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O instituto da desaposentação

O instituto da desaposentação

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A desaposenteção é jurídicamente possível, constituindo direito patrimonial do beneficiário. Analisa-se a divergência doutrinária sobre a questão, verificando-se a sua viabilidade atuarial e financeira, bem como a sua fundamentação constitucional.

RESUMO

A Previdência Social é um dos segmentos da Seguridade Social, prevista no artigo 201 da Constituição Federal de 1988. Considerando tal premissa, esta pesquisa analisa as possibilidades e limites constitucionais à aplicação do instituto da desaposentação. Assim, a problemática do presente trabalho revela-se na questão de saber se e como a desaposentação pode ser aplicada no sistema previdenciário brasileiro, composto pelos regimes obrigatórios de previdência social. O objetivo consiste em expor as principais construções teóricas sobre o tema em análise, bem como estudar o problema sob a ótica do ordenamento jurídico constitucional brasileiro. Logo, a justificativa desta investigação consubstancia-se na incipiência de tal debate no direito brasileiro e na necessidade de uma fórmula de compatibilização entre o direito a disponibilidade patrimonial e a salvaguarda do regramento normativo vigente. Para tal desiderato, adota-se o método dedutivo e como técnica a pesquisa bibliográfica e jurisprudencial. No tocante à doutrina brasileira, em sua maioria, observa-se uma defesa da concepção em que os direitos fundamentais incidem diretamente nas relações privadas. Por sua vez, é possível extrair da jurisprudência nacional a adesão à tese propugnada pelas principais diretrizes do instituto da desaposentação, arguindo sua possibilidade nos regimes previdenciários brasileiros. Todavia, destacam-se alguns aspectos que devem ser considerados na aplicação do instituto, estabelecendo-se certos parâmetros racionais e objetivos. Além disso, constata-se que o embate doutrinal sobre a questão da forma como se efetiva a desaposentação conduz a conclusão da viabilidade atuarial e financeira da mesma, se observando garantias estatuídas na constituição Federal de 1988 que asseguram, além de sua possibilidade jurídica, a sua inserção como direito patrimonial do beneficiário.

Palavras-chave: Previdência Social. Aposentadoria. Desaposentação.

ABSTRAC

Social Security is a segment of Social Security, under Article 201 of the Constitution of 1988. Given this premise, this research examines the possibilities and limits the application of the constitutional institute of desaposentação. Thus, the issue of this work is revealed in the question of whether and how desaposentação can be applied in the Brazilian social security system, consisting of the mandatory social security schemes. The aim is to explain the main theoretical constructs on the topic under review and study the problem from the perspective of the Brazilian constitutional law. Hence, the justification of this research is embodied in the paucity of such discussion in Brazilian law and the need for a formula for reconciling the right to safeguard their assets and the availability of the ruling normative force. To this aim, we adopt the deductive method and technique as a literature search and case law. Regarding the Brazilian doctrine, the majority, there is a defense of the concept that directly affect the fundamental rights in private relations. In turn, one can extract from the jurisprudence of the accession to the thesis advocated by the main guidelines of the Institute of desaposentação, arguing his chance in the Brazilian social security system. However, we highlight some aspects that should be considered in the application of the institute, establishing some rational and objective parameters. Moreover, it appears that the doctrinal clash on the issue of how to be effective desaposentação leads to completion of actuarial and financial viability of it, observing guarantees provided for in the constitution of 1988 which provide, in addition to its legal possibility, the its inclusion as economic rights of the beneficiary.

Keywords: Social Security. Retirement.Desaposentação.


LISTA DE TABELAS

TABELA

01 – Aposentadorias da União ............................................................

 

TABELA

02 – Déficit Previdenciário Estaduais – 2000 a 2007 .........................

 

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

AERUS

-

Instituto Aerus de Seguridade Social

CAP’S

-

Caixa de Aposentadorias

CEF

-

Caixa Econômica Federal

CENTRUS

-

Fundação Banco Central de Previdência Privada

CLT

-

Consolidação das Leis do Trabalho

CNBB

-

Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

CNSP

-

Conselho Nacional de Seguros Privados

CPC

-

Conselho de Previdência Complementar

CTC

-

Certidão de Tempo de Contribuição

ELETROS

-

Fundação Eletrobrás de Seguridade Social

FORLUZ

-

Fundação Forluminas de Seguridade Social

FUNCEF

-

Fundação de Economiários Federais

IAP

-

Instituto de Aposentadoria e Pensão

INPS

-

Instituto Nacional de Previdência Social

INSS

-

Instituto Nacional do Seguro Social

IPE

-

Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores do Estado do Rio Grande do Norte

IPERJ

-

Instituto de Previdência do Estado do Rio de Janeiro

IPESP

-

Instituto de Previdência do Estado de São Paulo

IPREC

-

Instituto de Previdência do Clero

IPSEMG

-

Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais

LOPS

-

Lei Orgânica da Previdência Social

MPAS

-

Ministério da Previdência e Assistência Social

PBC

-

Período Básico de Cálculo

PBPREV

-

Previdência dos Servidores Efetivos do Estado da Paraíba

PBPS

-

Plano de Benefícios da Previdência Social

PETROS

-

Fundação Petrobras de Seguridade Social

PIB

-

Produto Interno Bruto


1 INTRODUÇÃO

O direito, a ciência responsável por disciplinar as relações dos homens em sociedade, tem evoluído no mesmo ritmo em que avança o desenvolvimento humano. Não poderia ficar alheia as mudanças, inovações e invenções; ao contrário, busca incessantemente agasalhar a todos os participes da construção social, assegurando os direitos que lhes são inerentes, desde os fundamentais básicos individuais aos coletivos e transindividuais.

O direito previdenciário, responsável por estudar os riscos sociais e do trabalho que afetam diretamente aqueles envolvidos no desenvolvimento econômico de uma nação (os trabalhadores) e compõem em sua grande maioria a população economicamente ativa. As situações de invalidez, morte e idade avançada são o objeto de estudo do direito previdenciário e a maneira de melhorar essas relações, tornando-as mais justas e consentâneas aos fins sociais, é um dos objetivos desse inescusável ramo do direito público.

O sistema de proteção social, diuturnamente faz surgir novas questões a serem debatidas, sendo a desaposentação um tema que merece uma criteriosa análise, pois é um dos mais pujantes na seara previdenciária. Alvo de muitas críticas, desde a sua idealização nos idos de 1987; mas, contrariando toda oposição doutrinária, tem mostrado um vertiginoso crescimento, ganhando espaço voluntário nos círculos de discussões, principalmente, acadêmicas.

O presente trabalho enfocará como problemática a questão de saber se e como a desaposentação pode ser aplicada no sistema previdenciário brasileiro, composto pelos regimes obrigatórios de previdência social. O objetivo consiste em expor as principais construções teóricas sobre o tema em análise, bem como estudar o problema sob a ótica do ordenamento jurídico constitucional brasileiro. Logo, a justificativa desta investigação consubstancia-se na incipiência de tal debate no direito brasileiro e na necessidade de uma fórmula de compatibilização entre o direito a disponibilidade patrimonial e a salvaguarda do regramento normativo vigente. Para tal desiderato, adota-se o método dedutivo e como técnica a pesquisa bibliográfica e jurisprudencial.

O primeiro capítulo abordará a Previdência Social, organização, regimes, peculiaridades de seus beneficiários e especificidades das prestações destinadas a estes, conceituando-a como o segmento social responsável por gerir, normatizar e coadunar a realidade, atual e vindoura, com as disponibilidades econômico-financeiras da nação, estipulando viabilidades atuariais de longo prazo.

Os princípios previdenciários constitucionais também serão objeto de estudo deste capitulo, sopesando a importância de cada um no sistema protetivo, não olvidando as especificidades dos princípios aplicáveis com esmero a este segmento da Seguridade Social.

O segundo capítulo buscará estudar os regimes previdenciários obrigatórios, enfocando as peculiaridades do Regime geral de Previdência Social – RGPS, bem como dos Regimes Próprios de Previdência Social – RPPS, dos entes federativos instituidores.

O Regime Geral de Previdência Social é o regime destinado aos trabalhadores em geral, tendo suas relações de trabalho regidas pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT. Estatuído no artigo 201 da Constituição Federal de 1988, regulamentado pelas Leis n.º 8.212/91 e 8.213/91, traz normas específicas e aglutinadoras das possibilidades de cobertura de vários riscos sociais e do trabalho a que estão expostos os seus segurados.

Por seu turno, os Regimes Próprios de Previdência Social, de responsabilidade dos entes federativos, destinados aos servidores públicos civis ocupantes de cargos efetivos, possibilitam regras próprias a esses trabalhadores, os quais serão beneficiários de várias prestações previdenciárias, com fulcro no artigo 40 da Constituição Federal de 1988.

Neste diapasão, o terceiro capítulo intentará conhecer o arcabouço normativo do direito a aposentação, nos regimes previdenciários obrigatórios, abordando sua evolução histórica e legislativa, sem olvidar da previsibilidade constitucional deste benefício previdenciário de existência obrigatória em todos os regimes previdenciários existentes, em suas varias espécies.

A natureza jurídica do ato concessivo da aposentadoria, bem como sua inserção na órbita patrimonial do segurado, classificando-se como direito patrimonial de disponibilidade do segurado, consoante a sua manifestação de vontade, desde que livre e espontânea, são objetos de estude deste capítulo.

O quarto capítulo examinará, a desaposentação, buscando sua essência jurídica e suas possibilidades e limitações ante o ordenamento jurídico vigente, sendo este o foco deste estudo.

A doutrina tem definido a desaposentação como sendo a possibilidade do segurado renunciar à aposentadoria com o propósito de obter beneficio mais vantajoso, no Regime Geral de Previdência Social ou em Regime Próprio de Previdência Social, mediante a utilização de seu tempo de contribuição, o tema da desaposentação ganha contornos doutrinários sólidos e consistentes.

A desaposentação tornou-se, nas duas últimas décadas, um desafio para o Poder Judiciário brasileiro, pois como não há normatização que discipline o instituto, e o Executivo Federal, tem revelado-se um dos grandes, se não o maior, opositor à desaposentação, as insatisfações dos detentores desse suposto direito, e os litígios delineados entre os segurados e os regimes previdenciários, tem sido conduzidos até o judiciário para que o mesmo se manifeste. É certo que o Poder Judiciário não tem sido uniforme nas suas decisões, inclusive com decisões, no principio, totalmente avessas ao tema.

Um dos grandes desafios do instituto é sofrer uma regulamentação por parte do Poder Legislativo nacional, apesar da previdência social ser um tema pertencente à competência legislativa concorrente dos entes, consoante dispõe o artigo 24, inciso XII da Constituição Federal de 1988, o Regime Geral de Previdência Social – RGPS é administrado pela União por meio do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, ocasionando um óbice a regulamentação por parte dos demais entes federados no âmbito de seus Regimes Próprios de Previdência.

A desaposentação enfrenta, atualmente, mais um estágio evolutivo, sendo bem recepcionada no mundo jurídico e no meio social, uma prova disso é que a desaposentação tem sido a grande discussão previdenciária do momento. Todavia, como não há lei regulamentando a matéria, quem a está "legislando" é o poder judiciário.

A desaposentação tem conceito próprio e goza de um leque de pressupostos lógicos que lhes dão sustentabilidade. Apresenta, como qualquer instituto jurídico, características próprias e abrangentes, sem olvidar, do objetivo definido e totalmente lapidado pela doutrina.

Instituto novo, que ainda sofre várias resistências, sem normatização, e com total desinteresse por parte dos órgãos de execução previdenciária, refletindo a posição do Executivo nacional; contudo revela grandes perspectivas, sendo sua principal tendência a expansão e exploração, culminando na sua consolidação definitiva.


2 ASPECTOS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL

A constituição Federal de 1988 conceitua a Previdência Social e coaduna seus princípios, e ainda, procurar lapidar ao máximo possível seus principais contornos por meio de disposições gerais, remetendo a legislação infraconstitucional o aprofundamento técnico deste segmento da seguridade social.

2.1 DISPOSIÇÕES CONSTITUIÇÕES

A Constituição Federal de 1988 é principal fonte definidora das noções gerais e basilares do Sistema Previdenciário Nacional. Define o próprio termo Previdência Social e busca alçar suas principais aplicabilidades, conceituando contribuintes e segurados e distinguindo regimes previdenciários por suas principais características.

2.1.1 Noções Gerais

A Constituição da República de 1988 reservou o Capítulo II do Título VIII – "Da Ordem Social", para tratar da Seguridade Social sem prejuízo da existência de disposições esparsas contidas ao longo do Texto Constitucional. No artigo 194 é fornecido o alcance constitucional da Seguridade Social, ficando assente que compreende "um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social." Destarte, fica claro que a Seguridade Social abarca os segmentos de proteção social respeitantes à saúde, à previdência e à assistência social.

Além de delimitar o alcance da seguridade social, houve por bem o referido constituinte também elencar, no parágrafo único do artigo 194, os princípios desse instituto, quais sejam: universalidade da cobertura e do atendimento (inc. I); uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais (inc. II); seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços (inc. III); irredutibilidade do valor dos benefícios (inc. IV); eqüidade na forma de participação do custeio (inc. V); diversidade da base de financiamento (inc. VI) e caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa, com participação da comunidade, em especial dos trabalhadores, empresários e aposentados (inc. VII).

No artigo 195, caput e incisos, vem assinalada a compulsoriedade do financiamento da seguridade social por toda a sociedade, de forma direta ou indireta, mediante recursos provenientes dos orçamentos das pessoas políticas (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), assim como mediante contribuições dos empregadores (incidentes sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro) e dos trabalhadores, além de receitas oriundas de concursos de prognósticos. Anote-se, por oportuno, que, no parágrafo quarto desse mesmo artigo, também restou prevista a hipótese de instituição por lei de outras fontes destinadas a garantir a manutenção e a expansão da seguridade social.

Além disso, o constituinte de 1988, objetivando preservar a arrecadação da seguridade social, estabeleceu a vedação de pessoa jurídica em débito com esse sistema contratar com o Poder Público, bem como dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios.

O artigo 195, § 5º, da Constituição Federal de 1988 determina que "nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total". Tal disposição pretende impedir o legislador ordinário de instituir benefícios ou serviços sem o necessário, total e prévio aporte financeiro, ou, por outra, a correspondente fonte de custeio. Trata-se de norma preocupada com a natureza atuária, haja vista que essa última consiste em técnica relacionada com a teoria e o cálculo de seguros numa coletividade.

A Constituição Federal de 1988 ainda estabelece nos artigos 196 a 200, disciplina a Saúde, nos artigos 201 e 202 para a Previdência Social e nos artigos 203 e 204 a Assistência Social, como segmentos da Seguridade Social.

No que tange à previdência, fica estabelecido na Constituição de 1988 que os "planos de previdência social", nos termos da lei, atenderão às seguintes contingências:

I – cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte, incluídos os resultantes de acidente do trabalho, velhice e reclusão; II – ajuda à manutenção dos dependentes dos segurados de baixa renda; III – proteção à maternidade, especialmente à gestante; IV – proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário; V – pensão por morte de segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes".

Nos parágrafos 7º e 8º do artigo 201 da Constituição Federal de 1988, há previsão expressa à previdência complementar privada, cuja fiscalização e autorização para funcionamento, conforme o preceituado nos artigos 21, VIII, e 192, II, compete à União.

Por sua vez, a aposentadoria é assegurada no artigo 202 da Constituição Federal de 1988, obedecidas as seguintes condições:

I – aos sessenta e cinco anos de idade, para o homem, e aos sessenta, para a mulher, reduzido em cinco anos o limite de idade para os trabalhadores rurais de ambos os sexos e para os que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, nestes incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal; II – após trinta e cinco anos de trabalho, ao homem, e, após trinta, à mulher, ou em tempo inferior, se sujeitos a trabalho sob condições especiais, que prejudiquem a saúde ou a integridade física, definidas em lei; após trinta anos, ao professor, e após vinte e cinco, à professora, por efetivo exercício de função de magistério.

Ainda prevê o parágrafo único do artigo 202 que é facultada aposentadoria proporcional, após trinta anos de trabalho, ao homem, e após vinte e cinco anos, à mulher.

No tocante à competência para legislar sobre a seguridade social, vem ela insculpida no artigo 22 da Constituição Federal de 1988, que lhe comete privativamente à União. Já no que se refere à previdência social, o artigo 24 da Constituição Federal de 1988 arrola dentre as matérias que se submetem à competência legislativa concorrente existente entre a União, Estados e Distrito Federal, cumprindo ao primeiro ente federado apenas o estabelecimento de normas gerais, com o advento destas não excluindo a competência suplementar das demais pessoas políticas.

Por último, com relação à proteção social aos funcionários públicos, o artigo 40 da Constituição Federal de 1988, assegura os seguintes benefícios: aposentadoria por invalidez permanente (inc. I); compulsória, aos setenta anos de idade, com proventos proporcionais ao tempo de serviço (inc. II); voluntária, sendo que esta poderá se verificar: a) aos trinta e cinco anos de serviço, se homem, e aos trinta, se mulher, com proventos integrais; b) aos trinta anos de efetivo exercício em funções de magistério, se professor, e vinte e cinco, se professora, com proventos integrais; c) aos trinta anos de serviço, se homem, e aos vinte e cinco, se mulher, com proventos proporcionais a esse tempo; d) aos sessenta e cinco anos de idade, se homem, e aos sessenta, se mulher, com proventos proporcionais ao tempo de serviço. Além da aposentadoria, também é garantido o benefício de pensão por morte, que corresponderá à totalidade dos vencimentos ou proventos do servidor falecido (art. 40, § 5º).

Quanto ao custeio da previdência do funcionário público, dispôs a Carta Magna, aludindo especificamente ao servidor federal, que os respectivos benefícios serão custeados com recursos provenientes da União e das contribuições dos servidores, diretiva essa que, de acordo com o princípio da simetria, também vale para os sistemas de previdência dos funcionários públicos estaduais, municipais e do Distrito Federal. Aliás, há preceptivo contendo disposição teleologicamente semelhante com relação a esses últimos servidores; trata-se do parágrafo único do artigo 149, que é assim redigido: Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em benefício destes, de sistemas de previdência e assistência social.

A Constituição Federal de 1988 assevera os principais pontos da Previdência Social brasileira ao Instituir a maior parte dos benefícios previdenciários, bem como, defini os contribuintes, as contribuições, e as bases de cálculos. Tornou toda a sociedade responsável por seu financiamento e criou instrumentos de controles da administração, que por seu turno, fora instituída de democrática, com representantes dos vários segmentos envolvidos na construção da Previdência Social.

2.1.2 Princípios Constitucionais

Os princípios são as bases de uma estrutura jurídica, ou seja, em se tratando de Previdência Social, os princípios constitucionais da Previdência Social são, além de alicerce normativo, aos quais todas as normas positivas devem respeito, objetivos a ser alcançados, mantidos e aprimorados. É o estudo dos princípios da Seguridade Social, sistema no qual está inserida a Previdência Social, bem como, o estudo dos princípios desta, que revelam a grandiosidade e importância do direito previdenciário para a sociedade contemporânea e vindoura.

2.1.2.1 Universalidade da cobertura e do atendimento

Universalidade implica ampla proteção. A Seguridade Social deve dar proteção de cobertura e de atendimento em atendimento ao que determina a Constituição Federal de 1988, cobrindo todos os eventos que causem estado de necessidade, tais como, idade avançada, morte, invalidez, deficiência física, maternidade etc.

