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Desafios na aplicação da Lei de Improbidade

Desafios na aplicação da Lei de Improbidade

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Resumo: este artigo busca, fazendo um panorama sobre o atual estado da aplicação da Lei de Improbidade Administrativa (LIA), Lei 8.429/92, identificar alguns aspectos que ao nosso ver merecem nova abordagem ou reformulação, além de buscar esquadrinhar as bases teóricas sobre a qual se assenta o subsistema repressivo previsto na LIA, para fazer algumas proposições interpretativas e até procedimentais que seriam interessantes se incorporadas à praxis do sistema de justiça. É um artigo que não tem a pretensão de criar nada de novo na matéria, mas tão só de revisitar e reafirmar determinados caminhos interpretativos que em nosso sentir são mais adequados ao sistema que operamos e ao tratamento constitucional da matéria, além de inevitavelmente trazer a visão de quem vivencia a prática da ação de improbidade.

Sumário: 1. Introdução. 1.2. Importância do combate à improbidade administrativa. 2. Premissas jurídico-filosóficas para o estudo da LIA. 2.1. Questões filosóficas prévias. 2.2. Relação entre princípio da moralidade e os atos de improbidade. 3. Atual panorama da aplicação da LIA. 3.1. Natureza jurídica dos atos de improbidade. 3.2. Pessoas sujeitas à LIA. 3.3. As sanções pela prática de atos de improbidade. 3.4. Da relação entre os diferentes mecanismos de punição. 4. LIA, direito sancionador e segurança jurídica. 5. Alguns caminhos possíveis. 5.1. Do elemento subjetivo. 5.2. Da possibilidade de aplicação das excludentes de ilicitude e de culpabilidade. 5.3. Construção de standards de conduta pela jurisprudência. 5.4. Priorização da fase extra-judicial para investigação de potenciais atos de improbidade. 5.5. Por fim, mas qual ética? 6. Conclusão.


1. Introdução.

A Lei de Improbidade Administrativa, lei 8.429/92 (LIA), representa notável avanço civilizatório para a sociedade brasileira. Tem a importantíssima finalidade de proteger a sociedade e o Estado de atos que não são legítimos em um sistema democrático e republicano, e que atentam contra os princípios e ideais que o regem.

Sem embargo, a feição única e nova desse instrumento de repressão levanta sérias dúvidas em sua aplicação: como dar integral efetividade a esse potente instrumento de efetivação do direito fundamental coletivo à probidade administrativa sem incorrer em arbitrariedades?

Mais, como compatibilizar distintas normas punitivas, penais e não penais, que terão aplicação na maior parte dos casos? De que modo aplicar os direitos e garantias individuais inerentes ao direito sancionador preservando a eficácia da LIA?

Essas questões que tentaremos enfrentar neste artigo.

1.2. Importância do combate à improbidade administrativa.

A improbidade é prima-irmã da corrupção. Embora uma e outra tenham conceitos em sentido estrito bem definidos, especialmente a corrupção em sentido penal, é intuitivo que são fenômenos comportamentais bem próximos. Diríamos até que se tomarmos corrupção em sentido lato, num significado mais político, é impossível que haja improbidade administrativa sem que haja, de alguma forma, corrupção.

A corrupção é dos maiores males das sociedades contemporâneas e se coloca como uma das patologias que mais ameaçam os Estados democráticos e o desenvolvimento dos povos. Não é por outra razão que no plano internacional tem crescido a preocupação com a prevenção e combate à corrupção de todos os níveis [01], e as legislações nacionais têm cada vez mais se ocupado de tentar reduzir seus níveis [02]. Ela gera sensação de desconfiança entre cidadãos e agentes públicos capaz de enfraquecer os valores democráticos e abrir espaços para populismos e salvacionismos, e provoca o desvio de recursos que seriam úteis para melhorias sociais. Parece-nos mais ou menos evidente, diante dos óbvios efeitos nefastos que a corrupção assume atualmente e do perigo que representam para a democracia e para o desenvolvimento sócio-econômico dos povos que as normas anti-corrupção assumem status de normas essenciais em sociedades democráticas [03], inclusive como normas que são instrumentais à normalidade democrática e ao processo de concretização dos direitos sociais. Então não é exagero dizermos que há, tanto no plano internacional dos direitos humanos, quanto no desenho normativo constitucional brasileiro, verdadeiro direito fundamental difuso à probidade administrativa.

A confirmar essa hipótese estão os inúmeros dispositivos constitucionais que expressamente tutelam a moralidade e probidade nos atos e negócios do Estado: art. 5º, inciso LXXIII (previsão de ação popular em caso de lesão à moralidade administrativa); § 9º do artigo 15 (dispõe que lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade a fim de proteger a probidade administrativa e a moralidade no exercício do cargo); artigo 37 caput (coloca entre os princípios fundamentais da Administração Pública o princípio da moralidade); artigo 85 (diz ser crime de responsabilidade do Presidente atentar contra a probidade na administração); § 4º do artigo 37 (norma matriz da LIA); inciso V do artigo 15 (estabelece a condenação por improbidade como uma das hipóteses de perda ou suspensão de direitos políticos).

Como se vê, no contexto normativo brasileiro, a LIA aparece fundamentalmente como norma anti-corrupção que tutela esse direito fundamental do povo de ter uma Administração republicana e honesta.


2. Premissas jurídico-filosóficas para o estudo da LIA.

2.1. Questões filosóficas prévias.

Uma teoria séria sobre moral [04] na Administração Pública não pode deixar ao largo o exame sobre a espécie deontológica que deve presidir a atuação dos agentes públicos.

Alguém pode questionar que não haveria espaço para essa discussão, uma vez que ética só pode ser uma. Mas não é bem assim. A filosofia nos traz variações éticas que devem ser consideradas. É lógico que aqui tratamos não de uma ética geral, aplicável em toda a gama de situações vividas pelo ser humano, mas de uma ética pública, política, uma ética relacionada com o Estado, especialmente aplicável aos cidadãos que têm o ônus de representar o Estado [05], ou que têm, em determinado momento da vida, uma relação especial com o aparato estatal [06].

Ética é o conjunto de preceitos ideais que pretendem guiar a atuação humana para a realização do certo, do bem, do justo. Essa seria uma definição mais ou menos consensual. A ética tem sempre um conteúdo relacional. Tem atuação sempre quando um ato humano afeta os outros. Não se fala em ética quando se está analisando a relação do homem consigo mesmo. É por isso que Aristóteles faz referência a ela como "filosofia política"(ou filosofia prática), ou seja, uma filosofia na qual é inerente a relação com a pólis, com os demais. Para os pensadores antigos a ética tinha a função da compatibilização entre o agir pessoal e os valores da cidade [07]. Isso é natural se considerarmos que as cidades gregas eram democracias e que a vida política tinha importância capital.

Com o Cristianismo, a ética passa, como não poderia deixar de ser, a ser inspirada na doutrina cristã. E assim a ética acompanhou, e ainda acompanha, o desenvolvimento humano e a cultura social dominante. Na Idade Moderna desenvolveu-se a ética humanística, no sentido da valorização do homem, que segundo a vertente, jamais pode ser tratado como meio, e sim como fim. No século XIX, Hegel pôs a nu a relação, até então pouco explorada, entre ética, cultura e história, concluindo que a ética é produto da tensão entre vontade individual e vontade objetiva cultural, mesmo porque o ser humano é um ser condicionado pelas contingências histórico-culturais [08]. Poderíamos fazer menção a várias outras correntes filosóficas que abordam o assunto, mas essa rasa digressão sobre as várias formas de apreender o tema tem tão só o objetivo de clarificar que a depender de determinado momento histórico, de determinada corrente filosófica, de determinada religião que se professa, teremos diferentes "éticas". Podemos até mesmo dizer que a ética pode depender da condição em que se situa a pessoa na sociedade. A deontologia que se exige de um padre é diferente da que se exige um agente público.

Caminhando em direção à filosofia política (ou à teoria política), área que nos interessa mais de perto, temos a interessante discussão sobre a relação entre Política e Moral (rectius, ética). Diz-se que embora a Política e a Moral tenham objetos próximos, ambas ligadas à ação humana, costumam distinguir-se entre si por terem diferentes métodos de apreciação (julgamento) e justificação. [09] Atribui-se à Maquiavel a identificação dessa distinção. O florentino foi o primeiro a defender que a Política deve ser autônoma à Moral, mirando-se nos resultados, nos fins, e não nos meios empregados, morais ou não [10]. Fica evidente aqui que por vezes Moral e Política são de difícil conciliação, posto que no julgamento moral a ação somente será considerada boa se houve o cumprimento do dever moral. Weber transporta essa tensão para as expressões "ética da convicção" e "ética da responsabilidade", quando assevera que "há uma diferença insuperável entre o agir segundo a máxima da ética da convicção, que em termos religiosos soa assim: ´o cristão age como justo e deixa o resultado nas mãos de Deus` e o agir segundo a máxima da ética da responsabilidade, conforme a qual é preciso responder pelas conseqüências previsíveis das próprias ações" [11]. Como parece claro, a distinção entre Moral e Política não importa na inexistência pura e simples de um sistema ético subjacente à política, mas sim na existência de um sistema ético diferenciado, no qual contarão sim os propósitos do agente, mas também os resultados alcançados, mesmo porque estamos a tratar da vida social (do mundo prático).

Sendo assim, com base em Bobbio, "A chamada amoralidade da política assenta, bem vistas as coisas, numa moral diferente da do dever pelo dever: é a moral pela qual devemos fazer tudo ao nosso alcance para realizar o fim a que nos propusemos, pois sabemos, desde o início, que seremos julgados com base no sucesso. Entram aqui dois conceitos de virtude, o clássico, para o qual a "virtude" significa disposição para o bem moral (contraposto ao útil), e o maquiavélico, para o qual a virtude é a capacidade do príncipe forte e sagaz que, usando conjuntamente das artes da raposa e do leão, triunfa no intento de manter e consolidar o próprio domínio". [12]

Feitas essas considerações, interessa saber: no julgamento do agente público qual ética que realmente importa? É o que tentaremos enfrentar no capítulo final deste artigo.

2.2. Relação entre princípio da moralidade e os atos de improbidade

Geralmente a doutrina define o princípio da moralidade como norma abstrata que sujeita a Administração Pública e seus agentes à observância não só da legalidade estrita mas também de princípios éticos, ligando o princípio às ideias de honestidade, retidão, justeza, lealdade, boa-fé, interesse público, imparcialidade e boa administração. A teoria do princípio da moralidade tem sua gênese na elaboração francesa da teoria de desvio de poder (detournement de pouvoir) ou desvio de finalidade, que permitiu maior sindicabilidade dos atos discricionários [13] [14]. É conhecida a formulação de Maurice Hauriou segundo o qual a moralidade administrativa seria "o conjunto de regras de condutas tiradas da disciplina interior da Administração; implica saber distinguir não só o bem e o mal, o legal e o ilegal, o justo e o injusto, o conveniente e o inconveniente, mas também entre o honesto e o desonesto; há uma moral institucional, contida na lei, imposta pelo Poder Legislativo, e há a moral administrativa, que é imposta de dentro e que vigora no próprio ambiente institucional e condiciona a utilização de qualquer poder jurídico, mesmo o discricionário" [15].

Deixando de lado a definição e o alcance do princípio da moralidade, tema que só nos interessa indiretamente, vamos ao nó do tema proposto no subtítulo. Afinal, qual seria a relação entre o princípio da moralidade e a probidade administrativa? A resposta varia conforme o autor.

Odete Medauar qualifica a probidade como decorrência do princípio da moralidade administrativa. Para ela a probidade seria um dever correlacionado ao princípio da moralidade, para a concretização deste. Diz que "A Constituição Federal de 1988, além de mencionar a moralidade como um dos princípios da Administração, aponta instrumentos para sancionar sua inobservância. Um deles é a ação popular (...). Outro é a previsão de sanções a governantes e agentes públicos por atos ou condutas de improbidade administrativa. A probidade, que há de caracterizar a conduta e os atos das autoridades e dos agentes públicos, aparecendo como dever, decorre da moralidade administrativa." [16]

Lúcia Valle Figueiredo, embora não explicitamente, coloca a probidade administrativa como um método de controle do princípio da moralidade [17].

Celso Ribeiro Bastos, citando Diógenes Gasparini, menciona que "a primeira conseqüência a nosso ver da encampação desse princípio [da moralidade] é o aumento do âmbito do controle jurisdicional sobre a atividade administrativa. Aliás, a concretização desse princípio dá-se em diversos pontos da Constituição. Lembra Diógenes Gasparini que o próprio parágrafo 4º do art. 37 da Constituição Federal postula que os atos de improbidade administrativa importarão na suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade de bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei". [18]

Wallace Paiva Martins Júnior também filia-se à tese da derivação, quando diz que "contido no princípio da moralidade administrativa está o da probidade" [19] e ainda "a norma constitucional criou aí um subprincípio ou uma regra derivada do princípio da moralidade administrativa: probidade administrativa, que assume paralelamente o contorno de um direito subjetivo público a uma Administração proba e honesta, influenciado pela conversão instrumentalizada de outros princípios da Administração Pública (notadamente, impessoalidade, lealdade, imparcialidade, publicidade, razoabilidade)" [20].

