao exame do art. 58, §1º, da CLT que estabelece o seguinte:

§ 1o Não serão descontadas nem computadas como jornada extraordinária as variações de horário no registro de ponto não excedentes de cinco minutos, observado o limite máximo de dez minutos diários. (Parágrafo incluído pela Lei nº 10.243, de 19.6.2001)

Tal regramento estatuiu o instituto jurídico já conhecido como "minutos residuais". Dentro do sistema do Direito do Trabalho, este instituto está imerso na categoria Jornada. Questão que se coloca é saber onde, dentro da Jornada, cumpre seu papel?

No texto positivado há referência expressa ao "registro de ponto". Mas, por disciplina científica, tentaremos incluí-lo em outros segmentos, a saber: sobrejornada (incluindo a questão do banco de horas e demais sistemas de compensação), DSR, intervalos intra (remunerado e não remunerado) e interjornada, horário noturno, escala de revezamento e trabalho em tempo parcial.

Estabelecendo que determinadas variações de horários não configuram jornada extraordinária, o instituto está, obviamente, gerando exceção ao regramento da sobrejornada.

Com a mesma definição, entretanto, está criando exceção aos regramentos dos intervalos, escalas de revezamento, trabalho em tempo parcial, trabalho noturno e DSR; posto que não sendo, as pequenas variações de horário, descontadas e nem computadas, gera tolerância para os cálculos dos mesmos a partir do que foi registrado no ponto.

Por exemplo, no caso do intervalo interjornada, considerando que a jornada contratada é na segunda-feira de 08:00h às 18:00h e na terça-feira de 05:00h às 12:00h, se houver marcação do ponto às 18:01h na segunda-feira e 04:59h na terça-feira, não haverá desrespeito ao intervalo mínimo de 11 horas, muito embora, de fato, tenha havido 10:58h de intervalo somente (as variações não excederam os 05 minutos, conforme art. 58, §1º) [01].

Tal conclusão é imprescindível para se compreender o alcance do instituto. Uma interpretação literal e restritiva do §1º do art. 58 pode levar o intérprete à falsa conclusão de que os minutos residuais só não seriam considerados para efeito de sobrejornada. Esta conclusão esbarra na teleologia da norma que, como será demonstrado nos próximos tópicos (em especial no "CONTROLE DE JORNADA"), pretende viabilizar o controle de jornada adequando-o à realidade prática da impossibilidade do ser humano observar a constância de registro de ponto em minuto exato diariamente. Esta tolerância, antes mesmo de ser positivada pelo legislador pátrio, veio como necessidade de preencher vazio no direito enquanto sistema, adequando-se a disciplina do registro de ponto ao princípio maior da razoabilidade através das ferramentas de hermenêutica. Seria contraditória que, após o advento da regra positiva, se esquecesse desses princípios ou fontes da produção da mesma [02].

Destas observações, pela similaridade do efeito nesses segmentos, não é possível incluir o instituto dos minutos residuais nos mesmos, pois que extravasa seus limites. É dentro do controle de jornada que o instituto dos minutos residuais encontra terreno seguro. Em verdade, a razão de ser do mesmo é a viabilização do controle de ponto.

Sendo assim, a importância da compreensão dos minutos residuais cresce com a Portaria n. 1510/2009. A regulamentação do ponto eletrônico – com sua capacidade de criar obstáculo sério às fraudes perpetradas e o consequente olhar mais atento das autoridades trabalhistas para o tema – cria ambiente adequado para o aprofundamento e correção de interpretações.


2. Compensação, perdão e outros institutos conexos.

Ainda, com a finalidade de fixar premissas para este trabalho, é importante estabelecer a diferença entre a avaliação objetiva de uma hipótese e a avaliação casuística de um fato da vida. Para esclarecer o tema, seguem exemplos:

Horário Contratual

08:00h

12:00h

13:00h

17:00h

Registro 01 de JOÃO

09:00h

12:00h

13:00h

18:00h

Registro 02 de JOSÉ

09:00h

12:00h

13:00h

18:00h

Registro 03 de JOÃO

09:00h

12:00h

13:00h

17:00h

Registro 04 de ADÃO

08:00h

12:00h

13:00h

18:00h

No caso do "Registro 01" ocorreu que o trabalhador JOÃO chegou à empresa ILIMITADA às 09 horas em virtude de ter acordado atrasado. A chefe imediata MARIA atendeu ao pedido de JOÃO de compensar o atraso no fim do expediente, para que o mesmo não sofresse o desconto da hora de atraso e o desconto do DSR.

Já no "Registro 02", o trabalhador JOSÉ chegou à empresa ILIMITADA às 09:00h em decorrência, também, de ter despertado tardiamente. A gerente MARIA havia avisado, no dia anterior, que a presença de JOSÉ às 08:00h era indispensável, por conta de uma reunião marcada para o mesmo horário em que JOSÉ seria o condutor. Por isto, MARIA advertiu JOSÉ e informou que no final do mês iria descontar seu atraso com o respectivo prejuízo ao seu DSR. No fim do dia, MARIA precisou que JOSÉ fizesse uma hora extra, o que é autorizado em decorrência de acordo escrito firmado 02 meses após a admissão.

Por fim, no "Registro 03" ocorreu um novo atraso de JOÃO que não foi objeto de desconto na folha de pagamento do mês, resultando, portanto, em perdão tácito do mesmo. E o "Registro 04" provém de um hora de sobrejornada feita pelo trabalhador ADÃO, mas que não configura hora extra, por integrar seu saldo no Banco de Horas pactuado junto ao sindicato laboral.

Como se observa, as conseqüências reais de um registro de ponto podem ser as mais diversas. Entretanto, é importante que se tenha em mente uma análise objetiva do mesmo, para que se saiba o que, na ausência de institutos adjacentes, como compensação e perdão (expresso ou tácito), haveria. Ou seja, o que o fato analisado isoladamente, sem incidência de fatos acessórios, representa. Assim, numa análise puramente objetiva pode-se dizer:

a)nos dois primeiros registros houve atraso de 01 hora e sobrejornada de 01 hora;

b)no "Registro 03" houve atraso de 01 hora e

c)no "Registro 04" houve sobrejornada de 01 hora.

