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O ousado projeto neoconstitucionalista e sua plena adequação à realidade brasileira

O ousado projeto neoconstitucionalista e sua plena adequação à realidade brasileira

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Mais que simples invocação de um sonho futuro, a carta constitucional se oferece hoje como instrumento de alteração já do próprio presente. De um mero documento político, recebeu o honroso posto de genuína norma jurídica.

"Ontem, os Códigos; hoje, as Constituições. A revanche de Grécia contra Roma."

Eros Roberto Grau [01]

"A crença na Constituição e no constitucionalismo não deixa de ser uma espécie de fé: exige que se acredite em coisas que não são direta e imediatamente apreendidas pelos sentidos. Como nas religiões semíticas - judaísmo, cristianismo e islamismo - tem seu marco zero, seus profetas e acena com o paraíso: vida civilizada, justiça e talvez até felicidade."

Luís Roberto Barroso [02]

"Se a nova Constituição consagra um projeto tão generoso de transformação social e de emancipação, por que não lutar pela sua efetivação?"

Daniel Sarmento [03]


1. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

Houve um período em que a Constituição não passava de um simplório documento público, desprovido de qualquer eficácia jurídica imediata. Nela repousavam a estruturação formal do Estado e uma série de promessas de cunho eminentemente político. Na ocasião, o epicentro do ordenamento jurídico se situava na legislação infraconstitucional, mais precisamente no âmbito do Código Civil, irradiado pelos valores liberais que deram azo à sua formação.

Sucede que, atualmente, essa visão algo que restritiva da Constituição tem sofrido profunda alteração. De fato, mais que simples invocação de um sonho futuro, a carta constitucional se oferece hoje como instrumento de alteração já do próprio presente. De um mero documento político, recebeu o honroso posto de genuína norma jurídica [04], buscando-se, com isso, afastar os males de uma interpretação meramente formal, dogmática e acriativa, que sempre permeou os estudos constitucionais.

E há mais: saindo dos círculos da formalidade legislativa e da complexidade intelectual, a verdade é que agora a Constituição está em todos os recantos. Dos jardins às praças, dos fóruns às escolas, das sentenças aos estatutos das mais variadas associações, o fato é que todos falam da Constituição. Diz-se, pois, com inteira pertinência, que ela, atualmente, permeia, fecunda, alimenta, influencia... Na exata dicção de SARMENTO, tornou-se ubíqua [05].

O sistema se realinha: os holofotes saem do plano infraconstitucional e passam ao plano constitucional. E não seria ousadia dizer que ela - a Constituição - agora se afirma, de fato, como o genuíno astro-rei do universo jurídico... O cenário, alvissareiro, demonstra que novos horizontes se descortinam, atribuindo ao texto constitucional uma dimensão substantiva, uma vocação normativa e um potencial emancipatório [06].

Mas o que teria suscitado o surgimento desse fenômeno? Quais as suas premissas? Quais as suas características? Quais os seus principais efeitos? Como o neoconstitucionalismo não é um auto-referencial, não nasceu por si só, senão que adveio como fruto de toda uma gama de mudanças em antigas concepções filosóficas, sociais e políticas - cujo fluxo de idéias, ao que parece, conflui para a eleição da Constituição como o meio mais eficaz de tratar suas demandas -, há então que se debruçar com maior desvelo sobre algumas de suas nuanças, traçando-se, ao final, uma necessária interface com o constitucionalismo pátrio. Vejamos.


2. UM NOVO PERFIL ESTATAL: O ESTADO CONSTITUCIONAL DE DIREITO

A locução neoconstitucionalismo tem sido utilizada para denotar o atual estado doconstitucionalismo contemporâneo, profundamente acolhedor de valores substanciais e opções políticas (gerais e específicas) relevantes. A partir do momento em que esses valores e essas opções políticas assumem a feição de normas jurídicas, tornou-se imprescindível a formulação de uma específica dogmática capaz de conferir eficácia a tais elementos normativos, sendo esse um dos grandes desafios do assim denominado neoconstitucionalismo [07].

Com tal nomenclatura, geralmente se procura destacar a mudança de paradigmas ocorrida com a transição do Estado Legislativo de Direito para o Estado Constitucional de Direito, o que significa "a passagem da Lei e do Princípio da Legalidade para a periferia do sistema jurídico e o trânsito da Constituição e do Princípio da Constitucionalidade para o centro de todo o sistema" [08]. A Constituição passa a ser um privilegiado instrumento para a busca daquelas dignificantes aspirações emanadas da soberania popular e democraticamente alojadas no próprio texto constitucional, entendido no seu todo dirigente-valorativo-principiológico [09].

De fato, o Estado Legislativo de Direito - conforme afirma FERRAJOLI - designa qualquer ordenamento constitucional em que os poderes públicos são conferidos por lei e exercidos de acordo com os procedimentos também legalmente estabelecidos, enquanto o chamado Estado Constitucional de Direito designa aqueles ordenamentos em que a vinculação dos poderes públicos abrange não apenas aspectos formais, mas também materiais [10]. Frise-se, de pronto, que a Carta Constitucional brasileira se amolda perfeitamente a esse novo modelo, porquanto agasalha a dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa do Brasil (artigo 1º, inciso I) e traça sérias políticas públicas destinadas a fazer alcançar o bem-estar social (artigo 3º).

Noutro quadrante, agora trabalhando com os conceitos de Estado Liberal, Social e Democrático de Direito, aduz com precisão MONTEZ:

"Importante ressaltar que enquanto no Estado Liberal se sobressaía a figura do Poder Legislativo, no Estado Social é o Poder Executivo que ganha importante relevo, tendo em vista a necessidade de uma intervenção estatal. Por fim, após a segunda grande guerra mundial, sobreveio a instituição de uma terceira forma de Estado de Direito - Estado Democrático de Direito, que no Brasil se materializou, ao menos formalmente, na Constituição de 1988. Mas afinal, o que é o Estado Democrático de Direito? O Estado Democrático de Direito é concebido com base em dois fundamentos: respeito aos direitos fundamentais/sociais e democracia. O Estado Democrático de Direito é, portanto, um plus em relação ao Estado Social, na medida em que o Direito é visto como instrumento necessário à implantação das promessas de modernidade não cumpridas pelo Estado Social. Desta forma, há um inevitável deslocamento do centro de tensão/decisão dos Poderes Legislativo e Executivo para o Poder Judiciário (Jurisdição Constitucional)" [11].

Destarte, amparados em abalizada doutrina, temos, pois, que são hoje objetivos últimos do chamado Estado Constitucional de Direito: i) institucionalizar um Estado democrático de direito, fundado na soberania popular e na limitação do poder; ii) assegurar o respeito aos direitos fundamentais, inclusive e especialmente os das minorias políticas; iii) contribuir para o desenvolvimento econômico e para a justiça social; e iv) prover mecanismos que garantam a boa administração, com racionalidade e transparência nos processos de tomada de decisão, de modo a propiciar governos eficientes e probos [12].

Daí a importância do atual Estado Democrático de Direitoou, como registramos, Estado Constitucional de Direito [13]. Eis a razão do prefixo neo, pois. É algo de novo que surge. Uma espécie de recomeço - com novas e profundas reformulações intelectivas. A linha de raciocínio é simples de entender: uma nova sociedade (pós-moderna) exige um novo perfil estatal (Estado Constitucional de Direito), que, de sua parte, demanda uma nova teoria constitucional (neoconstitucionalismo), que, para vingar, requer, claro, como suporte, uma nova teoria do direito (pós-positivista)... [14]

Tudo novo, não porque se quer esquecer o passado, mas porque se aprendeu com ele. Depois do holocausto, é como que um fio de esperança, enxergando no Direito, com essa novel faceta, um importante instrumental capaz de conduzir a humanidade a uma realidade diferente, que assegure respeito aos direitos fundamentais - em especial à dignidade da pessoa humana - e absorva os valiosos vetores de solidariedade recentemente forjados no bojo das mais variadas cartas constitucionais.


3. UMA NOVA TEORIA DO DIREITO: O PÓS-POSITIVISMO

A experiência tem demonstrado que, em momentos de crise, o homem se posta a assumir basicamente duas atitudes: sujeitar-se ao problema ou enfrentar o problema. De fato, no agitar violento das ondas, ou passivamente nos entregamos à sua força ou corajosamente erguemos a cabeça em busca de ar.

O direito está em crise. Como diz BARROSO, o direito positivista vive uma grave crise existencial, na medida em que não consegue entregar com eficiência os dois produtos que fizeram sua reputação ao longo dos séculos, mencionando o renomado autor que "a injustiça passeia pelas ruas com passos firmes e a insegurança é a característica da nossa era" [15]. O pós-positivismo, nesse compasso, representa exatamente o anseio por um novo fôlego, a busca de uma nova perspectiva; a ousadia de erguer a cabeça e olhar por sobre as ondas... [16]

A ascensão do jusnaturalismo está associada à necessidade de ruptura com o Estado absolutista, enquanto que sua decadência está vinculada ao movimento de codificação do direito, ocorrida lá pelos idos do século XVIII. Por outro lado, a ascensão do juspositivismo está jungida à crença exacerbada no poder do conhecimento científico (frio e calculista), ao passo que sua decadência está ligada à derrota do nazi-fascismo, no século XX. É exatamente nesse colapso de pensamentos, nessa crise de paradigmas, que o pós-positivismo, em um valioso ímpeto de superação científica, exsurgiu [17]. Realmente, em já clássica construção textual, acentua, com propriedade, BARROSO:

"O pós-positivismo é a designação provisória e genérica de um ideário difuso, no qual se incluem a definição das relações entre valores, princípios e regras, aspectos da chamada nova hermenêutica e a teoria dos direitos fundamentais. (...) O Direito, a partir da segunda metade do século XX, já não cabia mais no positivismo jurídico. A aproximação quase absoluta entre Direito e norma e sua rígida separação da ética não correspondiam ao estágio do processo civilizatório e às ambições dos que patrocinavam a causa da humanidade. Por outro lado, o discurso científico impregnara o Direito. Seus operadores não desejavam o retorno puro e simples ao jusnaturalismo, aos fundamentos vagos, abstratos ou metafísicos de uma razão subjetiva. Nesse contexto, o pós-positivismo não surge com o ímpeto da desconstrução, mas como uma superação do conhecimento convencional. Ele inicia sua trajetória guardando deferência relativa ao ordenamento positivo, mas nele reintroduzindo as idéias de justiça e legitimidade. O constitucionalismo moderno promove, assim, uma volta aos valores, uma reaproximação entre ética e Direito" [18].