Cabe à Seguridade Social atender todas as pessoas necessitadas e cobrir todas as contingências sociais, como afirma IBHAHIM (2008, p. 56): "qualquer pessoa pode participar da proteção social patrocinada pelo Estado".

Pelo caráter securitário da Previdência Social, o princípio da universalidade se dá pelo fato de o legislador não poder impedir o acesso das pessoas que queiram participar do plano previdenciário mediante contribuição. Assim, garante-se a universalidade na Previdência Social com a possibilidade de qualquer membro da comunidade poder participar dos planos previdenciários, desde que contribua para esse plano. Aqueles que exercem atividade remunerada já estão automaticamente filiados à Previdência Social, e aquelas pessoas que não trabalham, mas têm a intenção de participar da proteção previdenciária poderão participar mediante contribuição. O que não pode é, na seara previdenciária, benefícios previdenciários serem concedidos para quem não é segurado.

A universalidade da cobertura esta voltada a alcançar todos os riscos sociais que possam gerar um estado de necessidade para o segurado, enquanto a universalidade do atendimento busca tutelar toda a pessoa pertencente ao sistema protetivo.

2.1.2.2 Uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais

As prestações securitárias devem ser iguais para trabalhadores urbanos e rurais, posto que a Constituição Federal de 1988, em seu art. 7º, prevê a uniformidade no tratamento dos direitos trabalhistas entre trabalhadores urbanos e rurais.

Até o advento da Lei n.º 8.213/91, havia dois regimes de previdência no âmbito privado no Brasil, quais sejam, o Regime de Previdência Urbano (RPU) e o Regime de Previdência Rural (RPR). No segundo, não existia a previsão de concessão de todos os benefícios da Previdência, diversamente do que ocorria no RPU. A Constituição Federal de 1988 buscou acabar com a diferença de tratamento que ocorria entre o urbano e o rural. A uniformidade está relacionada aos mesmos benefícios e serviços, às mesmas proteções, ou seja, o que é concedido ao trabalhador urbano é concedido ao rural.

A equivalência diz respeito ao valor, isto é, os trabalhadores urbanos devem ter os benefícios no mesmo valor dos benefícios concedidos ao trabalhador rural todavia a idéia de "mesmo valor" significa que os benefícios serão calculados da mesma forma e não que todos os benefícios concedidos aos urbanos e rurais terão o mesmo valor.

Esse princípio é mitigado quando se trata do segurado especial já que este tem direito ao benefício no valor de um salário mínimo e não terá direito a todos os benefícios da Previdência Social, porém, tal diferenciação está prevista na própria Constituição Federal de 1988, em seu art. 195, parágrafo 8º, oriundo do Poder Constituinte Originário.

2.1.2.3 Seletividade e distributividade

A universalidade tem como desiderato atende a todos os fatos geradores de necessidades sociais, os quais devem ser cobertos. Logo, todas as pessoas que se encontrem em estado de necessidade devem ser atendidas pela Seguridade Social. Entretanto, a capacidade econômica do Estado limita essa universalidade de atendimento e de cobertura visto que as necessidades são sempre maiores e renováveis do que as condições econômicas do País para contingenciar todas essas necessidades. Isto posto, deve-se otimizar os poucos recursos existentes, selecionando e distribuindo melhor as prestações.

Seletividade diz respeito à escolha das prestações que serão dispostas e dos riscos que serão cobertos em razão da disponibilidade econômico-financeira do sistema de seguridade social.

Com relação à distributividade refere-se às pessoas que deverão ser protegidas prioritariamente pela Seguridade Social. O princípio da distributividade, inserido na ordem social, é de ser interpretado em seu sentido de distribuição de renda e bem-estar, ou seja, pela concessão de benefícios e serviços visa-se ao bem-estar e à justiça social.

Na seletividade, ocorre a escolha das prestações que melhor atendam aos objetivos da Seguridade Social ao passo que, na distributividade, há a preocupação de se estar atendendo, prioritariamente, aqueles indivíduos que estão em maior estado de necessidade.

A universalidade é mitigada pelo princípio da seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços. Só faz sentido falar em seletividade e distributividade se estiver presente à questão da limitada capacidade econômica para fazer face às contingências sociais que devem ser atendidas pela Seguridade Social.

2.1.2.4 Irredutibilidade do valor dos benefícios

A essência deste princípio reside na preservação do poder aquisitivo do benefício. Em face de se tratar de prestação de caráter alimentar, não seria razoável que aquele que por toda uma vida de trabalhos tivesse o seu pode de compra suplantado, especialmente quando não dispõe de outras fontes de rendas para complementar o valor do benefício previdenciário a fim de custear a sua subsistência. Isto posto, o Constituinte de 1988, assegurou, por meio de norma expressa e originária, o reajustamento dos benefícios para lhes preservar o seu valor real (art. 201, § 4º).

2.1.2.5 Equidade na forma de participação no custeio

A fim de se definir a participação no custeio da seguridade social, levar-se-á em conta a capacidade de contributiva de cada contribuinte. As contribuições sociais devem ser criadas, atentando-se para este princípio. Visa este princípio, desta forma, implementar os princípios da igualdade – tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida de sua desigualdade (artigo 5º, caput, da CF/88) e o da capacidade contributiva (artigo 145, parágrafo 1º, da CF/88). Assim, cada pessoa deve contribuir na medida de suas possibilidades, ou seja, quem tem maior capacidade econômica deve contribuir com mais.

Para KERTZMAN (2006, p. 27) equidade significa: "justiça no caso concreto. Logo, devem-se cobrar mais contribuições de quem tem maior capacidade de pagamento para que se possam beneficiar os que não possuem as mesmas condições".

O fundamento maior do princípio da equidade é a solidariedade entre os segurados da Previdência Social, o que impõe a participação de todos nas cotizações sociais. Deste modo, justiça-se, a permissão constitucional dada ao legislador para alterar a hipótese de incidência de contribuições das empresas em razão de diversos fatores, como o segmento econômico em que atua.

2.1.2.6 Diversidade da base de financiamento

Este princípio tem por objetivo diversificar as fontes de recursos que financiarão a seguridade social. Para tanto, a Constituição Federal de 1988 previu várias fontes que geradoras da obrigação de pagar contribuições sociais (salário, faturamento, lucro, folha de salários, renda de espetáculos esportivos, concursos de prognósticos, resultado da comercialização da produção rural, etc).

Sobre a base de financiamento, BRAGANÇA (2009, p. 12) discorre:

O artigo 195 da Constituição Federal é um bom exemplo disso quando dispõe que a seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, mediante recursos orçamentários e por meio das contribuições sociais, incidentes sobre a remuneração dos trabalhadores; a receita ou o faturamento; e o lucro das empresas; sobre a receita dos concursos de prognósticos; etc.

Este princípio visa impedir que a Previdência Social seja financiada por uma única fonte tentando evitar susto inesperados para o sistema, uma vez que, se existisse apenas uma fonte de financiamento e esta, num dado período, enfrentasse uma "crise" refletiria negativamente na Previdência, ocasionando uma falha generalizada. Todavia, com muitas e variadas fontes de financiamento, busca-se assegurar estabilidade econômico-financeira ao sistema, pois uma fonte enfrenta dificuldades de geração de renda as demais serão hábeis a financiar a diferença, sem maiores dificuldades para a Previdência Social.

2.1.2.7 Caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa

O legislador constituinte estabeleceu o caráter democrático e descentralizado da administração mediante gestão quadripartite por meio de representantes:

a) do Governo: responsável direto pela administração do sistema;

b) Trabalhadores: os quais têm interesse em sólido e sustentável, para dele, futuramente, se beneficiar;

c) Empregadores: vertem boa parte dos recursos que compõem o orçamento da seguridade social, tendo, deste modo, interesse em saber em quer tais recursos estão sendo aplicados;

d) Aposentados: estes têm interesses em manter o sistema sólido e perene, pois é este que os mantém.

O objetivo maior deste princípio é assegurar a participação da sociedade organizada na organização e no gerenciamento da seguridade social, mediante a gestão quadripartite. O estímulo à atuação da sociedade é assegurada pela Constituição Federal de 1988, uma vez que, no seu texto esboça a composição do conselho Nacional de Previdência social, primando pela participação dos maiores interessados no sistema.

2.1.2.8 Preexistência do custeio em relação aos benefícios ou serviços

Este princípio visa ao equilíbrio atuarial e financeiro do sistema securitário. Está alocado no artigo 195, parágrafo 5º, da Constituição Federal de 1988 determinando como valor essencial à estabilidade financeiro-econômica da Seguridade Social.

Desse prisma, busca-se tornar a Seguridade Social financeiramente equilibrada, à medida que orienta a ação do legislador no sentido de que a toda despesa criada deve corresponder uma receita respectiva para fazer face ao gasto instituído.

Para a criação ou extensão de determinado benefício ou serviço da Seguridade social, é mister que exista previamente a correspondente fonte de custeio total, sob pena de inconstitucionalidade da lei ordinária. Em resumo: o benefício ou serviço não poderá ser criado sem que antes haja ingressado a receita correspondente, ou seja, definida a sua fonte de custeio total.

2.2 CONCEITUAÇÃO DE PREVIDÊNCIA SOCIAL

Pode ser entendida como um conjunto de normas de proteção e defesa do trabalhador a determinados riscos como a velhice, a invalidez, a doença e o desemprego, entre outros, mediante aposentadoria, pensão a seus dependentes, amparo nas doenças etc. A Previdência Social é uma espécie de seguro, só que com uma técnica protetiva mais evoluída, devido a sua maior abrangência de proteção.

RUSSOMANO (1983, p. 32) assim a define:

Consiste na captação de meios e na adoção de métodos para enfrentar certos riscos (invalidez, velhice, acidente etc.) que ameaçam a segurança da vida humana e que são inevitáveis, por sua própria natureza, em toda a sociedade, por melhor organizada que seja.

Neste diapasão, MAGANO (1984, p. 6) entende que:

Previdência Social é o resultado da sistematização dos seguros sociais, mas abrange também as medidas assistenciais realizadas pelas instituições seguradoras, visando ao bem-estar dos seus segurados. ["...] Pode ser definida, em consequência, como a instituição que congrega e sistematiza os seguros sociais e concede assistência aos respectivos segurados".

MARTINEZ (1992, p. 4), conceitua a previdência social sob o prisma de sua finalidade como:

Como a técnica de proteção social que visa propiciar os meios indispensáveis à subsistência da pessoa humana – quando esta não pode obtê-los ou não é socialmente desejável que os aufira pessoalmente através do trabalho, por motivo de maternidade, nascimento, incapacidade, invalidez, desemprego, prisão, idade avançada, tempo de serviço ou morte –, mediante contribuição compulsória distinta, proveniente da sociedade e de cada um dos participantes.

A Previdência Social é uma forma de cobertura de sinistros, a que estão sujeitos o ser humano. Os riscos sociais ou do trabalho, advêm, respectivamente, da convivência em sociedade e de suas variadas inter-relações, e aqueles ocasionados pelo desenvolvimento de uma atividade laboral, geralmente independentes da vontade humana.


3 REGIMES PREVIDENCIÁRIOS

O Sistema Previdenciário brasileiro está organizado por meio de Regimes Previdenciários obrigatórios, cada um com abrangência delimitada ou definida por preceitos constitucionais. Dentre os regimes previdenciários obrigatórios avultam de importância o Regime Geral de Previdência Social – RGPS, que agrega a grande maioria dos trabalhadores brasileiros, em geral com vínculos empregatício regido pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT e alguns trabalhadores definidos em lei. Por seu turno, os Regimes Próprios de Previdência Social – RPPS, destinados a servidores públicos civis efetivos, criados e administrados pelos entes federativos, são tanto importantes quanto o RGPS, a pesar de agregarem menor número de segurados.

3.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE OS REGIMES PREVIDENCIÁRIO, CIVIL E O MILITAR.

A disciplina referente aos regimes próprios de previdência dos servidores públicos é, certamente, matéria controversa e que tem gerado significativa despesa para os tesouros públicos.

A celeuma em torno do tema, entretanto, tem ocorrido de uma forma irracional e sem referência com os fatos. De um lado, misturam-se, na discussão, sem diferenciá-los, regimes previdenciários absolutamente distintos, como os dos servidores civis e dos militares, que têm normas, histórias e tendências diversas.

Por outro lado, parece que nada foi feito no campo nos últimos anos, quando se teve, no período recente, uma série de alterações no modelo, sendo a mais importante a Emenda Constitucional nº 20, de 1998, chamada de Reforma da Previdência, que, mesmo que se considere ter sido insuficiente, provocou uma verdadeira revolução no regime previdenciário dos servidores públicos civis, cujos efeitos já são fortemente sentidos em números.

É certo que o volume atual das despesas previdenciárias com servidores públicos civis é devido a fatores que já ocorreram e que, em princípio, são irrepetíveis. Nestes termos, em primeiro lugar, desponta a excessiva generosidade das regras de aposentadoria existentes anteriormente à referida Emenda Constitucional nº 20, de 1998. Esse diploma legal provocou uma enorme alteração nesse campo. Estabeleceu-se idade mínima na regra geral e na transição, exigiu-se tempo de serviço público e no cargo público para aposentadoria, vedou-se a contagem de tempo fictício e a promoção e incorporações na aposentadoria, extinguiu-se a aposentadoria proporcional e, na prática, a especial do professor.

Além disso, o grande aumento das despesas com inativos e pensionistas ocorrida no início da década de 1990 teve lugar em razão da transferência feita pela União e pela maioria dos Estados e Municípios, dos seus servidores celetistas para o regime estatutário, efetivando-os de forma automática e liberando um enorme número de aposentadorias represadas.

O número de aposentadorias por ano na União partiu de um pico de 46.196, em 1991, primeiro ano de vigência do regime jurídico único, decresceu para 21.213, em 1992, e 14.152, em 1993, atingiu 17.622, em 1994, e passou a 33.848, em 1995; 26.807, em 1996; 24.831, em 1997; 19.754, em 1998; 8.786, em 1999; 5.951, em 2000; 6.222, em 2001 e em fins de 2007, cifrou 7.500, conforme dados da previdência no quadro abaixo:

Fonte: www.previdencia.gov.br

Assim, o nível de despesa atual é reflexo de um contexto no qual o número de servidores públicos era muito maior do que o atual. A redução do número de servidores ativos é factualmente constatada. O número de servidores civis ativos do Poder Executivo vem caindo, praticamente sem recuo, desde 1989, quando o total chegava a mais de 700.000. No final do ano de 2007, esse número já estava próximo a 450.000, representando uma redução de mais de 250.000 servidores, ou cerca de 35%, em pouco mais de dez anos.

Vale observar que o número de inativos civis da União vem caindo desde a promulgação da Emenda Constitucional nº 20, de 1998. Esse quantitativo, que atingiu um pico de 410.200, em abril de 1999, já era, em novembro de 2007, de 395.196.

O nível atual de despesa, no entanto, somente será reduzido em longo prazo, com o falecimento dos inativos e seus pensionistas, não havendo como acelerar esse processo, salvo mediante o mecanismo perverso que combina inflação e não reposição das perdas remuneratórias.

Prospectamente, a Emenda da Reforma da Previdência equacionou o problema, quando facultou a instituição de sistema de previdência complementar para os servidores públicos, que teriam a sua aposentadoria paga pelos tesouros limitadas ao mesmo valor do regime geral de previdência social.

Esta matéria depende de regulamentação mediante lei complementar, que, quando aprovada, habilitará os entes públicos a instituir um regime previdenciário para seus servidores que retira, totalmente, o custo adicional do regime estatutário para a Administração Pública. Essa observação vale mesmo no caso de servidores que transitem entre o regime geral de previdência social e o regime próprio dos servidores públicos, em razão da Lei nº 9.796, de 5 de maio de 1999.

O diploma alhures citado prevê que o regime geral de previdência social e os regimes próprios dos servidores públicos se compensarão mutuamente pelos seus segurados e servidores que transitarem entre eles, na proporção dos respectivos tempos de contribuição, até o limite dos benefícios do regime geral. Ou seja, na hipótese em comento, a compensação é total.

O referido regime, inclusive, será, ao mesmo tempo, menos custoso para os tesouros públicos e mais vantajoso para os servidores do que o Regime Geral de Previdência Social. Isso ocorre porque, no caso daquele regime, o empregador tem, sempre, que contribuir com 20% do total da remuneração do empregado que, no entanto, somente poderá receber benefícios até o limite do respectivo teto. No caso do regime complementar aqui tratado, o servidor receberá tudo o que ele e a Administração capitalizaram em seu nome e a contribuição do ente público será, seguramente inferior a 20%, uma vez que, de acordo com o que estabelece o § 3º do art. 202 da Constituição, esta não poderá exceder a contribuição do segurado que, com certeza, não atingirá aquele percentual.

Enfatize-se que esse regime complementar somente será aplicado aos servidores que entrarem no serviço público após a sua instituição, adiando em muito a sua efetividade.

Por seu turno, comparando-se a evolução da participação de civis e militares na despesa total com inativos e pensionistas da União, pode-se verificar que enquanto em 1999 os civis representavam 69,1% das despesas previdenciárias da União, contra 30,9% dos militares, no ano de 2006, esses números já atingiam 57,8% para os civis e 42,2% para os militares, ressaltando-se que a despesa com pensionistas militares já ultrapassou, há muito, a despesa com pensionistas civis, segundo FILHO (2003, p. 1-8), o qual acrescenta:

Assim, enquanto, como se viu, os civis foram fortemente afetados pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998, os militares passaram incólumes por ela.

Acrescente-se que o diploma legal retirou dos militares o direito de receber a remuneração correspondente ao posto superior, quando passavam para a inatividade, e extinguiu, para os novos militares, a conhecida pensão da filha solteira, emblemática das especificidades da pensão militar e regulamentada pela Lei nº3.765, de 4 de maio de 1960.

A despesa com inativos e pensionistas militares que era de 4,6 bilhões de reais em 1999 atingiu 11,9 bilhões em 2007, um aumento de 160,5%, muito acima da variação da inflação no período que, como se referiu, foi de 78%.

Mesmo no tocante à relação com a receita corrente líquida, o custo da previdência militar da União aumentou, saindo de 6,5% em 1999 para 7,1% em 2007.

Deste modo, a despesa previdenciária militar é hoje relevante e, mantida a atual situação, pode se tornar mais custosa, em termos absolutos, do que a previdência dos servidores civis, especialmente porque não há perspectiva posta de alteração qualitativa do regime no futuro.

Vale reafirmar que não se pode negar a seriedade da situação de previdência dos servidores públicos nem afirmar que não há necessidade de fazer nada no campo. No entanto, é necessário reconhecer que, no caso dos servidores civis, muito foi feito e o quadro é muito menos grave do que era antes da Emenda Constitucional nº 20, de 1998.