Isto porque o perdão não pode ser exigido (a não ser que o atraso de 01 hora seja sempre perdoado e tal conduta, pela sua continuidade, tenha se inserido no contrato de trabalho como alteração contratual benéfica). Assim como a compensação também não pode ser imposta, até pela diversidade de natureza existente entre o atraso e a sobrejornada.

Não há previsão legal que autorize o empregador a exigir do trabalhador a compensação de seu atraso no final do expediente. Por mais que isto pareça vantajoso para o trabalhador, o fato é que se o mesmo não entabulou contrato escrito, posterior à admissão, de possibilidade de horas extras, o empregador não pode EXIGIR labor fora do horário contratual [03], sob pena de se ferir o direito do obreiro à desconexão do trabalho e o mínimo de liberdade na condução do contrato que fundamenta o direito de resistência do laborista. Em verdade, vários fatos da vida poderiam determinar que o trabalhador não aceitasse tal opção de compensação: compromisso marcado, horário do seu transporte e etc.

Assim como não há previsão legal para se considerar a sobrejornada eventualmente exercida como compensatória do atraso. A existência de sobrejornada não representa perdão ou autorização de compensação. A sobrejornada tem efeitos diversos do atraso: implica pagamento da hora trabalhada com o adicional de, no mínimo, 50%, além de eventual multa administrativa (caso não esteja previamente pactuada). De outra banda, do atraso decorrem: desconto do tempo de atraso (sem majoração de adicional), desconto do DSR por impontualidade e possibilidade de penalidade (advertência, suspensão e até demissão, conforme reincidências ou relevância do atraso).

Desta forma, o leitor deve atentar para a diferença necessária da análise objetiva das hipóteses, alvo deste trabalho, da análise casuística que será praticada diante dos fatos reais. E, ainda, conforme o exposto, observar que a mesma lógica aplicada a atrasos e sobrejornadas de 01 hora deve ser aplicada a algumas unidades de minutos, pois que se está tratando de análise objetiva que se baseia não na estética matemática, mas nos limites legais do que pode ser desprezado como minuto residual e o que não pode.


3.conceito de sobrejornada.

Neste ponto do trabalho, o leitor pode estar questionando se não houve incorreção no trato do conceito de sobrejornada quando do enquadramento objetivo dos dois primeiros exemplos – onde se disse que houve 01 hora de atraso e 01 hora de sobrejornada sem, no entanto, haver extrapolação da duração da jornada diária prevista de 08 horas. Como já foi dito, o atraso e a sobrejornada não podem ser compensados automaticamente (sem decisão das partes) por possuírem natureza e efeitos diversos [04]. Entretanto, para espancar qualquer dúvida, passo a análise das regras existentes sobre o tema.

Preambularmente o Direito do Trabalho não é avesso à fixação do horário de trabalho. Muito pelo contrário. O trabalho é, via de regra – conforme exceção explicitada no art. 62, I, da CLT –, contrato com horário fixo de labor. Esta norma é de tal importância que a CLT lhe dedica uma seção inteira (seção V – DO QUADRO DE HORÁRIO) [05].

A CLT exige (art. 74) que haja pré-fixação do horário (ou horários) de trabalho e a sua disposição em quadro, para que tanto o trabalhador como a fiscalização possam ter ciência da mesma. Inclusive os trabalhadores externos, quando passível de controle de jornada, devem carregar ficha ou papeleta com a informação do horário de trabalho (a CLT lança mão da expressão "explicitamente" para determinar com ênfase o dever de informação sobre o horário de trabalho). E, ainda, ao determinar o controle de jornada, exige que se pré-assinale (o texto legal utiliza a expressão "devendo haver") o intervalo [06].

Com isto, garante-se ao trabalhador seu direito de desconexão do trabalho, podendo programar sua vida extra-laboral. Além disto, reforça o dever de informação, corolário do princípio da boa-fé objetiva (art. 187, in fine, dentre outros, do CC). Este é um primado importante para o trabalhador e irradiante, enquanto preceito guia, para todo o sistema do Direito do Trabalho.

Doutra banda, a CRFB/88 não fala sobre simples sobrejornada, mas sobre serviço extraordinário (inciso XVI do art. 7º). Muito embora a corrente que defendia o fim das meras "horas suplementares" esteja vencida, atualmente, não resta dúvida que a idéia de sobrejornada passou a carregar a noção de algo que não pode ser corriqueiro. Em verdade, a previsão constitucional que determina o adicional de 50% tem por objetivo diminuir os números de sobrejornada e, com isto, proteger a saúde do trabalhador; além de dar um passo rumo à meta constitucional do pleno emprego (art. 170, VIII, da CRFB/88), através do aumento de postos de trabalho que esta política pode alcançar.

Por fim, a CLT dispõe no art. 58 que a duração normal do trabalho não excederá 08 horas diárias e o art. 59 informa que a duração normal do trabalho poderá ser acrescida de horas suplementares (duas no máximo). Tais regras em nada conflitam com os preceitos do art. 74 que garantem o respeito ao horário de trabalho contratado.

O art. 59 não pode ser interpretado isoladamente. Ou melhor, a "duração normal do trabalho" deve ser compreendida dentro do sistema que dá valor ao horário contratual. A "duração normal do trabalho" traz no adjetivo "normal" a idéia do horário contratual. Para que fique claro o pensamento, voltamos às exemplificações.

O trabalhador chega 01 hora atrasado. Tal hora poderá ser descontada do seu salário e levar ao não pagamento do DSR, além de possíveis punições disciplinares. Nesse mesmo dia o empregador, possuindo pré-pactuação por escrito que autoriza sobrejornada, exige que o laborista que chegou 01 hora atrasado, labore mais 01 hora após o fim do horário contratual. Nesta hipótese, qual seria a natureza jurídica dessa 01 hora?

Se optarmos pela interpretação restritiva de que essa 01 hora não é sobrejornada porque, com ela, não houve ultrapasse da duração do trabalho, pois que foram prestadas as mesmas quantidades de horas programadas, muito embora em horário diverso, teríamos que nos defrontar com outra questão: então como deve ser tratado o atraso? Ou seja, o empregador ao exigir a hora pós-contratual estaria no uso normal do seu poder diretivo, não necessitando, sequer, de pactuação prévia, não tendo a obrigação de pagá-la, pois já incluída no salário mensal? Além disto, o empregador poderia aplicar as penalidades de desconto da hora atrasada, desconto do DSR e punições disciplinares?