Como se pode perceber, a teoria normativa dos princípios é assunto estreitamente ligado ao pós-positivismo [19], que, a seu turno, tem já produzido sólidos efeitos na realidade jurídica brasileira. Efetivamente, nosso atual panorama jurídico sinaliza pela alteração da tradicional hierarquia das fontes do direito, tal qual formulada pela Lei de Introdução ao Código Civil. De fato, ao invés de fontes subsidiárias do direito, cuja aplicação só se justificava na ausência de lei ou de costume relacionados ao caso, bem como na impossibilidade da analogia (CC, artigo 4º [20]), os princípios recentemente assumiram o posto de fontes de alta dignidade normativa [21].

Com efeito, os princípios, como consignado, já tinham juridicidade, porque inseridos, ainda que em caráter secundário, no ordenamento jurídico, mesmo que como mera fonte subsidiária de direito. Atualmente, aos princípios foi agregado o predicado da normatividade, ou seja, foi-lhe atribuída a capacidade de vincular, de conformar condutas. Mas, é claro que essa tal capacidade normativa poderia muito bem ser exercida no âmbito da seara infraconstitucional. Todavia, assim não ocorreu. Ao mesmo tempo em que receberam essa forte carga de normatividade, os princípios também foram alcandorados ao ápice, ao topo do ordenamento jurídico, alojando-se na intimidade da tessitura constitucional. Assim, além de juridicidade e normatividade, agora os princípios também passaram a deter supremacia no reino jurídico, na medida em que jungidos nada mais nada menos que à própria Carta Magna [22]. Como se pode ver, a ascensão dos princípios ao andar constitucional representou uma espetacular promoção, um fenômeno deveras insólito. De fato, foram guindados de um sombrio quarto de fonte supletiva ao belo palácio de vetor axiológico do sistema jurídico. Qual José do Egito, os princípios também foram incrivelmente alçados do poço ao trono [23].

Portanto, ao alcançarem o relevante status de normas jurídicas e repousarem no privilegiado patamar constitucional, os princípios enfim se libertaram daquela velha idéia de que detinham apenas valia ética, passando a ostentar mesmo plena vinculatividade jurídica [24]. Em razão disso, a teoria do direito precisou estabelecer a hoje tão divulgada distinção dogmática entre regras e princípios, enquanto espécies do gênero norma. Por via de conseqüência, a Constituição atual, prenhe de valores, passou a ser vista como um sistema aberto de princípios e regras, no qual as idéias de justiça e de realização dos direitos fundamentais desempenham um papel central [25].

A distinção entre regras e princípios é ponto nuclear do pós-positivismo, produto da inegável influência exercida por Ronald Dworkin e Robert Alexy na atual quadra do pensamento jurídico, cujas idéias passaram a ser amplamente divulgadas no Brasil a partir de Paulo Bonavides, Eros Grau e Luís Roberto Barroso. Tal disseminação ocasionou um verdadeiro fervilhar científico no direito constitucional pátrio, movimento esse ainda em voga e que tem redundado em uma fértil produção intelectual acerca da matéria.

A respeito de tal distinção, BARCELLOS faz didática compilação dos sete critérios mais comumente propostos pela doutrina para esse fim, o que por certo nos oferece uma boa noção geral dessa tão importante questão da teoria do direito contemporânea, in verbis:

"(a) O conteúdo. Os princípios estão mais próximos da idéia de valor e de direito. Eles formam uma exigência da justiça, da eqüidade ou da moralidade, ao passo que as regras têm um conteúdo diversificado e não necessariamente moral. (...) (b) Origem e validade. A validade dos princípios decorre de seu próprio conteúdo, ao passo que as regras derivam de outras regras ou dos princípios. (...) (c) Compromisso histórico. Os princípios são para muitos (ainda que não todos), em maior ou menor medida, universais, absolutos, objetivos e permanentes, ao passo que as regras caracterizam-se de forma bastante evidente pela contingência e relatividade de seus conteúdos, dependendo do tempo e lugar. (d) Função no ordenamento. Os princípios têm uma função explicadora e justificadora em relação às regras. (...) (e) Estrutura lingüística. Os princípios são mais abstratos que as regras, em geral não descrevem as condições necessárias para sua aplicação e, por isso mesmo, aplicam-se a um número indeterminado de situações. Em relação às regras, diferentemente, é possível identificar, com maior ou menor trabalho, suas hipóteses de aplicação. (f) Esforço interpretativo exigido. Os princípios exigem uma atividade argumentativa muito mais intensa, não apenas para precisar seu sentido, como também para inferir a solução que ele propõe para o caso, ao passo que as regras demandam apenas uma aplicabilidade, na expressão de Jossef Esser, ‘burocrática e técnica’. (g) Aplicação. As regras têm estrutura biunívoca, aplicando-se de acordo com o modelo do "tudo ou nada", popularizado por Ronald Dworkin. Isto é, dado seu substrato fático típico, as regras só admitem duas espécies de situação: ou são válidas e se aplicam ou não se aplicam por inválidas. Uma regra vale ou não vale juridicamente. Não são admitidas gradações. Como registra Robert Alexy, ao contrário das regras, os princípios determinam que algo seja realizado na maior medida possível, admitindo uma aplicação mais ou menos ampla de acordo com as possibilidades físicas e jurídicas existentes. Estes limites jurídicos, que podem restringir a otimização de um princípio, são (i) regras que o excepcionam em algum ponto e (ii) outros princípios opostos que procuram igualmente maximizar-se, daí a necessidade eventual de ponderá-los. Desenvolvendo esse critério de distinção, Alexy denomina as regras de comando de definição e os princípios de comandos de otimização" [26].

Essa estruturação do sistema jurídico em regras e princípios é sábia, constituindo-se uma excelente construção teórica. Cuida-se de uma verdadeira formulação salomônica, porquanto, sem desprezar a lei, permite uma benfazeja oxigenação axiológica do sistema, viabilizada pela imanente plasticidade dos princípios. Fica superada, assim, a tradicional dicotomia jusnaturalismo x juspositivismo [27].

Ressaltamos, porém, para que se repila qualquer euforia prejudicial, que o sistema jurídico ideal há de ser aquele erigido levando em conta uma distribuição equilibrada entre regras e princípios, "nos quais as regras desempenham o papel referente à segurança jurídica - previsibilidade e objetividade das condutas - e os princípios, com sua flexibilidade, dão margem à realização da justiça do caso concreto" [28]. Como se vê, o enlace jurídico entre regras e princípios é um bom exemplo de casamento perfeito.

A visão pós-positivista também acarreta mudanças na área da interpretação constitucional. Nesse particular, leciona BARROSO:

"A interpretação jurídica tradicional desenvolveu-se sobre duas grandes premissas: (i) quanto ao papel da norma, cabe a ela oferecer, no seu relato abstrato, a solução para os problemas jurídicos; (ii) quanto ao papel do juiz, cabe a ele identificar, no ordenamento jurídico, a norma aplicável ao problema a ser resolvido, revelando a solução nela contida. Vale dizer: a resposta para os problemas está integralmente no sistema jurídico e o intérprete desempenha uma função técnica de conhecimento, de formulação de juízos de fato. No modelo convencional, as normas são percebidas como regras, enunciados descritivos de condutas a serem seguidas, aplicáveis mediante subsunção. Com o avanço do direito constitucional, as premissas ideológicas sobre as quais se erigiu o sistema de interpretação tradicional deixaram de ser integralmente satisfatórias. Assim: (i) quanto ao papel da norma, verificou-se que a solução dos problemas jurídicos nem sempre se encontra no relato abstrato do texto normativo. Muitas vezes só é possível produzir a resposta constitucionalmente adequada à luz do problema, dos fatos relevantes, analisados topicamente; (ii) quanto ao papel do juiz, já não lhe caberá apenas uma função de conhecimento, voltado para revelar a solução contida no enunciado normativo. O intérprete torna-se co-participante do processo de criação do direito, completando o trabalho do legislador, ao fazer valorações de sentido para as cláusulas abertas e ao realizar escolhas entre soluções possíveis" [29].

Essa hermenêutica diferenciada vai suscitar, portanto, toda uma gama de novas discussões na arena da interpretação constitucional: [30] concreção [31], colisão de princípios constitucionais [32], ponderação [33], argumentação [34] etc.