Já Maria Sylvia Zanella Di Pietro assevera que a improbidade, como ato ilícito, tem maior espectro que o princípio da moralidade, por alcançar não só situações imorais, mas principalmente casos de ilegalidade: "Comparando moralidade e probidade, pode-se afirmar que, como princípios, significam praticamente a mesma coisa, embora algumas leis façam referência às duas separadamente (...). No entanto, quando se fala em improbidade como ato ilícito, como infração sancionada pelo ordenamento jurídico, deixa de haver sinonímia entre as expressões improbidade e imoralidade, porque aquela tem um sentido muito mais amplo e muito mais preciso, que abrange não só atos desonestos ou imorais, mas também e principalmente os atos ilegais. Na lei de improbidade administrativa (lei 8.429 de 2.6.92) a lesão à moralidade administrativa é apenas uma das inúmeras hipóteses de improbidade previstos em lei". [21]

Emerson Garcia menciona que "em que pese ser a observância da moralidade um elemento de vital importância para a aferição da probidade, não é ele o único. Todos os atos dos agentes públicos devem observar a normatização existente, o que inclui toda a ordem de princípios, e não apenas o princípio da moralidade. Assim, quando muito, será possível dizer que a probidade absorve a moralidade, mas jamais terá sua amplitude delimitada por esta" [22].

Waldo Fazzio Júnior anota que "imoralidade e improbidade não são a mesma coisa, conquanto possam advir do mesmo tronco. A imoralidade é o oposto de um dos princípios constitucionais da Administração (o da moralidade), ao passo que a improbidade surge, na lei nº 8.429/92, como a antítese não de um princípio, mas do conjunto coordenado dos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência" [23].

Pois bem. É certo que a lei 8.429/92 tipificou [24] a inobservância a princípios como a legalidade, quando, por exemplo, dispõe que constitui ato de improbidade praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto na regra de competência (art. 11, inciso I), ou a publicidade, quando insere como ato de improbidade a ausência de publicação de atos oficiais (inciso IV). É claro que nestas hipóteses a regra acaba por tutelar os mencionados princípios. Mas isso não significa que o eixo valorativo da análise da conduta deva ser dirigido ao descumprimento do princípio da legalidade ou do princípio da publicidade, mas sim em se saber se no caso concreto, diante das circunstâncias encontradas, o ato foi praticado de boa-fé ou de má-fé, se houve deliberada vontade de descumprimento da lei ou mero erro material, se o ato teve inspiração leal e honesta ou o contrário. Traduzindo, cremos ser impossível a correta exegese das regras da lei 8.429/92 sem se ter em mente que a normação, ainda que proteja aqui e acolá outros princípios da Administração Pública, tem em seu centro axiológico a projeção do princípio da moralidade, e foi fundamentalmente erguida como decorrência, concretização e fortalecimento deste princípio [25].

Essa discussão pode aparentar ser destituída de importância prática, mas é só aparência. A concepção da probidade (lei 8.429/92) como derivação e instrumentalização do princípio da moralidade levará, necessariamente, à conclusão, irrefutável à luz da lógica jurídica, que só há ato de improbidade quando o ato analisado representar a quebra livre e consciente de valores éticos relevantes no nosso ordenamento, e assim o desrespeito ao princípio da moralidade. Isso traz repercussões práticas relevantes. Adotada essa tese, na praxis jurídica não bastará a demonstração de prática de ato visando fim proibido. Exigir-se-á a revelação, através do exame dos detalhes do caso, de que se trata de situação que agrediu gravemente os valores éticos exigidos perante a Administração Pública, extraídos do nosso ordenamento constitucional.


3. Atual panorama da aplicação da LIA.

3.1. Natureza jurídica dos atos de improbidade

Nada obstante as dúvidas que em princípio a proximidade ontológica com a esfera penal possam suscitar, eis que aqui também estamos no campo do direito sancionador, atualmente é fora de questão sua natureza civil (rectius, não-penal). O próprio legislador constituinte deixou isto claro e quis assim ao registrar que as punições aplicáveis ao praticante do ato de improbidade são "sem prejuízo da ação penal cabível".

A importância prática de se situar a improbidade como instituto civil está especialmente na constatação de que o ato de improbidade é submetido ao Judiciário através de processo civil [26], além da possibilidade da ativação simultânea de processos civil e penal pelos mesmos fatos, sem a caracterização de litispendência.

Todavia, temos que reconhecer que por se tratar de matéria sancionatória [27], isto é, de dispositivos que prevêem graves sanções aos praticantes de ato de improbidade, a hermenêutica dos dispositivos legais deve se espelhar no referencial teórico penal, conforme explicitaremos adiante. Há de se observar a presunção de inocência do processado [28]. As provas para a condenação devem ser confiáveis, tendo o pólo ativo da relação jurídica processual o ônus, para ver imposta a condenação, de afastar qualquer dúvida razoável sobre os elementos constituintes da improbidade.

É imprescindível a perquirição acerca do elemento subjetivo que animou o agente na prática do ato [29].

Na doutrina é praticamente unânime o entendimento de que o instituto da improbidade se insere no âmbito civil-administrativo [30], muito embora as fronteiras entre "os direitos" esteja, como já dito, perdendo cada vez mais a nitidez. Válida a menção, por todos, de Waldo Fazzio Júnior, que afirma que "desde logo, insta banir eventual paternidade penal. Se, de fato, a qualificação jurídica do ato de improbidade oferece grande similaridade com o procedimento de adequação típica, do direito penal; se, realmente, a definição do elemento volitivo propende mais para a consideração de dolo e da culpa, consoante os parâmetros penais; a Constituição Federal (art. 37, § 4º) afasta, expressa e completamente, qualquer possibilidade de conotação penal dos atos de improbidade administrativa. [31]"

Na jurisprudência da Corte Suprema não é diferente. As manifestações do Supremo Tribunal Federal têm vazado esse entendimento [32]. As vozes dissonantes foram os Ministros Gilmar Mendes e Eros Grau.

3.2. Pessoas sujeitas à LIA

A improbidade na dicção do art. 1º da lei 8.429/92 se aplica a "qualquer agente público". Apesar da meridiana clareza da redação legal, e da inexistência de qualquer hipótese de imunidade na matriz constitucional da Lei, tem havido certa indefinição na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre sua aplicabilidade aos agentes políticos quando houver previsão normativa de crime de responsabilidade correspondente. A tese que esposa a inaplicabilidade dos dispositivos da lei de improbidade aos agentes políticos advoga que em relação aos agentes políticos já haveria submissão a regime sancionatório especial, os crimes de responsabilidade, para as quais se prevê, em regra, a competência de tribunais por foro por prerrogativa de função.

O STF, por maioria, decidiu em reclamação que Ministro de Estado não se sujeita à ação de improbidade por haver em relação a este cargo regime jurídico próprio de responsabilização por atos infracionais políticos-administrativos, expressamente previsto no art. 102, I, c, da Constituição Federal [33].

Contudo, ao contrário do que pode parecer em leitura apressada, o STF não disse simplesmente inaplicável a lei de improbidade aos agentes políticos. Ao que parece a manifestação na Reclamação 2138 foi restrita aos Ministros de Estado e ao Presidente da República. Concluímos isso com o exame dos julgados posteriores à referida reclamação, em que a Corte Suprema vem assentando que a decisão na Reclamação 2138 não tem alcance sobre os membros do Congresso Nacional, em relação aos quais não há legislação infraconstitucional prevendo crimes de responsabilidade [34]. Também parece, da análise de manifestações monocráticas, que em relação aos prefeitos prevalecerá a aplicação dos dispositivos da LIA [35] [36]. Como se vê, a situação da aplicabilidade da LIA aos agentes políticos ainda está longe de estar definida, e os Tribunais superiores têm abusado do casuísmo na definição sobre a aplicabilidade da LIA aos agentes políticos [37].

A não aplicação do instituto da improbidade aos agentes políticos submetidos a previsões de crime de responsabilidade é absolutamente equivocada. O § 4º do art. 37 não exclui qualquer espécie de agente público do seu âmbito de incidência. Assim, inviável qualquer interpretação que exclua os agentes políticos do alcance do dispositivo, mesmo porque estar-se-ia criando regime de privilégio, e portanto atentatório ao princípio da igualdade, sem qualquer fundamento de validade constitucional. Ademais, quer nos parecer que o que restou decidido na Rcl 2138 é logicamente incompatível com a manifestação lançada na ADIN 2797, na qual se declarou a inconstitucionalidade dos parágrafos 1º e 2º do art. 84 do CPP, acrescentados pela Lei 10.628/2002. Tanto é assim que o Ministro Sepúlveda Pertence, secundado pelos Ministros Carlos Velloso, Marco Aurélio, Celso de Mello se reportaram às razões já declinadas no julgamento da ADIN 2797 para rechaçar a tese de inaplicabilidade da improbidade aos agentes políticos para os quais há previsão de crimes de responsabilidade.

Esse choque entre o que restou decidido na Rcl 2138 e a ADIN 2797 é claro. Se a improbidade administrativa, como reconhecida na ADIN 2797 é ação de cunho civil, é logicamente impossível se reconhecer que há identidade entre as previsões relacionadas aos crimes de responsabilidade e à lei de improbidade. É óbvio que a aceitação da possibilidade de aplicação da LIA às mais altas autoridades da República implica reforçada responsabilidade dos membros do Ministério Público e juizes de primeiro grau e moderação na utilização dessa ação repressiva, além da interpretação sistemática de determinadas normas que salvaguardam essas autoridades. Com efeito, parece-nos evidente que juiz de primeiro grau não possa decretar a perda do cargo de Presidente da República, posto que o sistema constitucional expressamente resguarda o Chefe de Estado por meio de foro por prerrogativa de função perante o Senado Federal (no caso de crimes de responsabilidade) e perante o Supremo Tribunal Federal (no caso de infrações penais comuns), sendo que a condenação importa exatamente na perda do cargo e na inabilitação por oito anos para o exercício de função pública. Resta claro que essas sanções só poderão ser aplicadas, no caso do Presidente da República, pelos órgãos constitucionalmente legitimados à imposição de tão graves sanções. Nesse diapasão, a solução que parece ser mais racional e de acordo com o regime constitucional de proteção de determinadas funções, seria a limitação das sanções da improbidade em relação às autoridades que detém regime constitucional especial de responsabilização, isto é, o juízo de primeiro grau não poderia, em nosso ver, aplicar as sanções da LIA que se confundam com os efeitos da condenação penal, quando esta couber a tribunal hierarquicamente superior.

Além dos agentes públicos, a LIA, na expressa dicção do artigo 3º da Lei 8.429/92 se aplica a qualquer pessoa, física ou jurídica, que participou do ato ou dele se beneficiou, direta ou indiretamente [38].

3.3. As sanções pela prática de atos de improbidade

O art. 12 da Lei 8.429/92 comina ao agente que comete improbidade administrativa perda de bens e valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos, pagamento de multa e proibição de contratar com a Administração Pública ou de receber incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente. Ao exame das sanções inseridas pelo legislador ordinário a primeira coisa que nos chama a atenção é que a Lei 8.429/92 foi mais longe que o legislador constituinte, ao prever sanções não contidas na redação ao § 4º do art. 37 (multa e proibição de contratação e de receber vantagens da Administração). Automaticamente vem a pergunta: seria a lei inconstitucional nesse ponto?

A resposta é negativa. É que essas sanções não carecem de específica licença constitucional para serem previstas pelo legislador ordinário. Tanto é assim que a legislação ordinária está repleta de regras prevendo multas e sanções como a de proibição de contratação com a Administração Pública [39], nunca questionadas quanto à constitucionalidade. Outro ponto é que a norma constitucional que prevê a sanção por ato de improbidade é norma de eficácia limitada, e sendo assim não haveria porque exigir que a Constituição já trouxesse em numerus clausus as sanções passíveis de serem criadas pelo legislador [40]. Além do mais, as sanções são absolutamente razoáveis e compatíveis com o sistema constitucional e legal de tutela da moralidade administrativa.

Os provimentos jurisdicionais que reconhecem a prática da improbidade têm efeitos condenatórios de obrigação de pagar quantia certa, referente à multa, devolução dos valores angariados ilicitamente e ressarcimento do prejuízo causado, e de obrigação negativas, como a de não contratar com a Administração ou auferir benefícios fiscais ou creditícios, bem como efeitos desconstitutivos, em relação à perda da função pública e dos direitos políticos [41].

A gravidade das sanções e a forma como são aplicadas, através da submissão a processo judicial, foi pensada justamente para provocar no meio social efeito dissuasivo, de modo a criar reverência ao sistema ético adotado pela Constituição de 1988, e assim prevenir a prática de atos ímprobos [42].