3.2 NOÇÕES PRELIMINARES SOBRE REGIMES PREVIDENCIÁRIOS PÚBLICOS, PRÓPRIOS E PRIVADOS.

Um grande desafio que se impõe aos regimes previdenciários, seja público ou privado, é, sem dúvida, administrar o passado e a transição para a nova realidade. Com relação ao passado não há o que fazer, salvo manter a atenção e a gerência responsável, e, quanto à transição, resta a alternativa de acelerá-la, mediante a inclusão dos atuais servidores no regime complementar já previsto na Reforma da Previdência. Isso pode ser feito, em nosso entendimento, como já vem sendo aventado, por algum mecanismo que, levando em conta de forma proporcional e razoável os direitos em processo de aquisição dos atuais servidores públicos, considere de responsabilidade dos tesouros públicos a parcela da aposentadoria referente ao tempo já exercido sob as regras então vigentes.

Observa-se que essas soluções somente trarão resultados a longo prazo, implicando, no curto prazo, aumento do desembolso dos tesouros, uma vez que haverá redução nas contribuições previdenciárias dos servidores e os entes federados se verão obrigados a contribuir para os fundos complementares.

GUERZONI FILHO (2003, p. 1-8), afirma que:

Em relação aos militares, parece-nos imprescindível uma reforma profunda em seu regime previdenciário, cujo perfil atual é insustentável. Ressalte-se que não se pode deixar de reconhecer a necessidade de os militares possuírem um regime especialíssimo de aposentadoria, considerado que eles possam cumprir a sua missão e que implica custos adicionais. O que não é possível é que se mantenham vantagens que extrapolam essa exigência.

Assim sendo, conforme o já entrevisto nas considerações precedentes, para logo se denota a coexistência de três grandes segmentos de previdência social em nosso ordenamento constitucional. Assim, possível é de se enumerar os seguintes regimes no sistema de previdência pátrio: a) o Regime Geral de Previdência Social (arts. 194 e segs.); b) o Regime de Previdência Privada (arts. 21, VIII, e 201, §§ 7º e 8º); c) o Regime de Previdência do Servidor Público (art. 40).

Destaque-se que, essa classificação não se apresenta absoluta, haja vista que, além desses três grandes segmentos da previdência, possível é ainda de se citar um outro regime, o qual, contudo, não encontra assento constitucional. Trata-se de regime atinente aos ministros de confissão religiosa ou membros de congregação religiosa. Dito regime existe desde 1963, quando a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) criou o Instituto de Previdência do Clero (IPREC) [01]. Todavia, esse regime não se apresenta de filiação obrigatória aos sacerdotes e leigos a serviço da Igreja Católica no território brasileiro, mas sim facultativa, além do que não impede que aqueles que neles se inscreverem também se filiem ao Regime Geral de Previdência Social, ou seja, o regime gerido pelo INSS.

Não obstante a classificação ora adotada, que melhor atende aos propósitos do presente estudo, certo é que outra há, na qual é considerada apenas a existência de dois regimes no sistema previdenciário, quais sejam: o Regime Geral de Previdência Social, administrado pelo INSS, de um lado, e, de outro, os demais, que são, por isso mesmo, denominados regimes especiais.

3.3 REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL – RGPS

A previdência social em nível constitucional, tem os seus contornos basilares delineados nos artigos 194, 195, 201 e 202 da Constituição Federal de 1988, fornecendo os princípios norteadores do Regime Geral de Previdência Social.

No plano infraconstitucional, o Regime Geral de Previdência Social encontra atualmente a sua disciplina básica nas Leis nºs 8.212 e 8.213, ambas de 24 de julho de 1991, sendo que a primeira, que se auto-intitula Lei Orgânica da Seguridade Social, dispõe sobre a organização da seguridade social e institui plano de custeio, enquanto a segunda versa sobre os planos de benefícios da previdência social. Desse modo, constituem o cumprimento ao disposto nos artigos 58 e 59 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, uma vez que nesses artigos existe determinação, dirigida ao Executivo Federal, no sentido de que apresentasse ao Congresso Nacional, no prazo máximo de seis meses a contar da promulgação da Carta Constitucional de 1988, Projetos de Lei relativos à organização da seguridade social e aos planos de custeio e de benefícios.

O Regime Geral de Previdência Social, caracteriza-se por ser, segundo SCHWARZER (2009, p. 137):

a) universal, ou seja, destinado a todos os trabalhadores que não possuírem regime próprio de previdência (como, por exemplo, é o caso dos funcionários públicos não-integrados em regime próprio); b) básico, uma vez que busca oferecer o mínimo indispensável para a manutenção daqueles que dele dependam; c) obrigatório, já que compulsório, e d) administrado pelo Estado, haja vista que, como já referido, é gerido pelo INSS – Instituto Nacional do Seguro Social, uma autarquia federal vinculada ao Ministério da Previdência e Assistência Social.

Portanto essas são as características básicas do Regime Geral de Previdência Social.

3.4 REGIME DE PREVIDÊNCIA PRIVADA

A Previdência Privada caracteriza-se por constituir forma supletiva do Regime Geral de Previdência Social. Sendo que, o Regime Geral de Previdência Social caracteriza-se por ser básico, universal, obrigatório e administrado pelo Estado, enquanto o Regime Próprio de Previdência se distingue por se caracterizar como complementar, facultativo, restrito e gerido pela iniciativa privada.

Trata-se de eficiente modo de suplemento pecuniário aos proventos do INSS, uma vez que estes são sabidamente insuficientes para a preservação das necessidades existenciais de seus beneficiários, por ocasião da inatividade, doença, idade avançada ou morte.

O fundamento legal da previdência privada é exposto na Lei nº 6.435, de 15 de julho de 1977, com as alterações que lhe sobrevieram pela Lei n º 6.462, de 9 de novembro de 1977, e regulamentado pelos Decretos nºs 81.240 e 81.402, de 20 de janeiro e 23 de fevereiro de 1978, respectivamente.

Consoante o disposto na Lei n.º 6.462/1977, são entidades de previdência privada aquelas que têm por objeto a instituição de planos privados de concessão de pecúlios ou rendas, de benefícios complementares ou assemelhados aos da previdência social, mediante contribuição dos seus participantes, dos seus empregadores ou de ambos.

Nesta modalidade de regime de previdência, de acordo com a relação existente entre a entidade e os participantes dos planos de benefícios, podem elas ser classificadas em fechadas ou abertas.

Assim dispõe CESARINO JÚNIOR (1980, p. 36), sobre a previdência privada:

As entidades fechadas de previdência privada são as acessíveis exclusivamente aos empregados de uma só empresa ou de um grupo de empresas, as quais, vale referir, são denominadas patrocinadoras. Há, por conseguinte, delimitação certa dos beneficiários do regime,isto é, dos seus participantes.

No caso das entidades abertas de previdência privada tal delimitação é inexistente, eis que são elas constituídas com a finalidade de instituir planos de pecúlios ou rendas mediante contribuição de qualquer um que deseje participar do regime, ou seja, qualquer um pode vir a ser participante desse tipo de previdência privada, desde que subscreva e custeie o respectivo plano.

Quanto aos seus objetivos, podem as entidades de previdência privada ser classificadas em organizações com ou sem fins lucrativos. Anote-se ainda, que as entidades com fins lucrativos são organizadas sob a forma de sociedade anônima, ao passo que as entidades sem fins lucrativos são constituídas sob a forma de sociedades civis ou fundações. Vale destacar que a Lei nº 6.435 veda às entidades fechadas a perseguição do lucro. Os planos de benefícios tanto das entidades fechadas como das abertas deverão ser avaliados atuarialmente em cada balanço, observadas as condições fixadas pelo pertinente órgão ministerial normativo a respeito de regimes financeiros, tábuas biométricas e taxa de juro. Além disso, ditas entidades deverão submeter anualmente as suas contas a auditores independentes, devidamente registrados no Banco Central do Brasil, sendo que a auditoria daí resultante poderá também ser exigida quanto aos aspectos atuariais, consoante for estabelecido pelo respectivo órgão normativo.

Frise-se que às entidades em apreço pode ser imposto o regime de intervenção, para resguardar os direitos dos participantes, desde que se verifique atraso no pagamento de obrigação líquida e certa; estar a entidade em difícil situação econômico-financeira; prática de atos que possam conduzi-la à insolvência, etc. Contudo, caso reconhecida a inviabilidade de recuperação da entidade e considerando-se que ela, ex vi legis, não pode solicitar concordata e não está sujeita à falência, deverá o Ministério a que estiver vinculada decretar a sua liquidação extrajudicial, nomeando liquidante.

Entidades abertas de Previdência segundo a definição de COIMBRA (1993, p. 67), renomado especialista nesta área são "são sociedades constituídas com o escopo de instituir planos de pecúlio e rendas mediante contribuição de seus participantes por meio de convênios específicos".

Os planos das entidades abertas de previdência privada são verdadeiros seguros, pelos quais os interessados que os subscrevem custeiam o plano de pecúlio e rendas, com o fito de, em ocorrendo o evento morte ou verificado o termo final de um prazo preestabelecido, perceberem (ou aqueles que indicarem para tanto) um capital de uma só vez ou uma renda mensal. Logo, nesse regime de previdência privada, a fonte de custeio é una e advém do participante-subscritor do plano que ulteriormente será o respectivo beneficiário ou outrem por ele indicado. Ademais, a empresa gestora do plano, por tal administração, no mais das vezes objetiva lucro.

Importa consignar que as entidades abertas de previdência privada integram o Sistema Nacional de Seguros Privados e se submetem ao plexo de competência do Ministério da Fazenda, tendo por órgão normativo o Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) e órgão executivo e fiscalizador a Superintendência de Seguros Privados (SUSEP).

Além disso, são as entidades abertas de previdência privada regidas pela já mencionada Lei nº 6.435, de 15 de julho de 1977, com regulamentação fornecida pelo Decreto nº 81.402, de 23 de fevereiro de 1978, assim como pelas Resoluções CNSP nº 7, de 13 de junho de 1979, nº 10, de 26 de maio de 1987, nº 33, de 28 de dezembro de 1989, nº 25, de 22 de dezembro de 1994, e subsidiariamente pela legislação de seguros, sendo que àquelas com fins lucrativos também se aplica a Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, a Lei das Sociedades por Ações.

Para funcionamento, os estabelecimentos abertos de previdência privada, com ou sem fins lucrativos, precisam de autorização, conforme o preceituado pelo inciso II do artigo 192 da Constituição Federal de 1988, compete à União e se dá por meio de portaria editada pelo Ministério da Fazenda. Aprovada a documentação pertinente, será concedida pela SUSEP a autorização para funcionamento das entidades abertas de previdência privada.

No que tange às entidades abertas de previdência privada, importa averbar que são elas geralmente constituídas pelas grandes instituições financeiras. Cite-se, a título de exemplo daquelas entidades, a PREVER (administrada pelos Bancos Unibanco e Bamerindus), a Bradesco Previdência (administrada pelo Banco Brasileiro de Descontos), a BRASILPREV (administrada pelo Banco do Brasil), a ITAUPREV (administrada pelo Banco Itaú), a ICATU (administrada pelo Banco Icatu), Caixa Econômica Federal – CEF, etc.

3.4.1 Entidades Previdenciárias Fechadas

A previdência privada, por meio de suas entidades, que congregam os conhecidos fundos de pensão, são consideradas complementares do sistema oficial de previdência e assistência social – o RGPS, ficando as suas atividades submetidas à área de competência do Ministério de Previdência e Assistência Social. Em face dessa submissão, têm elas como órgão normativo o Conselho de Previdência Complementar (CPC) e órgão executivo a Secretaria da Previdência Complementar (SPC).

Há diferenças fundamentais entre entidades fechadas e abertas pelo fato de os fundos de pensão que as constituem não objetivarem lucro e por preverem contribuições de duas fontes distintas, quais sejam, dos trabalhadores participantes e das respectivas empresas empregadoras.

Quanto à legislação aplicável às entidades fechadas de previdência privada, possível é de se citar, além da Lei nº 6.435, de 15 de julho de 1977, a legislação geral e as normas de previdência e assistência social no que compatíveis.

No que se refere à autorização para o funcionamento das entidades fechadas de previdência privada, é ela concedida por portaria do Ministério da Previdência e Assistência Social, sendo que as eventuais alterações do estatuto social desse modal de entidade de previdência privada dependerá de prévia aquiescência dessa Pasta.

É notória a importância que os fundos de pensão possuem no cenário econômico nacional, haja vista que apresentam um muito substancioso aporte financeiro. Resulta disso, a atuação no mercado financeiro de entidades fechadas de previdência privada como, entre outras, a PREVI (Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil), a Fundação CESP, a PETROS (Fundação Petrobrás de Seguridade Social), a ELETROS (Fundação Eletrobrás de Seguridade Social), a CENTRUS (Fundação Banco Central de Previdência Privada), a FUNCEF (Fundação dos Economiários Federais), o AERUS (Instituto Aerus de Seguridade Social), a ITAUBANCO (Fundação Itaubanco), a VALIA (Fundação Vale do Rio Doce de Seguridade Social), a SISTEL (Fundação Sistel de Seguridade Social) e a FORLUZ (Fundação Forluminas de Seguridade Social). Essa mencionada importância no desenvolvimento econômico pátrio fica evidente quando considerado o fato de que esse segmento, em dezembro de 1995, possuía um patrimônio de cerca de US$ 61 bilhões, representando aproximadamente 10% do PIB nacional, segundo matéria do jornal O Estado de São Paulo, de 24 de junho de 1996, intitulada "Quem é Quem". [02].

Conforme divulgado em publicação da Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Privada – ABRAPP (1996, p. 2): [03]

Essa característica decorre do "regime de capitalização sob o qual acham-se organizados os Fundos de Pensão, dando-lhes grande vitalidade e eficiência, comparativamente ao regime da Previdência Social (o RGPS, vale dizer), que é de repartição simples, ou orçamentária. No primeiro caso, o trabalhador participante (juntamente com a empresa que o emprega) forma totalmente os recursos garantidores dos seus benefícios durante o período laborativo, de tal forma que, ao aposentar-se, toda a massa de recursos está estocada.

Por sua vez, o regime geral da previdência social (RGPS), consiste no custeio por uma geração dos benefícios concedidos à geração antecessora.

Ainda segundo a Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Privada (1996, p. 2):

Em face da acumulação de poupança, os Fundos de Pensão, além da atividade-fim, que é nitidamente social, possuem uma função econômica relevante como investidores. Eles são hoje no Brasil sustentáculo do mercado de ações e do mercado imobiliário e estão aptos a alavancar muitos outros segmentos econômicos, oferecendo-lhes financiamento de longo prazo.

As entidades de Previdência Privada tem normatização bastante severa e sofrem fiscalização constante por parte de órgãos governamentais criadas para tal fim. Trata-se de adesão facultativa, por isso são pouco conhecidas no seio da sociedade e, na maior parte das vezes, os que procuram tem melhores financeiras e tentam assegurar uma complementação satisfatória a remuneração do Regime Geral, a qual é sujeita a teto.

3.5 REGIMES PRÓPRIOS DE PREVIDÊNCIA DOS SERVIDORES PÚBLICOS

Em face de especial vinculação do servidor público com o seu empregador – o Estado –, sempre mereceu ele disciplina constitucional especial, apartada daquela atinente à dos demais trabalhadores, que se dedicam à prestação de serviço na seara privada. Muitos são os traços distintivos entre essas duas categorias, a começar pelo vínculo que ata os seus integrantes aos respectivos empregadores, pois, na relação existente entre os trabalhadores desta última, é ele de natureza contratual, ao passo que o vínculo entre os servidores públicos e o Estado é estatutário.

Respeitados os contornos gerais de ordem legal ditados pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), há liberdade de convenção entre as partes, ao passo que no outro tal possibilidade simplesmente inexiste, somente podendo haver atuação sub lege, ou seja, debaixo da lei e estritamente de acordo com ela [04].

Além disso, no que tange à previdência, também se distinguem as referidas categorias. Enquanto os servidores públicos da União, Estados, Distrito Federal e Municípios podem possuir regime próprio de previdência, ou mesmo estarem integrados ao regime geral [05], os demais trabalhadores vinculam-se obrigatoriamente a este último, consoante o já mencionado neste estudo.

Os servidores públicos federais investidos em cargo de provimento efetivo contam com regime próprio de previdência. Dito regime encontra-se disciplinado no Título VI da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, sob o pórtico "Da Seguridade Social do Servidor". Logo no primeiro dispositivo desse título, o artigo 183, está previsto que a União manterá Plano de Seguridade Social para o servidor e sua família.

O Objetivo deste plano é proporcionar cobertura aos riscos a que estão sujeitos o servidor e a sua família, bem assim compreende um conjunto de benefícios e ações que atendam às seguintes finalidades, segundo MELLO (1984, p. 10-11):

a) garantir meios de subsistência nos eventos de doença, invalidez, velhice, acidente em serviço, inatividade, falecimento e reclusão; b) proteção à maternidade, à adoção e à paternidade; c) assistência à saúde. No que tange aos benefícios do citado plano, compreendem eles: "I – quanto ao servidor: a) aposentadoria; b) auxílio-natalidade; c) salário-família; d) licença para tratamento de saúde; e) licença à gestante, à adotante e licença-paternidade; f) licença por acidente em serviço; g) assistência à saúde; h) garantia de condições individuais e ambientais de trabalho satisfatórias; II – quanto aos dependentes: a) pensão vitalícia e temporária; b) auxílio-funeral; c) auxílio-reclusão; d) assistência à saúde." (art. 185).

Prevê o parágrafo primeiro do artigo 185 da Lei n.º 8.112/91 que as aposentadorias e pensões serão concedidas e mantidas pelos órgãos ou entidades aos quais se encontram vinculados os servidores. Mais de acordo com o artigo 231 da Lei n.º 8.112/91, o Plano de Seguridade Social do servidor público federal, é mantido pela União, e será também custeado com o produto da arrecadação das contribuições sociais obrigatórias dos servidores dos três poderes da União, suas autarquias e fundações públicas.

Vale ressaltar, que os servidores públicos federais ocupantes de cargos de provimento em comissão, sem vínculo efetivo com a Administração Pública Federal, em acatamento ao preceituado na Lei nº 8.647, de 13 de abril de 1993, vinculam-se obrigatoriamente ao regime geral de previdência social (RGPS) de que trata a Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991.

Assim, o regime próprio de previdência do servidor federal, que compreende diversos outros benefícios além de aposentadorias e pensões, não é administrado por um órgão específico, mas sim é mantido pela própria União, pelos órgãos a que vinculados os servidores, que, juntamente com estes, promovem o custeio do regime. Daí, por conseqüência, costumeiramente se atribuir ao Tesouro Nacional a manutenção do mesmo.

Por sua, no que se refere aos servidores estaduais, o que se percebe habitualmente é que contam eles com órgãos dotados de personalidade autárquica incumbidos da administração das questões previdenciárias, como é o caso, dentre diversos outros, dos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Norte, que, respectivamente, dispõem, para o desempenho dessa atividade, do Instituto de Previdência do Estado de São Paulo – IPESP, Instituto de Previdência do Estado do Rio de Janeiro – IPERJ, Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais – IPSEMG, Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores do Estado do Rio Grande do Norte – IPE, Previdência dos Servidores Efetivos do Estado da Paraíba - PBPREV.

Entretanto, o que se percebe é que a maioria dos órgãos previdenciários estaduais ocupa-se preponderantemente do pagamento de pensões, ficando o pagamento das aposentadorias a cargo dos Governos estaduais, ou seja, tal qual já excogitado, dos respectivos tesouros estaduais.