SOUZA NETO nos brinda com um interessante cotejo científico entre os paradigmas positivista e pós-positivista, lavrando-o da seguinte forma, verbis:

"... o paradigma liberal-positivista contém em si uma 1) teoria da norma constitucional, segundo a qual a) lei e constituição se identificam, b) a norma constitucional possui uma textura fechada, e c) a constituição é um sistema coerente e completo; 2) uma teoria da decisão, segundo a qual a) a aplicação da norma constitucional se identifica com a aplicação da norma infraconstitucional, b) não há que se falar em ato de decisão, mas simplesmente de cognição, já que o ato jurisdicional se esgota na aplicação de uma vontade pré-constituída, c) o magistrado é capaz de, monologicamente, fazer uma leitura racional do texto normativo, sem a interferência de seus valores e interesses pessoais; 3) uma teoria da democracia segundo a qual a) a vontade estatal deve ser formulada pelo órgão que foi legitimado para tanto através do voto popular, o parlamento, e b) o magistrado deve se ater ao disposto no texto legal, senão estará usurpando a vontade popular. Do mesmo modo, o paradigma pós-positivista já sinaliza para a consolidação de certas características gerais que se encontram na obra da maioria dos autores. Assim é que o paradigma pós-positivista, 1) no campo da teoria da norma constitucional, enfatiza, de forma mais ou menos homogênea, a) a presença dos princípios no ordenamento constitucional, e não só das regras jurídicas, b) a estrutura aberta e fragmentada da constituição; 2) no campo da teoria da decisão, investe na a) reinserção da razão prática na metodologia jurídica, rejeitando a perspectiva positivista de que somente a observação pode ser racional, b) propõe uma racionalidade dialógica, centrada não no sujeito, mas no processo argumentativo, que c) vincula a correção das decisões judiciais ao teste do debate público; 3) no âmbito da teoria democrática propugna a) pelo caráter procedimental do processo democrático e b) pela possibilidade de limitação do princípio majoritário em nome da preservação da própria democracia" [35].

Como se percebe, a peleja "positivismo" versus "pós-positivismo" é renhida, já perdura por vários rounds, sendo cheia de meandros teóricos e ainda assentada em um terreno extremamente bombardeado por críticas [36]. De todo modo, ousamos também estabelecer - reconhecidamente inspirados em SOUZA NETO - alguns dos traços que servem para sintetizar o profundo contraste teórico entre os paradigmas positivista e pós-positivista.

Com efeito, no positivismo: i) o intérprete há de ter uma postura neutra, apenas extraindo o sentido já embutido no enunciado legal; ii) o sistema jurídico é visto como fechado/completo, marcando-se pela unidisciplinariedade; iii) dá-se a supremacia da lei (foco no texto legal -prevalência da lex), destacando-se a normatividade das regras; iv) trabalha-se no âmbito do ser/dever ser; v) a interpretação se dá in abstracto, ocorrendo a inconstitucionalidade da norma, esta encarada como objeto da interpretação (o preceito normativo é o ponto de chegada - o fato concreto não é valorizado); vi) reina na hermenêutica o método subsuntivo/silogístico (ciência), com predomínio do valor segurança; vii)rigidez na separação funcional do poder; viii) o papel do juiz é passivo, na função de mero reprodutor da lei (o juiz descreve a realidade).

Já no pós-positivismo: i) o intérprete há de ter uma postura construtiva, atribuindo sentido ao enunciado legal; ii) o sistema jurídico é visto como aberto/complexo, marcando-se pela interdisciplinariedade; iii) dá-se a supremacia da Constituição (foco no contexto fático-jurídico -prevalência do jus), destacando-se a normatividade dos princípios; iv) trabalha-se no âmbito do poder ser [37]; v) a interpretação se dá in concreto, ocorrendo a possibilidade de inconstitucionalidade dos efeitos da norma, esta encarada como resultado da interpretação (o preceito normativo é o ponto de partida - o fato concreto é valorizado) [38]; vi) reina na hermenêutica o método ponderativo (prudência), com predomínio do valor justiça; vii)flexibilidade na separação funcional do poder; viii) o papel do juiz é ativo, na função de verdadeiro produtor do direito (o juiz transforma a realidade) [39].


4. UM NOVA TEORIA CONSTITUCIONAL: O NEOCONSTITUCIONALISMO

4.1 Intróito

Engendrada uma nova teoria do direito (o pós-positivismo), as repercussões no campo da teoria constitucional seriam profundas e inevitáveis. Forjada no intento de conferir máxima eficácia às normas constitucionais - tomadas, até então, como vimos, na qualidade de simples programações políticas -, a teoria neoconstitucionalista representa o desejo de superação de uma visão fria e pálida do Direito, tomando-o, a partir de uma requintada dogmática substantiva, um poderoso instrumento ético e técnico de alteração da realidade e melhoria das condições da sociedade como um todo [40]. Agrega-se, pois, ao cientificismo jurídico, uma dimensão transformadora, conformadora, de modo a fazer valer in concreto os comandos exarados no estuário constitucional [41].

4.2 Pressupostos Básicos [42]

4.2.1 Supremacia Constitucional

O termo constitucionalismo é relativamente recente na história humana ocidental, guardando íntima ligação com as revoluções burguesas dos séculos XVII e XVIII, que deram vida ao Estado Liberal. É no nebuloso contexto das monarquias absolutas que nasce a idéia de inteira submissão da ação estatal a uma norma superior positiva [43]. Com essa bandeira de luta, vinga o pensamento de que o poder político só é legítimo quando exercido dentro das balizas democraticamente fincadas na Constituição pela soberania popular [44].

Entretanto, como destaca VIEIRA:

"O constitucionalismo europeu, que vem estruturar a nova ordem que sucede ao antigo regime, em muito irá se diferenciar dos rumos assumidos pelo modelo americano. Apesar de uma origem revolucionária comum, que colocou o povo como detentor da soberania popular e a assembléia constituinte como órgão capaz e legitimado para estabelecer uma nova Constituição, as sucessivas crises políticas e a restauração monárquica, sob o signo de uma soberania partilhada, não permitem que estes novos documentos constitucionais, pelo menos durante o século XIX, assumam uma posição clara de lei superior, como ocorrido nos Estados Unidos" [45].

Mas tal concepção haveria de receber nova coloração. Com efeito, após a 2ª Guerra Mundial, a banalidade do mal [46] fez a humanidade refletir intensamente sobre suas ações e seu próprio futuro. No campo jurídico, dentre outras repercussões dessa fase, voltou-se a se reconhecer que o Direito precisa estar em constante diálogo não só com a realidade que o circunda, mas também com os valores que a permeiam.

Nessa esteira, viu-se na Constituição Federal um ótimo habitat para cultivar as premissas éticas que naquela ocasião fervilhavam. Injetou-se, então, em seu texto, diretrizes axiológicas fundamentais orientadoras da organização política e social. As Constituições passaram, de fato e efetivamente, a se denominar, na inteireza do termo, genuínas Lex Fundamentalis. À luz dessa ótica, a positivação dos direitos fundamentais em textos constitucionais representou circunstância de decisiva contribuição para que as Constituições modernas sobrelevassem em respeito e fossem decididamente legitimadas em seu status de "lei suprema" [47].

Há que se registrar, ademais, que na atual quadra de pensamento, encarar-se a Constituição como uma norma superior em relação às demais nem mais sequer se constitui apenas um princípio (princípio da supremacia da Constituição). É mais que isso: hoje, é pressuposto inarredável da própria formação e funcionamento do Estado [48]. Cuida-se mesmo de um dos pilares do modelo constitucional contemporâneo, porquanto, com a promulgação da Constituição, a soberania popular se convola em supremacia constitucional [49].

É bem verdade que já desde KELSEN a Constituição está alçada ao posto de norma-ápice, o vértice do ordenamento jurídico. Essa superioridade, todavia, exigia, do restante do sistema de normas, apenas e tão-somente uma vinculação formal de validade das normas jurídicas inferiores em relação àquela norma superior, não se concebendo, ainda, nessa forma kelseniana de ver as coisas, a possibilidade de uma vinculação material - atinente a valores substantivos de justiça - do sistema infraconstitucional em relação aos preceitos constitucionais.

Nessa visão, à constitucionalidade da norma bastava o atributo da vigência; bastava a elaboração legislativa à luz dos preceitos constitucionais, não importando se o resultado dessa atividade legiferante se afigurava, ao final, justo ou não. Não se perquiria sobre legitimidade; só importava legalidade [50]. Àquela época, como vimos, Direito e Lei eram gêmeos univitelinos. E a busca de referenciais axiológicos, uma prática herética.

Não é difícil perceber que essa postura jurídica se mostrou extremamente perigosa, na medida em que, "lavando as mãos" quanto a critérios de justiça, possibilitava a formulação de um sistema jurídico abonador de arbitrariedades. Coincidência ou não, foi justamente quando imperava a lei e a legalidade que a humanidade viu ser escrita uma das páginas mais tristes de sua historia: a 2ª Guerra Mundial e o Holocausto, cujas atrocidades foram praticadas ao abrigo da própria Constituição, que, adepta de uma visão jurídica míope, confundindo lei e direito, assumiu uma postura extremamente refratária a elucubrações morais e avessa a confrontações com critérios materiais de justiça [51].

Embora altamente relevante, enquanto passo inicial, essa espécie de supremacia, destinada apenas a refrear o Estado, revelou-se ainda insuficiente para a garantia de altos anseios humanistas para a sociedade, porquanto desprovida de uma necessária eficácia substantivamente abrangente [52].

4.2.2 Normatividade Constitucional

Muito embora soe estranho, fato é que durante um longo período campeou a idéia de que a Constituição encerraria uma mera proclamação de princípios políticos, cuja eficácia concreta dependeria sempre da implementação do legislador infraconstitucional. Imaginava-se que seu bojo era dotado de um material eminentemente político e moral - nunca jurídico, ou, mais precisamente, normativo, no sentido de imperativo, auto-determinante, vinculativo [53].

Seus comandos, em razão disso, eram voltados mais para o legislador e o administrador, que detinham a incumbência de dar concretude e cumprimento às promessas políticas ali plasmadas. As normas constitucionais eram vistas, portanto, como simples regras programáticas, atraindo, com isso, uma percepção restritiva, que ao tempo em que ofuscava sua importância social, também esvaziava qualquer potencialidade jurídica que se lhe quisesse imprimir. É o tempo das Constituições "folhas de papel" [54]. Nesse quadro, os direitos fundamentais só valiam no âmbito e no limite das leis que os reconhecessem, não sendo possível a invocação direta da Constituição por parte dos jurisdicionados [55].