A perda da função pública e dos direitos políticos, por expressa disposição legal (art. 20), só se efetivam após o trânsito em julgado da sentença condenatória. A redação do dispositivo pode gerar dúvidas sobre o momento em que as demais sanções cominadas na sentença condenatória começam a produzir efeito. Sendo a ação que pede a aplicação da LIA uma espécie de ação civil pública que versa sobre o direito público difuso à probidade administrativa, a questão do momento da eficácia da sentença de procedência é regulada pelo art. 14 da Lei 7.347/85, que dispõe que o juiz poderá conferir efeito devolutivo aos recursos, para evitar dano irreparável ou de difícil reparação às partes. Optou então o legislador por excepcionar o regime geral do CPC de conferir, com exceção dos recursos extraordinário e especial, e do agravo, o efeito suspensivo automático aos recursos. Tão só pelo art. 14 seria possível, com exceção das sanções de perda da função pública e dos direitos políticos, promover-se a execução provisória das demais penas.

A proibição de contratar com a Administração ou de receber benefícios fiscais ou creditícios na prática acaba por gerar situação de dano irreversível ou de difícil e custosa reversibilidade, o que acaba por recomendar cautela em sua execução provisória. Isso significa que diante do caso concreto o autor [43] e o juiz terão margem de discricionariedade para, ponderando os elementos do processo e as razões do recurso, trilharem o rumo da execução provisória da proibição de contratação e auferimento de benefícios públicos [44]. Essa margem de opção discricionária, sempre testável através da fundamentação obrigatória, é extremamente salutar quando se trata de jurisdição civil coletiva, em que encontramos situações das mais variadas e difíceis. Lembremos, por exemplo, do notório escândalo dos Sanguessugas, no qual empresários se associaram com servidores públicos para burlar licitações, realizadas por prefeituras e Estados, em sua maioria para a aquisição de equipamentos de saúde. Como era de se esperar, os fatos resultaram em diversas ações de improbidade contra os envolvidos (sócios, empresas e funcionários públicos). Algumas ações já chegaram à fase de sentença. Na hipótese de procedência (o que obviamente se espera diante da gravidade dos fatos e da fartura dados que indicam verdadeira organização criminosa para lesar o erário e enriquecer ilicitamente), seria aceitável que os sócios das empresas envolvidas continuassem a poder contratar com a Administração? Cremos que não há dúvidas, diante da hipótese aventada, de que em determinados casos será sim possível e até louvável que a proibição de contratar e de receber benefícios públicos seja imediata.

Já em relação às penas pecuniárias(pagamento de multa, a perda dos valores acrescidos ilegalmente e o ressarcimento integral do dano causado)a execução provisória é possível, aplicando-se o art. 588 do CPC, que dispõe que a execução provisória de sentença corre por conta e risco do exequente, que se obriga a reparar os prejuízos do executado em caso de reforma, e que o levantamento de dinheiro ou a prática de outros atos que importem em alienação do domínio ou dos quais possa resultar grave dano ao executado, dependem de caução idônea.

Permite-se, sem maiores questionamentos, que a sentença contenha outros provimentos que não previstos explicitamente na Lei 8.429/92. Isso porque a ação de improbidade na verdade é verdadeira ação civil pública na qual se pede a aplicação das sanções previstas na lei de improbidade, nada impedindo que, de acordo com o caso concreto, haja a cumulação de pedidos (e, em caso de procedência, de provimentos), para, por exemplo, determinar que a autoridade pública preste contas da verba gasta, se abstenha de aplicar dinheiro público em determinada atividade, ou ainda provimento desconstituindo contrato assinado pelo agente público demandado.

Questão intrincada tem sido a possibilidade ou não da inicial pleitear somente algumas das sanções do art. 12 da Lei 8.429/92.

Entendemos que o regime de legalidade a que estão sujeitos os legitimados ativos para a proposição da ação - Ministério Público e/ou Poder Público atingido pelo ato - não impede um juízo prévio de adequação das sanções ao ato praticado [45]. Várias razões militam nesse sentido. Primeiramente, é de se lembrar que a improbidade é levada ao exame judicial através do processo civil, processo em que a demanda e seus contornos são, tradicionalmente, desenhados pelo autor, em face do chamado princípio dispositivo [46]. É fato que tal princípio perante a processualística moderna tem perdido espaço, e ainda mais se considerarmos que tratamos de direitos coletivos, naturalmente portadores de elevado grau de "indisponibilidade", mas é forçoso reconhecer que mesmo para temas em que vige uma certa obrigatoriedade de ação, em face por exemplo do princípio da legalidade, ainda é do autor da ação a iniciativa de provocar ou não a jurisdição, e o modo e tempo como provocará. Se o autor tem a escolha (mitigada, mas tem) [47] de ajuizar ou não a ação, pode, com muito mais razão, desde que o faça indicando os motivos pelos quais deixa de pleitear determinadas sanções, demandar somente alguma dessas. O importante é que haja clara e objetiva fundamentação dos motivos que levaram o autor a deixar de inserir no objeto da ação determinada punição em regra aplicável por força do art. 12. A fundamentação é fator de legitimação da discricionariedade do autor da ação.

Vê-se assim que há para o autor que deixa de deduzir "pedido cheio" o ônus argumentativo de demonstrar a inadequação de determinada sanção ao caso concreto. Parte da doutrina enxerga nessa possibilidade de dedução de pedido seletivo abertura para o ajuizamento de ação com pedido mais leve, o que impossibilitaria punição adequada em razão da adstrição da sentença ao pedido. Contudo, tal crítica não procede porque sempre haverá a possibilidade de outro co-legitimado ajuizar ação manejando os outros pedidos propositalmente e ilegitimamente não oferecidos [48]. Além disso, sendo o Ministério Público o autor da ação ilegitimamente seletiva, pode o juiz provocar as instâncias superiores de controle da Instituição, na medida que o não ajuizamento de todos os pedidos em tese deduzíveis constitui-se num arquivamento parcial, submissível ao crivo do órgão superior de controle do princípio da obrigatoriedade [49]. Fácil perceber que a discricionariedade dos legitimados para o ajuizamento da ação civil pública por ato de improbidade está sujeita a sistemas de controle que reduzem em muito a possibilidade de inação abusiva. Com efeito, em nome do princípio da correlação entre pedido e sentença, não é licito ao juiz conceder tutela sancionatória não pleiteada na petição inicial.

A mesma dúvida gerava certa discussão na doutrina em relação à obrigatoriedade do juiz aplicar todas as sanções cumuladas [50]. Até que veio a Lei 12.120 de 16 de dezembro de 2009 para consagrar o que a jurisprudência do STJ vinha há muito realizando [51], com base no princípio da proporcionalidade.

Com a edição da nova lei o problema não está completamente sanado, posto que ainda se reservou para o intérprete largo campo para individualizar a pena, o que pode gerar situações paradoxais, como a restrição de sanções quando há enriquecimento ilícito tão somente em razão do baixo valor desviado, quando na verdade é o que importa para aferir a culpabilidade é o ato de se apossar indevidamente de algo público, ou seja, a conduta desonesta.

3.4. Da relação entre os diferentes mecanismos de punição

Parece-nos que um ponto fundamental merece destaque: a necessidade da harmonização dos diversos sistemas e normas que têm aplicação, em regra, quando ocorre a prática de ato de improbidade.

Um mesmo ato de improbidade, um mesmo fato, pode gerar o acionamento de normas penais, administrativas-disciplinares e da lei 8.429/92. É certo que há a independência (relativa) das instâncias penal, administrativa e civil. Inclusive essa autonomia é prevista no art. 12 da Lei 8.429/92. Mas isso não significa que as esferas não sejam comunicáveis em determinados pontos. Aqui temos que lembrar que a divisão que costumamos fazer do Direito em várias vertentes e matérias é tão somente para fins metodológicos e didáticos. O direito de determinado Estado é uno e cabe ao intérprete harmonizar e sistematizar as diversas partes do mesmo todo. Com efeito, acreditamos que careceria da melhor lógica jurídica que ato sujeito no âmbito disciplinar à penalidade de suspensão, no plano da LIA seja punível com todas as graves sanções do art. 12 da Lei 8.429/92 [52]. Tal necessidade de coerência entre os vários (sub)sistemas punitivos fica mais evidente quando olhamos com lupa para a hipótese de servidor público deixar de praticar ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição de lei, em virtude de sentimento pessoal ou para satisfazer seu interesse. Confrontando a hipótese com a lei 8.429/92, facilmente chegaremos à conclusão de que o ato tem potencial encaixe no artigo 11, inciso I ou inciso II, dependendo dos detalhes fáticos. Caso optemos pela aplicação cheia das sanções do art. 12 da LIA, haverá perda do cargo ou emprego ocupado. Contudo, na esfera penal, o ato subsumir-se-á ao tipo do art. 319 do Código Penal, que descreve a prevaricação, impondo-lhe pena de detenção de três meses a um ano, e multa. Com as atuais regras desencarcerizadoras do Direito Penal (p.e., artigo 44 do CP) e com o art. 94 do Código Penal determinando a perda do cargo ou emprego público como efeito da condenação tão somente para crimes com pena privativa de liberdade aplicada em tempo igual ou superior a um ano, temos que muitíssimo provavelmente o condenado na esfera penal sequer será privado de sua liberdade, além de não perder seu cargo em razão da condenação penal.

Teríamos então visível e inegável contra-senso no qual a esfera destinada a ser a ultima ratio de defesa social e proteção dos bens jurídicos, a esfera penal, é mais branda que o sistema sancionatório civil da LIA.

Exatamente neste sentido de proporcionalidade e sistematicidade entre os diferentes métodos de punição é a lição do Ministro do STJ Castro Meira ao enunciar que "A Lei n. 8.429/92 visa a resguardar os princípios da administração pública sob o prisma do combate à corrupção, da imoralidade qualificada e da grave desonestidade funcional, não se coadunando com a punição de meras irregularidades administrativas ou transgressões disciplinares, as quais possuem foro disciplinar adequado para processo e julgamento. [53]"

Por todas as razões expostas, consideramos que é sim juridicamente correta a limitação justificada dos pedidos sancionatórios, e por conseguinte, a restrição jurisdicional dos pedidos considerados excessivos e/ou inadequados ao caso concreto.


4. LIA, direito sancionador e segurança jurídica

Nem sempre é tarefa fácil para o aplicador da LIA a conexão entre seus dispositivos e a realidade. O legislador fez clara opção política de adotar tipologia aberta, no intuito de criar sistema sancionador permeável ao sistema axiológico abraçado pelo legislador constituinte [54], e assim atender ao legítimo anseio social de criar mecanismos eficazes de prevenção e repressão da corrupção (rectius, improbidade) na esfera pública. Realmente era necessária a criação de forte meio não-penal sancionador, capaz de enfrentar a conhecida e propagada falta de seriedade e honestidade na condução do Estado. E mais uma vez lembramos que esse meio de combate à imoralidade administrativa tem origem direta em nossa Constituição, daí porque não há como se questionar a validade desse sistema. O que a Constituição engendrou foi verdadeiro e necessário esquema de sobreposição de sistemas punitivos, cada um com seu próprio colorido mas todos pertencentes ao ramo do direito sancionador, com a perceptível meta de superproteger os caros valores democráticos que formam o plexo da moralidade administrativa, eis que necessária a proteção desses valores sob pena do Estado correr o risco de falhar em sua missão de assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, numa sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, inciso I, CF/88). Como já visto, a democracia tem entre seus maiores adversários a corrupção estatal, e as normas que visam proteger os valores republicanos e democráticos da boa e honesta administração são absolutamente fundamentais para a sobrevivência de um sistema democrático sadio.

Consideradas essas premissas, realmente nos parece que ao legislador só havia a opção política de escolher modelo mais amplo de tipificação das improbidades em comparação com a esfera penal, sob pena de se frustrar a ratio essendi dos dispositivos constitucionais protetivos da moralidade, notadamente o § 4º do art. 37, que ao nosso ver buscavam justamente uma ampliação dos atos sancionáveis, dada a ineficácia dos mecanismos até então vigentes (esfera penal e disciplinar-administrativa).

O problema é que a tipologia adotada, francamente aberta, sobretudo no art. 11, traz como efeito colateral certa insegurança interpretativa. Tal insegurança é aumentada pela novidade que é o sistema sancionador da improbidade, quando ainda há inúmeras divergências radicais quanto a aspectos básicos, como natureza das sanções e as pessoas sujeitas à incidência, e a jurisprudência ainda não exerceu o papel de provocar certo consenso interpretativo, ao menos no plano prático.

Não é difícil perceber que o legislador entregou ao interprete e aplicador da LIA texto normativo que suscita diversas dúvidas e questionamentos. A lei 8.429/92 veio com redação imprecisa, com sistema punitivo desbalanceado e com inúmeros pontos de silêncio que trazem muitas interrogações. Diante desse quadro normativo, surgem as seguintes questões: Como aplicar a lei de modo justo e equilibrado se condutas dos mais variados graus de lesividade são baralhadas como se tivessem a mesma gravidade? E a pergunta que a nós parece a mais relevante, como compatibilizar os valores de eticidade e responsabilidade, exigidos pelo sistema constitucional e protegidos pela LIA, com preceitos essenciais inerentes ao devido processo legal e à segurança jurídica?