Segundo dados divulgados à época pelo Ministério da Previdência e Assistência Social, os Estados têm, nos últimos anos, enfrentado uma grande elevação de seu déficit previdenciário, para o qual têm contribuído, como fator relevante, as despesas do modelo previdenciário adotado, no qual recursos do orçamento fiscal custeavam, até idos de 1999, a totalidade dos proventos pagos aos servidores inativos. Os Estados, as autarquias e as fundações contribuíam com um percentual sobre a remuneração dos servidores ativos, inativos e os pensionistas. A legislação não previa percentuais específicos para essas destinações, propiciando a aplicação das contribuições como se integrassem um caixa único, indistinto. Essas contribuições não se destinavam ao custeio de proventos de inatividade ou reforma.

Essa situação foi responsável por uma pressão crescente sobre o Tesouro estadual, com efeitos sobre os esforços de contenção das despesas de pessoal e de comprometimento da Receita Corrente Líquida. De acordo com estimativas do então Ministério da Previdência e Assistência Social, MPAS, à época, o déficit do sistema previdenciário de todos os Estados da Federação, expresso pela diferença entre os gastos com aposentadorias e pensões e a arrecadação potencial dos servidores estaduais, de 2000 a 2007, foi o seguinte:

Deficit Previdenciário Estaduais – 2000 a 2007 - Em R$ Milhão de reais

2000

2001

2003

2005

2007

-255,6

-324,8

-384,5

-417,6

-303,8

Fonte: MPS.

Os Regimes próprios de Previdência social só podem ser instituídos por pessoa jurídica de direito público, entes da federação, União, Estados, Municípios e Distrito Federal, uma vez que só podem ser criados por leis especificas, abrangendo somente servidores públicos titulares de cargos efetivos, consoante capitula o artigo 40 da Constituição Federal de 1988.


4 DIREITO À APOSENTAÇÃO

A aposentadoria é um dos direitos mais esperados por qualquer trabalhador\contribuinte, tornando-se um dos mais exercidos ao longo da história previdenciária brasileira. Todo trabalhador, após preenchidos todos os requisitos legais para obtenção da mesma, principalmente depois de ter exaurido sua força produtiva por longos anos, busca a aposentadoria como forma, principalmente, de assegurar uma vida tranquila, sem muitas dificuldades. É um direito previsto na Constituição Federal de 1988 que define seus contornos, e fixa seus parâmetros.

4.1 INTRODUÇÃO E EVOLUÇÃO HISTÓRICA E LEGISLATIVA

Todo trabalhador ou trabalhadora busca, por meio de suas contribuições mensais vertidas ao seu sistema previdenciário alcançar o preenchimento dos requisitos que lhe possibilitem usufruir da aposentadoria, ou seja, quando o laborante chega a inatividade, seja por idade avançado, tempo de contribuição, invalidez ou tempo de exposição a agentes nocivos mínimo permitido, será custeado pelo sistema previdenciário que reverterá em seu favor uma remuneração mensal calculada com base em sua vida contributiva.

A história do direito à aposentação é marcada por uma trajetória de muito trabalho e majoração de suas consequências ao longo do tempo, posto que a exposição dos trabalhadores a jornadas exaustivas de labor ocasionava sua incapacidade precoce, não devido somente a exposição a algum agente nocivo, mais principalmente, por causa das próprias jornadas que por si só eram suficientes para aniquilar a força produtiva de um homem a médio prazo, consoante se depreende da leitura de LAMARTINO (2006, P. 19):

O ambiente de trabalho, como gerador de afinidades e infortúnios, mereceu atenção especial dos operários. Estes, por temor e prevenção, desenvolveram um sistema assistencial próprio, pois sabiam que os riscos ergonômicos poderiam fazê-los vitimas de sinistros laborais.

No Brasil, a historiografia oficial revela que a aposentadoria começou a ser cogitada como uma necessidade social e principalmente da classe trabalhadora a partir do final da década de 1910 e início da de 1920, em virtude, basicamente, da grande lastima que se tornou o trabalho nas estradas de ferro. Nesta época, surgiram alguns instrumentos normativos que visavam inserir no cenário social regras específicas sobre a aposentação, tais como o Decreto Legislativo n.º 3.724, de 1919, e o também Decreto Legislativo nº 4.682, de 24 de janeiro de 1923, o qual se considera o marco da previdência social brasileira, apelidado inclusive de Lei Elói Chaves.

A Lei Elói Chaves determinava a criação de um sistema de caixa de aposentadoria e pensão para os ferroviários. Apesar de esta caixa ser de destinação exclusiva para os ferroviários foi o pontapé inicial da história das aposentadorias no Brasil, sem olvidar que a constituição de 1991 foi a primeira a registrar o termo aposentadoria, todavia, apenas para os servidores públicos da época e inválidos.

As Caixas de aposentadorias, CAP’s, como ficaram conhecidas expandiram-se para todas as atividades da época, sendo criadas por empresas, ou seja, toda empresa criara uma Caixa de aposentadorias para seus empregados. As contribuições dos empregados eram destinadas a tais Caixas que, por sua vez, administravam tais recursos, e eram responsáveis pela concessão das aposentadorias, quando do requerimento.

Segundo IBRAHIM (2008, P. 46):

iniciou-se nesta época uma mudança radical no sistema previdenciário, o qual deixou de ser organizado por empresa, nas caixas de aposentadoria e pensão, sendo aglutinado por categoria profissional, nos Institutos de Aposentadoria e Pensão (IAP).

A existência de várias caixas de aposentadorias e pensões, com o transcurso do tempo, como havia regramento especifico para cada empresa, fez surgir um gigantesco emaranhado de normas, o que dificultava a vida dos trabalhadores quando do ingresso em uma nova empresa e também dificultava a atividade fiscalizadora do Estado, que apesar de ser tímida, existia e tendia a ser ampliada, especialmente por necessidade social.

Deste modo, incentivou-se a criação dos Institutos de Aposentadorias e Pensões que deveriam ser organizados por categoria profissional, mesmo que estas categorias estivessem diluídas ou trabalhando em várias empresas. Os institutos foram uma evolução, um passo positivo, pois tornava o ato de concessão e administração de aposentadorias mais célere e fidedigno à realidade laboral, conforme IBRAHIM (2008, p. 47):

A organização previdenciária em categorias profissionais resolvia alguns problemas existentes, como o pequeno número de segurados em algumas caixas, com evidente fragilização do sistema, e os percalços enfrentados pelos trabalhadores que eventualmente mudavam de empresas e, por consequência, de caixa.

A unificação das caixas em institutos também ampliou a intervenção estatal na área, pois o controle público ficou finalmente consolidado, já que os institutos eram dotados de natureza autárquica e subordinados diretamente à União, em especial ao Ministério do Trabalho.

A necessidade de se ter um sistema e uma sistemática para a concessão de aposentadorias consentâneas com a realidade social e em conformidade com os direitos dos segurados, levaram o governo a editar em 1960 a Lei Orgânica da Previdência Social – LOPS com o objetivo de unificar toda legislação atinente a previdência e consequentemente sobre o direito a aposentadorias, que dantes era disseminado entre os vários IAP’s.

Contudo, é importante observar que os Institutos só foram unificados em 1966 com a criação do Instituto Nacional de Previdência Social – INPS, que se constituía em entidade da administração indireta da União de natureza autárquica e gozava dos mesmos privilégios e imunidades concedidos à União.

Com isto o direto a aposentação passou a ser mais centrado e com apenas um dispositivo legal a dispor sobre a matéria, facilitando o exercício desse direito por parte dos beneficiários e operadores do mesmo, persistindo tal sistema disciplinador até o advento da constituição de 1988.

DEBERTE (2004, p. 59) afirmou que: "falar sobre a criação da aposentadoria é traçar a história de um conjunto de transformações que acompanharam o desenvolvimento capitalista e estabeleceram uma relação indissociável entre o fim do trabalho assalariado e o último estágio da vida".

Em síntese, o direito a aposentação é fascinante, ao revelar que quanto mais a sociedade evolui e se torna matura, mais se preocupa em assegurar tal direito, e garantir o exercício satisfatório do mesmo.

4.2 PREVISÃO CONSTITUCIONAL

Com a Constituição Federal de 1988 ampliou-se o direito a aposentação, concebendo-se como igualdade de direitos entre os candidatos à aposentação e tornando-a direito fundamental, subjetivo à disposição daqueles filiados ao sistema securitário que preencha os requisitos legais. Consoante afirma MARTINEZ (2010, 29), "uma faculdade atribuída ao individuo depois de cumprir as exigências programadas para obtê-la. Tudo isso porque um dia o Estado se apropriou da iniciativa do cidadão, impondo-lhe o custo obrigatório".

O artigo 6º da Constituição Federal de 1988 institui o direito a previdência social como um direito social, logo, afirma o direito à aposentação, posto que, como visto, inclusive no Brasil, a noção de previdência social surgiu com a busca pela aposentadoria, principal benefício previdenciário. A Constituição trata especificamente do tema em seu artigo 40, parágrafo 1º, primeira parte, e artigo 201, § 7º, in verbis:

Art. 40.

...

§1.º Os servidores abrangidos pelo regime de previdência de que trata este serão aposentados, ...

Art. 201.

...

§7.º É assegurada aposentadoria no regime geral de previdência social, nos termos da lei, ...

É direito subjetivo, pois o exercício do mesmo após o preenchimento dos requisitos necessários para sua obtenção não configura obrigatoriedade, ou seja, é uma faculdade do titular, podendo ser exercido quando o titular achar mais conveniente e vantajoso, salvos algumas exceções quando o ato tornar-se-á obrigatório, a exemplo das aposentadorias compulsórias, tanto para servidores públicos efetivos de regime próprio previdenciário quanto para os segurados do regime geral de previdência social, disciplinadas, respectivamente, no inciso II, § 1º do artigo 40 da Constituição Federal de 1988 e artigo 54 do Decreto n.º 3.048, de 06 de maio de 1999, como disposições abaixo:

Art. 40, caput, da Constituição Federal de 1988.

...

§1.º

...

II - compulsoriamente, aos setenta anos de idade, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição;

Decreto n.º 3.048 de 06 de maio de 1999.

...

Art. 54. A aposentadoria por idade pode ser requerida pela empresa, desde que o segurado tenha cumprido a carência, quando este completar setenta anos de idade, se do sexo masculino, ou sessenta e cinco, se do sexo feminino, sendo compulsória, caso em que será garantida ao empregado a indenização prevista na legislação trabalhista, considerada como data da rescisão do contrato de trabalho a imediatamente anterior à do início da aposentadoria.

Todavia, a compulsoriedade não se refere ao exercício do direito por parte do segurado, mais a obrigação das empresas efetivarem tal ato pelo segurado. Logo, se o segurado ao completar setenta anos de idade e não quiser se aposentar, mesmo ocorrendo a compulsoriedade por parte da empresa, não será constrangido a fazê-lo, posto que direito subjetivo.

Nesta linha segue BACHUR (2004, p. 56):

A aposentadoria é um direito do segurado e não uma obrigação que lhe é imposta. Mesmo que pensarmos na aposentadoria compulsória, aos 70 anos de idade para homens e mulheres, cuja iniciativa é do empregador ou do Poder Público, o segurado tem o direito de renúncia, se assim o quiser.

Se a aposentação, em um sentido técnico, é um ato constitutivo positivo, na desaposentação temos um ato desconstitutivo negativo. O titular do direito pode, portanto, a qualquer tempo solicitar a cessação do ato concessório de seu benefício.

A desaposentação está prevista na Constituição Federal de 1988 de forma implícita, uma vez que por meio de seus princípios, principalmente, a dignidade da pessoa humana e o bem-estar social, deixa claro que a busca por melhores condições de vida devem ser uma constante empreendida por toda a Administração Pública e por esta assegurada. As normas infraconstitucionais não devem ter o condão de inibir o exercício deste direito, posto que assegurado constitucionalmente, sem burla ao princípio da legalidade.

4.3 MANIFESTAÇÃO DE VONTADE

Após o preenchimento de todos os aspectos legais para obtenção da aposentadoria pelo beneficiário, surge o direito personalíssimo à prestação previdenciária, a qual não é suscetível de transação ou cessão. Todavia, o direito ao benefício não implica, como já visto, a obrigatoriedade de seu exercício. O segurado pode ter preenchido todos os requisitos para uma aposentadoria, mas optar por não exercer esse direito, renunciando aos proventos dele decorrentes.

A renúncia aos valores não implica em perda do direito à aposentadoria, pois esse já foi adquirido e passou a integrar o patrimônio do segurado. Apenas as parcelas que seriam devidas caso o segurado estivesse aposentado são renunciadas. Como delineado por SOUZA (2005, p. 67):

O fato gerador do direto aos proventos é, portanto, diferente do fato gerador do direito ao benefício, pois é consubstanciado na soma do próprio direito ao benefício e a vontade de gozá-lo, veiculada no requerimento à autarquia. Para a aposentação, portanto, é essencial a vontade do segurado – ainda que o direito ao benefício seja adquirido, sem a vontade não haverá aposentadoria. O direito ficará resguardado até o momento em que o segurado desejar exercê-lo. Como o direito aos proventos apenas surge com a vontade de se aposentar, durante o período em que, mesmo após a aquisição do direito ao benefício, o segurado não manifestou sua vontade, inexistirá direito à percepção de renda previdenciária.

É fundamental definir as principais diferenças técnicas entre os direitos ao benefício e aos proventos, enfocando a importância da vontade para o gozo da aposentadoria. A vontade é imprescindível não só para o deferimento do ato concessório mais também para manutenção do mesmo.

Curial perquirir se a manifestação de vontade deve ser considerada, para que o segurado, sem perder o direito à aposentadoria, não o exercite, deixando de receber os valores por inatividade. Para tanto, é salutar pesquisar a natureza jurídica do ato de concessão de uma aposentadoria, principalmente daqueles que não prescindem de manifestação por parte do segurado.

MERELLES (2007, p. 150) discorre que:

os atos administrativos representam a manifestação unilateral de vontade da Administração Pública que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou impor obrigações aos administrados ou a si própria.

A aquisição do direito a aposentação implica no atendimento a todas as condições preestabelecidas em lei. Logo, o ato concessório de uma aposentadoria é ato vinculado, materializando-se por meio da manifestação de vontade do segurado exteriorizada no requerimento. Dessa forma, incontinenti, a aposentadoria deve ser concedida, não se cogitando nenhuma discricionariedade por parte da administração, uma vez que a lei dispõe sobre o procedimento a ser adotado nestes casos.

Por sua vez SOUZA (2005, p. 67) explica que:

Por ser um ato vinculado, onde não cabe à Administração analisar sua conveniência e oportunidade, é impossível a sua revogação pela autarquia previdenciária. Mas, se um dos aspectos do fato gerador do direito aos proventos é a vontade do segurado, fica evidente que, embora vinculado para a administração, o beneficiário poderá analisar a conveniência e a oportunidade relacionadas aos seus interesses individuais e, assim, manifestar ou não a vontade de se aposentar ou de continuar aposentado.

Deste modo, a norma ao estatui a irrevogabilidade como característica do ato de concessão da aposentadoria sem anuência expressa do beneficiário, impôs, na verdade, uma garantia contra abusos ou violações a esse direito, buscando, essencialmente, a proteção do segurado. Ressalte-se que se o próprio beneficiário do ato abdicar do seu direito vislumbrando situação mais benéfica, a norma, neste caso, não deve se opor aos intentos do mesmo, apesar de ser notório, em especial no direito previdenciário, certo desconhecimento do tema, como enfoca MARTINEZ (2010, p. 82):

No direito Previdenciário, com exceção do tema desaposentação, a abdicação de pretensões não tem sido tratada amiúde pelos especialistas, seja por desconhecimento de suas características seja porque frequentemente a irreversibilidade das mensalidades de suas prestações avulta em face de outros aspectos.

O segurado pode, se quiser, abdicar de sua aposentadoria, pois não há instrumento normativo impedido a manifestação de vontade do mesmo; entretanto, não continuará percebendo as parcelas remuneratórias da inatividade, pois, persistindo o direito a aposentação, posto que direito adquirido, se exauriu o direito a percepção dos proventos.

O direito a aposentação é direito indisponível, portanto mesmo que o segurado não o queira exercitar, permanecerá na esfera patrimonial deste, gozando de proteção dada pela Constituição Federal. Assim, o segurado já o tendo exercido outrora poderá abdicar das verbas remuneratórias da inatividade, porém o direito de exercer tal direito, uma vez que todos os requisitos legais já foram atendidos, permanece a mercê da vontade do segurado.

Há presunção quanto à manutenção da aposentadoria, ou seja, uma vez aposentado se presume que o beneficiário pretenda continuar aposentado até o advento de alguma causa de impedimento do gozo do direito alheio a vontade do beneficiário, não necessitando renovação da vontade em permanecer aposentado. A referida presunção pode ser afastada caso o segurado queira, expressando tal desiderato de forma autônoma, consciente e livre. Nestes casos, quem assim o faz, busca melhorias, na grande maioria dos casos, financeiras. Na verdade é o principal objetivo da desaposentação, nos dizeres IBHAHIM (2011, p. 35):

A desaposentação, portanto, como conhecida no meio previdenciário, traduz-se na possibilidade do segurado renunciar à aposentadoria com o propósito de obter beneficio mais vantajoso, no Regime Geral de Previdência Social ou em Regime Próprio de Previdência, mediante a utilização de seu tempo de contribuição. Ela é utilizada colimando a melhoria do status financeiro do aposentado.

SOUZA (2005, p. 65), diverge de tal idéia ao afirmar que a desaposentação não exige necessariamente uma opção por uma nova aposentadoria:

Outrossim, ao contrário do sustentado por parcela da doutrina, a desaposentação não exige a imediata opção por outra aposentadoria mais benéfica. É possível que o segurado deixe de exercer o direito a uma aposentadoria sem desejar receber, naquele momento, outro benefício. Para a desaposentação, portanto, o único requisito é a manifestação volitiva negativa.

A manifestação da vontade do segurado é pressuposto lógico e essencial à desaposentação, posto que a aposentadoria encontra-se na esfera patrimonial do mesmo, classificando-se como direito disponível. É a vontade que pode desencadear todo um procedimento na busca por uma melhor aposentação, considerando-se o ato principal e tutelado pelo direito.

4.4 NATUREZA JURÍDICA DO ATO CONCESSIVO DA APOSENTADORIA

O direito à aposentação é um direito inerente a pessoa, peculiar aquele que verteu contribuições para a previdência social, seja no Regime Geral de Previdência Social, seja em Regime Próprio de Previdência, dito deste modo, é um direito personalíssimo.

A Constituição Federal de 1988 estatui em seu artigo 201, caput, que a Previdência Social, aludindo ao Regime Geral de Previdência Social – RGPS, é um sistema contributivo, ou seja, é necessário se verter contribuições prévias para se ter direito a uma aposentadoria.

Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:

I - cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada;

Dentre as prestações da previdência social a aposentadoria é tida como a prestação por excelência, pois todo o sistema protetivo hoje conhecido fundou-se sobre a necessidade de aposentação dos trabalhadores de outrora. A materialização da aposentadoria se dá por meio de um ato administrativo, que na definição de IBRAHIM (2011, p. 33-34) emana:

A concessão da aposentadoria é materializada por meio de um ato administrativo, pois consiste em ato jurídico emanado pelo Estado, no exercício de suas funções, tendo por finalidade reconhecer uma situação jurídica subjetiva. É ato administrativo na medida em que emana do Poder Público, em função típica (no contexto do Estado Social) e de modo vinculado, reconhecendo o direito do beneficiário em receber sua prestação.