Esse panorama redundou numa crise de implementação dos anseios constitucionais. Segundo alguns, hoje, mais importante que declarar direitos é efetivar os direitos já declarados [56]. Para tanto, como bem leciona PORTO, "o Estado Democrático de Direito precisa lançar mão do recurso normativo mais poderoso na tradição jurídica - a Constituição -, impondo um Constitucionalismo que postulará a força normativa da Constituição..." [57].

Com a exsurgência generalizada, ao longo do século XX, de instrumentos de controle de constitucionalidade, e com a emergência do Estado Social, opera-se uma redefinição do papel da Constituição: antes, no Estado Liberal, ela se propunha a garantir direitos individuais, não interferindo na sociedade; agora, no Estado Social, ela se apresenta como promotora dos direitos sociais e econômicos, apontando objetivos a serem perseguidos pelos Poderes Públicos, interferindo e transformando a sociedade [58].

Coube ao jurista italiano CRISAFULLI, então, em 1952, difundir a boa idéia de que todas as normas constitucionais, ainda que meramente programáticas, detêm pelo menos um mínimo de eficácia jurídica [59], o que representou um forte avanço na temática. É dizer: inobstante possa existir uma certa gradação entre os graus de eficácia, todas as normas constitucionais possuem uma carga de eficácia, mínima que seja, já que, pelo menos influenciam na interpretação/integração do ordenamento jurídico, vinculam as formulações normativas do legislador e, inclusive, produzem o fenômeno da não-recepção do direito anterior que se apresentar como incompatível com seus preceitos [60].

No âmago de toda essa discussão, surge o jurista HESSE, apregoando de uma vez por todas a plena força normativa da Constituição, como uma resposta ao ceticismo lassalliano e ao normativismo kelseniano.

HESSE se opõe ao pensamento de LASSALE, refutando que a Constituição seja apenas uma "folha de papel", eis que, embora vinculada à realidade histórica em que firmada, a essa realidade, porém, não se condiciona totalmente [61]. Aqui, são pertinentes os escólios de PEDRO PORTO, verbis:

"É preciso reconhecer que a norma constitucional não tem existência autônoma em face da realidade, sua essência é sua vigência, ou seja, o telos da norma é concretizar a situação por ela regulada. Concebendo-se a norma não apenas como uma forma vazada em palavras solenes, mas como um texto que anseia por tornar-se substância, por ser eficaz, resulta impossível separar a norma e a realidade histórica em que se encontra contextualizada, pois é esta realidade o solo mesmo do vigor normativo ou do seu definhamento. Essa pretensão de eficácia da norma jurídica, para atingir sua meta, deve, portanto, levar em conta as condições técnicas, naturais, econômicas e sociais de uma realidade, bem como o substrato espiritual de cada sociedade, traduzido nas concepções sociais concretas e no arcabouço axiológico que permeia a comunidade. Não se trata de a norma submeter-se a esta realidade, aviltando-se à condição de mero reflexo, pois a pretensão de eficácia é um apanágio autônomo da norma constitucional pelo qual esta procura imprimir ordem e transformação à realidade política e social" [62].

Conclui-se, nesse diapasão, que a Constituição não encerra mera programação política, voltada para o futuro, senão que se revela com acentuada carga jurídico-normativa, atuante sobre o presente, dotada de força vinculativa/imperativa, inclusive com possibilidade de aplicação direta de suas normas por parte dos julgadores, sem qualquer interferência infraconstitucional.

À supremacia meramente formal de outrora se agrega uma valia material e axiológica, potencializada pela abertura do sistema jurídico e pela normatividade de seus princípios [63]. Trata-se, como se nota, do reconhecimento de uma natural e indiscutível vocação normativa que subjaz no seio da própria Constituição, que, através de seus intérpretes, trava constante diálogo com a realidade histórica que a circunda, numa profícua e intensa dialeticidade entre "ser" e "dever ser", Sociedade e Direito, onde a malha constitucional, enfim, transmuda-se de uma simples carta política para uma potente norma jurídica [64].

Se antes a Carta Constitucional refletia tão-somente um repositório de promessas vagas (Executivo) e de exortações para a atuação normativa infraconstitucional (Legislativo), agora, com a atribuição de força normativa à Constituição, recai sobre o Judiciário, em especial, e à sociedade, como um todo, a responsabilidade pela busca de efetividade quanto à elevada pauta axiológica incrustada naquela norma ápice. As portas estão abertas para o próximo tópico.

4.2.3 Jurisdição Constitucional

Em sua concepção liberal clássica, a Constituição se destinava primordialmente a limitar o poder político. Logo, as relações jurídicas travadas entre os particulares não eram atingidas pelas normas constitucionais, cuja alça de mira, repetimos, voltava-se precipuamente ao flanco estatal, impedido de invadir a intocável esfera de liberdade reconhecida ao poder privado. Apenas as normas infraconstitucionais, pois, detinham o condão de reger a vida privada das pessoas, o que se praticava geralmente através da codificação civil. Diante desse quadro, as normas de nível constitucional se apresentavam totalmente desprovidas da possibilidade de aplicação direta, por parte dos juízes, nas controvérsias entre os cidadãos comuns.

Todavia, o reconhecimento da supremacia (vinculação formal) e da força normativa (vinculação material) da Constituição, que também passou a albergar direitos fundamentais e valores humanísticos, trouxe uma excepcional valorização do Poder Judiciário, que passou a dispor de rico instrumental concretizador dos anseios sociais. De posse das novas técnicas hermenêuticas formuladas e da sutil ductilidade dos princípios, abriu-se para o juiz a plena possibilidade de, diretamente e sem qualquer ingerência do legislador ordinário, implementar os ditames e valores constitucionais, garantindo, assim, a própria efetividade da Constituição.

O autoritarismo nazi-fascista e seu desatino genocida deixaram um gosto amargo na boca... Não sem razão, iniciou-se um processo de redemocratização a partir da segunda metade do século XX, notadamente no continente europeu, propiciando um novel perfil ao constitucionalismo, agora mais sensível à dignidade humana e ao bem comum [65]. Nessa época, ganha destaque a Lei Fundamental de Bonn (Constituição alemã), de 1949, bem como a instalação do respectivo Tribunal Constitucional Federal, em 1951, seguindo-se, a partir daí, uma fecunda produção científica do direito constitucional no âmbito dos países de tradição romano-germânica [66].

Ademais, a idéia de que se deve reler todo o direito infraconstitucional à luz da Constituição [67], "seja em obediência às escolhas político-jurídicas do constituinte, seja em favor da proteção da dignidade, princípio capaz de conformar um novo conceito de ordem pública, fundado na solidariedade social e na plena realização da pessoa humana" [68], é medida que só recrudesce essa especial valorização do papel judicante no contexto do constitucionalismo hodierno [69].

Em meio a essa órbita intelectiva, o neoconstitucionalismo - segundo SANCHÍS - traz uma idéia de "Constituição transformadora que pretende condicionar de modo considerável as decisões da maioria, mas cujo protagonismo fundamental não compete ao legislador, mas aos juízes" [70]. De fato, o portentoso paradigma constitucional que se avultava passou a reclamar, para sua própria viabilização concreta, a presença de fortes mecanismos imbuídos da missão de assegurar a efetivação de seu texto. O foco, pois, move-se para o Judiciário. Expande-se, enfim, a chamada jurisdição constitucional [71], que, na observação de VITAL MOREIRA, parece ter se tornado um genuíno requisito de legitimação e de credibilidade política dos atuais regimes constitucionais democráticos [72]. Aplica-se à ordem jurídica um engenhoso sistema de controle de constitucionalidade, exigindo que toda lei ou ato normativo seja confrontado formal e materialmente com as vinculantes diretrizes da Carta Maior [73].

A ampliação da jurisdição constitucional representou, assim, no fundo, uma importante garantia de proteção aos direitos fundamentais insertos nas modernas constituições, que, outrora, mercê de um modelo jurisdicional subserviente e acrítico, vivenciou a amarga experiência de avalizar o holocausto, uma ofensa à humanidade que fora praticada sem qualquer ruptura formal com o constitucionalismo de então [74].

4.2.4 Rigidez Constitucional

As Constituições não podem ser imutáveis, havendo que lhe pertencer a sutil capacidade de se adaptar à evolução histórica e às novas exigências da sociedade [75]. Por outro lado, as Constituições não podem ser volúveis, de modo a facilmente se conduzir ao sabor das circunstâncias. O equilíbrio entre essas demandas do constitucionalismo moderno - estabilidade e adaptabilidade - tem sido buscado desde as primeiras constituições escritas [76].

Segundo SILVA, em já clássica lição, "a rigidez constitucional decorre da maior dificuldade para sua modificação do que para a alteração das demais normas jurídicas da ordenação estatal" [77]. Dita rigidez constitucional é consectário direto da percepção de que a Constituição é uma lei extremamente superior, na medida em que expressão da vontade popular e recôndito natural dos mais caros valores da sociedade. Esse rigor, portanto, é salutar, servindo mesmo como uma espécie de escudo jurídico, uma genuína redoma de proteção destinada a salvaguardar um núcleo material constitucional mínimo, que há de permanecer, para o bem de todos, sempre, faça chuva ou faça sol, intocável, incólume, diante de possíveis investidas de um inescrupuloso legislador ordinário, de políticas públicas oportunistas, quiçá até de perigosas maiorias de momento.

Nossa Constituição Federal, em seu artigo 60, § 4º, aduz que não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: i) a forma federativa de Estado; ii) o voto direto, secreto, universal e periódico; iii) a separação dos Poderes; iv) os direitos e garantias individuais. São as chamadas cláusulas pétreas do direito constitucional brasileiro. Como ressalta TAVARES, a imutabilidade dessas cláusulas atinge a qualquer norma que veicule alguma dessas matérias e não impede seu alargamento ou reforço, sobretudo quanto aos tais "direitos e garantias individuais" [78].