Naturalmente que, seguindo o raciocínio anterior, o empregador não poderia descontar a hora atrasada, pois foi usufruída após o expediente contratado. Entretanto, poderia continuar descontando o DSR e aplicando as punições disciplinares? Naturalmente que não, pois em caso afirmativo, isto geraria uma outra penalidade em desfavor do empregado, não prevista na CLT, portanto ilícita, ao ser obrigado a permanecer laborando após o horário contratual, lesando seu direito à desconexão, sua programação familiar e social, até mesmo dificultando, eventualmente, seu deslocamento de retorno para casa em decorrência dos horários do transporte utilizado.

Ainda que se seguisse outra via, nesta concepção restritiva de sobrejornada, e se propusesse que, caso o empregador utilize essa hora após o fim do expediente, todos os efeitos do atraso deveriam ser abonados, isto redundaria numa privação de direitos do próprio empregador [07]. Ou seja, quando necessita de sobrejornada o mesmo tem que pagar 50% de adicional. Entretanto, quando necessitasse de sobrejornada no dia de atraso, muito embora não tivesse que pagar o adicional de 50% na proporção das horas sob atraso, teria que, no mínimo, não descontar o DSR, que corresponde a um dia inteiro de trabalho tornando, assim, a hora posterior ao horário contratual mais cara [08].

Em verdade, a solução jurídica objetiva e adequada é considerar que, no episódio, houve atraso, sujeito a todas as punições e houve sobrejornada, pois houve hora laborada após o expediente contratual. Assim o empregado deixará de receber a hora faltante e o DSR e sofrerá a punição disciplinar (advertência, suspensão ou demissão), mas receberá a hora extra com adicional legal ou convencional em decorrência de ter extrapolado a duração normal do trabalho, uma vez que laborou após o horário contratado e não houve acordo para se compensar a hora atrasada com a sobrejornada.

Reforçamos que a solução informada é objetiva e que na prática o empregador pode pactuar com o trabalhador um sem número de soluções mais vantajosas para o trabalhador.


4. Controle de Jornada.

Há muito, a doutrina e a jurisprudência, diante das regras de experiência, definiram a impossibilidade do controle britânico, o que foi consolidado pelo TST na súmula 338. Em verdade, é virtualmente impossível que um trabalhador, no seu dia-a-dia, consiga registrar seu ponto, invariavelmente, na mesma hora e no mesmo minuto. É natural que seu registro de ponto possua alguma variação. Por conseguinte, é incomum – por isto motivo de prova robusta – a marcação invariável (art. 335 do CPC).

O registro de ponto, conforme nos informa doutrina de vanguarda sobre o assunto [09], deve ser feito com imediatidade – no momento exato do início da jornada – e com aposição do horário exato. Ou seja, não pode ser feito com horário retroativo ou pré-consignado.

Diante desta constatação o controle de ponto tornou-se um dilema prático. Se é impossível, de fato, realizar a marcação do ponto diariamente em exata correspondência com o horário contratual, então a cada marcação destoante do contratado teremos: ou sobrejornada ou atraso/saída antecipada. Sendo que a sobrejornada depende de pactuação prévia (art. 59), sob pena de autuação administrativa, e impõe pagamento com adicional legal ou convencional. E, ainda, o atraso/saída antecipada implica desconto do salário, possibilidade de aplicação de penalidade – que pode iniciar-se com advertências, passar por suspensão e chegar à demissão –, além de não pagamento do DSR (art. 6º da Lei 605/49).

Neste contexto, a realidade parece, inclusive, prejudicar mais o trabalhador que o empregador, posto que ao passo que o empregador pagaria alguns minutos como horas extras, o trabalhador iria pagar seu atraso/saída antecipada com o desconto do pagamento de um dia inteiro de descanso, além de dar motivo para penalidades [10].

Não há dúvida de que este painel levou, primeiro, o Judiciário através da OJ (Orientação Jurisprudencial) n. 23 (sucedida pela súmula 366) do TST e, depois, o próprio legislador a positivar tal regramento. Assim, se estabeleceu tolerância para as marcações de ponto, de modo que a imediatidade e aposição de horário exato pudessem ser respeitadas, gerando registro de ponto confiável, sem, no entanto, gerar inconsistências em todo o sistema da jornada.


5.Limite Parcial de 05 minutos.

Como dito, se estabeleceu tolerância para as marcações de ponto, de modo que a imediatidade e aposição de horário exato pudessem ser respeitadas, gerando registro de ponto confiável, sem, no entanto, gerar inconsistências em todo o sistema da jornada. Para tanto, foi criado o limite padrão de 05 minutos. Ou seja, há 05 minutos de tolerância para mais ou para menos em cada registro de jornada.

Registro do Intervalo [11].

Neste ponto, cabe salientar problema da maior envergadura: tal limite se aplica para o registro do intervalo intrajornada, principalmente levando em conta o de 15 minutos?

Um dos princípios de lógica analítica, antes mesmo de ser princípio geral de direito, é que onde há as mesmas razões se aplicam as mesmas regras. Ou seja, se há necessidade de aposição do horário exato e com imediatidade no registro de ponto dos intervalos e, por conseguinte, todos os efeitos paradoxais de tal exigência, deve haver, também, a aplicação das mesmas regras de tolerância [12].

Além disto, o limite de 10 minutos (analisado mais à frente) tem sua relevância jurídica condicionada à aplicação no intervalo intrajornada. Isto porque referido limite seria irrelevante se as parciais se dessem somente no início e fim da jornada. Ora, 5+5=10. Nunca haveria extrapolação da soma das parciais. Entretanto, consideradas as marcações do intervalo temos, por exemplo: 5+5+5+5 = 20, ou 3+3+3+3 = 12, casos em que o limite de 10 minutos, como será visto a frente, caracteriza objetivamente o abuso de direito.

O ideal seria, talvez, no caso específico do intervalo de 15 minutos, principalmente, que o legislador caminhasse para regra também específica, como criar tolerância apenas para batida antes de seu início ou após o seu término (ou seja, por exemplo, 3 minutos antes do início do intervalo e 3 minutos depois do fim do intervalo), entretanto, à falta de disposição específica, não pode o intérprete extravasar seu ofício criando nova regra.