Tal ato tem natureza meramente declaratória, já que somente reconhece ao segurado o direito assegurado em lei, mediante a prova do atendimento de requisitos legais. Todos os requisitos para a aquisição da aposentadoria são previstos na Lei n. 8.213/91, com suas diversas alterações, não cabendo, em tese, margem alguma de discricionariedade por parte da Administração Pública.

MARTINEZ (2010, p. 29), assevera esta classificação doutrinada por Ibrahim:

Juridicamente, apresenta-se como direito subjetivo posto à disposição do filiado que preencha os requisitos legais, ou seja, uma faculdade atribuída ao indivíduo depois de cumprir as exigências programadas para obtê-la. Tudo isso porque um dia o Estado se apropriou da iniciativa do cidadão, impondo-lhe o custeio obrigatório (no Brasil, no RGPS, em 24.1.93).

Prestação dita constitucional em virtude de estar enquistada na Carta Magna para o servidor e para o trabalhador (arts. 40 e 201).

Direito patrimonial, por ser próprio de uma determinada pessoa e, derradeiramente disponível, já que apenas dependente de sua volição.

A aposentadoria é um direito patrimonial, inserindo-se nas disposições positivas do patrimônio da pessoa física, na medida em que a mesma vai preenchendo as predisposições legais para conquista da mesma.

O Regime Geral de Previdência Social é um regime previdenciário obrigatório, administrado pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS; classifica o ato de aposentação como irrenunciável em virtude de seu caráter alimentar, ocorrendo a sua cessação em virtude da morte do beneficiário, além de classificá-lo com irreversível, por ser ato jurídico perfeito e acabado, não podendo ser desfeito, salvo em caso de erro ou fraude.

Nestes termos, o Decreto n.º 3.048, de 06 de maio de 1999, que regulamenta as Leis n.º 8.212 e 8.213, ambas de 24 de julho de 1991, por isso denominado Regulamento da Previdência Social, é taxativo no artigo 181-B, in verbis, sobre a impossibilidade de renúncia ou reversibilidade de alguns tipos de aposentadorias: Art. 181-B.  As aposentadorias por idade, tempo de contribuição e especial concedidas pela previdência social, na forma deste Regulamento, são irreversíveis e irrenunciáveis.

Todavia a disposição do Regulamento da Previdência Social não tem fundamento lógico nem embasamento social equilibrado, não se sustentando diante dos direitos fundamentais proclamados na Constituição Federal de 1988, posto que ninguém pode ser obrigado a permanecer no gozo da aposentação se isso está em desacordo com seus interesses pessoais, entendimento este esposado na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça – STJ ao julgar Recurso Especial:

Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 310884/RS. Recorrente: Anselmo Gnadt. Recorrido: Instituto Nacional do Seguro Social. PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. RENÚNCIA A BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. POSSIBILIDADE. DIREITO PATRIMONIAL DISPONÍVEL. ABDICAÇÃO DE APOSENTADORIA POR IDADE RURAL PARA CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR IDADE URBANA. 1. Tratando-se de direito patrimonial disponível, é cabível a renúncia aos benefícios previdenciários. Precedentes. 2. Faz jus o Autor à renúncia da aposentadoria que atualmente percebe – aposentadoria por idade, na qualidade de rurícola – para o recebimento de outra mais vantajosa – aposentadoria por idade, de natureza urbana. 3. Recurso especial conhecido e provido.Relatora Ministra Laurita Vaz. 5ª Turma. Julgado em 23.08.2005. DJ 26.09.2005. p. 433.

Quanto aos Regimes Próprios de Previdência, o direito a aposentação tem natureza jurídica inexoravelmente de ato administrativo exarado em favor dos beneficiários, que quando servidores públicos civis efetivos, além das regras gerais atinentes ao tempo de contribuição e idade, se for o caso, deverão atender as disposições especificas do caput do artigo 40 e seus parágrafos, da Constituição Federal de 1988, in verbis:

Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo.

§ 1º Os servidores abrangidos pelo regime de previdência de que trata este artigo serão aposentados, calculados os seus proventos a partir dos valores fixados na forma dos §§ 3º e 17:

I - por invalidez permanente, sendo os proventos proporcionais ao tempo de contribuição, exceto se decorrente de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, na forma da lei;

II - compulsoriamente, aos setenta anos de idade, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição;

III - voluntariamente, desde que cumprido tempo mínimo de dez anos de efetivo exercício no serviço público e cinco anos no cargo efetivo em que se dará a aposentadoria, observadas as seguintes condições:

a)sessenta anos de idade e trinta e cinco de contribuição, se homem, e cinquenta e cinco anos de idade e trinta de contribuição, se mulher;

b) sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta anos de idade, se mulher, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição.

Dessa forma, o caput e incisos do artigo 40, da Constituição Federal de 1988, definem os principais benefícios destinados aos regimes próprios de Previdência Social. Todos os entes federativos podem criar seus Regimes Próprios, inclusive os municípios. Sendo que, grande parte dos municípios ainda não tem seus Próprios Regimes Previdenciários, acredita-se que por falta de condições técnicas e de operacionalidade. A União e os Estados Membros, inclusive o Distrito Federal, já possuem os seus Regimes de Próprios de Previdência.


5 DESAPOSENTAÇÃO

Instituto doutrinário e reconhecido pela jurisprudência nacional que traz no seu bojo um direito inerente àqueles trabalhadores que após preencherem os requisitos para aposentação e a busca-la continuam na atividade laborativa e contribuindo compulsoriamente para o sistema previdenciário a que está vinculado, resolver abdicar da remuneração da inatividade para computar o novo tempo no Período Básico de Cálculo – PBC de uma aposentadoria mais vantajosa. Não há norma assegurando o exercício de tal direito, mais, como enfatizado, a doutrina e jurisprudência nacional são responsáveis por definir as principais nuanças do tema.

5.1 HISTÓRICO DO INSTITUTO

O instituto da desaposentação é uma invenção doutrinária e mais recentemente jurisprudencial, no mundo jurídico, mais precisamente a partir do ano de 1987. Instituto ainda em formatação doutrinária, despertou a atenção dos operadores do direito, ocasionando uma grande demanda de ações na justiça federal, que, na maioria dos casos, tem decidido favoravelmente.

5.1.1 Primeiras Idealizações

As publicações que versam sobre a desaposentação começaram a surgir no cenário jurídico a partir do ano de 1996, entretanto, MARTINEZ (2010, p. 22) que reivindica a autoria do instituto doutrinariamente no Brasil, afirma ter escrito sobre o tema em 1987:

Cremos que fomos um dos primeiros a cogitar desse instituto técnico e a alinhavar um artigo versando o assunto ("Renúncia e irreversibilidade dos benefícios previdenciários", São Paulo: LTr, 1987, in Supl. Trab. n. 4/87). Logo após a ocasião, criamos o neologismo, hoje amplamente adotado, de chamar de "desaposentação" ao ato de desconstituição do benefício mantido com vistas à nova aposentação.

MARTINEZ, ao comentar o Parecer n.º 27/86 da Câmara de Julgamento do então Ministério da Previdência e Assistência Social – MPAS, que analisava a possibilidade de cancelamento de aposentadoria por tempo de contribuição com vistas à concessão de novo benefício incluindo novo período contributivo.

No ano seguinte, MARTINEZ (1988, p. 187-188) insistia na tese de que a irreversibilidade do direito era uma garantia do segurado e não do Regime Previdenciário a que estava vinculado, podendo essa irreversibilidade ser demovida quando o seu interesse coincida com o interesse público.

Segundo MARTINEZ (2010, p. 22):

Ainda com alguma exclusividade, em 1992 apontamos esse direito como postulado de uma nova previdência social: "Em princípio, a concessão dos benefícios é irreversível. De acordo com a vontade do titular, subsiste a possibilidade de desaposentação, consoante prazos e regras legais, facultando-se ao interessado nova concessão, mesmo presente a deliberada intenção de melhorar o valor" (Subsídios para um modelo de Previdência Social. São Paulo: LTr, 1992. p. 45).

Martinez é reconhecido pelos demais doutrinadores, a exemplo de IBRAHIM (2011, p. 35) como o responsável pela criação do instituto jurídico da desaposentação:

Merece aqui destaque o texto de MARTINEZ sobre o tema, pois ele foi o primeiro especialista a buscar uma solução para a questão, externando seu pensamento sobre a possibilidade da desaposentação em artigo intitulado "Direito à Desaposentação", publicado no Jornal do IX Congresso LTr de Direito Previdenciário, de 1996, além de diversos escritos anteriores.

Logo, a desaposentação surgiu e vem obtendo grande desenvolvimento no mundo jurídico; sendo, anualmente, publicadas cada vez mais textos sobre o tema, e as decisões favoráveis, forçando o legislador nacional a reconhecê-lo como direito do desaposentando.

5.1.2 Projeto de Lei

O legislativo nacional, por meio de suas casas, aprovou Projeto de Lei sob o número 7.154, de 27 de agosto de 2002, de autoria do Deputado Inaldo Leitão (PSDB/PB) que regulamentaria a questão da desaposentação no Regime Geral de Previdência Social – RGPS, entretanto, o referido projeto de lei não passou pelo crivo do executivo, ou seja, o presidente da republica, em 2007, vetou integralmente a matéria.

Administrativamente os órgãos da Previdência indeferem regularmente requerimentos de aposentados com essa finalidade, com base no argumento de que a aposentadoria representa um ato jurídico perfeito, sendo os interessados obrigados a recorrer à Justiça quando tem interesse na medida, com a finalidade de se pleitear outro benefício do mesmo regime ou de outro sistema previdenciário.

O projeto de lei alterava o Plano de Benefícios da Previdência Social, instituído pela Lei n.º 8.213/91, e buscava assegurar aqueles que mesmo após a aposentadoria continuavam trabalhando e vertendo contribuições para o sistema pudessem usar tais contribuições numa nova aposentadoria, abdicando do direito ao recebimento das prestações anteriores mais não do direito de computar do tempo de contribuição anterior à primeira aposentação.

MARTINEZ (2010, p. 25), com sua boa técnica, ponderou sobre o assunto:

Como não poderia deixar de ser, a questão acabou despertando o interesse dos políticos e parlamentares. Vários projetos de lei foram elaborados visando à regulamentação da matéria nos anos de 1997 e 2002 e tramitaram no Congresso Nacional. Como lembrado na introdução, o principal deles foi vetado pelo Sr. Presidente da República em dezembro de 2007.

Diante das dificuldades inerentes à desaposentação, sua incompreensão, uma vez que os regimes previdenciários são pouco técnicos, complexos, sem muita uniformidade, adotam regimes financeiros e tipo de planos inadequados, o ideal é que a matéria seja regulamentada por lei ordinária.

A Presidência da Republica, à época, vetou o Projeto de Lei que regulamentava a desaposentação usando as seguintes razões (veto publicado no Diário Oficial da União de 14 de janeiro de 2008):

Ao permitir a contagem do tempo de contribuição correspondente à percepção de aposentadoria pelo Regime Geral de Previdência Social para fins de obtenção de benefício por outro regime, o Projeto de Lei tem implicações diretas sobre a aposentadoria dos servidores públicos da União, dessa forma, sua proposição configura vício de iniciativa, visto que o inciso II, alínea 'c', § 1o, art. 61, da Constituição dispõe que são de iniciativa do Presidente da República as leis que disponham sobre tal matéria.

Além disso, o projeto, ao contemplar mudanças na legislação vigente que podem resultar em aumento de despesa de caráter continuado, deveria ter observado a exigência de apresentação da estimativa de impacto orçamentário-financeiro, da previsão orçamentária e da demonstração dos recursos para o seu custeio, conforme preveem os arts. 16 e 17 da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Atualmente, tramitam na Câmara dos Deputados outros projetos de leis com o mesmo desiderato do Projeto de Lei que fora vetado, com correções quanto a alguns aspectos negativos. Um bom exemplo disto é o Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 396/2008 da proposição do Deputado Cleber Verde (PRB/MA).

5.1.3 Doutrina

A doutrina tem discutido os aspectos da desaposentação buscando seus fundamentos e fins. Entretanto alguns salientam a carência do postulado de fundamentos jurídicos, apontam insubsistência aos seus fundamentos, descredenciam a natureza técnica, bem como, inexistência de norma positivada a respeito.

Assim, o papel da doutrina é construir através do embate científico, os fundamentos dos institutos jurídicos, definindo-lhes o campo de aplicação e abrangência, sempre consentâneo com os princípios constitucionais fundamentais.

MARTINEZ (2010, p. 25/26) compendia doutrina nacional, selecionando várias e diversificadas opiniões:

Hamilton Antônio Coelho estudou o tema e perfilhou aqueles que a defendem ("Desaposentação: um novo instituto?, São Paulo: LTr, In: RPS n. 228/1.130). João Batista Damasceno, por ele citado, concordou que deveria haver essa possibilidade ("Renúncia voluntária à aposentadoria, desfazimento de ato administrativo vinculado e definitivo e direito de certidão de tal ocorrência". Rio: RDA n. 211, de jan./mar. de 1998. p. 179/280).

Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari manifestaram-se a favor desse instituto (manual de Direito Previdenciário, 4. ed., São Paulo: LTr, 2000. p. 488).

"Desaposentação e a Nova Aposentadoria" foi o assunto escolhido por Joseval Rodrigues da Cunha Filho (São Paulo:LTr, 2003.RPS n. 274;780).

Társis Nametala Sarlo Jorge desenvolveu-o em seu livro Manual dos Benefícios Previdenciários, Rio: Lumen Juris, 2006.p. 191.

Roberto Luis Luchi cuidou da "Renúncia à aposentadoria", In:Revista ADCOAS Previdenciária de nov./2002.v.35.

O Juiz Federal Marcelo Leonardo Tavares admitiu a desaposentação em seu Direito Previdenciário(6.ed., Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2005.p. 246), levantando parte da doutrina em acórdão por ele proferido na 1ª Turma Recursal do JEF do Rio de Janeiro(ibidem,p.247).

Fábio Zambitte Ibrahim reportou-se ao fato de que a desaposentação "não prejudica o equilíbrio atuarial dos sistemas, pois as cotizações posteriores à aquisição do benefício são atuarialmente imprevisíveis, não sendo levadas em consideração para a fixação dos requisitos de elegibilidade do benefício" (Curso de Direito Previdenciário, 7.ed.Rio de Janeiro: Impetus,2007.p.564/565).

Ivani Contini Bramante acolheu inteiramente essa criação doutrinária e jurisprudencial ("Desaposentação e nova aposentadoria", Rio:RDA, ano XXV, n. 244, mar.01.p.150/51).

Daniel Machado da Rocha e José Paulo Baltazar Júnior ficaram ao lado do instituto técnico (Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social, 2.ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado,2002.p.276/277).

Luciano Dorea Martinez, reportando-se ao acórdão em que foi relator o Juiz Federal João Surreau Chagas, em decisão de 5.6.01, da 6ª Turma do TRF da 4ª Região, in proc. n. 2000.71.00.015111, quando esse magistrado não acolheu a ideia de se visar a aposentadoria no mesmo RGPS, reproduz a ementa em que aceita para emissão de CTC e registra outros acórdãos, especialmente o do Des. Luiz Gonzaga Barbosa Moreira, da 1ª Região, in proc. n. 2002.38020020870/MG, 1ª Turma, in DJU de 3.11.04.

André Santos Novaes voltou ao tema no artigo "Possibilidade de Desaposentação" no livro Temas Atuais de Previdência Social em homenagem a Celso Barroso Leite (São Paulo:LTr, 1998.p. 24/28).

Elsa Fernanda Reimbrecht Garcia foi uma dos poucos a se preocupar com os aspectos atuarias ("Da desconstituição do ato de aposentadoria e a viabilidade atuarial da desaposentação", São Paulo: LTr,2007.In: RPS n. 321/746).

Gisele Lemos Kravchychynt estudou amplamente a propostas em andamento ("Desaposentação- Fundamentos jurídicos, posição dos tribunais e análise das propostas legislativas", São Paulo:LTr,2007.In:RPS n.321/756).

Em seguida MARTINEZ (2010, p. 26) apresenta alguns doutrinadores que de um modo ou de outro se opõem ao instituto da desaposentação:

Lorena de Melo Resende Colnago ficou contra, mas forneceu um conceito doutrinário, ressaltando que, como a aposentação é de interesse público, a desaposentação também tem de sê-lo ("Desaposentação", São Paulo:LTr, In: RPS n. 301/784).

Wilson Teles Macêdo não deixou dúvidas quanto a sua indisposição ("Serviço Público- Aposentadoria- Renúncia", Rio: RDA, n. 210, out/dez. 1997, p. 316). Ele ratificou as conclusões em artigo com igual título, publicado na RPS n. 228/1.130.

Também se opondo, Daniel Pulino alegou inexistir previsão legal, ser a concessão um ato administrativo, lembrando que o tempo considerado por um regime não pode ser considerado por outro. Mas a desaposentação não pretende isso. Sua menção ao contrato de seguro é inadequada, por não se prestar à espécie. A única hipótese que se admite é a ilegalidade da aposentação, mas aí não há desaposentação e sim cancelamento ("Da irreversibilidade das aposentadorias voluntárias do Regime Geral de Previdência Social", São Paulo:LTr, 1998. In: Jornal do 11º CBPS, p. 58).

Como delineado acima, não é consensual, parte apresentando argumentos fortes e contundentes contra o tema, enquanto, a majoritária esforçasse em fundamentá-lo, esboçando seus princípios e definindo seu arcabouço lógico e fático.

5.1.4 Tribunal de Contas

Todas as aposentadorias requeridas no âmbito do Regime Próprio de Previdência da União aplicável aos seus servidores públicos efetivos da União disciplinado pela Lei n.º 8.112/92 estão sujeitas a aprovação pelo Tribunal de Contas da União.

No exercício de suas atribuições fiscalizadoras capituladas no artigo 71 da Constituição Federal de 1988, in verbis, o Tribunal de Contas da União – TCU tem entendido que o direito a desaposentação é inato ao servidor que continua no exercício de uma atividade após a concessão de uma aposentadoria.

Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:

...

III - apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de pessoal, a qualquer título, na administração direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, excetuadas as nomeações para cargo de provimento em comissão, bem como a das concessões de aposentadorias, reformas e pensões, ressalvadas as melhorias posteriores que não alterem o fundamento legal do ato concessório.

MARTINEZ (2010, p. 27) cita a importância do entendimento do Tribunal de Contas sobre o assunto:

Manifestando-se sobre o tema, veja-se a decisão do TCU no Proc. 002.392/81-0, em que foi relator José Antonio B. de Macedo, cuja ementa diz: "1. Aposentadoria. A concessão da aposentadoria em favor de Helena Maria Castro de Souza, a partir de 6.6.80, já foi considerada legal em sessão de 16.1.81 (fls. 15 v.). Trata-se, agora, da renúncia à aposentadoria em causa. Tendo em vista estar a servidora trabalhando em empresa privada, e deseja computar o tempo de serviço público para futura aposentadoria previdenciária. 2. O Direitor-Geral do Departamento de Pessoal do Ministério das Comunicações, através da Portaria n. 1.861/87 (fls. 19), homologou a mencionada renúncia, com efeitos a contar de 1º.1.88".