A respeito do tema e enfocando particularmente os influxos do neoconstitucionalismo nessa seara, afirma MOREIRA:

"Se o neoconstitucionalismo busca a transformação, ele também se assenta na vedação ao retrocesso, e, com isso, a rigidez constitucional ganha novas considerações resultantes desse processo. (...) Os limites de reforma não são somente aqueles previstos, mas são também os implícitos que são guiados pela vedação ao retrocesso, a qual impede que a situação garantida pela Constituição volte a um estágio antecedente e indesejado. A própria rigidez constitucional é alvo dessa operação entre a força de transformação e a vedação ao retrocesso - resultante do marco histórico do neoconstitucionalismo -, pois o próprio processo de rigidez constitucional pode ser alterado ou renovado, desde que apresente um avanço, isto é, desde que se torne mais dificultoso e proteja mais a Constituição" [79].

Desse modo, a rigidez constitucional também se reúne, juntamente com aqueles outros aspectos, para formar um quadro geral de elementos reputado como imprescindível para o exsurgir do hoje denominado neoconstitucionalismo.

4.3 Neoconstitucionalismo: Delineamento Dogmático

Percebe-se que os fenômenos até então descritos conduziram a Constituição ao centro do ordenamento jurídico, ao trono do sistema normativo, locais que até então, nos países de formação romano-germânica, sempre foram ocupados pelo Código Civil. Seu cetro são os princípios, cuja densidade axiológica lhe admite dialogar com a sociedade e cuja plasticidade técnica lhe permite se imiscuir nos mais profundos meandros da outrora cerrada floresta infraconstitucional, a fim de que seja talhada ao seu perfil. Nesse cenário, as cláusulas abertas e os conceitos indeterminados - hoje corriqueiramente encontrados nos mais variados enunciados normativos - fazem parte dessa arguta estratégia. No caso, a imprecisão semântica, ao invés de problema, é solução, porquanto viabilizadora daquele tão extraordinário colóquio que sói acontecer entre Direito e Sociedade.

Cumpre rememorar, ademais, que uma das grandes valias do neoconstitucionalismo é justamente a de possibilitar melhores condições de concretude real aos direitos fundamentais. De fato, como aduz STRECK:

"O novo constitucionalismo, nascido da revolução copernicana do direito público, traz para dentro do direito temáticas que antes se colocavam à margem da discussão pública: a política, representada pelos conflitos sociais, os direitos fundamentais sociais historicamente sonegados e as possibilidades transformadoras da sociedade a serem feitas no e a partir do direito" [80].

Nesse desiderato, as normas constitucionais ganham novo vigor e máxima amplitude, propagando os efeitos desse importante vetor ético-jurídico - a proteção da dignidade humana - não apenas sobre todo o ordenamento normativo e todos os atos estatais, senão que também sobre toda a enorme gama de relações privadas que se trava no interior da sociedade. Assim visto, o neoconstitucionalismo encarnaria, também, uma contundente contraposição ao positivismo jurídico, assumindo para si toda a marcante carga axiológica que penetrara no tecido constitucional por meio da valorização dos princípios, especialmente quando voltados à concreção dos direitos fundamentais [81].

Sua rica configuração teórica, pois, revela-se extremamente útil para uma Constituição tida por dirigente, assim entendida aquela vocacionada à implementação da eficácia irradiante dos valores constitucionais, de cunho humanístico e de cariz solidarístico, em relação à prática estatal, em todos os seus níveis, e à prática particular, em todas as suas nuanças, corrigindo desigualdades sociais e contribuindo substancialmente para a melhoria das condições de vida de todos os membros da sociedade. Com isso, reconstrói-se a dogmática da Constituição por meio de uma teoria material [82], que incorpora uma dimensão materialmente legitimadora ao estabelecer um fundamento constitucional para a política [83]. Ou, como afirma STRECK, "o novo - esse novo - consiste no resgate das promessas da modernidade, a partir de uma perspectiva dirigente-compromissária. A Constituição, assim, constitui-a-ação do Estado" [84]. Como ressalta OLSEN:

"... uma Teoria da Constituição Dirigente Adequada a Países de Modernidade Tardia, como o Brasil, busca trabalhar com os elementos constitucionais da especificidade brasileira, a fim de tornar reais os direitos fundamentais - sobretudo os direitos sociais. Com isso, busca contribuir para a efetivação dos objetivos constitucionais, bem como para a criação de uma sociedade mais justa e igualitária. Os adeptos desta teoria se afastam das alegações de que o texto constitucional de 1988 gera ingovernabilidade, para buscar extrair das normas constitucionais todo o seu potencial de eficácia" [85].

Diante dessa perspectiva, forçoso é reconhecer que o neoconstitucionalismo representa instrumental jurídico diferenciado, imprescindível mesmo para o alcance dos objetivos de um legítimo Estado Constitucional de Direito (ou Estado Democrático de Direito). Em suma, há uma estreita ligação entre a proposta neoconstitucionalista e o dirigismo constitucional, de cuja junção deriva o anseio de se firmar uma teorização constitucional que invada a prática, que promova um substrato jurídico comprometido com a mudança social e que oferte ao intérprete do direito um programa de ação para a efetiva alteração da sociedade [86].

Ou seja: ficou mais que manifesto que o neoconstitucionalismo, para vir à luz, demandou uma requintada ambientação teórica que lhe sustentasse a vida (pós-positivismo). Dotado de um poderoso referencial de legitimação (a dignidade humana), o neoconstitucionalismo se propõe a, sabiamente, manusear a segurança jurídica das regras e a densidade axiológica dos princípios, tendo como locus privilegiado de irradiação a Constituição Federal e seus vetores materiais de justiça social e igualdade material. Conferindo uma nova dimensão ao conceito de legalidade, dotando-o agora de um necessário matiz substantivo - na medida em que preocupado em realizar os caros valores humanísticos acolhidos na Constituição Federal [87] -, sua meta é simplesmente alterar a realidade através de uma atuação consciente de todos, enquanto impregnados de um sentimento constitucional e fazendo recair especialmente sobre o Poder Judiciário o privilégio e a responsabilidade de centrar seus esforços no rigoroso controle da conformação da sociedade àqueles princípios constitucionais mínimos, destinados a garantir uma harmoniosa convivência social [88].

Nessa esteira, é possível indicar, com MOREIRA, alguns pontos que, resumidamente, conformam o que chamamos de neoconstitucionalismo, a saber: i) presença invasora da Constituição; ii) maior atuação judicial; iii) revisão completa da teoria da interpretação, da teoria da norma e da teoria das fontes; iv) ênfase nos princípios e nos direitos fundamentais; v) maior presença da ponderação nas decisões judiciais; vi) reflexão do direito não apenas no âmbito de aplicação judicial, mas também afetando opções legislativas e políticas públicas [89].


5. UMA NOVA ORDEM AXIOLÓGICA: A CLÁUSULA GERAL DE TUTELA E PROMOÇÃO DA PESSOA HUMANA

A dignidade da pessoa humana é a pedra angular do ordenamento jurídico brasileiro, porquanto erigida à honrosa qualidade de fundamento de nossa República Federativa (CF, artigo 1º, inciso III). Outrossim, nossa Constituição também expressamente: (i) adotou o postulado da igualdade substancial (CF, artigo 3º [90]), (ii) firmou que os direitos e garantias nela expressos não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte (CF, artigo 5º, § 2º), (iii) sublinhou que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata (CF, artigo 5º, § 1º) e, ainda, (v) asseverou que a proteção dos direitos há de se dar não apenas quando da lesão, senão que também quando da simples ameaça de lesão (CF, artigo 5º, inciso XXXV [91]).

Não se olvide, noutro quadrante, que nossa República detém como objetivos fundamentais, dentre outros, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a erradicação da pobreza e da marginalização e a promoção do bem de todos (CF, artigo 3º, incisos I, III e IV). Demais disso, a Carta Magna acentua, ainda, dentre outras disposições protetivas da dignidade humana, que ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante (CF, artigo 5º, inciso III), verificando-se o resguardo do direito de resposta proporcional ao agravo, além de indenização por dano material, moral ou à imagem (artigo 5º, inciso V), mostrando-se invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação (artigo 5º, inciso X).

Ademais, desta feita no campo infraconstitucional, dispõe a lei que comete ato ilícito aquele que, por ato culposo (omissivo ou comissivo), violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral (CC, artigo 186), bem como aquele que, sendo titular de um direito, ao exercê-lo, exceder manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes (CC, artigo 187). Menciona ainda, que nessas hipóteses, em ocorrendo dano, este há de ser não apenas reparado (CC, artigo 927, caput), mas reparado em toda a sua extensão (CC, artigo 944, caput - princípio da restitutio in integrum).

Não bastasse, também o novel Código Civil vem destacar, expressamente, a possibilidade de se exigir que cesse a ameaça ou a lesão, com relação a direito da personalidade, bem como a possibilidade de reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei (CC, artigo 12), bem assim firma que a vida privada da pessoa natural é inviolável, sendo que o juiz, a requerimento do interessado, poderá adotar todas as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a tal comando normativo (CC, artigo 21).

É importante registrar, ainda, que, bem ao contrário dos direitos de caráter patrimonial - cuja tutela ressarcitória muitas vezes se revela razoavelmente suficiente -, a dignidade humana há de ser tutelada primacialmente na esfera da prevenção, porquanto sua ofensa, regra geral, acarreta repercussões danosas não só com relação ao estrito círculo da pessoa ofendida. Pelo contrário, na grande maioria das vezes a pessoa que é ferida em sua dignidade representa um qualificado fator de ruptura do necessário equilíbrio solidário que socialmente se almeja existir [92]. E essa quebra de harmonia por certo recairá como uma bomba nos alicerces de sua respectiva família, que, por sua vez, ofendida - e em se tratando da célula mater da sociedade -, faz desaguar toda essa densa carga de instabilidade diretamente no campo da sociedade como um todo, não raro dando ensejo a violências e desentendimentos no mais do convívio geral entre as pessoas [93].