A primeira pergunta já vem sendo enfrentada e, como já visto acima, boa parte da literatura específica entende possível a aplicação não necessariamente cumuladas das sanções, entendimento que culminou na alteração do caput do art. 12 pela Lei 12.120 de 2009. O problema é que diante da novidade que representa a LIA, do atual estado da jurisprudência e da doutrina, a incerteza ainda perdurará por bom tempo até que se atinja níveis satisfatórios de consenso sobre a dosagem qualitativa das penas.

Mas mais grave que a indefinição quanto à intensidade da sanção, são as dúvidas conceituais sobre os pressupostos teóricos da LIA e sobre a estrutura do processo de tipificação, ou seja, sobre os requisitos para o estabelecimento da ligação entre o tipo previsto na LIA – sim, a LIA também usa a técnica do fato típico, embora muito imperfeitamente – e o que ocorreu no mundo dos fatos.

Quando dizemos que ainda falta definição sobre os pressupostos teóricos, nos referimos à posição sui generis que a LIA ocupa em nosso sistema, em que traz importantes e graves sanções aos condenados, o que a aproxima das disposições penais, ao mesmo tempo em que é aplicada através do processo civil, com aplicação de institutos e raciocínios típicos do direito Administrativo. A melhor solução teórica para a essa aparente concorrência de categorias é a utilização de uma super-categoria que, apesar de intuitiva, tem sido pouco estudada: o direito sancionador, como grande ramo do direito público que reúne as características e limitações inerentes ao poder punitivo estatal em suas mais diferenciadas manifestações [55]. Essa grande área do Direito polariza algumas características que são mais ou menos comuns nas sociedades democráticas: exige-se que a pena imposta pelo Estado tenha fundamento em lei formal e que tanto quanto possível a lei traga elementos que possibilitem sua aplicação objetiva; exige-se que a pena prevista e imposta pelo Estado seja razoavelmente correspondente à gravidade do ato; exige-se algum procedimento legal que permita defesa, ainda que a posteriori; exige-se por parte da autoridade aplicadora da sanção exposição dos motivos que a levaram a punir; repele-se o excesso de poder ou arbítrio [56]. Tais restrições são absolutamente fundamentais porque toda emanação do ius puniendi estatal acaba por limitar, em variados graus, que dependem do tipo de ius puniendi exercido e do bem jurídico protegido, direitos fundamentais, como à liberdade ou à propriedade. Chamamos a atenção assim para o que nos parece um fato: apesar de haver autonomia – relativa, como já vimos [57]- dogmática entre Direito Administrativo e Direito Penal, porque são técnicas jurídicas diferentes em sua forma e na maneira como são efetivadas suas normas, o conteúdo que esses diferentes ramos do Direito protegem, os valores jurídicos, podem ser idênticos, e muitas vezes são. Assim não vemos, em absoluto, diferenças ontológicas entre as sanções administrativas e as sanções penais [58], podendo o legislador, diante do desvalor de determinada conduta, tipificá-la como crime ou como infração administrativa, ou como ambas figuras [59]. É importante lembrar que toda a construção histórica dos direitos fundamentais foram exatamente no sentido de limitar e legitimar o exercício de poder por parte do Estado, em especial o direito punitivo, já que é uma das facetas mais agudas e delicadas da relação Estado-indivíduo. Nesse diapasão, temos que fixar, dada a insuficiência legislativa, doutrinária e jurisprudencial, e ainda considerando que estamos a tratar de direito punitivo de inegável gravosidade, que é devida a utilização de institutos penais, dosados e bem temperados [60] com a necessidade de se conferir efetividade ao combate à improbidade e de se cumprir a missão constitucional de dar enfrentamento a esse mal (improbidade) que pode colocar em risco o próprio sistema democrático. É fundamental, portanto, e dificílimo, ao mesmo tempo, o equilíbrio entre a efetividade das normas punitivas e a aplicação das limitações ao poder punitivo do Estado.

Dentro desse contexto temos a questão da segurança jurídica, como direito fundamental (art. 5º, caput, CF/88), aqui entendida como os atributos de certeza e previsibilidade que o ordenamento jurídico democrático deve, tanto quanto possível, ostentar, de modo que o Direito cumpra uma de suas funções essenciais: possibilitar a tranquilidade social. Consiste no "conjunto de condições que tornam possíveis às pessoas o conhecimento antecipado e reflexivo das consequências diretas de seus atos e de seus fatos à luz da liberdade reconhecida" [61].

Canotilho, reconhecendo que uma das razões do surgimento do liberalismo político e econômico, e logo do constitucionalismo moderno, era a necessidade de um sistema capaz de conferir às classes sociais emergentes a segurança jurídica [62], ensina que "o homem necessita de segurança para conduzir, planificar e conformar autônoma e responsavelmente sua vida. Por isso, desde cedo se consideraram os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança como elementos constitutivos do Estado de Direito. Estes dois princípios – segurança jurídica e protecção da confiança – andam estreitamente associados, a ponto de alguns autores considerarem o princípio da proteção de confiança como um subprincípio ou como uma dimensão específica da segurança jurídica. Em geral considera-se que a segurança jurídica está conexionada com elementos objectivos da ordem jurídica – garantia de estabilidade jurídica, segurança de orientação e realização do direito – enquanto a protecção da confiança se prende mais com as componentes subjectivas da segurança, designadamente a calculabilidade e previsibilidade dos indivíduos em relação aos efeitos jurídicos dos actos dos poderes públicos. A segurança e a protecção da confiança exigem, no fundo: (1) fiabilidade, clareza, racionalidade e transparência dos actos de poder; (2) de forma que em relação a eles o cidadão veja garantida a segurança nas suas disposições pessoais e nos efeitos jurídicos dos seus próprios actos. Deduz-se já que os postulados da segurança jurídica e da protecção da confiança são exigíveis perante qualquer acto de qualquer poder – legislativo, executivo ou judicial" [63].

Especificando o significado do princípio, o mestre português chega a um ponto nodal para nossa exposição: "A segurança jurídica postula o princípio da precisão ou determinabilidade dos actos normativos, ou seja, a conformação material ou formal dos actos normativos em termos linguisticamente claros, compreensíveis e não contraditórios. Nesta perspectiva se fala em princípios jurídicos da normação jurídica concretizadores das exigências de determinabilidade, clareza e fiabilidade da ordem jurídica, e consequentemente, da segurança jurídica e do Estado de direito. O princípio da determinabilidade das leis reconduz-se, sob o ponto de vista intrínseco, a duas ideias fundamentais. A primeira é a da exigência de clareza das normas legais, pois de uma lei obscura ou contraditória pode não ser possível, através da interpretação, obter um sentido inequívoco capaz de alicerçar uma solução jurídica para o problema concreto. A segunda aponta para a exigência de densidade suficiente na regulamentação legal, pois um acto legislativo (ou um acto normativo em geral) que não contém uma disciplina suficientemente concreta (= densa, determinada) não oferece uma medida jurídica capaz de: (1) alicerçar posições juridicamente protegidas pelos cidadãos; (2) constituir uma norma de actuação para a Administração; (3) possibilitar, como norma de controlo, a fiscalização da legalidade e a defesa dos direitos e interesses dos cidadãos (...) [64]".

A incerteza quanto à aplicação da LIA é especialmente sentida, além das questões do referencial teórico e da possibilidade ou não da aplicação das sanções em bloco, já abordadas, nos seguintes aspectos: a) quanto à tipicidade, possibilidade de aplicação de excludentes de antijuridicidade e de culpabilidade; b) quanto ao elemento subjetivo necessário para a caracterização do ato como ímprobo e a estrutura da conduta; b) quanto à extensão do artigo 11 da lei [65].

Disposição normativa punitiva severa que não tem ao certo referencial teórico confiável acaba por vulnerar a segurança jurídica, levando ao meio social, em especial aos potenciais atingidos pelas normas inquietação, desconfiança e incerteza sobre a juridicidade dos comportamentos. Adiante tentaremos esboçar algumas soluções.


5. Alguns caminhos possíveis

Como já mencionamos anteriormente, é necessário que o direito sancionador seja reconhecido como categoria em que é necessário fornecer ao cidadão garantias legitimadoras jurídicas e sociológicas da sanção. Garantias processuais-procedimentais como devido processo legal, proibição da prova ilícita, presunção de inocência; e substanciais como culpabilidade (necessidade da aferição de elemento subjetivo), individualização da pena, proporcionalidade e legalidade.

O problema torna-se mais complexo quando reconhecemos que a mera utilização do referencial teórico penal [66] pode atentar, dependendo da forma com que se apliquem os institutos penais, contra a efetividade do combate à improbidade, também importantíssimo para o Estado Democrático de Direito [67]. Mais uma vez afirmamos que o Direito Penal deve sim servir de paradigma na aplicação da LIA, porém cum grano salis, atentando que se trata de espécie normativa que tem sua base axiológica e hermenêutica fundada em institutos de Direito Administrativo, e que essa utilização idealmente não pode reduzir o espectro de eficiência repressiva, que foi visivelmente buscado pelo constituinte ao criar especialíssimo mecanismo de tutela do direito metaindividual à probidade administrativa que não se utilizasse do processo penal [68]. O que se defende aqui não é a pura e simples transfusão dos institutos do Direito Penal para a LIA, mas sim a sanação, através da utilização de modelo normativo tecnicamente mais desenvolvido e historicamente sedimentado, de falhas que podem comprometer as garantias fundamentais que o cidadão deve ter frente ao Estado e a segurança jurídica na aplicação das disposições da LIA.

5.1. Do elemento subjetivo.

Muito se tem discutido sobre o elemento subjetivo do agente em se tratando de improbidade administrativa. A jurisprudência do STJ parece ter se sedimentado no sentido de exigir a demonstração de elemento subjetivo [69], muito embora tenhamos arestos mais antigos que dispensam sua análise [70]. Neste sentido também é a melhor doutrina, a exemplo de Fábio Medina Osório: "Das garantias resultantes do sistema constitucional do direito administrativo sancionador pátrio, que se assenta no devido processo legal, destacamos a perspectiva de responsabilidade subjetiva dos infratores do dever de probidade. Tratamos do dolo e da culpa como pressupostos de responsabilidade por improbidade administrativa" [71].

A demonstração do elemento subjetivo se faz mediante material probatório que indique que o agente, numa conduta livre, consciente, antijurídica e culpável, agiu no sentido de praticar um dos tipos previstos na LIA. Daí a importância da existência de elementos que demonstrem o nexo subjetivo entre resultado e a conduta do agente, ou seja, de que o agente queria de fato praticar conduta que se amolda a uma das molduras típicas encontradas na LIA. Como o elemento subjetivo é sempre intuído [72] através dos elementos que indicam determinada vontade, é fundamental que haja produção probatória idônea anterior ao ajuizamento da ação civil pública por ato de improbidade, que ao menos indique, com razoável margem de confiabilidade, a presença de elemento subjetivo [73]. Vale mencionar que o dolo exigido para a caracterização não é o chamado dolo específico ou dolus malus, bastando a livre consciência de que se está praticando algo errado [74].

Quanto à possibilidade de conduta culposa, há julgados do STJ admitindo tão somente em relação ao art. 10 da LIA [75] ante a expressa previsão legal somente neste artigo. Há dissenso entre a Primeira e Segunda Turmas do Tribunal quanto a possibilidade de ato culposo no artigo 11 (REsp 765212/AC). A Segunda Turma admite a figura do artigo 11 na forma dolosa e culposa, ao contrário da Primeira. Afiliamo-nos à corrente mais restritiva que somente vê possibilidade de conduta culposa no artigo 10, único dos tipos que traz previsão de conduta culposa.

O importante, como já registrado inúmeras vezes, é que haja cuidadosa pesquisa sobre as circunstâncias que cercaram o fato, de modo que fique demonstrado a que título o sujeito praticou o ato.

5.2. Da possibilidade de aplicação das excludentes de ilicitude e de culpabilidade

Apesar do completo silêncio da LIA, parece-nos ser intuitivo que é possível a aplicação analógica das excludentes de ilicitude e culpabilidade do Direito Penal. A utilização desses institutos, ante a carência de elementos da LIA, apresenta visíveis vantagens de segurança jurídica e garantia para o cidadão.

Em contrapartida, tal aplicação não revela obstacularização excessiva ao direito à probidade administrativa, posto que obviamente não se deseja que pessoas que praticaram determinado ato com justificativas ou sem reprovabilidade sejam punidas. Assim somos pela possibilidade de isenção de punição quando demonstrado que determinado sujeito atuou, por exemplo, em legítima defesa ou estado de necessidade.