No Tribunal de Contas da União, com muitos julgamentos favoráveis aos segurados, vem prevalecendo o entendimento de que a renúncia constitui um ato unilateral, em que o direito adquirido e o ato jurídico perfeito representam garantias do detentor do benefício e não do Poder Público.

5.1.5 Jurisprudência

A jurisprudência nacional não compactua um entendimento único e pronto sobre a desaposentação e está longe de alcançar um consenso. Também, não se pode afirmar que há jurisprudência majoritária ou preponderante. Os juízes, os tribunais regionais e os tribunais superiores não pacificaram o tema, de modo que, diuturnamente, na justiça brasileira, o assunto é suscitado e discutido, produzindo-se decisões que chegam a ser diametralmente opostas, antagônicas.

São várias as decisões que envolvem a desaposentação e decidem favoravelmente aos segurados, sendo que algumas foram proferidas há alguns anos e outras recentemente, mais todas busca a assegurar o direito ao exercício da desaposentação com o aproveitamento posterior em uma nova aposentadoria do tempo de contribuição pretérito e que já compôs os requisitos necessários a aposentação anterior, preenchendo-os.

LADENTHIN e MASOTTI (2010, p. 104-106) apresentam as seguintes decisões favoráveis à concessão da desaposentação:

Ementa: Previdenciário. Processual Civil. Natureza da ação. Declaratória e Condenatória. Hipótese de observância do Princípio da fungibilidade. Renúncia à Aposentadoria Previdenciária. Opção para fins de contagem de tempo de serviço no serviço público (art. 202, § 2º, da CF/88). Situação mais benéfica. Direito do segurado. (TRF 5ª R. AC n. 133529-CE. 98.05.09283-6, Relator Juiz Araken Mariz).

A decisão ora transcrita teve o julgamento publicado no Diário da Justiça em 26/06/1998, ou seja, há mais de 12 anos a questão da renúncia a beneficio previdenciário com intenção de obter outro mais vantajoso já estava em discussão.

Referida decisão, proferida pelo egrégio Tribunal Regional Federal da 5ª Região, tornou-se um importante precedente, tratando especificamente de renúncia a beneficio do RGPS para RPPS, cujo objetivo era levar para a aposentadoria no serviço público o tempo trabalhado no regime geral. Naquela época o instituto da desaposentação estava desabrochando.

O Superior Tribunal de Justiça - STJ segue a tendência da pacificação da desaposentação, decidindo reiteradamente em seus julgados pela disponibilidade do direito à desaposentação, convalidando mais uma vez tal entendimento por meio do AGRG-RESP 1.181.333 - (2010/0028122-0) - 5ª T. - REL. MIN. Felix Fischer - DJE 24.05.2010 - p. 821):

É PACÍFICO, NO ÂMBITO DESTE E. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, O ENTENDIMENTO SEGUNDO O QUAL É POSSÍVEL A RENÚNCIA DA APOSENTADORIA PARA FINS DE APROVEITAMENTO DO TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO E CONCESSÃO DE NOVO BENEFÍCIO, SEJA NO MESMO REGIME, SEJA EM REGIME DIVERSO. TAL MEDIDA, ALÉM DO MAIS, NÃO IMPORTA EM DEVOLUÇÃO, PELO SEGURADO, DOS VALORES ANTERIORMENTE PERCEBIDOS.

As cortes judiciárias têm proferido decisões favoráveis à desaposentação usando com fundamento para tais, principalmente, os princípios constitucionais da fungibilidade, do direito adquirido, e, sempre, considerando como direito disponível a renúncia à percepção de proventos de benefícios, especialmente, aposentadorias, assegurando a manutenção do direito ao tempo de contribuição vertido para o Regime de Previdência ao qual estava vinculado o segurado e sua portabilidade para outro regime, a fim de obter-se beneficio mais vantajoso.

No ordenamento jurídico previdenciário existe apenas uma disposição obstativa á desaposentação. O artigo 181-B do Decreto n.º 3.048, de 06 de maio de 1999, in verbis, afirma que as aposentadorias por idade, por tempo de contribuição e especial são irreversíveis e irrenunciáveis: "As aposentadorias por idade, tempo de contribuição e especial concedidas pela previdência social, na forma deste Regulamento, são irreversíveis e irrenunciáveis".

O Regulamento da Previdência Social não poderia dispor desta maneira acerca da irrenunciabilidade, uma vez que, na sua função de regulamentar as leis, no caso as Leis n.º 8.212 e 8.213 ambas de 24 de julho de 1991, não poderia extrapolar os limites impostos por tais leis, só podendo regulamentar o que está contido no texto das leis.

Neste caso, o Regulamento da Previdência Social foi além, exorbitando do poder regulamentar, pois não há nenhuma menção à irrenunciabilidade nas leis previdenciárias. Logo, o Regulamento padece de legalidade, contrariando interesses amparados no principio da dignidade da pessoa humana, valor social do trabalho, bem-estar e justiça sociais.

Neste sentido, LADENTHIN e MASOTTI (2010, p. 108) escrevem:

A recusa pelo ente público, dos pedidos de desaposentação na via administrativa encontra amparo apenas no regulamento, o que não se pode permitir, pois a Administração Pública está adstrita ao Principio da Legalidade. Se não há lei expressa vedando a renúncia, não pode a autarquia fazê-lo com fundamento no regulamento que, neste sentido é ilegal.

A Lei n.º 8.213/91 traz uma disposição vedando a possibilidade do aposentado de se beneficiar de uma nova prestação previdenciária, mesmo que continue trabalhando e contribuindo para o Regime Geral de Previdência Social – RGPS.

O parágrafo segundo do art. 18 da Lei n.º 8.213/91, determina que:

§2º O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social–RGPS que permanecer em atividade sujeita a este Regime, ou a ele retornar, não fará jus a prestação alguma da Previdência Social em decorrência do exercício dessa atividade, exceto ao salário-família e à reabilitação profissional, quando empregado.

Desse modo, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais no julgamento do Processo n. 2007.72.95.00.1394-5, publicado no Diário da Justiça em 10 de junho de 2009, negou pedido de desaposentação, acatando a tese da improcedência do pedido.

Perfilhando o entendimento desta decisão, o ato de desaposentação estaria totalmente vedado pelo ordenamento jurídico previdenciário. Todavia, o art. 18, § 2º da Lei n.º 8.213/91 se refere ao aposentado que voltar a exercer atividade regida pelo Regime Geral de Previdência Social, não se aplicando àquele que aposentado, o deixa de ser por meio da desaposentação, e busca, agora, não mais na situação de aposentado, uma nova aposentação mais vantajosa.

A Justiça Federal tem recebido uma quantidade considerável de processos onde se busca a desaposentação e, em suas decisões, não há, segundo a doutrina de LADENTHIN e MASOTTI (2010, p. 110), consenso:

As decisões de primeira instância têm sido, na sua grande maioria, improcedentes. Os juízes tem entendido incabível a desaposentação, sustentando que a renúncia feriria a isonomia daqueles que optaram por continuar em atividade; ou condicionando a desaposentação à devolução dos valores recebidos pelo segurado enquanto aposentado. Quanto aos Tribunais Regionais Federais, os julgados são divergentes em cada região.

A Justiça Federal demonstra por meio de seus julgados a controvérsia que ainda paira sobre a desaposentação nos termos do acórdão proferido no processo n.º 2008.61.83.011399-0, publicado no Diário da Justiça Federal da 3ª Região - CJ1 em 31 de março de 2011, p. 1.304, estabelece que:

PREVIDENCIÁRIO. DESAPOSENTAÇÃO. RENÚNCIA À APOSENTADORIA PROPORCIONAL PARA SUA SUBSTITUIÇÃO POR OUTRA MAIS VANTAJOSA. CÔMPUTO DE LABOR POSTERIOR À APOSENTAÇÃO. INADMISSIBILIDADE. I - Pedido de desaposentação, consistente na substituição da aposentadoria proporcional por outra mais vantajosa, com o cômputo de período laboral posterior ao afastamento, sem restituição dos proventos percebidos. II - Aposentadoria é benefício previdenciário previsto no artigo 18, inciso I, letra "c", na redação original da Lei nº 8.213/91, cujos requisitos de concessão vêm insertos no art. 52 do mesmo diploma. Possibilidade de aposentação com proventos proporcionais, nos termos do art. 53 da Lei nº 8.213/91. III - Com as alterações da Emenda Constitucional nº 20, de 15.12.1998, benefício passa a ser disciplinado como aposentadoria por tempo de contribuição (art. 201, §7º, inciso I, da Constituição Federal). Regras de transição mantêm a possibilidade de aposentadoria proporcional, observados o requisito etário e o período adicional de contribuição (denominado pedágio). IV - Cabe ao segurado a escolha entre as aposentadorias proporcionais e outra mais vantajosa, com reflexos na renda mensal inicial do benefício. V - Aposentadoria por tempo de serviço é irreversível e irrenunciável, conforme artigo 181-B do Regulamento da Previdência Social, incluído pelo Decreto nº 3.265/99. Afastada possibilidade de substituição do benefício, sem amparo normativo. VI - Regulamento da Previdência não veda a renúncia à aposentadoria de forma absoluta. Dispositivo interpretado à luz do princípio da dignidade humana. Garantia do mínimo existencial ao segurado. Aposentadoria é direito disponível, dado seu caráter patrimonial, e pode ser renunciada pelo titular. Ato (ou seus efeitos) é retirado do mundo jurídico, sem onerar a Administração. VII - Desaposentação não constitui renúncia a benefício previdenciário. Segurado não pretende recusar a aposentadoria, com a desoneração do ente autárquico, mas sim, substituir o seu benefício por outro mais vantajoso. VIII - Restituição dos proventos à Autarquia é insuficiente para deferimento da desaposentação e não integra o pedido inicial. IX - Substituição das aposentadorias denota prejuízo aos segurados que, fiéis à dicção legal, optaram por continuar a laborar, para auferir o benefício mais vantajoso. X - Não prosperam os argumentos da necessária proteção do hipossuficiente e incidência do princípio in dubio pro misero. Aposentadoria proporcional não é lesiva ao beneficiário. Renda mensal reduzida justifica-se pela antecipação do benefício: dispensa de até 5 (cinco) anos de labor e recebimento da aposentadoria por mais tempo. XI - Inobservância do disposto no art. 53 da Lei nº 8.213/91 e art. 9º, § 1º, II, da Emenda Constitucional nº 20/98. Cálculo legal não prevê futuras revisões do coeficiente, atreladas à atividade posterior à aposentadoria. XII - Contribuições previdenciárias pelo aposentado decorrem da natureza do regime, caracterizado pela repartição simples. Labor posterior à aposentadoria é considerado, apenas, para concessão de salário-família e reabilitação profissional, nos termos do art. 18, §2º, da Lei nº 8.213/91 (redação dada pela Lei nº 9.528/97). Aposentado não faz jus ao abono de permanência, extinto pelas Leis nºs 8.213/91 e 8.870/94. Desconhecimento da lei é inescusável. XIII - Ausência de similitude com a reversão de servidores públicos aposentados. Afastada aplicação analógica da Lei nº 8.112/90. XIV - Reexame necessário e apelo do INSS providos. XV - Sentença reformada. XVI - Prejudicado o recurso da parte autora.

Portanto, a desaposentação é um instituto que tem muitos pontos favoráveis, argumentos, doutrinas e jurisprudências, entretanto, talvez pelo fato de sua recente existência no mundo jurídico, sofre, quase que na mesma proporção dos argumentos a seu favor, a oposição de muitos críticos, expressado por meio, principalmente, da doutrina e da jurisprudência nacional.

5.2 CONCEITO DOUTRINÁRIO

A doutrina tenta, a priori, chegar a uma definição consistente e que seja suficiente para abarcar toda a sua amplitude. Neste mister, existem vários conceitos de desaposentação. Para CAMPOS (2009, p. 210), "é o fenômeno pelo qual o aposentado deixa esta sua condição, retornando, ou não, à atividade, de forma a não mais receber proventos decorrentes daquela aposentadoria".

Na visão de LADENTHIN e MASOTTI (2010, p. 60) a desaposentação consiste em: "outro trabalho, entendendo que se trata de renúncia ao beneficio concedido para o tempo de contribuição vinculado a este ato de concessão possa ser liberado, permitindo seu cômputo em novo benefício, mais vantajoso".

Com maior profundidade IBRAHIM (2011, p. 35) define desaposentação como:

A desaposentação seria a reversão do ato que transmudou o segurado em inativo, encerrando, por consequência, a aposentadoria. Aqui tal conceito é utilizado em sentido estrito, como normalmente é tratado pela doutrina e jurisprudência, significando tão somente o retrocesso do ato concessivo do beneficio almejando prestação maior.

IBRAHIM (2011, p. 35), ainda define o instituto da desaposentação:

A desaposentação, portanto, como conhecida no meio previdenciário, traduz-se na possibilidade do segurado renunciar à aposentadoria com o propósito de obter benéfico mais vantajoso, no Regime Geral de Previdência Social ou em Regime Próprio de Previdência Social, mediante a utilização de seu tempo de contribuição. Ela é utilizada colimando a melhoria do status financeiro do aposentado.

O conceito de desaposentação é apresentado por MARTINEZ (2010, p. 38) de forma clara e objetiva, sendo ele o responsável pela criação do tema no ano de 1987, não poderia deixar de formular um conceito que retratasse as nuanças do instituto, e demonstrasse as expectativas com relação ao mesmo.

Basicamente, então, desaposentação é uma renúncia à aposentação, sem prejuízo do tempo de serviço ou do tempo de contribuição, per se irrenunciáveis, seguida ou não de volta ao trabalho, restituindo-se o que for atuarialmente necessário para a manutenção do equilíbrio financeiro dos regimes envolvidos com o aproveitamento do período anterior no mesmo ou em outro de Previdência Social, sempre que a situação do segurado melhorar e isso não causar prejuízo a terceiros.

Guimarães (2006, apud MARTINEZ 2010, p. 39-41) aprimora o conceito delineado para o instituto da desaposentação:

Em sua monografia, Paulo de Tarso Guimarães tem a desaposentação com "o direito ao retorno à atividade remunerada" ("Desaposentação – Conceito, aspectos e possibilidades", São Paulo: EPDS, 2006, p.12). É ideia simplificada decorrente de uma primeira avaliação. De regra, pode dar-se de alguém simplesmente não querer voltar ao trabalho ou já estar trabalhando, eventualmente, no serviço público, e desejar computar o tempo do RGPS no RPPS.   

No dizer de Martinez, a exposição de Paulo de Tarso Guimarães é simples e delimitada, não aplicável a um tema como a desaposentação que contempla várias variantes, não apenas a possibilidade do aposentado retornar a atividade remunerada. Para simplesmente voltar a exercer uma atividade remunerada não seria necessário ocorrer a desaposentação, bastando uma simples renúncia a aposentadoria anterior. Todavia, o retorno à atividade remunerada não é vedado nos regimes previdenciários existentes, salvo para a aposentadoria por invalidez e aposentadoria especial, não podendo o retorno, neste último caso, ocorrer na mesma atividade que gerou o direito a aposentação.

Ainda segundo MARTINEZ (2010, p. 39-41):

Embora focasse mais o servidor, Rodrigo Félix Sarruf Cardoso discorreu amplamente sobre o instituto técnico, dizendo que a "renúncia à aposentadoria consiste na desistência do beneficiário em perceber seus vencimentos de inatividade, sendo, portanto, apenas uma abdicação dos frutos advindos da aposentação", no que estava correto.

Ele conclui: "como tal, é ato privativo de vontade do servidor-renunciante dependendo tão somente da manifestação unilateral do beneficiário, não podendo a Administração Pública obstar essa pretensão. Nessa espécie, o ato administrativo permanece integro em relação ao ente público que o exarou" ("A desaposentação do servidor público: aspectos controvertidos", colhido na internet em 30.09.07).

Sem embargo de não aprovar a ideia, Lorena de Mello Rezende Colnago a define como "tentativa do beneficiário desfazer o ato administrativo de aposentação, com fundamento exclusivo na sua manifestação volitiva, a fim de liberar o tempo de contribuição utilizado na concessão da aposentadoria para que o mesmo possa reutilizá-lo no requerimento de concessão de nova aposentadoria em um regime mais benéfico" ("Desaposentação", São Paulo: LTr, In: RPS n. 301/784).

Como restringe à adoção do instituto técnico ela assevera ser uma tentativa, lembrando as dificuldades operacionais de se obter a desaposentação.

Pois bem, Martinez expõe a conceituação do instituto jurídico formulado por outros dois doutrinadores, destacando a abordagem de cada um, criticando a limitação imposta a desaposentação, por um, e louva a denotação abrangente e incisiva aportado pelo outro. De modo que, a desaposentação é um tema de um conceito doutrinário ainda não acabado, pronto, mas em grande aprimoramento, não se limitando a doutrina apenas a reforçar suas vantagens, mais a criticar suas obscuridades e reivindicar fundamentação para todas as suas peculiaridades.

5.2.1 Distinções entre Institutos Técnicos Administrativos

Torna-se necessário e de muita importância se fazer algumas diferenciações que se avultam sobre o tema, ou seja, distinguir alguns institutos técnicos que podem ser confundidos com o instituto jurídico, que não deixa de ser também um instituto técnico, da desaposentação.

Um pedido de revisão de cálculo da renda mensal inicial, substituição da aposentadoria proporcional pela integral, quando da comprovação de novo tempo de contribuição pelo segurado, reativação da aposentadoria são exemplos de abdicações que não tem o fito da desaposentação, daí ser necessária a distinção entre tais técnicas e a desaposentação.

MARTINEZ (2010, p. 71) enfatiza que "a existência de institutos técnicos administrativos assemelhados ao da renúncia e da nova aposentação seguida à abdicação e que lembram a desaposentação induzem pequenas confusões semânticas". Expondo a necessidade de se promover as distinções e apresenta vários exemplos de institutos que poderiam causar pequenas confusões, tais como: a cessação natural da aposentadoria, conversão de benefício, opção do titular, suspensão e cancelamento, reversão do aposentado e outros.

É de bom alvitre se fazer a distinção entre renúncia e desaposentação, segundo LADENTHIN e MASOTTI (2010, p. 68/69):

Na renúncia, o segurado opta em não receber mais os proventos de aposentadoria, bem como de não de utilizar do tempo de serviço computado para a concessão desta.

Já na desaposentação, o segurado abdica apenas dos proventos de aposentadoria, mas não do direito de utilizar os períodos de trabalhos anteriores à aposentação para somá-los aos períodos posteriores. Neste caso a renúncia seria parcial, pois a pretensão é renunciar à aposentadoria atual, mas somar todo o tempo de contribuição, a fim de obter nova contagem e novo cálculo de aposentadoria.

Seguindo nesta linha, a desaposentação não deve ser confundida com a figura da conversão de benefício, ou seja, o auxílio-doença, diante da possibilidade de não recuperação do segurado, poderá ser convertido em aposentadoria por invalidez. Deste modo, com afirma MARTINEZ (2010, p. 73) "o término das mensalidades de um benefício seguido de outro, ipso facto não quer dizer renúncia do primeiro, mais apenas mudança técnica".

MARTINEZ (2010, p. 76/77), também diferencia os institutos técnicos da reintegração e da revisão e incorporação com a desaposentação.