Essa perniciosa cadeia, diante da grave extensão de seus efeitos, há de ser, pois, contida ao máximo, através de um aguerrido combate na própria gênese do processo, mormente quando se tem consciência que circunstâncias desse jaez só contribuem negativamente para o alcance do projeto constitucional de construção de uma sociedade solidária, onde reina o bem de todos [94].

Não sem razão, portanto, tais dispositivos devem ser focados à luz de uma interpretação sistêmica, partindo-se do pressuposto inarredável de que a principiologia que neles se encarna representa um genuíno mandado de otimização (Alexy), ou seja, uma incontornável diretriz normativa de promoção e defesa da dignidade humana, na maior amplitude fática possível. Somente assim, na perspectiva desse esmerado constructo, será factível a edificação de um espaço público de plena e genuína afirmação da dignidade humana [95]. Como se percebe, nosso ordenamento jurídico, sob esse prisma, consagra uma verdadeira cláusula geral de tutela e promoção da pessoa humana [96].

Finalmente, com a palavra TEPEDINO, o paladino dessa visão, verbis:

"... a realização plena da dignidade humana, como quer o projeto constitucional em vigor, não se conforma com a setorização da tutela jurídica ou com a tipificação de situações previamente estipuladas, nas quais pudesse incidir o ordenamento. Não parece suficiente o mecanismo simplesmente repressivo, próprio do direito penal, de incidência normativa limitada aos momentos patológicos das relações jurídicas, no momento em que ocorre a violação do direito, sob a moldura de situações-tipo. A tutela da pessoa humana, além de superar a perspectiva setorial (direito público e direito privado), não se satisfaz com as técnicas ressarcitória e repressiva (binômio lesão-sanção), exigindo, ao reverso, instrumentos de proteção do homem, considerado em qualquer situação jurídica de que participe, contratual ou extracontratual, de direito público ou de direito privado. Assim é que, no caso brasileiro, em respeito ao texto constitucional, parece lícito considerar a personalidade não como um novo reduto de poder do indivíduo, no âmbito do qual seria exercido a sua titularidade, mas como valor máximo do ordenamento, modelador da autonomia privada, capaz de submeter toda a atividade econômica a novos critérios de validade. Nesta direção, não se trataria de enunciar um único direito subjetivo ou classificar múltiplos direitos da personalidade, senão, mais tecnicamente, de salvaguardar a pessoa humana em qualquer momento da atividade econômica, quer mediante os específicos direitos subjetivos (previstos pela Constituição e pelo legislador especial - saúde, imagem, nome etc), quer como inibidor de tutela jurídica de qualquer ato jurídico patrimonial ou extrapatrimonial que não atenda à realização da personalidade. (...) Com efeito, a escolha da dignidade da pessoa humana como fundamento da República, associada ao objetivo fundamental de erradicação da pobreza e da marginalização, e de redução das desigualdades sociais, juntamente com a previsão do § 2º do art. 5º, no sentido de não exclusão de quaisquer direitos e garantias, mesmo que não expressos, desde que decorrentes dos princípios adotados pelo texto maior, configuram uma verdadeira cláusula geral de tutela e promoção da pessoa humana, tomada como valor máximo pelo ordenamento" [97].

À luz desse raciocínio, conclui-se que todo e qualquer ato, público ou privado, previamente tipificado ou não, ainda que tão-somente tendente a ofender a dignidade humana, há de ser exemplarmente combatido, valendo destacar que, nesse caso, não há que se falar apenas de um dever geral de abstenção da coletividade, à semelhança da dogmática atinente à esfera patrimonial, mas, ao revés, impõe-se muitas vezes a exigência, ainda que não previamente tipificada em lei ou contrato, de verdadeiros deveres comissivos, a recair sobre os agentes privados, como, por exemplo, o dever dos planos de saúde de cobrirem o tratamento de certas doenças [98].


6. NEOCONSTITUCIONALISMO E REALIDADE CONSTITUCIONAL BRASILEIRA

"... Repito: essa será a Constituição Cidadã, porque recuperará como cidadãos milhões de brasileiros, vítimas da pior das discriminações: a miséria".

Ulysses Guimarães [99]

Toda essa descrição se ajusta como mão à luva ao contexto brasileiro. Como se sabe, o advento da Constituição Federal de 1988 inaugurou uma nova página em nossa história constitucional [100]. Como afirma SARMENTO, "do ponto de vista simbólico, ela quis mesmo representar a superação de um modelo autoritário e excludente de Estado e sociedade e selar um novo começo na trajetória político-institucional do país" [101]. Por tal motivo, nossa atual carta constitucional detém conteúdo altamente comprometido com os ideais democráticos, com a promoção da dignidade humana e com uma destemida proposta de resgate ético do Direito como um todo, capitaneado pelo direito constitucional [102]. Noutros termos: nossa atual Carta Magna decididamente abraçou o neoconstitucionalismo [103].

De fato, juridicamente, a República Federativa do Brasil possui uma Constituição reconhecidamente prenhe de valores substanciais, repleta de objetivos idealistas e marcada, acima de tudo, por uma densa carga de promessas, com estímulo ao travamento de um saudável intercâmbio ético-solidário entre seus cidadãos [104]. Além disso, em um país como o Brasil, ainda apontado como de terceiro mundo, geograficamente extenso e socialmente diversificado, as alvissareiras promessas da Carta da República se apresentam como uma verdadeira "luz no fim do túnel", não havendo como, agora, abortar-se ideais tão nobres e anseios tão dignificantes, mercê de uma visão constitucional gélida e tacanha [105].

Nesses mais de 20 anos de Constituição, muita coisa ainda há por fazer. E a principal delas talvez seja justamente a conscientização de todos da sociedade - principalmente daqueles que diuturnamente lidam com o Direito - acerca do próprio papel da Constituição de 1988. Muitos falam da Constituição, ensinam sobre a Constituição, lidam com a Constituição. Poucos, porém, conhecem a alma da Constituição, a sua essência, a sua vocação, o seu propósito de vida. Vai aqui um pouco da porosidade pós-moderna: nosso vínculo com a Constituição tem sido muitas vezes tíbio, indolente, superficial, líquido. A Constituição está em nossas mesas, mas não ocupou ainda a nossa pauta de prioridades. Seus inúmeros artigos, gravados em nossa mente; seus elevados propósitos, todavia, continuam longe do nosso coração [106].

Eis um quadro que invoca mudança. Como bem lembra AYRES BRITO, o juiz, enquanto um dos próceres do cenário jurídico, tem um "vínculo orgânico com a Constituição e vínculo subjetivo com os direitos fundamentais da população" [107]. O neoconstitucionalismo, nesse prisma, representa um enérgico brado para que a Constituição seja vista e (re)conhecida no que tem de mais belo e importante: um novo olhar, uma nova postura, humana e solidária.

Esse é o ousado projeto neoconstitucionalista. Um constitucionalismo compromissório, dirigente [108]. A Constituição ocupa o centro do ordenamento jurídico. Os direitos fundamentais vicejam como o coração da Constituição. A dignidade da pessoa humana é o precioso líquido carmesim que circula por todas as células do corpo jurídico. Essa novel disposição alinha o sistema, dispondo-o em um lindo arranjo constitucional dotado de perfeita sincronia humanista e vocacionado a homenagear, em alta dosagem, o ser ao invés do ter, as pessoas ao invés das coisas, o existencial ao invés do patrimonial. Razão e sentimento se unem para conduzir, tudo e todos, ao mais glorioso de nossos anseios constitucionais: a paulatina construção de uma sociedade efetivamente livre, realmente justa e verdadeiramente solidária [109].

E, aos ouvidos do direito infraconstitucional, essa afinadíssima sinfonia axiológico-normativa tem se revelado nada mais nada menos que impactante...