Em verdade, é defensável a inaplicabilidade do instituto dos minutos residuais, a favor do empregador, para intervalos menores de 01 hora em razão da exigüidade de tempo. Principalmente em decorrência da estreita relação entre o intervalo intrajornada, na hipótese minimizado para 15 minutos, e a segurança e saúde no trabalho, não sendo possível que norma infraconstitucional fragilize o enunciado do art. 7º, XXII, da CRFB/88.


6. Abuso de Direito e o Limite de 10 minutos.

Neste passo, com o art. 58, §1º, da CLT, o legislador criou regra de avaliação objetiva de abuso de direito (art. 187 do CC).

O abuso de direito ocorre quando o detentor do direito subjetivo (aquele que já se integrou ao seu patrimônio) faz o uso do mesmo além do limite do razoável, atingindo a esfera de direitos de outros indivíduos.

O caso dos minutos residuais é emblemático. Ao mesmo tempo em que é direito subjetivo do trabalhador registrar seu ponto até 05 minutos depois da entrada e 05 minutos antes da saída, o oposto é direito do empregador, posto que não será considerado labor extraordinário. É lógico que não se está aqui considerando que o empregador pode determinar, dentro de seu poder diretivo que o trabalhador saia somente 05 minutos depois do fim do expediente e entre todos os dias 05 minutos antes do início da jornada. Entretanto, tanto o empregador como o trabalhador podem, em tese, fazer uso de expedientes, dos mais diversos, para levar vantagem abusiva dos seus respectivos direitos.

Assim, por exemplo, um empregador poderia criar situação, em uma linha de montagem, com grande proximidade com o relógio de ponto, de forma a ganhar dois ou três minutos diários na mesma; concluindo os trabalhos dois ou três minutos após o fim de cada turno.

Tal abuso de direito já é previsto através de regra objetiva de aferição informada na norma. A par de estabelecer limites parciais de 05 minutos para cada registro de ponto, a norma estabeleceu o limite global de 10 minutos. Ou seja, a soma das frações não poderá ultrapassar 10 minutos sob pena de implicar, com isto, abuso de direito e, por conseguinte, inaplicabilidade da exceção legal que configura os minutos residuais.

Limite Global X Limites Parciais.

Aqui cabe comentar que há quem interprete que o limite de 10 minutos configura uma limitação global a qual dispensa os limites parciais, na prática. Ou seja, interpretam que havendo jornada contratual de 08:00h às 12:00h e das 13:00h às 17:00h, se os horários registrados forem 07:54h, 12:00h, 13:00h e 17:00h, não haverá sobrejornada porque o limite de 10 minutos não foi afrontado (no caso, apenas 06 minutos).

Data vênia, tal argumento esbarra no primado que informa: na Lei não há palavras inúteis. Se expressamente foi dito que não serão descontadas as variações dos limites de 05 minutos, o final do texto da referida regra não pode ter por fim invalidar a afirmação primeira. Se o limite de 05 minutos foi desrespeitado, havendo 06 minutos de entrada antecipada, não há que se falar em minutos residuais, mas em 06 minutos de sobrejornada.

Alegam ainda, que o limite de 10 minutos não teria outro motivo se não fosse este, posto que inexistiria possibilidade de registro de intervalo com o mesmo critério, ou seja, a tolerância seria apenas para os registros de início e fim de jornada. O registro de intervalo não permitiria nenhum tipo de redução (assim, o intervalo teria que ser considerado não concedido em razão de ter totalizado, por exemplo, 55 minutos, ainda que tal fato decorresse, tão-somente, da demora em registrar o ponto).

Tal posição não prospera pelas razões que acima relatamos sobre a necessidade de aplicação dos "minutos residuais" também aos intervalos intrajornada. A razão de ser da tolerância para fins do registro de ponto da entrada e da saída há, de idêntica forma, para o registro de ponto do intervalo.

Assim, por exemplo, numa jornada contratual de 08:00h às 12:00h e de 13:00h às 17:00h, havendo marcações pelo empregado às 08:00h, 12:05h, 12:55h e 17:01h, haverá sobrejornada e desrespeito ao intervalo intrajornada, posto que a soma dos minutos residuais totalizou 11 minutos, o que não aconteceria se, por exemplo, o trabalhador tivesse saído às 17:00h (quando se totalizaria apenas 10 minutos).

Abuso de Direito além da previsão celetista.

Cuidado, o legislador positivou regra objetiva de verificação de abuso de direito. Entretanto, o instituto do abuso de direito torna ilícito um comportamento lesivo, independentemente de sua previsão explícita na legislação. Ainda que não houvesse tal regra do limite de 10 minutos, seria possível para o aplicador do Direito do Trabalho diagnosticar o abuso de direito. E, mesmo existindo regra objetiva de aferição, há outras hipóteses de abuso de direito dos minutos residuais. Por exemplo:

Jornada contratual

08:00h

12:00h

13:00h

17:00h

Registro no dia 01

08:00h

12:05h

12:55h

17:00h

Registro no dia 02

08:01h

12:04h

12:55h

17:00h

Registro no dia 03

08:00h

12:05h

12:56h

17:01h

Registro no dia 04

08:01h

12:04h

12:55h

17:00h

Registro no dia 05

08:00h

12:05h

12:55h

17:00h

Registro no dia 06

08:00h

12:05h

12:56h

17:01h

Nesta hipótese verifica-se um padrão (que talvez necessitasse de um período maior para aferição) de abuso do empregador que está diminuindo, sistematicamente, o descanso do trabalhador. Neste caso, pode-se aplicar a teoria do abuso do direito ainda que o critério objetivo da regra positiva não esteja sendo violado.

Caráter Bifronte do instituto e inaplicabilidade do Princípio da Proteção.

Informamos, por oportuno, que tais regras, até aqui estudadas, são bifrontes. Ou seja, ao mesmo tempo que protegem o trabalhador, garantem o empregador. Não permitem abusos de nenhuma das partes da relação de emprego.

Tal característica tem outro resultado: a hermenêutica do instituto dos "minutos residuais" transcende o princípio da proteção. Em verdade, o princípio da proteção que informa, dentre seus corolários, a interpretação mais favorável ao trabalhador não tem aplicabilidade quando a norma tem resultado bifronte. Como se pode ver em todo o texto, qualquer tentativa de interpretação tendenciosa levará, a um só tempo, ao favorecimento e ao prejuízo da parte à qual se tenda.