Esta questão vem passando ao largo da jurisprudência dos Tribunais Superiores, embora já trabalhada pela doutrina [76]. O STJ já decidiu, ao que parece fazendo paralelo à jurisprudência relacionado ao crime do 168-A do Código Penal, que não é improbidade a ausência de repasse dos valores descontados dos servidores a título de contribuição previdenciária quando houve aplicação da verba para saldar dívidas anteriores e evitar o bloqueio do repasse do Fundo de Participação dos Municípios (REsp 246746), em evidente aplicação da excludente estado de necessidade. Há ainda interessantíssimo julgado relatado pelo Ministro Mauro Campbell Marques em que se assevera que "(...) o estado de necessidade não é instituto inerente apenas ao Direito Penal; ao contrário, tem-se aí conceito ligado a todo o Direito Sancionador - inclusive nos ramos cível e administrativo. A figura do estado de necessidade liga-se à idéia de que não pode existir atentado ao Direito, ao justo, na conduta praticada a fim de salvaguardar bem jurídico de maior relevância que o bem jurídico maculado. A lógica é evidente: o ordenamento jurídico não pode deslegitimar conduta que é benéfica a bem jurídico a que ele próprio confere valor diferenciado (para mais). A legitimidade da conduta, neste caso, deve ser compreendida de forma abrangente, englobando tanto o aspecto penal, como os aspectos cível e administrativo. (...) Na esfera administrativa, em razão da inexistência de codificação, não há dispositivo expresso sobre o instituto. Nada obstante, a construção de precedentes dos órgãos julgadores da Administração Pública e dos órgãos judiciais sempre foi no sentido do pleno reconhecimento e da real efetividade do estado de necessidade na seara administrativa"(REsp 1123876/DF).

Pelas mesmas razões devem ser aplicadas as demais excludentes de ilicitude, bem como de culpabilidade, visto ser absurdo que se puna pessoa por ato em que não seria, diante das circunstâncias, exigível que se comportasse de outra maneira. No exame mais acurado da jurisprudência é possível perceber que os tribunais já vem usando essa ideia básica de afastar a punição em relação aos atos justificáveis ou não culpáveis, mas ao invés de expressamente reconhecer tais circunstâncias dizem não haver dolo ou má-fé na conduta.

5.3. Construção de standards de conduta pela jurisprudência

Dada a abertura dos tipos da LIA, a jurisprudência assume papel decisivo no aclareamento de zonas cinzentas, em especial em relação ao tão criticado artigo 11. Cabe então a jurisprudência criar standards de conduta para guiar aplicadores e gestores. Lamentavelmente os Tribunais durante muito tempo mais se ocuparam de questões periféricas, como a aplicabilidade da LIA aos agentes políticos, do que da construção de referenciais práticos sistematizados para casos duvidosos. Nada obstante, já podemos achar alguns exemplos de soluções para hard cases, que tendem a se sedimentar e servir de guia futuro para os aplicadores.

O STJ já decidiu que há improbidade quando se realiza concurso irregular, com empresa responsável contratada sem licitação, atraso na abertura dos portões e violação de lacre dos envelopes de prova (REsp 114815/MT); que caracteriza improbidade a contratação de serviços sem licitação e ausente justificação de exigibilidade; que é punível a improbidade tentada [77] (REsp 1182966/MG); o pedido e aquisição de diárias indevidas é improbidade (REsp 980706/RS); falta de prestação de contas com má-fé é improbidade (REsp 852671/BA); contratação de servidor sem concurso é ato ímprobo (REsp 1005801/PR); promoção pessoal em propaganda governamental se enquadra no art. 11 (REsp 765212/AC).

Por outro lado, o STJ vem entendendo que a mera administração inepta não caracteriza improbidade (REsp 1149427/SC); que a acumulação de cargos com prestação de serviço e percebimento de reduzido valor não é ato ímprobo (REsp 1245622/RS); que nem toda ilegalidade é improbidade, sendo necessário demonstrar o elemento subjetivo da conduta (AgRg 1339336/MG).

No mais, é questão de tempo a melhor definição sobre o alcance das abertas disposições do art. 11, tal qual ocorrera em relação a inúmeros tipos penais que também nasceram alargados e depois tiveram sua extensão delimitada pela interpretação dos tribunais.

5.4. Priorização da fase extra-judicial para investigação de potenciais atos de improbidade

Grande parte dos problemas na aplicação da LIA se devem a uma instrução extra-processual mal-feita, na qual não se sindicou adequadamente o elemento subjetivo do agente e as circunstancias que cercavam o fato. A prática nos ensina que o inquérito civil público é veículo mais adequado e efetivo de pesquisa dos fatos e de aproximação da verdade que o processo civil. É que a estrutura triangular e burocratizada do processo, se por um lado é rica em garantias, por outro gera notável dificuldade da célere reprodução dos fatos.

Se para a dedução em juízo dos graves pedidos sancionatórios é necessário lastro probatório confiável, nos termos do art. 17, §§ 8 e 9, LIA, é imperiosa que a atuação dos órgãos de controle produtores desse material seja desobstruída e célere. Deve-se permitir, sempre quando não se atente contra dispositivos legais e as garantias constitucionais, a ampla produção de provas, que depois serão submetidas ao crivo do contraditório.

Na fase pré-processual o Ministério Público, através do membro com atribuições para a matéria (princípio do promotor natural), não só poderá como deverá, por ser absolutamente conveniente para o sucesso da repressão à improbidade, aprofundar-se ao máximo na apuração. Apesar da jurisprudência permitir que a atuação pré-processual seja pouco profunda, a experiência mostra que uma coleta de provas mais extensa nessa fase é fundamental para um resultado satisfatório. Assim, não concordamos com Rogério Pacheco Alves quando assevera que o inquérito civil "não se destina a uma exaustiva pesquisa de tais aspectos [ilícito e sua autoria], mais adequada ao momento processual, cingindo-se, antes, à mera coleta de indícios" [78]. Se é certo que um inquérito exaustivo não é condição de procedibilidade também o é que, no mais das vezes, o sucesso da ação civil pública por ato de improbidade é diretamente proporcional ao nível de profundidade alcançado na fase pré-processual, ou seja, quanto mais fartas as provas colhidas no inquérito maior a chance de haver efetiva punição pelo ato de improbidade. Isso é reconhecido pelo próprio autor quando assevera que "sem prejuízo, é interessante observar que na prática o inquérito bem instruído contribui para o êxito da demanda. Tal aspecto foi constatado pelo Professor Paulo Cezar Pinheiro Carneiro que, na sua pesquisa acima mencionada, indica que em 61,19% das ações precedidas de inquérito civil o parquet obteve êxito" [79].

Assim, pode-se dizer que a fase pré-processual é tão importante quanto a fase jurisdicional, não só porque garante ao cidadão não ter contra si ação temerária, como porque também traz mais chances de efetivação do direito fundamental à probidade na Administração Pública.

5.5. Por fim, mas qual ética?

Não é difícil extrairmos da Carta Magna qual sistema de valores para a atividade pública, e assim podemos dizer, qual sistema ético e moral que a Constituição elegeu para nosso sistema.

Nossa Lei Maior vem carregada de valores democráticos e republicanos, compartilhados no mais das vezes pelas democracias ocidentais. São os valores da responsabilidade, transparência, isenção, respeito às normas, valorização do bem público, honestidade, separação entre público e privado, cumprimento do dever e lealdade.

Percebe-se a adoção de uma ética humanística, de valorização do ser humano, e consequentemente dos direitos individuais e sociais, de igualdade e fraternidade, e assim de vinculação da Administração Pública aos princípios da boa administração, à noção republicana de responsabilidade não só em relação ao cumprimento dos deveres formais, como de legalidade, como também à noção do dever de dar satisfação à sociedade (transparência) e de buscar o melhor resultado possível com os recursos disponíveis (eficiência) [80].

Esses valores refletem na conformação da ética pública que ao nosso ver a Constituição de 1988 incorporou, como um sistema moral que busca evitar o patrimonialismo, a corrupção e a deslealdade institucional. De certa forma, o mandamento constitucional de repressão à improbidade é a assunção desses valores éticos e resposta do Poder Constituinte à praga da corrupção.


6. Conclusão.

Como se viu, a LIA, com seus quase 20 anos, ainda enfrenta muitas dificuldades e questionamentos, mas nenhum óbice intransponível. O desafio, como vimos, é equilibrar a efetividade do direito fundamental à probidade com as garantias inerentes ao devido processo legal e ao Estado Democrático de Direito.

Para isso, acreditamos que são boas práticas: inserir a LIA no âmbito do Direito Sancionador; exigir-se a perquirição de elemento subjetivo; interpretar a LIA em conjunto com os demais subsistemas sancionatórios incidentes; aplicar excludentes de ilicitude e culpabilidade do Direito Penal; valorizar o aprofundamento e formulação de jurisprudência adensadora do real sentido dos tipos da LIA, em especial do art. 11; e, por último, priorizar a instrução extrajudicial como mecanismo de efetivação do combate à improbidade.

Apesar dos pesares, das tentativas de redução do seu espectro, das ameaças de imunização dos agentes políticos, o fato é que a LIA "pegou" [81]. Revolucionou o controle sobre a Administração Pública no Brasil, sendo inegável instrumento de desenvolvimento e evolução política e social.


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Zanneti Jr, Hermes; e Didier Jr., Freddie: Curso de Direito Processual Civil – Processo Coletivo,Vol. IV, 3ª edição, ed. Juspodium, Salvador


Notas

Preocupados, também, pelos vínculos entre a corrupção e outras formas de delinqüência, em particular o crime organizado e a corrupção econômica, incluindo a lavagem de dinheiro;

Preocupados, ainda, pelos casos de corrupção que penetram diversos setores da sociedade, os quais podem comprometer uma proporção importante dos recursos dos Estados e que ameaçam a estabilidade política e o desenvolvimento sustentável dos mesmos;

Convencidos de que a corrupção deixou de ser um problema local para converter-se em um fenômeno transnacional que afeta todas as sociedades e economias, faz-se necessária a cooperação internacional para preveni-la e lutar contra ela(...)"

Mesmo porque, para efeitos estritamente jurídicos, parece que a Constituição de 1988 passou longe dessa polêmica.

recurso foi interposto nos autos de ação de improbidade administrativa, movida pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, contra o prefeito do Município de São José do Norte e contra dois funcionários da prefeitura deslocados para exercerem mandato classista recebendo os adicionais de insalubridade e horas extras anteriormente percebidos. 2. O Tribunal a quo reformou a sentença que havia condenado os recorridos a ressarcir aos cofres públicos as importâncias recebidas devidamente corrigidas; aplicado multas; suspendido os direitos políticos dos demandados e os impedidos de contratar com a Administração Pública. Manteve, porém, "a condenação somente quanto ao ressarcimento integral do dano, de forma solidária, e o pagamento de multa civil, nos termos do art. 12 da Lei de Improbidade - nº 8.429/92".4. É inequívoco que a conduta dos recorridos encerra uma ilicitude. No entanto, não se pode olvidar que a suspensão dos direitos políticos é a mais drástica das sanções estipuladas pela Lei nº 8.429/92 e que sua aplicação importa impedir - ainda que de forma justificada e temporária - o exercício de um dos direitos fundamentais de maior magnitude em nossa ordem constitucional.6. A suspensão dos direitos políticos do administrador público e dos funcionários, além do impedimento de contratar com a Administração Pública, por danos de pequena monta causados ao erário – foram pagas 24 parcelas de R$78,00 a Kelly e outras 24 parcelas de R$63,60 a Ademir (funcionários demandados) em valores históricos conforme o recorrente à fl. 546 –, importa em sanções severas que não se coadunam com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, o que demonstra ter o Tribunal de origem agido de forma correta ao afastá-las, embora mantendo a condenação ao ressarcimento integral, de forma solidária, bem como o pagamento da multa civil prevista na LIA. Precedentes.7. Recurso especial não provido. (REsp 1097757/RS, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 01/09/2009, DJe 18/09/2009).