Se o servidor se aposentou e mais tarde essa jubilação foi justificadamente cessada (por exemplo, porque não tinha o tempo de serviço), não há desaposentação; se ele consegue desfazer essa cassação, tem-se a reversão.

A desaposentação pouco tem a ver com a revisão de cálculo da renda inicial ou mantida (para a qual subsiste prazo de dez anos) ou com a tentativa de inclusão das contribuições vertidas após a aposentação de quem continuou trabalhando e contribuindo. Nem mesmo se constitui na intenção de superar os dez anos da decadência do direito de revisão.

A desaposentação pressupõe regularidade, legalidade e legitimidade do cálculo da renda inicial, descabendo, portanto, na hipótese a sua revisão.

Isto posto, não cabe confundir nem cogitar a não distinção da aposentação com os institutos técnicos administrativos citados, uma vez que, aquela é um instituto jurídico autônomo, com características próprias, buscando sempre o cômputo do tempo de contribuição pretérito, juntamente com um novo tempo contributivo, renunciando-se apenas as parcelas de uma prestação previdenciária pré-concedida, no afã de uma melhor aposentação.

5.3 NATUREZA TÉCNICA

A desaposentação é instituto jurídico que se relaciona diretamente com o direito a aposentação, uma vez que este implica o direito do trabalhador/contribuinte/segurado reivindicar a seu favor a remuneração da inatividade, enquanto aquela, ou seja, a desaposentação, significa o direito de abrir mão dessas verbas objetivando melhor vantagem pecuniária.

A natureza técnica da desaposentação implementa-se por meio da sua operacionalização, significando a possibilidade jurídica da renúncia a uma aposentadoria para cômputo do tempo de contribuição pretérito juntamente com o novo período contributivo com o desiderato de obtenção de aposentadoria mais vantajosa economicamente.

5.3.1 Direito Subjetivo

A filiação a um regime previdenciário ocorre de forma compulsória por meio do exercício de uma atividade remunerada. Logo, a pessoa que exerce uma atividade remunerada é considerada como contribuinte, nesta condição, é por consequência, detentora do direito de auferir, quando preenchidos os requisitos, de suas contribuições dantes compulsoriamente vertidas.

O ato de gozar de suas contribuições vertidas constitui-se no exercício, segundo MARTINEZ (2010 p. 48) do "direito subjetivo do segurado de ter de volta a reserva técnica das contribuições pessoais".

Por seu turno, a desaposentação, doutrinariamente definida como sendo o ato de se aposentar novamente no mesmo regime previdenciário ou não, computando-se o tempo de contribuição já utilizado na aposentação anterior, exigindo-se como pressuposto o ato unilateral de renúncia da prestação anterior, constitui-se em direito subjetivo do segurado.

5.3.2 Imprescritibilidade do Direito

A legislação previdenciária impõe condições ou requisitos mínimos para que o segurado possa passar a contar com o direito de exercitar o requerimento a uma prestação previdenciária. A título exemplificativo, o segurado para fazer jus a aposentadoria por tempo de contribuição integral deverá preencher os requisitos de tempo de contribuição e carência, mínimos, ou seja, deverá contribuir, no mínimo, se homem, trinta e cinco anos, e ter carência mínima quinze anos. Para a mulher, exige-se além da mesma carência, tempo de contribuição de trinta anos.

Logo, se o segurado preencher esses requisitos, ditos mínimos, passa a ter o direito de exercer, a qualquer momento, sua aposentadoria por tempo de contribuição integral. No entanto, se pretender continuar trabalhando ou por qualquer outro motivo não quiser exercê-lo naquele momento, jamais poderá ser constrangido a fazê-lo, pois trata de direito subjetivo e imprescritível, podendo requerer a aposentadoria quando entender conveniente.

MARTINEZ (2010, p. 51) correlaciona a imprescritibilidade do direito a aposentadoria com a imprescritibilidade do direito a desaposentação:

O direito ao beneficio é imprescritível, querendo-se dizer que a qualquer momento o seu titular pode solicitá-lo. Pressupõe, também, a faculdade de não fazê-lo, vale dizer, deixar de se aposentar quando da reunião dos pressupostos.

Da mesma forma, não há termo para o pedido de desaposentação; a qualquer momento, o titular desse direito instruirá o pedido.

Contudo, se o direito a aposentadoria é imprescritível, a desaposentação também é um direito imprescritível. O segurado, já aposentado, que pretender se desaposentar em face de uma nova aposentadoria mais vantajosa, computando todos os tempos de contribuição, conquistados antes ou depois da primitiva aposentação, poderá assim, proceder a qualquer tempo, pois o referido direito é imprescritível.

5.4 CARACTERÍSTICAS BÁSICAS

O trabalhador, contribuinte de um Regime Previdenciário, após preencher os requisitos para obtenção de uma aposentadoria, em se tratando especialmente de aposentadorias como a por Tempo de Contribuição, Idade e Especial, posto que a Aposentadoria por Invalidez é concedida em virtude de um fato alheio a vontade do segurado, passam a integrar o patrimônio do segurado como um direito exercitável a qualquer momento.

A aposentadoria, após sua concessão, passa a ser um direito patrimonial disponível, ou seja, o seu titular pode dispor desse direito da maneira que lhe for mais favorável, considerando a natureza da verba previdenciária, exigindo para tanto o atendimento dos ritos de um procedimento.

MARTINEZ (2010, p. 45) afirma que:

Em face das enormes consequências que advêm da desistência de uma prestação previdenciária, geralmente responsável pela manutenção da pessoa humana, o procedimento exige certa estrutura técnica e o processo apresenta características ressaltáveis, muitas das quais bastante evidentes.

Outra característica importante, além do desfazimento ou alteração do ato de aposentação, ou seja, alteração de um ato jurídico do presente constituído no passado, é a perspectiva de mudança no futuro. O segurado abdica do direito de continuar recebendo os proventos da aposentadoria com o objetivo de conseguir uma melhor aposentadoria, computando para tanto um novo período contributivo, vertido posteriormente à concessão da aposentadoria primitiva com salários-de-contribuições maiores, o que gerará um salário de benéfico melhor.

5.4.1 Desconstituição de Ato

O ato de desaposentação exige a desconstituição do ato anterior de concessão da aposentação primitiva, ou seja, o segurado requer junto ao Regime Previdenciário ao qual está ligado, o desfazimento do ato que concedeu sua aposentadoria para novo aproveitamento do tempo de contribuição.

Como existem direitos renunciáveis, a aposentadoria também é um deles, e quando o objetivo principal do segurado for buscar melhores condições de vida, por meio de uma aposentadoria mais vantajosa, ele tem o direito de desistir do seu direito adquirido.

IBRAHIM (2011, p. 49) assevera:

Sem embargo da necessária garantia ao ato jurídico perfeito ao direito adquirido, não podem tais prerrogativas constitucionais compor impedimentos ao livre exercício do direito. A normatização constitucional visa, com tais preceitos, assegurar que direitos não sejam violados, e não limitar a fruição dos mesmos. O entendimento em contrário viola frontalmente o que se busca na Lei Maior.

Segurança jurídica, de modo algum, significa a imutabilidade das relações sobre as quais há a incidência da norma jurídica, mas, sim a garantia da preservação do direito, o qual pode se objeto d renúncia por parte de seu titular em prol de situação mais benéfica.

MARTINEZ (2010, P. 63), com maestria, pontua a renúncia como:

Com a renúncia opera-se o desfazimento de um ato regular antes praticado, que somente pode ser produzido por quem for capaz para isso na Administração Pública.

Não se trata de anulação nem d nulidade, porque a concessão observava as regras legais e caracterizava o ato jurídico perfeito. Está-se diante da constituição de um novo status jurídico: de desaposentado. Ao qual, se assim regulado, poderá corresponder a um título formal.

O desfazimento da concessão, como enfatizado, implica na renúncia ao recebimento dos proventos de aposentadoria; todavia, em se tratando de desaposentação, a desconstituição do ato de aposentação é apenas um dos itens a ser preenchimento no iter procedimental. A busca por uma melhor aposentadoria atende normas do direito previdenciário procedimental, implicando em expedientes internos formais e com reflexos no mundo exterior ao regime de origem.

5.4.2 Reedição do Pedido

O segurado que pretender a desaposentação, exercendo o direito de renúncia, estará fazendo uma opção retratável, pois, se por qualquer motivo, verificando que não há vantagem na nova aposentação poderá requerer uma aposentadoria nos moldes da anterior.

Nestes termos LADENTHIN e MASOTTI (2010, p. 90/91) alertam:

É imprescindível calcular o valor da "nova" aposentadoria para verificar se o segurado terá efetivamente vantagem financeira ao requerer a desaposentação.

Se houve a continuidade do mesmo contrato de trabalho ou outro contrato, cujo a remuneração tenha sido igual ou superior ao que vinha recebendo quando se aposentou, é muito provável que a desaposentação será vantajosa.

Entretanto, se o segurado voltou a trabalhar ganhando menos, ou deixou de contribuir por muito tempo, ou ainda tem uma idade baixa, cujo fator previdenciário ainda seja determinante, é possível que a desaposentação seja prejudicial.

Deste modo, a reedição de pedido trata, basicamente, da possibilidade do segurado de voltar a perceber os rendimentos de aposentadoria concedida com base nos preenchimentos dos requisitos da anterior, renunciada em virtude da desaposentação que se mostrou não vantajosa. Como, após os preenchimentos dos requisitos para obtenção de aposentação, esse direito passa a ser adquirido, então, a reedição de pedido é perfeitamente possível.

Neste sentido corrobora MARTINEZ (2010, p. 64): "O desaposentante tem direito de retornar à situação de aposentado, renunciando, por sua vez, à desaposentação, que apenas significará o restabelecimento dos pagamentos mensais", evidenciando o que perfilha a doutrina acerca do assunto, entendendo não existir nenhum óbice ao retorno da fruição da aposentadoria anterior.

A doutrina sustenta a possibilidade do segurado que, não obtendo sucesso na desaposentação, possa retornar aos termos da aposentadoria anterior, solicitando a concessão de uma aposentadoria nos moldes da que dantes gozava.

5.5 PRESSUPOSTOS LÓGICOS

A desaposentação, apesar de ser um instituto jurídico que carece de reconhecimento, de forma unânime, pela doutrina, ser acolhido internamente pela Administração Pública e homologado pela Justiça, apresenta seus pressupostos bem definidos.

A vontade do segurado é indispensável, sem o consentimento do mesmo ou iniciativa, não se cogita em desaposentação, bem como, a existência de um direito previdenciário eficaz, ou seja, uma aposentadoria a qual preencheu todos os requisitos legais, um ato jurídico perfeito.

5.5.1 Desistência Formal e Declaração de Desaposentação

O segurado manifestará sua vontade sem nenhum vício e, em seguida, o órgão responsável pela administração do Regime Previdenciário a que estiver filiado o segurado, emitirá um documento declarando a desaposentação do mesmo, a fim de que o ato produza os efeitos práticos e jurídicos.

MARTINEZ (2010, p. 45) afirma que:

Uma característica comum a muitos institutos jurídicos previdenciários é a titularidade. Somente quem detém o direito à aposentadoria pode dela desistir.

O gesto é espontâneo e ninguém será forçado a ele.

Ainda que seja qualquer, terá de haver motivação.

A aposentação constitui-se no direito do trabalhador que após preencher os requisitos, exerceu-o, buscando a contraprestação à exação previdenciária sofrida pelo mesmo enquanto em atividade. Deste modo, como a aposentadoria está inserida na órbita patrimonial do segurado, constituindo-se direito seu e unicamente o segurado pode manifestar vontade de renunciá-la.

Como a desaposentação tem como pressuposto lógico a renúncia do direito de receber as mensalidades de um beneficio regularmente deferido, será necessária a desistência formal por parte do segurado do beneficio em usufruto.

André Santos Novaes (1997, apud MARTINEZ, 2010, p. 59), enfatiza:

Para André Santos Novaes, a disponibilidade não se refere ao direito à aposentadoria em si mesma irrenunciável, mas ao pagamento das mensalidades, que ele chama de proventos. O direito ao beneficio é de ordem pública, cuja disposição está nas mãos apenas do legislador. Ainda que importante a expressão monetária das mensalidades, o que revela é o direito ao beneficio. Ele é irreversível, o que cessarão são os pagamentos ("A desaposentação é possível?", São Paulo: Tribuna do Direito n. 346, fev. 1997).

O segurado renuncia de modo formal, numa atitude totalmente volitiva, sem vícios, as prestações do benefício anterior, buscando autorização administrativa para refazer, usando novas contribuições, os cálculos para uma nova aposentação. Usará novos salários-de-contribuições no afã de melhor salário de benefício.

5.5.2 Restabelecimento do Equilíbrio

O restabelecimento do equilíbrio refere-se à possibilidade do segurado ter que devolver ou não os valores recebidos na aposentadoria anterior.

LADENTHIN e MASOTTI (2010, p. 96) fazem duas perguntas contundentes sobre o instituto: "Deve ou não haver devolução dos valores havidos pelos segurados para permitir a desaposentação? Há infringência ao equilíbrio financeiro e atuarial do sistema previdenciário com a desaposentação?".

André Cazu (2007, apud LADENTHIN e MASOTTI, 2010, p. 96) assim define:

Diferencia os dois institutos entendendo que equilíbrio financeiro são as reservas matemáticas efetivamente constituídas, para que sejam suficientes a garantir os ônus jurídicos das obrigações assumidas presentes e futuras; enquanto que equilíbrio atuarial seriam as ideias matemáticas, tais como taxas de contribuição, expectativa média de vida, etc. ("Revista da Previdência Social – RPS, a. XXXI, n. 324, nov./2007").

Deste modo, a grande perquirição que se faz no ato da desaposentação é se o segurado que por alguns anos usufruiu das prestações previdenciárias de uma aposentadoria legitimamente concedida, e, neste período continuou trabalhando e contribuindo, terá que devolver as prestações recebidas se pretender usar o tempo de contribuição primitivo, uma vez que esse referido período fora usado na determinação da renda inicial da aposentadoria originária.

MARTINEZ (2010, p. 59) assevera a necessidade de devolução:

Olvidando-se o regime financeiro de repartição simples, que permeia o RGPS e o RPPS, de regra, para que a desaposentação seja sustentável do ponto de vista técnico do seguro social e atenda aos seus objetivos, é imprescindível o restabelecimento do status quo ante. De modo geral, não subsiste esse efeito gratuitamente; a relação jurídica ai presente não prescinde de fundamentos econômicos, financeiros, e atuários de um plano de benefícios.

Por sua vez, IBRAHIM (2011, p. 66) adota posição contrária, considerando o modelo adotado para os Regimes Previdenciários brasileiros:

Em razão de tais premissas, além do evidente caráter alimentar do beneficio previdenciário, não se deve falar em restituição dos valores recebidos no caso de desaposentação, sendo tal desconto somente admissível em regimes de capitalização individual pura, o que inexiste no sistema previdenciário público brasileiro, seja no RGPS ou em regimes próprios de previdência.

LADENTHIN e MASOTTI (2010, p. 97) concluem:

Entendemos que não há que se falar em desequilíbrio financeiro e atuarial com a desaposentação visando um melhor beneficio. Muito pelo contrário! Os segurados realizaram suas contribuições e obtiveram a concessão da tão sonhada aposentadoria. Com a continuação da atividade laboral e, consequentemente, com pagamento compulsório das contribuições, eles verteram ao sistema valores que não estavam previstas.

Ainda, não existe posição doutrinária definida ou majoritária sobre a desaposentação. Os doutrinadores contrários a devolução dos valores quanto os favoráveis justificam com argumentos fortíssimos suas posições, ocasionando o surgimento de jurisprudência no mesmo sentido. As decisões do judiciário são em geral pela procedência do pedido de desaposentação, todavia, oscilam quanto ao a devolução ou não.

5.5.3 Motivação Específica

A desaposentação tem como sua maior e quase exclusiva motivação o fato do segurado poder buscar auferir rendimentos da inatividade mais vantajosos pecuniariamente. O segurado como motivação específica o preenchimento das condições que asseguram o direito a uma nova aposentadoria mais vantajosa, no mesmo ou em outro regime previdenciário.

MARTINEZ (2010, p. 60) enfatiza:

O escopo da desaposentação é amplo: a) a priori – sociologicamente deixar de ser aposentado, sem importar o que isso signifique pessoalmente; b) voltar a trabalhar, contribuir e novamente se aposentar no mesmo regime; c) renunciar, obter a CTC e se jubilar logo ou depois em outro regime. Em suma, em todos esses casos, melhorar a situação.

LADENTHIN e MASOTTI (2010, p. 72) corroboram:

A busca pela desaposentação é a busca por um melhor benefício previdenciário. Ela acontece principalmente quando o valor do beneficio recebido pelo aposentado já não é mais suficiente para que este mantenha seu padrão de vida habitual. Não necessariamente o mesmo padrão de vida que tinha antes da aposentadoria, mas aquele conquistado inicialmente, no momento da concessão de seu beneficio, condizente com o valor dos salários-de-contribuição vertidos ao sistema; e, posteriormente, com a continuidade no mercado de trabalho.

O motivo específico para a busca da desaposentação é a melhora das condições de vida do segurado por meio da melhora do salário de beneficio a que faz jus. Não é objetivo da desaposentação querer se auto-prejudicar ou prejudicar terceiros; esses não passam de interesses míopes e desprovidos de fundamentação sócio-jurídica. A desaposentação sempre pretende algo melhor, ou seja, tenta alcançar melhoria para os proventos da inatividade através da adição de novo período contributivo.

5.5.4 Ausência de Prejuízo

Uma das grandes tormentas da desaposentação é a possibilidade do ato de desfazimento da aposentação causar prejuízos ao regime previdenciário ao qual o segurado está vinculado usufruindo das parcelas do beneficio. É consenso no meio doutrinário que o ato de desaposentação não poderá acarretar prejuízos ao regime, todavia, discordam da maneira de proceder para se evitar o ônus ao regime que arca com a desaposentação.

MARTINEZ (2010, p. 61) se posiciona a favor da devolução de todos os valores recebidos pelo desaposentado a título de salário de benefício da aposentadoria abdicada:

O desfazimento do ato administrativo da aposentação não pode causar prejuízos para o plano de benefícios do RGPS ou do RPPS, na regulamentação do assunto, convindo ouvir as ponderações de um atuário. Ele implica em custos internos que, de lege ferenda, poderiam ser cobrados.

Por isso a ideia de que a renúncia tem de estabelecer o status quo ante e posicionar o segurado como se ele não tivesse se aposentado.

Por sua vez, IBRAHIM (2011, p. 60) não admite prejuízos para o regime de origem do desaposentado, entretanto, repudia a ideia de devolução de valores no intuito de não causar prejuízos, ou seja, para ele a desaposentação não causa prejuízos.

Partindo-se de uma análise perfunctória da questão, é comum adotar-se a posição da plena restituição dos valores já recebidos, em obediência ao equilíbrio financeiro e atuarial do sistema protetivo, o que, na prática, acaba por inviabilizar o instituto.

Todavia, sendo o regime financeiro adotado o de repartição simples, como nos regimes previdenciários públicos em nosso país, não se justifica tal desconto, pois o beneficio não tem sequer relação direta com a cotização individual, já que o custeio é realizado dentro do sistema de pacto intergeracional, com a população atualmente ativa sustentando os benefícios dos hoje inativos.