Assim, por exemplo, se o intérprete quiser fazer a interpretação de que o instituto dos minutos residuais não se aplica ao intervalo intrajornada (o que já foi contestado acima) irá onerar o trabalhador com a falta de pontualidade e suas conseqüências legais, quando, por exemplo, registrar o ponto com atraso de 05 minutos no retorno do intervalo. Ou seja, conforme caráter bifronte do instituto, ao se tentar aplicar o princípio da proteção numa interpretação, equivocada, de que os minutos residuais não se aplicam ao intervalo intrajornada, se acabará gerando, em contraponto, grave insegurança jurídica para o trabalhador que, conforme a lição do ponto britânico, não tem condições de registrar o ponto todos os dias no mesmo minuto.

Compensação entre minutos residuais e impossibilidade de compensação entre minutos residuais e não residuais.

Ainda, em relação ao limite dos 10 minutos, cabe discutir a questão da compensação entre os minutos residuais negativos e positivos para as partes. Ou seja, no caso abaixo haveria extrapolação do limite de 10 minutos?

Jornada contratual

08:00h

12:00h

13:00h

17:00h

Registro

08:05h

12:05h

12:55h

17:05h

Como se percebe, o trabalhador chegou 05 minutos atrasado ao trabalho, teve um intervalo com 05 minutos a menos na saída e 05 a menos no retorno e saiu 05 minutos após o fim da jornada contratual.

Compensando os horários temos: ao mesmo tempo em que houve 15 minutos em proveito do empregador, houve 05 minutos em proveito do empregado, totalizando efetivamente, em proveito do empregador, apenas 10 minutos no fim do expediente, não havendo, pois, extrapolação do limite global.

Esta compensação entre os minutos residuais é razoável, pois se trata de objetos de mesma natureza. Além disto, a finalidade do instituto é dar certa plasticidade ao registro de ponto para que o mesmo possa ser factível. Esta compensação atende o escopo.

Caso diverso é pensar na compensação entre minutos residuais e não residuais que não possuem, naturalmente, a mesma natureza:

Jornada contratual

08:00h

12:00h

13:00h

17:00h

Registro

08:05h

12:00h

13:00h

17:06h

Como dito acima o limite de 10 minutos não substitui o limite de 05 minutos. Havendo extravasamento do limite de 05 minutos em uma das batidas, não haverá minutos residuais nessa parcial. É importante destacar isto. O instituto dos minutos residuais configura regra que excepciona os demais institutos. Não sendo configurado "minutos residuais", temos a aplicação plena dos demais institutos da jornada.

No caso, houve 05 minutos de atraso do trabalhador, o que está no contexto da legalidade exceptiva dos minutos residuais que termina por abonar o atraso como se fosse tempo à disposição ou trabalhado. Entretanto, a saída 06 minutos após o horário contratual configura sobrejornada, pois excedeu o limite parcial. A conseqüência disto, conforme informa a própria regra, é que a variação de 06 minutos será computada como jornada extraordinária.

O Cálculo do limite de 10 minutos não pode levar em conta minutos não residuais.

A par deste último ponto, outro que leva muitos intérpretes a uma conclusão errônea quanto ao limite de 10 minutos é considerar para sua soma minutos que não são residuais. Vejamos as seguintes hipóteses:

Jornada contratual

08:00h

12:00h

13:00h

17:00h

Registro 01

07:55h

12:00h

13:00h

18:00h

Registro 02

07:55h

12:00h

13:00h

17:06h

Nos casos em exame o trabalhador chegou 05 minutos mais cedo em sua jornada. Ao fim da mesma, laborou mais que 05 minutos, ou seja, 01 hora e 06 minutos respectivamente. Neste caso, pelo critério equivocado do cálculo do limite de 10 minutos englobando minutos não residuais, teríamos que houve 01:05h e 11 minutos, respectivamente, de sobrejornada.

Entretanto, qual conduta praticou o empregador que justifique a desconsideração de tolerância para registro do ponto? Nenhuma. Houve abuso de direito, alvo do limite de 10 minutos? Não.

Ora, sendo previamente pactuado [13], é direito do empregador exigir horas extras. No dia em que há necessidade de horas extras haverá também, necessidade de registro de ponto e de tolerância para o mesmo (fundamento do instituto dos minutos residuais).

Para melhor esclarecer traçamos outro exemplo:

Jornada contratual

08:00h

12:00h

13:00h

17:00h

Registro 03

08:05h

12:00h

13:00h

16:00h

Registro 04

08:05h

12:00h

13:00h

16:54h

Para examinar estes casos, vamos supor que nos dois registros o trabalhador saiu mais cedo no fim do expediente por autorização de compensação do banco de horas [14].

Se for considerada, injustamente, a soma dessas saídas antecipadas para o cálculo dos 10 minutos o trabalhador terá atraso de 05 minutos nos dois dias, muito embora apenas tenha exercido seu direito de compensação do banco de horas; e sofrerá a perda de seu DSR por não ter sido pontual.

Analogamente, o empregador seria apenado, injustamente, com multa administrativa e dever de pagamento de intervalo intrajornada não concedido, por fazer uso, no final da jornada, de horas extras ou sobrejornada a ser compensada nos seguintes casos de marcações:

Jornada contratual

08:00h

12:00h

13:00h

17:00h

Registro 05

08:00h

12:05h

13:00h

18:00h

Registro 06

08:00h

12:05h

13:00h

17:06h

Assim, em todos os casos analisados, os minutos residuais para fins de cálculo do limite de 10 minutos não podem ser somados com parciais que ultrapassam o limite de 05 minutos; sob pena de penalizar aquele que apenas fez uso não abusivo de seu direito. Segue solução técnica adequada para os casos analisados:

Jornada contratual

08:00h

12:00h

13:00h

17:00h

Solução

Registro 01

07:55h

12:00h

13:00h

18:00h

01 hora de sobrejornada

Registro 02

07:55h

12:00h

13:00h

17:06h

06 minutos de sobrejornada

Registro 03

08:05h

12:00h

13:00h

16:00h

01 hora de saída antecipada

Registro 04

08:05h

12:00h

13:00h

16:54h

06 minutos de saída antecipada

Registro 05

08:00h

12:05h

13:00h

18:00h

01 hora de sobrejornada

Registro 06

08:00h

12:05h

13:00h

17:06h

06 minutos de sobrejornada

Conseqüências do desrespeito aos limites global e parcial.