Notas

  1. Frase pronunciada quando do recebimento da medalha Teixeira de Freitas, no Instituto dos Advogados Brasileiros, com sede no Rio de Janeiro, em 2003. A primeira parte da frase é de autoria de Paulo Bonavides, ao receber a mesma medalha, em 1998. Fontes: BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 368; MOREIRA, Eduardo Ribeiro. Neoconstitucionalismo: A Invasão da Constituição. (7ª Obra da Coleção Professor Gilmar Mendes). São Paulo: Editora Método, 2008, p. 111.
  2. BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 6ª Edição, São Paulo: Saraiva, 2004, p. 311.
  3. SARMENTO, Daniel. Ubiqüidade Constitucional: Os Dois Lados da Moeda. In A Constitucionalização do Direito - Fundamentos Teóricos e Aplicações Específicas. Coordenadores: NETO, Cláudio Pereira de Souza & SARMENTO, Daniel. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007, p. 126.
  4. "Uma das grandes mudanças de paradigma ocorridas ao longo do século XX foi a atribuição à norma constitucional do status de norma jurídica. Superou-se, assim, o modelo que vigorou na Europa até meados do século passado, no qual a Constituição era vista como um documento essencialmente político, um convite à atuação dos poderes públicos" (BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito. Revista da Escola Nacional da Magistratura. Ano I, n. 02, outubro de 2006, Brasília: Escola Nacional da Magistratura - ENM, p. 31).
  5. "É praticamente impossível encontrar hoje um processo judicial em qualquer área - civil, penal, trabalhista etc. - em que a Constituição não seja em algum momento invocada pelas partes do litígio e depois empregada pelo juiz ou tribunal na fundamentação da decisão. Mas não é só nos tribunais que esse fenômeno se desenrola: nos debates parlamentares, nas reivindicações da sociedade civil e até mesmo na rotina dos tecnocratas o discurso constitucional está, em alguma medida, penetrando. A Constituição tornou-se ubíqua" (SARMENTO, Daniel. Ubiqüidade Constitucional: Os Dois Lados da Moeda. In A Constitucionalização do Direito - Fundamentos Teóricos e Aplicações Específicas. Coordenadores: NETO, Cláudio Pereira de Souza & SARMENTO, Daniel. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007, p. 113).
  6. SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2ª Edição, Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006, p. 46 e 53.
  7. BARCELLOS, Ana Paula de. Neoconstitucionalismo, Direitos Fundamentais e Controle das Políticas Públicas. In Direitos Fundamentais: Estudos em homenagem ao Professor Ricardo Lobo Torres. Organizadores: SARMENTO, Daniel & GALDINO, Flávio. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 31 e 34-35.
  8. CUNHA JÚNIOR. Dirley da. Neoconstitucionalismo e o Novo Paradigma do Estado Constitucional de Direito: Um Suporte Axiológico para a Efetividade dos Direitos Fundamentais Sociais. In Temas de Teoria da Constituição e Direitos Fundamentais. CUNHA JÚNIOR, Dirley da; PAMPLONA FILHO, Rodolfo (organizadores). Salvador: JusPODIVM, 2007, p. 72.
  9. MOREIRA, Nelson Camatta. Dignidade Humana na Constituição Dirigente de 1988. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com/revista/RERE-12-DEZEMBRO-2007-NELSON%20CAMATTA.pdf>. Acesso em: 18 maio 2009.
  10. Apud MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Direitos Humanos, Legitimidade e Constitucionalismo. In Direitos Fundamentais: Estudos em homenagem ao Professor Ricardo Lobo Torres. Organizadores: SARMENTO, Daniel & GALDINO, Flávio. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 342.
  11. MONTEZ, Marcus Vinícius Lopes. A Constituição Dirigente Realmente Morreu? Disponível em: <http://www.viajuridica.com.br/download/158_file.doc>. Acesso em: 18 maio 2009. Lenio Luiz Streck, nesse mesmo sentido, afirma: "... é preciso compreender que o direito - neste momento histórico - não é mais ordenador, como na fase liberal; tampouco é (apenas) promovedor, como era na fase conhecida por ‘direito do Estado Social’ (que nem sequer ocorreu na América Latina); na verdade, o direito, na era do Estado Democrático de Direito, é um plus normativo/qualitativo em relação às fases anteriores, porque agora é um auxiliar no processo de transformação da realidade" (STRECK, Lenio Luiz. A Resposta Hermenêutica à Discricionariedade Positivista em Tempos de Pós-Positivismo. In Teoria do Direito Neoconstitucional: Superação ou Reconstrução do Positivismo Jurídico? DIMOULIS, Dimitri; DUARTE, Écio Oto (coordenadores). São Paulo: Método, 2008, p. 289). Noutra obra, afirma ainda o referido autor: "O Estado Democrático de Direito representa, assim, a vontade constitucional de realização do Estado Social. É nesse sentido que ele é um plus normativo em relação ao direito promovedor-intervencionista próprio do Estado Social de Direito. (...) Desse modo, se na Constituição se coloca o modo, é dizer, os instrumentos para buscar/resgatar os direitos de segunda e terceira gerações, (...) é porque no contrato social - do qual a Constituição é a explicitação - há uma confissão de que as promessas da realização da função social do Estado não foram (ainda) cumpridas. (...) A noção de Estado Democrático de Direito está, pois, indissociavelmente ligada à realização dos direitos fundamentais. É desse liame indissolúvel que exsurge aquilo que se pode denominar de plus normativo do Estado Democrático de Direito. (...) A essa noção de Estado se acopla o conteúdo das Constituições, através dos valores substantivos que apontam para uma mudança no status quo da sociedade" (STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise: Uma Exploração Hermenêutica da Construção do Direito. 6ª Edição. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2005, p. 38-40).
  12. BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 90-91.
  13. Como frisa Luís Roberto Barroso: "A aproximação das idéias de constitucionalismo e democracia produziu uma nova forma de organização política, que atende por nomes diversos: Estado democrático de direito, Estado constitucional de direito, Estado constitucional democrático. Seria mau investimento de tempo e energia especular sobre sutilezas semânticas da matéria" (BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 245).
  14. "O que caracteriza, do ponto de vista da ideologia jurídica, a passagem do Estado Social ao Estado Democrático de Direito é a substituição do paradigma positivista e utilitarista pelo do pós-positivismo. O pensamento jurídico se afasta assim do positivismo historicista ou sociológico, à moda de Marx, Comte ou Max Weber, como do normativista, segundo o modelo de Kelsen, Merkel ou Hart. Abandona tanto os pressupostos da jurisprudência dos conceitos(Begriffjurisprudenz), quanto da jurisprudência dos interesses (Interessenjurisprudenz), na busca de uma jurisprudência dos valores (Wertungsjurisprudenz) ou dos princípios (Prinzipienjurisprudenz). Troca a matriz hegeliana pela kantiana" (TORRES, Ricardo Lobo. A Constitucionalização do Direito Financeiro. In A Constitucionalização do Direito - Fundamentos Teóricos e Aplicações Específicas. Coordenadores: NETO, Cláudio Pereira de Souza & SARMENTO, Daniel. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007, p. 963). Na mesma linha ensina Eduardo Ribeiro Moreira, para quem "as democracias constitucionais nas últimas décadas parecem demandar uma nova teoria do direito, que vá além dos moldes positivistas" (MOREIRA, Eduardo Ribeiro. Neoconstitucionalismo: A Invasão da Constituição. 7ª Obra da Coleção Professor Gilmar Mendes. São Paulo: Editora Método, 2008, p. 221).
  15. BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito. Revista da Escola Nacional da Magistratura. Ano I, n. 02, outubro de 2006, Brasília: Escola Nacional da Magistratura - ENM, p. 26.
  16. Como diz Cecilia Caballero Lois: "Trata-se de perceber que a prática constitucional é notoriamente marcada pela ineficiência/deficiência em torno da aplicação da Constituição. Essa carência é, antes de mais nada, uma carência da teoria que sustenta a prática. Assim, mesmo que não se desconheça a dimensão essencialmente pragmática de alguns dilemas que o constitucionalismo atravessa, não se pode deixar de reconhecer que o caminho para solucionar a maioria desses impasses passa por uma elaboração mais sistemática, de cunho interdisciplinar" (LOIS, Cecilia Caballero. Teoria Constitucional e Neoconstitucionalismo no Limiar do Século XXI: Mudança Política e Aceitabilidade Racional no Exercício da Função Jurisdicional. In A Constituição como Espelho da Realidade: Interpretação e Jurisdição Constitucional em Debate: Homenagem a Silvio Dobrowolski. LOIS, Cecilia Caballero; BASTOS JÚNIOR, Luiz Magno Pinto; LEITE, Roberto Basilone (coordenadores). São Paulo: LTr, 2007, p. 239). A respeito, Lenio Luiz Streck cita o que chama de "barreiras à plena implementação do novo paradigma representado pelo Estado Democrático de Direito", quais sejam: "as fontes sociais (característica superada pelo constitucionalismo compromissório e dirigente), separação entre direito e moral (superada pela co-originariedade entre direito e moral, assumindo especial relevância, neste aspecto, os princípios como introdução do mundo prático no direito) e a discricionariedade (superada por uma hermenêutica não relativista, para além das posturas analítico-metódicas que sustentam as diversas posturas ainda arraigadas ao esquema sujeito-objeto, cerne de qualquer positivismo que ainda resiste ao novo constitucionalismo)" (STRECK, Lenio Luiz. A Crise Paradigmática do Direito no Contexto da Resistência Positivista ao (Neo)Constitucionalismo. In Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região. Suplemento Especial Comemorativo. Belém. v. 41, n. 81, Jul./Dez./2008, p. 283).
  17. Sobre a temática da ascensão e decadência do jusnaturalismo e positivismo jurídicos, vale conferir os magistrais textos: BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos Teóricos e Filosóficos do Novo Direito Constitucional Brasileiro (Pós-modernidade, Teoria Crítica e Pós-Positivismo). In A Nova Interpretação Constitucional: Ponderação, Direitos Fundamentais e Relações Privadas. BARROSO, Luís Roberto (organizador). 2ª Edição. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, 1-48; BARROSO, Luís Roberto; BARCELLOS, Ana Paula de. O Começo da História. A Nova Interpretação Constitucional e o Papel dos Princípios no Direito Brasileiro. In A Nova Interpretação Constitucional: Ponderação, Direitos Fundamentais e Relações Privadas. BARROSO, Luís Roberto (organizador). 2ª Edição. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, 327-378. Em texto mais recente, averbou Luís Roberto Barroso que o pós-positivismo se apresenta "como uma terceira via entre as concepções positivista e jusnaturalista: não trata com desimportância as demandas do Direito por clareza, certeza e objetividade, mas não o concebe desconectado de uma filosofia moral e de uma filosofia política. Contesta, assim, o postulado positivista de separação entre Direito, moral e política, não para negar a especificidade do objeto de cada um desses domínios, mas para reconhecer que essas três dimensões se influenciam mutuamente também quando da aplicação do Direito, e não apenas quando de sua elaboração. No conjunto de idéias ricas e heterogêneas que procuram abrigo nesse paradigma em construção, incluem-se a reentronização dos valores na interpretação jurídica, com o reconhecimento de normatividade aos princípios e de sua diferença qualitativa em relação às regras; a reabilitação da razão prática e da argumentação jurídica; a formação de uma nova hermenêutica; e o desenvolvimento de uma teoria dos direitos fundamentais edificada sobre a dignidade da pessoa humana. Nesse ambiente, promove-se uma reaproximação entre o Direito e a Ética" (BARROSO, Luís Roberto. Vinte Anos da Constituição Brasileira de 1988: O Estado a que Chegamos. In Retrospectiva dos 20 Anos da Constituição Federal. AGRA, Walber de Moura (coordenador). São Paulo: Saraiva, 2009, p. 381-382).