Assim como a doutrina, a jurisprudência também oscila em suas decisões ora opinando pela restituição total dos valores, ou parcial, e, no outro extremo, asseveram-se as posições contrárias às restituições valores, argumentando que a desaposentação não causa prejuízos ao sistema previdenciário do desaposentando, uma vez que, como IBHAHIM (2011. p. 60), afirmam não ser possível restituição num sistema previdenciário de repartição simples.

5.6 OBJETIVOS

O objetivo da desaposentação não é outro se não a busca por um benefício mais vantajoso. O segurado, já aposentado, continua a exercer atividade remunera que o liga a um dos regimes previdenciários existentes atualmente no Brasil. Contribuindo mensalmente, vislumbra a possibilidade de usar esse novo período contributivo, podendo ser através de melhores salários-de-contribuição, na formulação de um novo pedido de aposentadoria com melhores remunerações para a inatividade.

5.6.1 Direito a um Benefício mais Vantajoso

O segurado que mesmo aposentado continua a exercer atividade remunera, contribuindo para o regime previdenciário vinculante, tem direito subjetivo a uma nova aposentação em novas bases de cálculo do salário de beneficio.

O Regime Geral de Previdência Social, como visto alhures, veda a possibilidade de o aposentado que voltar a contribuir se aposentar pelo simples preenchimento dos requisitos para outra aposentação em atendimento as normas que impossibilitam a cumulação de benefícios no mesmo regime previdenciário.

Todavia, em se tratando de desaposentação, o segurado abdica das prestações da aposentadoria a fim de usar o período contributivo pretérito, computando-o com o novo período no afã de obter melhor salário de benéfico em outra aposentação, dita mais vantajosa.

O Plano de Benefícios da Previdência Social – PBPS, instituído por meio da Lei n.º 8.212/91, previa em sua redação original, artigo 122, revogado pela Lei n.º 9.032, de 1995, que:

Se mais vantajoso, fica assegurado o direito à aposentadoria, nas condições legalmente previstas na data do cumprimento de todos os requisitos necessários à obtenção do benefício, ao segurado que, tendo completado 35 anos de serviço, se homem, ou trinta anos, se mulher, optou por permanecer em atividade.

Mesmo a norma tendo sido revogado, para os doutrinadores defensores da desaposentação remanesce o direito. Neste interim afirma MARTINEZ (2010, p. 93):

Em um universo em que as pessoas buscam as prestações da seguridade social para deterem os meios habituais de subsistência e se regozijarem quando alcançam a desejada aposentadoria, em certo sentido importa saber o motivo pelo qual elas pretendem desfazer o ato de deferimento do beneficio. Evidentemente, a maioria dos que pensam assim tem por escopo uma nova aposentação, desfrutar de melhores instrumentos de subsistência.

Esta centelha também é defendida por LADENTHIN e MASOTTI (2010, p. 67):

Neste sentido, o segurado aposentado com uma renda muito inferior ao efetivamente contribuído é obrigado a voltar ao mercado de trabalho e, consequentemente, a contribuir para o sistema. A renúncia e a busca por nova aposentadoria mais vantajosa é a única saída viável ao segurado, pois esta prestação previdenciária está lhe sendo um estorvo e não efetivamente um benefício, agravado pela continuidade das contribuições compulsoriamente, sem que tenha direito aos benefícios como qualquer outro segurado que contribui.

IBRAHIM (2011, p. 70/71) é contundente:

Ademais, não se pode alegar ausência de previsão legal para o exercício das prerrogativas inerentes à liberdade da pessoa humana, pois cabe a esta, desde que perfeitamente capaz, julgar a condição mais adequada para sua vida, de ativo ou inativo, aposentado ou não aposentado. O princípio da dignidade da pessoa humana repulsa tamanha falta de bom senso, sendo por si só fundamento para a reversibilidade plena do benefício.

A exposição da doutrina alhures é firme e incisiva, indicando que o segurado sempre terá direito a uma aposentadoria mais vantajosa, pois os princípios constitucionais alvitram maior força normativa que as normas infraconstitucionais que tratam da previdência social brasileira.

Os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e do bem-estar asseguram, acima de qualquer preceito normativo, o usufruto dos direitos por parte da pessoa que os ostenta, mesmo que haja lei infraconstitucional dispondo contrariamente, como é o caso em comento.

5.7 ATUALIDADE E TENDÊNCIAS

A desaposentação é relativamente recente considerando-se o grande lapso que em geral os institutos jurídicos levam para amadurecerem. São muitos os obstáculos e dúvidas que atualmente pairam ou circundam a desaposentação. A doutrina desenha as nuanças da desaposentação com base em princípios de ordem pública, tais como o princípio da dignidade e do bem-estar.

O Poder Legislativo brasileiro busca normatizar o instituto, todavia, em tentativas pretéritas esbarrou no veto do executivo, que sem reservas, impediu que viesse ao mundo jurídico um disciplinamento sobre o assunto sob o pretexto que era algo inviável para a vida previdenciária brasileira e seria mais um fator de déficits nos orçamentos pertinentes e alegou, também, e principalmente, vício de iniciativa.

O judiciário se depara com processos que buscam a solução de um litígio instaurado com os regimes previdenciários, que a priori, negam todo e qualquer pedido de desaposentação. Diante da morosidade do Poder Legislativo e da resistência do executivo, tem sido o judiciário o único poder a enfrentar a desaposentação com maior peculiaridade, mesmo que não seguindo uma linha de decisão uniforme.

MARTINEZ (2010, p. 27) enfatiza que "o direito à felicidade é maior que o Direito. Destarte, é possível desaposentar de beneficio por incapacidade, tema, aliás, às vezes confundido com a cessação natural, após uma alta médica, transformação em outro benefício ou opção"

Neste mesmo sentido, IBRAHIM (2011, p. 103) escreve:

O debate afeto à desaposentação tem evoluído nos últimos anos a ponto de propiciar novas reflexões e alguns aprofundamentos sobre o tema. Pessoalmente, ao elaborar curta monografia sobre o instituto, não imaginei que o assunto fosse ganhar tamanha notoriedade, até pela ausência de ineditismo, já que a desaposentação, eventualmente, era mencionada em alguns eventos acadêmicos.

No entanto, por falta de bibliografia mais direcionada, a matéria, até então relegada a alguns círculos acadêmicos, ganhou espaço entre os profissionais da área e tornou-se assunto da hora, ocupando inúmeros painéis em congressos e seminários de todo o país.

Contudo, segundo IBRAHIM (2011, p. 103), a desaposentação é objeto de publicações, favoráveis e contrárias, mais que o expõem, com técnica e propriedade jurídica. Dessa forma, a desaposentação ganha, cada vez mais, os contornos de um instituto de relevância social e jurídica que precisa ser discutido sob os moldes dos fundamentos constitucionais. O regramento infraconstitucional que sofre o instituto da desaposentação não é credenciado a sobejar o objetivo primordial da convivência humana em sociedade, o bem-estar. E, se o bem-estar de um aposentado passa pela necessidade de buscar melhores condições de vida, certo é que lhes são asseguradas garantias constitucionais que o favorecem na busca pela desaposentação.

Portanto, a desaposentação tende a continuar sendo alardeada e objeto de discussão dos círculos acadêmicos, principalmente, naqueles voltados ao estudo do direito previdenciário. Como um direito fundamental e em atendimento aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e bem-estar social, sem contrariar a legalidade a que está adstrita a Administração Pública, o instituto da desaposentação fará parte da pauta dos Poderes Constitucionais (Legislativo, Executivo e Judiciário) ainda com maior persistência.


6 CONCLUSÃO

A partir do conhecimento normativo da Previdência Social, possibilitou o estudo do protetivo ou securitário brasileiro, definindo-o e conhecendo a abrangência e, por consequência, as limitações do mesmo.

Os princípios da Previdência Social, que ostentam posição constitucional, são as diretrizes fundamentais de todo o sistema, portanto, mister se fez conhecê-los, uma vez que a desaposentação esposa-se em alguns desses princípios para expandir suas raízes e coaduna-se com todos, sem contrariar um que seja.

O instituto da desaposentação pode ocorrer entre regimes previdenciários diferentes ou na órbita de um mesmo regime previdenciário; para o descortinamento do tema e desenvolvimento de suas nuanças, tornou-se vital conhecer os regimes previdenciários obrigatórios existentes atualmente no sistema de previdência brasileiro, enfocando principalmente o Regime Geral de Previdência Social e os Regimes Próprios de Previdência Social destinados, respectivamente, aos trabalhadores em geral e aos servidores públicos efetivos dos entes federados.

O Regime Geral de Previdência Social – RGPS é o maior regime previdenciário, o mais normatizado e o que, devido ser administrado pela União, se opõe vorazmente ao instituto da desaposentação. Conhecendo os segurados do RGPS permitiu delinear quais os possíveis destinatários da desaposentação, identificando-os com as prestações oferecidas pelo mesmo regime. Ou seja, um aposentado por tempo de contribuição, bem como, aposentados por idade e detentores de aposentadorias especiais administradas pelo Regime Geral, podem continuar contribuindo após a aposentação e depois, se mais vantajoso, buscar a desaposentação neste mesmo regime se continuaram a exercem atividade que os filiam compulsoriamente a este regime.

O segurado aposentado no Regime Geral pode desaposentar-se, com aproveitamento do tempo de contribuição, logo emissão da Certidão de Tempo de Contribuição – CTC por parte da autarquia previdência, para averbação do respectivo tempo no regime previdenciário a que está vinculado o segurado naquele momento, que, via de regra, é um regime próprio de um dos entes federados, obtendo uma aposentadoria mais vantajosa.

O Regime Geral de Previdência Social – RGPS é regulamente por meio das leis infraconstitucionais de números 8.212 e 8.213, ambas de 24 de julho de 1991, sendo as mesmas regulamentadas através do Decreto n.º 3.048/99, com inúmeras alterações posteriores. Foi por intermédio desses instrumentos normativos do RGPS que se demonstrou a aversão deste regime ao tema da desaposentação, inclusive com disposições regulamentares exorbitando da função regulamentar proposta na Constituição Federal de 1988.

É consenso doutrinário e postulado do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS que todo pedido de desaposentação protocolado junto as suas agências tem que ser indeferido de qualquer jeito, revelando a posição adotada por este regime acerca do assunto e assevera-se que, em sede de ação judicial, usará como principais motivos a justificar o ato indeferitório: Ato jurídico perfeito (art. 5º, XXXVI); benefício irreversível e irrenunciável; ausência de previsão legal; art. 96, III, da Lei 8.213/91; princípio da solidariedade; segurado optou pela renda menor, mais receberá por mais tempo.

Neste sentindo o regulamento da previdência social, com evidente conteúdo praeter legem, aprovado pelo Decreto nº 3.048/99 no art. 181-B, prevê que as aposentadorias por idade, tempo de contribuição e especial são irreversíveis e irrenunciáveis na forma desse regulamento. Essa citação demonstra que o Regime Geral de Previdência Social tenta a qualquer custo desestimular a busca da desaposentação pelos segurados aposentados sob a égide de suas regras.

Nos regimes próprios de previdência dos servidores públicos efetivos também não há consenso, imergindo o tema em vários obstáculos, dentre eles a falta de previsão legal e o ato jurídico perfeito.

São vários os motivos que a Administração Pública aponta para não conceder administrativamente a desaposentação. Um motivo é porque não tem previsão legal, tanto no RGPS, quanto no RPPS, logo, não há como conceder pedido neste sentido em observância ao principio da legalidade (CF, art. 37). Outro motivo se fundamenta no ato jurídico perfeito, pois uma vez concedida a aposentadoria, ela se tornaria irreversível por garantia da segurança jurídica (CF, art. 5º, XXXVI).

Na construção normal dos postulados da desaposentação tornou-se necessário refutar tais argumentos com ponderações jurídicas pertinentes. Neste Comenos, é de bom alvitre lembrar que as prerrogativas constitucionais não podem ser utilizadas contra as pessoas que são objeto da salvaguarda constitucional e que a vedação no sentido da impossibilidade da desaposentação é que deveria constar da lei. A sua autorização é presumida, desde que não sejam violados outros preceitos legais ou constitucionais.

O direito a Previdência Social e o direito à aposentação, depois de preenchidos os requisitos legais, são direitos fundamentais. A aposentação é um direito com previsão constitucional e, como enfocado, na desaposentação, ocorre a abdicação dessa aposentadoria com vistas a uma nova, mais vantajosa.

Isto posto, fora necessário estudar a natureza jurídica do ato concessivo da aposentadoria, para fixar-se as bases da desaposentação, que pressupõe renúncia prévia da aposentadoria em gozo. A desaposentação não é o oposto da aposentação, como de início pode parecer; ao contrário, a desaposentação é um procedimento desencadeado por meio de vários atos e um desses atos é a renúncia aos proventos da aposentadoria anterior para aproveitamento do tempo de serviço pretérito na concessão da nova aposentação.

A importância da aposentadoria para a vida de um segurado é inquestionável, principalmente em se tratando de aposentados pelo Regime Geral de Previdência Social – RGPS, que, em geral, são trabalhadores que estavam envolvidos em atividades econômicas que asseguravam aos mesmos, condições de sustento por meio de tal rendimento. Como os proventos de aposentadoria são substitutivos dos rendimentos da atividade, abdicar de tais rendimentos implica abdicar da verba alimentar, que muitas vezes é a única e exclusiva fonte de manutenção.

A desaposentação, para muitos, seria um sacrifício muito grande, pois teriam que prescindir, mesmo que provisoriamente, da sua fonte de renda para buscar algo melhor. É justa e legítima a busca pela desaposentação considerando-se que a melhora no rendimento mensal assegura melhores condições de vida, de sociabilidade e bem-estar.

O segurado aposentado que continuar ou voltar a exercer atividade que o filie ao Regime Geral de Previdência Social – RGPS, na condição de segurado obrigatória será compelido a contribuir. Essa disposição está e é norma basilar da legislação que disciplina o RGPS brasileiro; é uma norma justa, consentânea com a política adotada para financiamento do sistema, sendo de bom grado que quem trabalhe, contribua para manter o equilíbrio do sistema e atenda ao princípio da solidariedade, principal princípio previdenciário, aplicável não só ao Regime Geral, mais a todos os outros regimes previdenciários existentes.

O que não é justo é o que se dispõe na sequência sobre as contribuições daqueles que mesmo aposentados continuam contribuindo. Não poderão se beneficiarem dessas novas contribuições para obtenção de uma nova aposentadoria ou até mesmo melhoria da existente, uma vez que são irrenunciáveis e irreversíveis.

É norma de clarividente e flagrante vício de ilegalidade e disposição contrária aos preceitos dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, bem-estar social, dentre outros. É uma norma que tentar vedar a possibilidade do segurado de melhorar as suas condições de sustentabilidade e vida.

A desaposentação prega contra essa disposição, afirmando a possibilidade do segurado usufruir desse período de contribuição numa nova aposentadoria no mesmo ou em outro regime previdenciário e com computo, inclusive, do período de contribuição antigo ou pretérito, usado como período de contribuição na concessão da aposentadoria anterior.

A desaposentação é um instituto legítimo que assegura direitos não reconhecidos ainda; ao contrário, às vezes, vedados, mais que são direitos inatos e o direito ao gozo dos mesmos suplanta a legislação que se lhe opõe. Mesmo que leis e\ou regulamentos vedem o exercício e a fruição do direito de usar contribuições vertidas após a aposentação e não digam nada a respeito da desaposentação, são direitos legítimos, indissociáveis da vontade do segurado e da esfera patrimonial do mesmo, cabendo ao mesmo (segurado) dispor sobre seu uso e gozo.

O poder legislativo caminha lentamente para a regulamentação do tema e diante dessa inércia atual caberá ao Poder Judiciário, o mais requisitado dos poderes a se manifestar sobre o tema, fixar as diretrizes necessárias e basilares para desaposentação, tais como o tempo mínimo de contribuição e periodicidade mínima para sua requisição. Apesar de a função do judiciário não ser legislar, mas, na ausência de norma expressa, alguma segurança jurídica deve ser criada, ao tempo em que tem que atender as solicitações daqueles que buscam a desaposentação.

Outra grande questão suscitada na desaposentação é a referente à devolução ou não dos valores recebidos quando do gozo da aposentação anterior. Não há consenso doutrinário ou jurisprudencial acerca desse tópico. Tanto a doutrina como a jurisprudência se dividem e argumentam fortemente defendendo suas posições. Todavia, o argumento que parece mais convincente e arrazoado de fundamentação é que dispensa o segurado da obrigação de devolver os valores recebidos, lapidando-se a tese da natureza alimentar da verba recebida e, não menos importante, o fato de o nosso sistema previdenciário ser um sistema de repartição simples, onde os ativos financiam os benefícios dos inativos atuais.

Uma aposentadoria justa permite ao segurado sobreviver em melhores condições, não só ele, mas também sua família. Deste modo, a busca por melhores condições de vida, baseada em disposições constitucionais expressas que asseguram a luta por dignidade e bem-estar como uma meta do Estado brasileiro, são pressupostos que sobrepõem disposições contrárias a direitos e garantias fundamentais.

A possibilidade de renunciar à aposentadoria que atualmente recebe para preencher os requisitos de concessão de um benefício melhor, e com certeza mais justo, considerando as contribuições que verteu aos cofres previdenciários após a aposentadoria, acarretará para o segurado a sensação de dever cumprido, mantendo, inclusive, sua autoestima em patamar alto.

A desaposentação é uma reivindicação salutar, direito que agrega melhoria de vida, sem causar prejuízos a nenhum sistema ou regime previdenciário, que pressupõe ônus para os segurados que o pleiteiam, pois os mesmos têm requisitos a preencher para buscá-la, tais como novo período contributivo, e isso implica retorno a atividade. Não é uma invenção ilógica ou desprovida de lastro técnico ou jurídico, ao contrário, é totalmente cabível, tanto é que a tendência do instituto é sofrer uma regulamentação, aprouve que, a pretendida regulamentação não continue a cercear direitos legítimos, pois se assim o fizer, será passível de arguição de inconstitucionalidade.


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Notas

  1. Diocese de Taubaté. http://www.diocesedetaubate.org.br/portal/?page_id=36.
  2. Segundo matéria intitulada Quem é Quem. O Estado de São Paulo, 24 jun. 1996. Caderno deEconomia & Negócios, p. B-1. A PREVI possuíaem dezembro de 1995 um ativo equivalente à US$15.124.509.000,00, o que lhe conferia o primeirolugar dentre os fundos de pensão em termos depatrimônio.
  3. A previdência complementar e sua importância para o desenvolvimento econômico e social brasileiro. [São Paulo]: Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Privada, 1996. p. 2.
  4. Sobre a referida distinção já se posicionava firmemente MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Apontamentos sobre os agentes e órgãos públicos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984. p. 10-11, da seguinte forma: "o funcionário se encontra debaixo de uma situação legal, estatutária, que não é produzida mediante um acordo de vontades, mas imposta unilateralmente pelo Estado."
  5. Cite-se que, nos casos de contratação de servidores por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público (art. 37, IX, da CF), deverá a mesma se verificar pelo regime de trabalho disciplinado pela CLT, com o regime previdenciário vinculado ao regime geral de previdência social (RGPS).

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SALES, Marciel Antonio de. O instituto da desaposentação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3000, 18 set. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19906. Acesso em: 17 abr. 2024.