Como visto, o ultrapasse do limite parcial de 05 minutos em uma das batidas de ponto não gera a invalidade dos demais minutos residuais. Isto decorre do fato de que os minutos residuais só podem ser desconsiderados quando há abuso de direito.

Ou seja, se em determinada data o empregador precisou fazer uso do direito de realizar sobrejornada previamente pacutada, não pode sofrer como punição a desconsideração do instituto dos minutos residuais nas marcações de ponto estranhas à sobrejornada. Também o trabalhador que eventualmente chegou atrasado não pode ser punido, em verdadeiro bis in idem, com a obrigação de registrar seu ponto sem tolerância nas demais marcações. Exemplos:

Jornada contratual

08:00h

12:00h

13:00h

17:00h

Solução

egistro 01

08:00h

12:05h

13:00h

18:00h

01 hora de sobrejornada

Registro 02

09:00h

12:00h

13:05h

17:00h

01 hora de atraso

De forma diversa ocorre na extrapolação do limite global. É que, neste caso, há desrespeito ao uso razoável dos minutos residuais. Assim, ao abusar do direito ultrapassando o limite global da soma de 10 minutos, não será considerado nenhum minuto residual.

Por óbvio, tal solução não pode gerar dano a quem não abusou do direito. Ou seja, se é o empregador que levou ao ultrapasse do limite de 10 minutos, o empregado não poderá ter prejuízo, não podendo ser considerado em atraso ou saída antecipada. O inverso é também verdadeiro. Exemplifico:

Jornada contratual

08:00h

12:00h

13:00h

17:00h

Registro 01

08:05h

11:55h

13:05h

17:01h

Registro 02

07:55h

12:05h

12:55h

16:59h

Registro 03

09:00h

12:05h

12:55h

17:05h

Registro 04

08:05h

11:55h

13:05h

18:00h

No "Registro 01" temos no somatório de minutos residuais, com a compensação entre os mesmos, o seguinte cálculo: 05+05+05-01=14. Observa-se flagrante abuso do trabalhador que ficará, portanto, com o desconto de 14 minutos de atraso. O empregador, por outro lado, não abusou em nenhum momento, não podendo o trabalhador lhe exigir o 01 minuto posterior ao horário contratual como sobrejornada.

De forma contrária, no "Registro 02" temos o somatório de 14 minutos em flagrante abuso do empregador, que deverá pagá-lo em sobrejornada, além de compensar em pecúnia o intervalo intrajornada não concedido integralmente. O trabalhador, entretanto, que licitamente agiu, não poderá ter descontado o minuto em que registrou o ponto antes do fim do expediente contratual.

Por último, os "Registro 03" e "Registro 04" são emblemáticos porque trazem exemplos em que há ultrapasse de um limite parcial (atraso e sobrejornada, respectivamente) e, ainda, extrapolação do limite global de 10 minutos (pelo empregador e pelo empregado, respectivamente). Para a solução destes casos chamamos a atenção para o que foi discutido nos tópicos "COMPENSAÇÃO, PERDÃO E OUTROS INSTITUTOS CONEXOS" e "CONCEITO DE SOBREJORNADA", sem o qual não é possível justificar as soluções abaixo.

No "Registro 03" houve, indiscutivelmente, 01 hora de atraso do trabalhador. Naturalmente, portanto, poderá ter descontados: a hora em atraso e o DSR; além de sofrer punição disciplinar. Entretanto, o empregador abusou dos minutos residuais totalizando 15 minutos de excesso (lembrando que, conforme estudo nos tópicos retro-mencionados, o horário contratual continua a merecer respeito mesmo quando há atraso do trabalhador, sob pena de se aceitar punição não prevista na CLT). Assim, será apenado com a ausência de tolerância e, por isto, deverá compensar o trabalhador pelo intervalo não concedido integralmente e pagará os 15 minutos de sobrejornada (rememorando, também, que na prática, no mundo dos fatos, o empregador pode perdoar o atraso e tantos outros acontecimentos podem ocorrer; a solução informada tem por fito a análise puramente objetiva do caso, sem fatos acessórios).

De idêntica forma, no "Registro 04" o empregador determinou a realização de 01 hora de sobrejornada e deverá, portanto, remunerá-la como tal. O trabalhador, paralelamente, abusou dos minutos residuais, totalizando 15 minutos de atraso e saída antecipada. Portanto, deverá sofrer os ônus de sua impontualidade sem resguardo da tolerância nas marcações.


7.Minutos Residuais no Período Noturno.

A razão de ser do instituto dos minutos residuais nos permite concluir que aos mesmos não se aplica a redução da hora noturna. Isto porque os minutos residuais foram criados visando dar condição de exeqüibilidade do registro de ponto e, para isto, tem-se a mesma variação de tempo (real), tanto no período diurno, como no período noturno. Em reforço, se gasta o mesmo tempo para registrar o ponto durante o dia, tal como durante a noite.

De toda forma, havendo descaracterização dos minutos residuais por desrespeito aos seus limites, deve-se aplicar as regras do adicional noturno e da hora ficta reduzida.


8. Análise da evolução jurisprudencial do TST.

Antes de concluir este estudo, é necessária uma análise da sucessão de edição de entendimento sumulares do TST. Lembramos que a data da edição de OJ ou Súmula, propriamente dita, não corresponde à data em que a jurisprudência majoritária já havia se firmado em determinado sentido. Em verdade, a verificação de existência de jurisprudência majoritária precede e é requisito necessário para a edição da OJ ou Súmula.

A questão dos minutos residuais teria sido tratada, inicialmente, pela OJ n. 23 de 03/06/1996:

OJ-SDI1-23 CARTÃO DE PONTO. REGISTRO. Inserida em 03.06.96 (Convertida na Súmula nº 366, DJ 20.04.2005)

Não é devido o pagamento de horas extras relativamente aos dias em que o excesso de jornada não ultrapassa de cinco minutos antes e/ou após a duração normal do trabalho. (Se ultrapassado o referido limite, como extra será considerada a totalidade do tempo que exceder a jornada normal).