Em sentido contrário: Resp nº 439280/RS, Rel. Min. Luiz Fux, DJU 16.06.03

535, II, DO CPC. NÃO-CONFIGURAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ELEMENTO SUBJETIVO. NECESSIDADE. ATRIBUIÇÃO DE RESPONSABILIDADE OBJETIVA. INADEQUAÇÃO. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. PRECEDENTES DO STJ. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. (...) 3. A Corte a quo, ao analisar o caso concreto, apesar de indicar irregularidades no procedimento licitatório, concluiu que não houve lesão ao erário, tampouco a demonstração de dolo ou culpa na conduta praticada pelos agentes públicos. 4. A configuração do ato de improbidade administrativa não exige prejuízo ao erário, nos termos do art. 21 da Lei 8.429/92, salvo nas hipóteses do art. 10 da referida norma. Entretanto, é indispensável a presença de dolo ou culpa do agente público ao praticar o suposto ato de improbidade administrativa, sob pena de atribuição de responsabilidade objetiva, o que não é admitido por esta Corte Superior. 5. Nesse sentido, os seguintes precedentes: REsp 734.984/SP, 1ª Turma, Rel. p/ acórdão Min. Luiz Fux, DJe de 16.6.2008; REsp 658.415/RS, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 3.8.2006; REsp 604.151/RS, 1ª Turma, Rel. p/ acórdão Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 8.6.2006; REsp 626.034/RS, 2ª Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ de 5.6.2006. 6. O Tribunal de origem analisou o conjunto probatório contido nos autos, e reconheceu expressamente a inexistência de provas da efetiva configuração do ato de improbidade administrativa cometido pelo ora recorrido. Assim, é manifesta a conclusão de que a reversão do entendimento exposto pela Corte a quo exigiria, necessariamente, o reexame de matéria fático-probatória, o que é vedado em sede de recurso especial, nos termos da Súmula 7/STJ. 7. Recurso especial desprovido. (REsp 950.662/MG, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 23/06/2009, DJe 05/08/2009)