Da simples leitura da OJ observa-se que inexistia a previsão do limite de 10 minutos e que a tolerância de 05 minutos, nos termos da redação da OJ, aplicava-se apenas ao excesso de jornada, não ao atraso/saída antecipada. Entretanto, a jurisprudência já em 2001 trilhava o caminho mais amplo, tanto que o legislador, influenciado pela mesma, incluiu o §1º no art. 58 da CLT através da Lei n. 10.243 de 2001 com o texto que viria a ser utilizado pela própria Súmula 366 do TST em 2005 que incorporou ainda e adequadamente, o conteúdo de outra OJ, a de n. 326.

SUM-366. CARTÃO DE PONTO. REGISTRO. HORAS EXTRAS. MINUTOS QUE ANTECEDEM E SUCEDEM A JORNADA DE TRABALHO (conversão das Orientações Jurisprudenciais nºs 23 e 326 da SBDI-1) - Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005

Não serão descontadas nem computadas como jornada extraordinária as variações de horário do registro de ponto não excedentes de cinco minutos, observado o limite máximo de dez minutos diários. Se ultrapassado esse limite, será considerada como extra a totalidade do tempo que exceder a jornada normal. (ex-Ojs da SBDI-1 nºs 23 - inserida em 03.06.1996 - e 326 - DJ 09.12.2003).

OJ-SDI1-326 CARTÃO DE PONTO. REGISTRO. HORAS EXTRAS. MINUTOS QUE ANTECEDEM E SUCEDEM A JORNADA DE TRABALHO. TEMPO UTILIZADO PARA UNIFORMIZAÇÃO, LANCHE E HIGIENE PESSOAL. DJ 09.12.2003 (Convertida na Súmula nº 366, DJ 20.04.2005)

O tempo gasto pelo empregado com troca de uniforme, lanche e higiene pessoal, dentro das dependências da empresa, após o registro de entrada e antes do registro de saída, considera-se tempo à disposição do empregador, sendo remunerado como extra o período que ultrapassar, no total, a dez minutos da jornada de trabalho diária.

A Súmula 366 do TST se mostra diferente da Lei somente num complemento para dar maior clareza ao texto: "se ultrapassado esse limite, será considerada como extra a totalidade do tempo que exceder a jornada normal". Passamos à análise desta evolução.

Preambularmente, deve-se notar que a jurisprudência avançou de uma enunciação que apenas excepcionava os excessos de jornada, para excepcionar, também, pequenos atrasos/saídas antecipadas. Deu caráter bifronte (tanto abrange os efeitos negativos em relação ao empregador – sobrejornada – como os efeitos negativos em relação ao trabalhador – atrasos/saídas antecipadas) ao instituto dos minutos residuais, com olhar mais adequado para o controle de jornada.

Em segundo, passou a regular possíveis abusos no uso dos tempos parciais de 05 minutos, impedindo soma das parciais acima de 10 minutos. Aqui é importante notar a diferença entre os textos. A OJ n. 23 dizia que "ultrapassado o referido limite [de cinco minutos], como extra será considerada a totalidade do tempo que exceder a jornada normal". A Súmula 366 do TST clarifica-se (e clarifica a própria lei) no sentido de que esta regra passa a valer apenas quando ultrapassado o limite de 10 minutos.

Explicamos melhor. Maurício Godinho Delgado [15] entende que "a Súmula 366 (ex-OJ 23) manda que se computem todos os minutos, mesmo os poucos iniciais e finais, se em cada extremo da jornada for ultrapassado o teto de cinco minutos". Já Alice Monteiro de Barros [16], sobre o assunto, limita-se a transcrever a Súmula 366.

Em verdade, se ultrapassado o limite parcial de 05 minutos, todo o período dessa parcial deverá ser considerado como sobrejornada ou atraso/saída antecipada. Por exemplo, se o trabalhador conclui sua jornada 06 minutos antes ou 06 minutos depois do horário contratado, o mesmo terá 06 minutos de saída antecipada ou 06 minutos de sobrejornada, respectivamente.

O que acontece é que o mestre Godinho talvez tivesse em mente, ainda, a redação da ex-OJ 23, como de fato a citou. Em verdade, a Súmula 366 traz algum contato com a ex-OJ 23, mas não mantém a mesma regulação. Como observado, a ex-OJ 23 não tratava de atrasos/saídas antecipadas e nem limitava em 10 minutos o total das parciais num mesmo dia. Neste estudo verifica-se que a nova configuração permite, materialmente, a exeqüibilidade do controle de ponto. Para tanto, dentre outras coisas, a Súmula 366 foi clara ao usar o singular para o termo "LIMITE".

De fato, a Súmula 366 complementa a redação do §1º do art. 58 informando: "se ultrapassado esse limite, será considerada como extra a totalidade do tempo que exceder a jornada normal". Veja que há dois limites expressos: o parcial de 05 minutos para cada registro de ponto e o de 10 minutos para a totalidade das parciais. Quando diz "esse limite", no singular, só pode estar se referindo ao limite de 10 minutos. Até porque, conforme a própria redação da súmula (idêntica à da Lei) se usa o termo "limite" somente para designar como tal os "10 minutos".

O texto da súmula 366 em muito se distancia do estabelecido na ex-OJ n. 326. Referida OJ editada em 2003, na contramão do, então, já estabelecido pelo art. 58, §1º, informava limite de 10 minutos sem referência às parciais. Tal solução foi totalmente suplantada pela súmula 366 e não coadunava, numa análise objetiva, ou melhor, pelo conteúdo literal, com a lei já em vigor.


9. Encerramento.

O tema Jornada está em voga exatamente pela revolução que a regulação do Ponto Eletrônico, através da Portaria n. 1510/2009, está trazendo. Ao invés da perícia dos controles de jornada de forma manual ou limitada pela ausência de padrão dos programas de tratamento de ponto, a Auditoria-Fiscal do Trabalho será dotada, conforme IN n. 85 de 2010 do MTE, de programa próprio que fará a conferência de todo o controle de jornada do empregador.

Neste contexto, questões que ficavam ao largo da Auditoria, do Ministério Público e do Judiciário, em decorrência da dificuldade de sua apuração, passarão a ser rapidamente fiscalizadas por procedimento informatizado. Esta é, portanto, uma tentativa de contribuição para as discussões que ainda estão por vir.


Notas

  1. Outro exemplo instigante: se um menor estiver trabalhando até às 22:00h, conforme contrato de trabalho e em determinado dia registre 22:05h, isto implicará ou não autuação por labor de menor no horário noturno, a depender de que se considere ou não estes 05 minutos como minutos residuais.
  2. Acrescentamos que o próprio regramento dos minutos residuais está na seção V – DO QUADRO DE HORÁRIO e não na seção II – JORNADA que trata da sobrejornada.
  3. Salvo as exceções legais, art. 61 da CLT.
  4. Art. 369 e 370 do Código Civil e a Súmula 18 do TST são expressões do Princípio Geral de Direito que informa a compensação e define que a mesma só pode ser feita entre objetos de mesma natureza.
  5. Citamos, por oportuno, decisão do TST que caminha nessa direção valorativa do horário contratual no processo RR - 9891900-16.2005.5.09.0004 em que decidiu pela ilegalidade de jornada móvel e variável em rede de lanchonetes.
  6. Quanto à pré-assinalação do intervalo a jurisprudência e a doutrina plenamente majoritária entendem que se trata de opção. Ou seja, ou o empregador determina que se registre no ponto o intervalo intrajornada ou o empregador informa previamente no controle de ponto o horário de intervalo. Muito embora estejamos certos que o tema mereça aprofundamento e, possivelmente, solução diversa, o fato é que a redação do art. 74, inclusive do §2º, reforça a intenção do legislador de garantir ao trabalhador o direito de conhecer, previamente, seu horário de trabalho, para, com isto, dispor plenamente de sua liberdade.
  7. E, ainda, ao se postular tal solução, o inverso teria que ser aceito. Ou seja, se fosse determinado ao trabalhador que chegasse uma hora antes do horário contratual para realizar sobrejornada, o mesmo poderia decidir sair uma hora mais cedo, transformando aquela hora de sobrejornada em hora normal. Tal atitude do obreiro constituiria flagrante abuso de direito; também a do empregador, na hipótese anterior, também seria, pois usaria o atraso para extrapolar, a seu talante, o horário contratual.
  8. Pedimos perdão pelo tom, um tanto quanto, mortificante desta argumentação. Em verdade, colocar o empregador, ainda que em hipótese, a lamentar não poder descontar o DSR do trabalhador tem um tom obscuro. Entretanto, pela fidelidade à dialética que, acreditamos, deve guiar o trabalho científico, optamos por expor todos os pontos de vista, dentro de nossa capacidade intelectual, para que não se fira o direito nem do trabalhador e nem do empregador.
  9. "Fica claro, então, que, nas empresas com mais de dez empregados, boa parte do sistema de proteção ao trabalhador contra exigências patronais abusivas em relação à jornada de trabalho ilegais ou contra o não pagamento de jornadas de trabalho excedentes à legal repousa na efetividade das normas do Art. 74 da CLT. Tal sistema se compõe de alguns elementos essenciais, sem os quais todo o arcabouço protetivo se esboroa:
  10. OBRIGATORIEDADE, pelo empregador, de promover o controle de jornada nos moldes previstos em lei, registrando o horário de cada entrada e saída do trabalhador;

    BILATERALIDADE na produção dos registros diários de entrada e saída, uma vez que somente são válidos os registros realizados pelo próprio trabalhador (...)

    IMEDIATIDADE das marcações, ou seja, a exigência de que cada anotação seja feita no exato momento da entrada ou saída do trabalhador. Não se aceitam registros de ponto elaborados posteriormente.

    APOSIÇÃO DO HORÁRIO EXATO de entrada e saída, não se aceitando arredondamentos "ponto britânico" ou marcação pré-assinalada de horários (...)

    DEPÓSITO obrigatório pelo empregador da documentação produzida pelo sistema de ponto. Torna-se, assim, o empregador no guardião legal de um documento comum às partes e de interesse público, respondendo pela incolumidade dos registros tal como foram produzidos ao tempo de cada marcação de entrada e saída do trabalhador.

    OBRIGATORIEDADE DE APRESENTAÇÃO da documentação produzida pelo sistema à Fiscalização Trabalhista e, em caso de processo, ao Poder Judiciário" (SANTOS, Carlos Augusto Moreira dos, VARGAS, Luiz Alberto de. Os sistemas de controle de ponto eletrônico a partir da Portaria nº 1.510/09. Artigo disponível em: http:// ww1.anamatra.org.br/sites/1200/1223/00001657.doc. Acesso em: 19/07/2010).

  11. Abusivamente e inconstitucionalmente ainda aceitas no Direito do Trabalho Brasileiro – tanto as penalidades como o desconto do descanso que têm, na realidade, o mesmo objetivo, qual seja o de "disciplinar" quem não é ou não deveria ser tratado como incapaz e nem como sujeitado numa relação jurídica – tema que não abordaremos neste texto. No entanto, adiantamos que a CRFB/88 não impõe condição para o direito à remuneração do repouso semanal.
  12. Apesar de ser relevante, não abordaremos a questão da obrigatoriedade ou não de registro do intervalo intrajornada, pois é assunto dispensável para efeito das conclusões que aqui se formulam. Entretanto, é tema que merece cuidadoso estudo, principalmente em função da jurisprudência majoritária estar em posição frontalmente contrária à proteção do trabalhador.
  13. Relembramos que, segundo posição majoritária, é decisão do empregador adotar ou não o registro de ponto do intervalo. Para esta corrente francamente dominante o empregador pode adotar a simples pré-assinalação, ao invés do registro de ponto.
  14. Partindo da regra, pois há exceções legais que autorizam a exigência de sobrejornada sem prévia pactuação.
  15. Uma pergunta retórica: qual a diferença de se sair mais cedo em virtude do banco de horas do de sair mais tarde em virtude do mesmo ou para configuração de horas extras? Logicamente, não há.
  16. Curso de Direito do Trabalho. 9. ed. São Paulo: LTr, 2010, p. 795 e 796.
  17. Curso de Direito do Trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 636.

Autores


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, José Luciano Leonel de; ARAUJO, Luiz Antonio Medeiros de. Minutos residuais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2919, 29 jun. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19442. Acesso em: 25 abr. 2024.