  1. Exemplo eloquente é a Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção, adotada pela Assembléia Geral da ONU em 2003 e internalizada pelo Brasil através do Decreto 5.687/2006. Vale a pena a menção à parte introdutória: "Os Estados Partes da presente convenção, preocupados com a gravidade dos problemas e com as ameaças decorrentes da corrupção, para a estabilidade e a segurança das sociedades, ao enfraquecer as instituições e os valores da democracia, da ética e da justiça e ao comprometer o desenvolvimento sustentável e o Estado de Direito;
  2. Casos recentes de legislação nacional aumentando o combate à corrupção: Itália, Espanha, Alemanha, Argentina, Colômbia, Costa Rica, México, Uruguai, Venezuela (Garcia, Emerson e Pacheco Alves, Rogério. Improbidade Administrativa, ed. LumenJuris, Rio de Janeiro, 4ª edição, pág. 31).
  3. "A dignidade da pessoa humana, então, ocupa o topo da ordem jurídica brasileira e se concretiza na previsão da proteção de direitos humanos em diversos de seus dispositivos, sem excluir aqueles previstos em tratados internacionais. (...) Dessa maneira, a interpretação dos demais preceitos constitucionais e legais é feita sob o comando daquelas normas constitucionais que proclamam e consagram direitos fundamentais, as normas de direito fundamental. Nesse sentido Canotilho preleciona que ´a interpretação da Constituição pré-compreende uma teoria dos direitos fundamentais`. A tutela constitucional e internacional da probidade administrativa não escapa a tal diretriz. Assim, não há como entender as normas constitucionais e legais referente à defesa do patrimônio e moralidade pública sem a premissa de que tal proteção é essencial para assegurar a dignidade da pessoa humana. (...) Para que o homem possa viver uma vida digna, com satisfação de suas necessidades materiais e espirituais básicas, devem atuar os agentes públicos com probidade, devendo o ordenamento jurídico possuir instrumentos para zelar por tal conduta e reprimir, sancionando, os faltosos. Essa busca pela atuação proba do agente público não é somente para evitar desvios e enriquecimento ilícito, mas também para assegurar a utilização dos escassos recursos da sociedade de modo eficiente e equânime(...)."(in Carvalho Ramos, André. O Combate Internacional à Corrupção e a Lei da Improbidade – artigo, in Improbidade Administrativa, 10 anos da Lei 8.429/92, José Adércio Leite Sampaio, Nicolao Dino de Castro e Costa Neto, Nívio de Freitas Silva Filho e Robério Nunes dos Anjos Filho – organizadores, ed. Del Rey e ANPR, Belo Horizonte, 2002, pág. 6)
  4. Trataremos de ética e moral como sinônimos, apesar das infindáveis discussões filosóficas sobre os alcances terminológicos de uma e outra expressão. A própria origem das palavras já dá a entender que são muito próximas: ética vem do grego "ethos", e significa hábito; moral vem do latim "mores", traduzido como hábito, costumes.
  5. Aqui inserimos desde o mais alto agente político, até o mais simples servidor público. Onde se vê um servidor público, na verdade vemos o Estado.
  6. No plano prático queremos nos referir aos particulares que podem ser sancionados por improbidade quando têm especial relação com verbas públicas ou com favores estatais (art. 3º da Lei 8.429/92).
  7. História da Ética, Michele Campos, Michl Greik e Tacyanne do Vale, disponível em http://www.cientefico.frb.br/Textos%20CienteFico%202002.2/PSciologia/%C3%89tica/Historia%20da%20Etica.pdf
  8. Abbagnano, Dicionário de Filosofia, São Paulo, Mestre Jou, 1998. pág. 384
  9. Dicionário de Política, Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino, ed. UnB e LGE, 12ª edição, pág. 961, vol. II
  10. "... e nas ações de todos os homens, e máxime dos príncipes, quando não há indicação à qual apelar, se olha o fim. Faça, pois, o príncipe por vencer e defender o Estado: os meios serão sempre considerados honrosos e por todos louvados"(in O Príncipe) extraído de Dicionário de Política, Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino, ed. UnB e LGE, 12ª edição, pág. 961, vol. II
  11. La politica come professione, in Il lavoro intelletuale come professione, Torino, 1948, p. 142, citado em Dicionário de Política, Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino, ed. UnB e LGE, 12ª edição, pág. 961, vol. II
  12. Dicionário de Política, Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino, ed. UnB e LGE, 12ª edição, pág. 961, vol. II
  13. A propósito dos atos discricionários, cabe consignar que atualmente já se questiona a categorização estanque entre atos vinculados versus atos discricionários. Fala-se, ao nosso ver com inteira razão, em diferentes graus de vinculação dos atos administrativos à juridicidade (vide neste sentido Gustavo Binenbojm, Uma teoria do Direito Administrativo, Direitos Fundamentais, Democracia e Constitucionalização, Ed. Renovar, 2ª edição, pág. 39)
  14. Neste sentido: Wallace Paiva Martins Júnior, Probidade Administrativa, Ed. Saraiva, pág. 24.
  15. Extraído de Celso Ribeiro de Bastos, Curso de Direito Administrativo, ed. Saraiva, pág. 36
  16. In Direito Administrativo Moderno, pág. 140, Ed. RT, 7ª edição revista e atualizada.
  17. In Curso de Direito Administrativo, pág. 51/52, ed. Malheiros, 2ª edição
  18. In Curso de Direito Administrativo, pág. 36, ed. Saraiva
  19. In Probidade Administrativa, ed. Saraiva, pág. 99
  20. Idem, pág. 103
  21. In Direito Administrativo, pág. 659, ed. Atlas, 13ª edição
  22. In Improbidade Administrativa, Ed. Lumen Iuris, 4ª edição, pág. 47
  23. In Atos de Improbidade Administrativa, ed. Atlas, 2ª edição, pág. 72.
  24. A tipificação, em especial no art. 11, é bastante aberta, mas não deixa de ser uma técnica de tipificação.
  25. Fábio Medina Osório, em obra fundamental, recorre também ao conceito de deslealdade institucional. Parece que o autor gaúcho se aproxima da argumentação ora defendida, de que a lei de improbidade é a densificação da moralidade, embora também faça uso do conceito de lealdade institucional. Vejamos: "O que expressa a probidade, como dever específico associado ao texto constitucional, é a especial importância de determinadas dimensões desses deveres públicos subjacentes ao dever de lealdade. Nem toda a falta de observância desse dever culminará em uma improbidade administrativa. Tampouco toda vulneração de normas de moral administrativa desembocará numa agressão à lealdade institucional, porque nem sempre haverá dolo ou culpa na vulneração da moralidade administrativa. Na deslealdade, sempre haverá dolo ou culpa, embora nem sempre, obrigatoriamente, improbidade, porque ainda será possível alguma causa excludente da tipicidade, formada por etapas progressivas de ilicitude. A relação gradual, portanto, é a seguinte: legalidade administrativa, moralidade administrativa, dever de lealdade institucional e improbidade administrativa. Para que haja esta última, é necessário que se passe pelas três primeiras: ilegalidade, imoralidade e deslealdade. Toda improbidade é, a um só tempo, expressão de ilegalidade, imoralidade e de deslealdade institucionais e administrativas". (Medina Osório, pág. 142, Teoria...)
  26. Apesar da MP 2.225-45/2001 ter incluído no art. 17 remissão ao Código de Processo Penal. Trata-se de gritante atecnia produzida pelo legislador ordinário.
  27. Com a chamada "administrativização" do direito penal, isto é, com a adoção cada vez mais acentuada de políticas criminais que buscam evitar o encarceramento, e priorizar outras sanções alternativas, muito se tem discutido em doutrina o que de fato caracteriza o Direito Penal. Ainda é voz corrente a doutrina que utiliza a definição do art. 1º do DL 3.914/41, que considera crime a infração a que a lei comina pena de reclusão ou detenção, quer isoladamente, quer alternativa e cumulativamente com a pena de multa. O tema é bastante problemático e de difícil resolução. Veja que por esse critério não é mais crime – logo refoge à seara penal – o uso de entorpecentes (art. 28 da Lei 11.343/06). Importante a lição de Francisco Otávio de Almeida Prado, que bem percebe que "a constante descriminalização de condutas delituosas e sua transformação em ilícitos administrativos têm evidenciado a inexistência de diferenças ontológicas no conteúdo das infrações penais e administrativas. Em verdade a configuração de uma ou de outra constitui opção discricionária do legislador, que para proteger um mesmo bem jurídico dispõe de diferentes técnicas, cada qual envolvente de um regime jurídico peculiar" (in Improbidade Administrativa, ed. Malheiros, pág. 28).
  28. Com isso não queremos dar a extensão dada pela jurisprudência que vem predominando no Brasil em matéria penal, no sentido de que a garantia preserva o status de inocência até que haja sentença condenatória transitada em julgado. A presunção de inocência faz com que o ônus de demonstração da prática do ato de improbidade seja do autor da demanda e que as sanções em regra só sejam efetivadas por meio de sentença sobre a qual não pende recurso com efeito suspensivo.
  29. É francamente minoritário o pensamento que dispensa a perquirição de elemento subjetivo. Há alguns julgados do STJ, a exemplo do REsp 880662/MG, que esposam tal tese. Controvérsia muito mais complexa é a que envolve a possibilidade de ato de improbidade unicamente culposo.
  30. Neste sentido podemos mencionar Francisco Octavio de Almeida Prado, em Improbidade Administrativa, ed. Malheiros; Sérgio Monteiro Medeiros, Lei de Improbidade Administrativa, Comentários e Anotações Jurisprudenciais, Ed. Juarez de Oliveira; Wallace Paiva Martins Junior, Probidade Administrativa, ed. Saraiva; Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins, Comentários à Constituição do Brasil, ed. Saraiva.
  31. In Atos de Improbidade Administrativa, ed. Atlas, 2ª edição, pág. 83
  32. Neste sentido na ementa da ADI 2797, Rel. SEPÚLVEDA PERTENCE, DJ 19-12-2006, deixou-se inequívoco que a jurisprudência do STF sempre reconheceu na ação de improbidade uma ação cível, e não penal. Vejamos: "De outro lado, pretende a lei questionada equiparar a ação de improbidade administrativa, de natureza civil (CF, art. 37, § 4 º), à ação penal contra os mais altos dignitários da República, para o fim de estabelecer competência originária do Supremo Tribunal, em relação à qual a jurisprudência do Tribunal sempre estabeleceu nítida distinção entre as duas espécies".
  33. Vejamos o resultado do julgamento noticiado no Informativo 471: "Quanto ao mérito, o Tribunal, por maioria, julgou procedente a reclamação para assentar a competência do STF para julgar o feito e declarar extinto o processo em curso no juízo reclamado. Após fazer distinção entre os regimes de responsabilidade político-administrativa previstos na CF, quais sejam, o do art. 37, § 4º, regulado pela Lei 8.429/92, e o regime de crime de responsabilidade fixado no art. 102, I, c, da CF e disciplinado pela Lei 1.079/50, entendeu-se que os agentes políticos, por estarem regidos por normas especiais de responsabilidade, não respondem por improbidade administrativa com base na Lei 8.429/92, mas apenas por crime de responsabilidade em ação que somente pode ser proposta perante o STF nos termos do art. 102, I, c, da CF. Vencidos, quanto ao mérito, por julgarem improcedente a reclamação, os Ministros Carlos Velloso, Marco Aurélio, Celso de Mello, estes acompanhando o primeiro, Sepúlveda Pertence, que se reportava ao voto que proferira na ADI 2797/DF (DJU de 19.12.2006), e Joaquim Barbosa. O Min. Carlos Velloso, tecendo considerações sobre a necessidade de preservar-se a observância do princípio da moralidade, e afirmando que os agentes políticos respondem pelos crimes de responsabilidade tipificados nas respectivas leis especiais (CF, art. 85, parágrafo único), mas, em relação ao que não estivesse tipificado como crime de responsabilidade, e estivesse definido como ato de improbidade, deveriam responder na forma da lei própria, isto é, a Lei 8.429/92, aplicável a qualquer agente público, concluía que, na hipótese dos autos, as tipificações da Lei 8.429/92, invocadas na ação civil pública, não se enquadravam como crime de responsabilidade definido na Lei 1.079/50 e que a competência para julgar a ação seria do juízo federal de 1º grau. Rcl 2138/DF, rel. orig. Min. Nelson Jobim, rel. p/ o acórdão Min. Gilmar Mendes, 13.6.2007. (Rcl-2138)
  34. Neste sentido: Ementa: Agravo regimental. Reclamação. Ação civil pública. Membro do Congresso Nacional. 1. Os julgados desta Corte apontados como ofendidos, Reclamação nº 4.895/DF e nº 2.138/DF, não tratam da mesma situação destes autos, porquanto cuidaram da competência para o processamento de ação de improbidade contra ato praticado por Ministro de Estado (art. 102, I, "c", da Constituição Federal), circunstância diversa da presente, que envolve membro do Congresso Nacional, relativamente ao qual a legislação infraconstitucional não prevê crime de responsabilidade. 2. Agravo regimental desprovido (Rcl-AgR 5126 / RO – RONDÔNIA, AG.REG.NA RECLAMAÇÃO Relator(a): Min. MENEZES DIREITO Julgamento: 22/11/2007, Órgão Julgador: Tribunal Pleno)
  35. Eis o que consignou a Ministra Carmen Lúcia na Reclamação 8221: "Por fim, registre-se que o acórdão que melhor reflete o entendimento da atual composição desta Corte, quanto à possibilidade de o agente político responder por ato de improbidade administrativa, é o da Pet 3.923-QO, de relatoria do Ministro Joaquim Barbosa. Nesse aresto se consignou que ‘as condutas descritas na lei de improbidade administrativa, quando imputadas a autoridades detentoras de prerrogativa de foro, não se convertem em crimes de responsabilidade’." (Rcl n. 7.222, DJe 3.3.2009)"
  36. No STJ iterativa jurisprudência vem possibilitando a aplicação da LIA aos prefeitos. Vejamos: ACP. PREFEITO. DL. N. 201/1967. LEI N. 8.429/1992. Cuida-se de ação civil pública (ACP) ajuizada contra ex-prefeito pela falta de prestação de contas no prazo legal referente a recursos repassados pelo Ministério da Previdência e Assistência Social. Nesse panorama, constata-se não haver qualquer antinomia entre o DL n. 201/1967 (crimes de responsabilidade), que conduz o prefeito ou vereador a um julgamento político, e a Lei n. 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa - LIA), que os submete a julgamento pela via judicial pela prática dos mesmos fatos. Note-se não se desconhecer que o STF, ao julgar reclamação, afastou a aplicação da LIA a ministro de Estado, julgamento de efeito inter pars. Mas lá também ficou claro que apenas as poucas autoridades com foro de prerrogativa de função para o processo e julgamento por crime de responsabilidade, elencadas na Carta Magna (arts. 52, I e II; 96, III; 102, I, c; 105, I, a, e 108, I, a, todos da CF/1988), não estão sujeitas a julgamento também na Justiça cível comum pela prática da improbidade administrativa. Assim, o julgamento, por esses atos de improbidade, das autoridades excluídas da hipótese acima descrita, tal qual o prefeito, continua sujeito ao juiz cível de primeira instância. Desinfluente, dessarte, a condenação do ex-prefeito na esfera penal, pois, conforme precedente deste Superior Tribunal, isso não lhe assegura o direito de não responder pelos mesmos fatos nas esferas civil e administrativa. Por último, vê-se da leitura de precedentes que a falta da notificação constante do art. 17, § 7º, da LIA não invalida os atos processuais posteriores, a menos que ocorra efetivo prejuízo. No caso, houve a citação pessoal do réu, que não apresentou contestação, e entendeu o juiz ser prescindível a referida notificação. Portanto, sua falta não impediu o desenvolvimento regular do processo, pois houve oportunidade de o réu apresentar defesa, a qual não foi aproveitada. Precedentes citados do STF: Rcl 2.138-DF, Dje 18/4/2008; Rcl 4.767-CE, DJ 14/11/2006; HC 70.671-PI, DJ 19/5/1995; do STJ: EDcl no REsp 456.649-MG, DJ 20/11/2006; REsp 944.555-SC, Dje 20/4/2009; REsp 680.677-RS, DJ 2/2/2007; REsp 619.946-RS, DJ 2/8/2007, e REsp 799.339-RS, DJ 18/9/2006. REsp 1.034.511-CE, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 1º/9/2009.
  37. Basta dizer que tanto o STF quanto o STJ, apesar do julgamento em ADI no sentido de que a LIA tem natureza civil e não penal, posteriormente já julgaram, respectivamente, que: "compete ao Supremo Tribunal Federal julgar ação de improbidade contra seus membros"(QO na Pet 3.211-0) e que o "o Superior Tribunal de Justiça reviu sua jurisprudência e também firmou entendimento de que não há competência de primeiro grau para julgar ação semelhante contra membros de outros tribunais superiores ou de tribunais de segundo grau"(AgRg na Sd 208/AM). Dispensável dizer que tais decisões têm, à luz do que fora decidido com eficácia erga omnes e efeito vinculante na ADI 2797, inspiração muito mais pragmático-política do que jurídica.
  38. Mais uma vez a amplitude do texto legal faz com que o interprete tenha que ter bastante cautela no caso concreto. Exige-se que haja conhecimento do ato ímprobo e vontade de participar de sua consecução ou de seus proveitos. Em outras palavras, exige-se também em relação ao particular partícipe a presença de elemento subjetivo. Fábio Medina Osório defende que não é possível a punição de terceiro se agiu com boa-fé e era impossível perceber a ilicitude do agente público com que lidou (in Improbidade administrativa. 2. ed. Porto Alegre: Síntese, 1998. p. 117)
  39. Vide por exemplo o art. 87 da Lei 8.666/93 que autoriza à própria Administração (não é nem o Juiz, como na improbidade) a aplicar multa e declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração.
  40. Mais ou menos neste sentido, vide Emerson Garcia, Improbidade Administrativa, Ed. Lumen Iuris, 4ª edição, pág. 409.
  41. Wallace Paiva Martins Júnior entende que os provimentos são condenatórios (ressarcimento do dano, pagamento de multa civil, perda dos bens ou valores ilicitamente acrescidos), desconstitutivos (perda da função pública) e restritivos de direitos (proibição de contratar e de receber incentivos ou benefícios e suspensão dos direitos políticos (in Probidade Administrativa, ed. Saraiva, pág. 258)
  42. O sistema legal brasileiro que tutela a moralidade (e todos os valores constitucionais relacionados à Administração Pública) utiliza-se de vários meios, os quais aqui chamaremos de métodos. O método penal, com o controle da probidade administrativa através de inúmeros tipos penais que constam do Código Penal (Título XI) e de legislação extraordinária, o método administrativo, instrumentalizado através do poder disciplinar, e o mais recente, o método civil-administrativo, através do manejo de ação civil tendente à punição da prática de improbidade. Há quem defenda que a tendência é buscar meios mais céleres e efetivos para a proteção da moralidade administrativa, com a preferência pelo contencioso administrativo (neste sentido o espanhol Alfonso Sabán Godoy, citado por Wallace Paiva Martins Júnior in Probidade Administrativa, ed. Saraiva, pág. 177)
  43. Pensamos que a obrigatoriedade incidente sobre a execução de decisão em jurisdição civil coletiva não se aplica em se tratando de execução provisória. É que eventual reversão da decisão de primeiro grau poderá acarretar pesado ressarcimento do Poder Público ao particular atingido pela sanção provisória, também cabendo ao autor verificar, consideradas as peculiaridades do caso, o interesse ou não de se executar a obrigação de não contratar e de não receber benefícios provisoriamente.
  44. Ao juízo e ao autor (MP ou ente público) cabem fazer a seguinte ponderações: a fundamentação do recurso é forte o suficiente para trazer relevante risco de modificação da sentença?; razões de ordem pública fazem com que seja imprescindível a proibição imediata de contratar com o Poder Público ou auferir vantagens públicas?
  45. Aqui tem lugar crítica ao legislador da Lei 8.429/92. O sistema de sanção da Lei poderia ter atendido melhor aos ideais de individualização da pena, de eqüidade da sanção, de proporcionalidade entre gravidade do ato e gravidade da sanção. Pela literalidade da lei, o ato mais grave de improbidade, causador de grande impacto social e praticado com inegável má-fé terá punição qualitativamente idêntica ao ato de improbidade menor lesividade (a diferença residirá na quantidade das sanções).
  46. "Fala-se, por exemplo, que tal princípio significa, em sentido amplo, deixar para as partes os ônus de iniciação, determinação do objeto, impulso do processo e produção das provas"(in José Roberto do Santos Bedaque, Poderes Instrutórios do Juiz, 3ª ed., Ed. RT, São Paulo, 2001, pág. 88
  47. O princípio da obrigatoriedade nas ações coletivas ou princípio da indisponibilidade, incidente sobretudo na atuação do Ministério Público em matéria de tutela coletiva, é temperado por critérios de conveniência e oportunidade. Neste sentido Hermes Zanneti Jr. E Fredie Didier Jr.: "Diferentemente do processo individual, no qual está presente a facultas agendi característica do direito subjetivo individual, o processo coletivo vem contaminado pela idéia de indisponibilidade do interesse público. Esta indisponibilidade não é, contudo, integral, há uma ´obrigatoridade temperada com a conveniência e a oportunidade´ ", Curso de Direito Processual Civil – Processo Coletivo, Vol. IV, 3ª edição, ed. Juspodium, Salvador, pág. 132.
  48. No caso do ente público ser o autor da ação, o Ministério Público, percebendo a omissão injustificável, deverá ajuizar (através de aditamento ou em nova ação, conexa com a anterior) os demais pedidos cabíveis.
  49. O Conselho Superior do Ministério Público (art. 9º, § 1º, Lei 7.347/85), no caso do Ministério Público Estadual, ou as Câmaras de Coordenação e Revisão (art. 62, IV, LC 75/93)
  50. Somente como registro histórico, nas edições anteriores à referida lei, defendiam a aplicação em bloco obrigatória: Wallace Paiva Martins Júnior, in Probidade Administrativa, ed. Saraiva, pág. 263 e Emerson Garcia, Emerson Garcia, Improbidade Administrativa, Ed. Lumen Iuris, 4ª edição, pág. 485. Em sentido contrário, defendendo a aplicação seletiva dependendo da gravidade do ocorrido: José Adércio Leite Sampaio, in José Adércio Leite Sampaio , A probidade na era dos desencantos – artigo, in Improbidade Administrativa, 10 anos da Lei 8.429/92, José Adércio Leite Sampaio, Nicolao Dino de Castro e Costa Neto, Nívio de Freitas Silva Filho e Robério Nunes dos Anjos Filho – organizadores, ed. Del Rey e ANPR, Belo Horizonte, 2002, pág. 171; Waldo Fazzio Júnior, Atos de Improbidade, Doutrina, Legislação e Jurisprudência, 2ª edição, ed. Atlas, São Paulo, pág. 366; Marcelo Figueiredo, Probidade Administrativa, 4ª edição, ed. Malheiros, São Paulo, 2000, pág. 114; Sérgio Monteiro Medeiros, Lei de Improbidade Administrativa, Comentários e Anotações Jurisprudenciais; ed. Juarez de Oliveira, São Paulo, pág. 185; Francisco Otávio de Almeida Prado, In Improbidade Administrativa, ed. Malheiros, São Paulo, pág. 153
  51. ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE.
  52. O art. 132, inciso IV, da Lei 8112/90 beira a inconstitucionalidade ao colocar a improbidade, sem qualquer definição do que isso seja para fins disciplinares, como causa para a demissão. Tal falha pode ser parcialmente suprida pela circunstância dos atos que importam em enriquecimento ilícito e que causam prejuízo ao erário (arts. 9º e 10 da Lei 8.429/92) já naturalmente serem mais graves e importarem, salvo raríssimas exceções, em penalidade de demissão pelo enquadramento em outros incisos do art. 132 da Lei 8.112/90, mas ainda assim há o problema de conferir à autoridade competente para a punição excessiva margem de discricionariedade, quando, por exemplo, o ato se amoldar em tese aos largos limites do art. 11, caput, da Lei 8.429/92.
  53. (Nesse sentido: REsp 1.089.911/PE, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 17.11.2009, DJe 25.11.2009.)
  54. Pela vez primeira, no constitucionalismo pátrio, a probidade é tratada como fonte de responsabilidade autônoma na Carta Magna, fora dos marcos mais estreitos dos crimes de responsabilidade. E o Constituinte buscou, com tal iniciativa, fugir aos limites da dogmática penal, para adentrar a seara mais ampla do Direito Administrativo, especificamente o terreno do Direito Administrativo Sancionador, com isso reduzindo, certamente, o rol de garantias dos acusados em geral e ganhando celeridade e eficiência no combate a esse ilícito(in Fábio Medina Osório, Improbidade dos Fiscalizadores, artigo, disponível na internet em 18 de março de 2009 em www.oab.org.br/oabeditora/users/revista)
  55. "La idea del ius puniendi único del Estado, que en el capítulo anterior se ha examinado críticamente, nos descubre un recurso dogmático que en Derecho se utiliza con cierta frecuencia: cuando la doctrina o la jurisprudencia quieren asimilar dos figuras aparentemente distintas, forman con ellas un concepto superior y único – un supraconcepto - en el que ambas están integradas, garantizándose con la pretendida identidad ontológica la unidad de régimen. Esto es, como sabemos, lo que se ha hecho con la potestad sancionadora del Estado, en la que se engloban sus dos manifestaciones represoras básicas. Una técnica que se reproduce simétricamente con la supraconcepto del ilícito común, con el que se engloban las variedades de los ilícitos penal y administrativo y que se corona, en fin, con la creación de un derecho punitivo único, desdoblado en el derecho penal y en derecho administrativo sancionador" Alejandro Nieto, Derecho Administrativo Sancionador, 2ª edição, Madri, ed. Tecnos, 1994
  56. Concordamos com Edilson Pereira Nobre Júnior quando diz, em relação ao direito administrativo sancionador, aplicáveis à LIA: "resta-nos mencionar, neste tópico, quais os balizamentos, emergentes do Direito Penal, capazes de nortear o desempenho das atribuições punitivas da Administração. Para análise mais didática, podem, grosso modo, ser agrupados sob os planos substancial e formal. Eis alguns deles: a) legalidade; b) tipicidade; c) culpabilidade; d) proporcionalidade; e) retroatividade da norma favorável; f) non bis in idem; g) non reformatio in pejus."(NOBRE Jr., Edilson Pereira. "Sanções Administrativas e Princípios de Direito Penal," Revista de Direito Administrativo, 219/128). No mesmo sentido: "Assim, como já se disse neste estudo, os elementos do ilícito administrativo também são os do tipo penal. Além disso, uma enorme gama dos princípios basilares do direito penal tem grande aplicabilidade para o estudo das sanções administrativas, como os da legalidade, tipicidade, non bis in idem, irretroatividade das normas sancionadoras, presunção de inocência, devido processo legal, proporcionalidade, retroatividade de norma favorável, e o princípio in dubio pro reo, sendo empregável ainda, as causas supralegais de exclusão da ilicitude, como a inexigibilidade de conduta diversa"MAIDAME, Márcio Manoel. O Código de Trânsito Brasileiro à luz dos princípios do direito sancionador . Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 2175, 15 jun. 2009. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/12974>. Acesso em: 01 out. 2009
  57. Não custa lembrar que o Direito é uno.
  58. "A constante descriminalização de condutas delituosas e sua transformação em ilícitos administrativos têm evidenciado a inexistência de diferenças ontológicas no conteúdo das infrações penais e administrativas. Em verdade a configuração de uma ou de outra constitui opção discricionária do legislador, que para proteger um mesmo bem jurídico dispõe de diferentes técnicas, cada qual envolvente de um regime jurídico peculiar" Francisco de Octavio Almeida Prado, Improbidade Administrativa, ed. Malheiros, São Paulo, pág. 28.
  59. Falando dessa opção política entre Direito Penal e Direito Administrativo: "(...) o Estado-legislador pode, soberana e discricionariamente, ainda que lhe seja vedada a arbitrariedade, escolher um ou outro caminho, ou ambos, para a eficaz proteção de bens jurídicos" Fábio Medina Osório, p. 122, ed. RT, 2ª edição, São Paulo
  60. "Hemos de dedicar esfuerzos a delimitar el contenido de los principios a los que se somete la actividad sancionadora y su régimen de ejercicio, hasta alcanzar el perfecto equilíbrio entre eficácia y garantismo." (TESO, Ángeles de Palma del. El Principio de Culpabilidad en el Derecho Administrativo Sancionador. Madri: Tecnos, 1996, p. 26).
  61. Jorge Reinaldo Vanossi, El Estado de Derecho en el Constitucionalismo Social, Buenos Aires, ed. Universitária, 1982, apud José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, 16ª edição, ed. Malheiros, São Paulo, p. 433
  62. "A economia capitalista necessitava de segurança jurídica e a segurança jurídica não estava garantida no Estado Absoluto, dada as frequentes intervenções do príncipe na esfera jurídico-patrimonial dos súditos e do direito discricionário do mesmo príncipe quanto à alteração e revogação das leis. Ora, toda a construção constitucional liberal tem em sua vista a certeza do direito. O laço que liga ou vincula às leis gerais as funções estaduais protege o sistema da liberdade codificada do direito privado burguês e a economia de mercado" Direito Constitucional e Teoria da Constituição, ed. Almedina, Coimbra, 7ª edição, p. 109
  63. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, ed. Almedina, Coimbra, 7ª edição, p. 247
  64. Obra citada, pág. 258.
  65. O artigo 11 da LIA tem interpretação tão problemática que chegou a merecer o epíteto de "a esfinge da Lei de Improbidade Administrativa". In DOS SANTOS, Carlos Frederico. A esfinge da Lei de Improbidade Administrativa (considerações sobre o caput do art. 11 da Lei 8.429/92). In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, 7, 30/11/2001 [Internet]. Disponível em http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=1979. Acesso em 25/09/2009.
  66. Como reconhecida espécie sancionatória tecnicamente mais desenvolvida
  67. Tal qual as garantias fundamentais. Como já vimos, a improbidade (rectius, corrupção) pode contaminar o sistema democrático, colocando em risco a normalidade do Estado de Direito.
  68. Não deixa de ser paradoxal que o Direito Penal empreste alguns de seus marcos teóricos à aplicação da LIA e que essa tenha sido criada justamente com o reconhecimento tácito do poder constituinte originário de que as disposições repressoras até então existentes (normas tradicionais de direito penal e de direito administrativo) não vinham se revelando suficientes para o combate à improbidade. Mas como já dissemos a utilização do Direito Penal como paradigma garantidor de determinadas salvaguardas ao cidadão é necessário, e útil diante da insuficiência normativa da LIA. Esse comparativo teórico com o Direito Penal não pode e não deve levar à improdutividade da LIA.
  69. Neste sentido: PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DO ART.
  70. ADMINISTRATIVO. CONTRATAÇÃO DE SERVIDOR SEM CONCURSO PÚBLICO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LESÃO A PRINCÍPIOS ADMINISTRATIVOS. AUSÊNCIA DE DANO AO ERÁRIO. 1. A lesão a princípios administrativos contida no art. 11 da Lei nº 8.429/92, em princípio, não exige dolo ou culpa na conduta do agente nem prova da lesão ao erário público. Basta a simples ilicitude ou imoralidade administrativa para restar configurado o ato de improbidade. Caso reste demonstrada a lesão, o inciso III do art. 12 da Lei nº 8.429/92 autoriza seja o agente público condenado a ressarcir o erário. 2. A conduta do recorrente de contratar e manter servidores sem concurso público na Administração amolda-se ao caput do art. 11 da Lei nº 8.429/92, ainda que o serviço público tenha sido devidamente prestado. 3. Não havendo prova de dano ao erário, não há que se falar em ressarcimento, nos termos da primeira parte do inciso III do art. 12 da Lei 8.429/92. As demais penalidades, inclusive a multa civil, que não ostenta feição indenizatória, são perfeitamente compatíveis com os atos de improbidade tipificados no art. 11 da Lei 8.429/92 (lesão aos princípios administrativos). 4. Acórdão reformado para excluir a condenação ao ressarcimento de danos e reduzir a multa civil de dez para três vezes o valor da última remuneração recebida no último ano de mandato em face da ausência de prejuízo ao erário. 5. Recurso especial provido em parte. (REsp 737.279/PR, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 13/05/2008, DJe 21/05/2008)
  71. Teoria da Improbidade Administrativa, Má gestão, corrupção e ineficiência, ed. RT, São Paulo, pag. 240
  72. Em face da impossibilidade da comprovação de um determinado querer (ainda não inventaram máquina que devasse pensamentos)
  73. Pensamos ser temerário o ajuizamento de ações por improbidade com base em relatórios preliminares de auditoria que somente dizem da prática de determinada irregularidade e aponta o ordenador de despesas e/ou a autoridade competente, isto é, sem que se precise exatamente como foi a conduta do suposto agente.
  74. Já que o referencial teórico é o Direito Penal, não se exige que o agente tenha ciência de que aquilo é ou pode ser ato de improbidade. Basta que saiba que se trata de algo potencialmente irregular. Deve-se lembrar aqui que um dos postulados básicos do Direito é de que a ninguém é dado alegar desconhecimento da lei, máximo agentes públicos. Exige-se para a punição, tão somente, que haja potencial consciência da ilicitude, eis que o conhecimento da lei é inescusável (art. 21, Código Penal).
  75. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. VIOLAÇÃO DE PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. ELEMENTO SUBJETIVO. PRECEDENTES DO STJ. PROVIMENTO DO RECURSO ESPECIAL. 1. A configuração de qualquer ato de improbidade administrativa exige a presença do elemento subjetivo na conduta do agente público, pois não é admitida a responsabilidade objetiva em face do atual sistema jurídico brasileiro, principalmente considerando a gravidade das sanções contidas na Lei de Improbidade Administrativa. 2. Assim, é indispensável a presença de conduta dolosa ou culposa do agente público ao praticar o ato de improbidade administrativa, especialmente pelo tipo previsto no art. 11 da Lei 8.429/92, especificamente por lesão aos princípios da Administração Pública, que admite manifesta amplitude em sua aplicação. Por outro lado, é importante ressaltar que a forma culposa somente é admitida no ato de improbidade administrativa relacionado à lesão ao erário (art. 10 da LIA), não sendo aplicável aos demais tipos (arts. 9º e 11 da LIA). 3. No caso concreto, o Tribunal de origem qualificou equivocadamente a conduta do agente público, pois a desídia e a negligência, expressamente reconhecidas no julgado impugnado, não configuram dolo, tampouco dolo eventual, mas indiscutivelmente modalidade de culpa. Tal consideração afasta a configuração de ato de improbidade administrativa por violação de princípios da administração pública, pois não foi demonstrada a indispensável prática dolosa da conduta de atentado aos princípios da Administração Pública, mas efetiva conduta culposa, o que não permite o reconhecimento de ato de improbidade administrativa previsto no art. 11 da Lei 8.429/92. 4. Provimento do recurso especial. (REsp 875.163/RS, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 19/05/2009, DJe 01/07/2009)
  76. "Essa responsabilidade subjetiva envolve também a possibilidade de que se conheçam causas que excluam a culpabilidade administrativa, além da exclusão de tipos por falta de dolo ou culpa ou da própria ilicitude. Tampouco podemos desconsiderar o estado jurídico de inocência dos acusados, em situação neutra que pode chegar a tornar-se relativa anta a contundência das provas e indícios iniciais. Tese envolvendo erro de tipo e de proibição, de fato ou de direito, podem ser arguidas e debatidas com legalidade plena, embora não exista nada na LGIA[LIA] ou na Constituição relativamente ao assunto" ( Fábio Medina Osório, da Improbidade Administrativa, Má gestão, corrupção e ineficiência, ed. RT, São Paulo, pag. 240)
  77. Temos por criticável essa tese, quer por ausência de suporte legal, quer por ser na prática dispensável, na medida que o artigo 11 é tipo subsidiário que não exige qualquer resultado além da prática do ato. Assim, nossa opinião é de que quem "tenta" causar lesão ao Erário e acaba, por circunstâncias alheias à sua vontade, não conseguindo, não pratica o tipo do artigo 10 na modalidade tentada, mas sim o artigo 11 porque atentou contra os princípios da administração ao praticar ato visando fim proibido (causar dano ao Erário)
  78. Improbidade Administrativa, 4ª edição, Lumen Iuris, pag. 526
  79. Improbidade Administrativa, 4ª edição, Lumen Iuris, pag. 526, nota de rodapé
  80. "Ninguém duvida de que hoje em dia exista um princípio essencial de boa gestão pública nas Constituições democráticas, como disse muito acertadamente o Parlamento Europeu, ao anunciar que tal princípio suporta uma série de deveres de boa gestão, deveres imanentes ao sistema e não necessariamente explícitos. A confiança ou o trust entre administradores e administrados, que está no coração das democracias contemporâneas, exige a boa gestão pública, já que os primeiros têm que prestar contas aos segundos, como disse Garcia de Enterría, já mencionado, numa relação contínua e permanente, que não pode se esgotar no processo eleitoral, até porque o administrador não ganha um ´cheque em branco´ para governar.(Fábio Medina Osório, Teoria da Improbidade Administrativa, Ed. RT, São Paulo, 2007, pág. 43/44)
  81. Uma pequena amostra empírica do que já foi feito com a utilização da Lei de Improbidade é o levantamento feito pelo Conselho Nacional de Justiça, que no final de 2010 computou 3.029 ações de improbidade definitivamente julgadas, com ressarcimento aos cofres públicos de aproximadamente R$ 221,68 milhões.

Repare que o número refere-se somente às ações encerradas, devendo-se considerar ainda provável subdimensionamento em face da novidade do sistema.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PIMENTEL FILHO, André. Desafios na aplicação da Lei de Improbidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2955, 4 ago. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19692. Acesso em: 24 abr. 2024.