  18. BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos Teóricos e Filosóficos do Novo Direito Constitucional Brasileiro (Pós-modernidade, Teoria Crítica e Pós-Positivismo). In A Nova Interpretação Constitucional: Ponderação, Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Luís Roberto Barroso (organizador). 2ª Edição. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 27-28.
  19. Sobre tão complexa temática, focando na extrema importância atribuída aos princípios nessa nova instância de reflexão, BONAVIDES também nos oferta excelentes reflexões, verbis: "É na idade do pós-positivismo que tanto a Doutrina do Direito Natural como a do velho positivismo ortodoxo vêm abaixo, sofrendo golpes profundos e crítica lacerante, provenientes de uma reação intelectual implacável, capitaneada sobretudo por Dworkin, jurista de Harvard. Sua obra tem valiosamente contribuído para traçar e caracterizar o ângulo novo de normatividade definitiva reconhecida aos princípios. (...) A construção doutrinária da normatividade dos princípios provém, em grande parte, do empenho da Filosofia e da Teoria Geral do Direito em buscarem um campo neutro onde se possa superar a antinomia clássica Direito Natural/Direito Positivo. (...) Em resumo, a teoria dos princípios chega à presente fase do pós-positivismo com os seguintes resultados já consolidados: a passagem dos princípios da especulação metafísica e abstrata para o campo concreto e positivo do Direito, com baixíssimo teor de densidade normativa; a transição crucial da ordem jusprivatista (sua antiga inserção nos Códigos) para a órbita juspublicística (seu ingresso nas Constituições); a suspensão da distinção clássica entre princípios e normas; o deslocamento dos princípios da esfera da jusfilosofia para o domínio da Ciência Jurídica; a proclamação de sua normatividade; a perda de seu caráter de normas programáticas; o reconhecimento definitivo de sua positividade e concretude por obra sobretudo das Constituições; a distinção entre regras e princípios, como espécies diversificadas do gênero norma, e, finalmente, por expressão máxima de todo esse desdobramento doutrinário, o mais significativo de seus efeitos: a total hegemonia e preeminência dos princípios" (BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 19ª Edição, São Paulo: Editora Malheiros, 2006, p. 265, 276 e 294).
  20. Lei de Introdução ao Código Civil, Art. 4º: "Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito".
  21. SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Fundamentação e Normatividade dos Direitos Fundamentais: Uma Reconstrução Teórica à Luz do Princípio Democrático. In A Nova Interpretação Constitucional: Ponderação, Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Organizador: BARROSO, Luís Roberto. 2ª Edição, Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 305. A respeito, é de todos conhecida a famosa conceituação de princípios ofertada por Celso Antonio Bandeira de Mello, verbis: "Princípio - já averbamos alhures - é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo" (MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 4ª Edição, São Paulo: Malheiros, 1993, p. 408-409). Com relação à total reestruturação da hierarquia das fontes do direito, proporcionada pelo neoconstitucionalismo, ensina, por exemplo, Eduardo Ribeiro Moreira: "Quanto à eqüidade, tida por muitos como fonte do direito, é ela integrante do neoconstitucionalismo como teoria do direito, que se baseia na pretensão de correção. Eqüidade equivale à pretensão de correção, racionalmente justificada. Assim é alcançada a eqüidade, que deixa de ser considerada o último recurso ou fonte alternativa à completude do ordenamento para se projetar como parte integrante, presente na teoria neoconstitucionalista" (MOREIRA, Eduardo Ribeiro. Neoconstitucionalismo: A Invasão da Constituição. 7ª Obra da Coleção Professor Gilmar Mendes. São Paulo: Editora Método, 2008, p. 187). No que tange à relação entre princípios constitucionais e princípios gerais de direito, afirma Paulo Lôbo que "o conceito de princípio constitucional não se confunde com o de ‘princípio geral de direito’, empregado pela Lei de Introdução ao Código Civil. O art. 4º dessa lei, como sabemos, estabelece a regra de non liquet, proibindo o juiz de não julgar quando a lei for omissa, determinando que, se não houver costumes, devem ser aplicados os princípios gerais do direito. Estes têm, conseqüentemente, função supletiva, ou seja, primeiro a lei, depois os costumes, e por fim os princípios, como normas de clausura ou de completude do sistema jurídico. Ao contrário, os princípios constitucionais explícitos ou implícitos não são supletivos. São inícios, pontos de partida, fundamentos que informam e conformam a lei. A operação hermenêutica que estava invertida foi devidamente reposicionada: em primeiro lugar o princípio constitucional, depois a lei fundamentada nele" (LÔBO, Paulo. A Constitucionalização do Direito Civil Brasileiro. In Direito Civil Contemporâneo: Novos Problemas à Luz da Legalidade Constitucional: Anais do Congresso Internacional de Direito Civil-Constitucional da Cidade do Rio de Janeiro. TEPEDINO, Gustavo (organizador). São Paulo: Atlas, 2008, p. 22). De fato, essa inversão axiológica firmada no plano constitucional parece ter operado a superação daquele modelo anterior, de cunho positivista, onde os princípios só se apresentavam ao intérprete jurídico ocasionalmente, como derradeira alternativa. Atualmente, pelo contrário, os princípios constitucionais se ofertam ao intérprete já, necessariamente, no início de atividade intelectiva, conformando-a, mesmo que sequer haja qualquer omissão legislativa. Nessa linha, afirma Paulo Bonavides, a nosso ver com inteira razão, que "desde a constitucionalização dos princípios, fundamento de toda a revolução principial, os princípios constitucionais outra coisa não representam senão os princípios gerais de Direito, ao darem estes o passo decisivo de sua peregrinação normativa, que, inaugurada nos códigos, acaba nas Constituições" (BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 19ª Edição, São Paulo: Editora Malheiros, 2006, p. 291).
  22. Como ensina Pietro Perlingieri, "é preciso reconhecer não só o valor normativo dos princípios e das normas constitucionais, mas também a supremacia deles" (PERLINGIERI, Pietro. A Doutrina do Direito Civil na Legalidade Constitucional. In Direito Civil Contemporâneo: Novos Problemas à Luz da Legalidade Constitucional: Anais do Congresso Internacional de Direito Civil-Constitucional da Cidade do Rio de Janeiro. TEPEDINO, Gustavo (organizador). São Paulo: Atlas, 2008, p. 1). Também Paulo Bonavides, quanto aos princípios, assere: "Postos no ponto mais alto da escala normativa, eles mesmos, sendo normas, se tornam, doravante, as normas supremas do ordenamento. Servindo de pautas ou critérios por excelência para a avaliação de todos os conteúdos normativos, os princípios, desde sua constitucionalização, que é ao mesmo passo positivação no mais alto grau, recebem como instância valorativa máxima categoria constitucional, rodeada do prestígio e da hegemonia que se confere às normas inseridas na Lei das Leis. Com esta relevância adicional, os princípios se convertem igualmente em norma normarum, ou seja, norma das normas" (BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 19ª Edição, São Paulo: Editora Malheiros, 2006, p. 289-290).
  23. A respeito desse importante personagem bíblico, confira-se: ALMEIDA, João Ferreira de (tradutor). Bíblia Sagrada. Revista e Corrigida. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 1995, Velho Testamento, Gênesis, capítulos 37 a 50.
  24. Segundo Paulo Bonavides, a juridicidade dos princípios passa por três distintas fases: "i) a jusnaturalista: cuida-se da fase mais antiga, onde os princípios habitavam ainda em uma esfera por inteiro abstrata e detinham normatividade por demais duvidosa, mais se ajustando, em verdade, a uma dimensão meramente ético-valorativa que inspirava postulados de justiça; ii) a juspositivista: aqui os princípios adentram nos Códigos, tornando-se inequivocamente jurídicos, porém apenas como fonte normativa subsidiária, o que lhe castrou a normatividade; iii) pós-positivista: corresponde aos grandes momentos constituintes das últimas décadas do século XX, onde se acentua a hegemonia axiológica dos princípios, tratados verdadeiramente como direito, com força vinculante e tudo, convertidos que foram em pedestal normativo sobre o qual assenta todo o edifício jurídico dos novos sistemas constitucionais" (BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 19ª Edição, São Paulo: Editora Malheiros, 2006, p. 259-266).
  25. BARROSO, Luís Roberto; BARCELLOS, Ana Paula de. O Começo da História. A Nova Interpretação Constitucional e o Papel dos Princípios no Direito Brasileiro. In A Nova Interpretação Constitucional: Ponderação, Direitos Fundamentais e Relações Privadas. BARROSO, Luís Roberto (organizador). 2ª Edição. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 338.
  26. BARCELLOS, Ana Paula de. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais: O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 51-55. A distinção entre regras e princípios também é traçada de forma objetiva e sintética por Luiz Flávio Gomes, quando acentua: "Regras e princípios (‘conflito’ versus ‘colisão’): o Direito se expressa por meio de normas. As normas se exprimem por meio de regras ou princípios. As regras disciplinam uma determinada situação; quando ocorre essa situação, a norma tem incidência; quando não ocorre, não tem incidência. Para as regras vale a lógica do tudo ou nada (Dworkin). Quando duas regras colidem, fala-se em ‘conflito’; ao caso concreto uma só será aplicável (uma afasta a aplicação da outra). O conflito entre regras deve ser resolvido pelos meios clássicos de interpretação: a lei especial derroga a lei geral, a lei posterior afasta a anterior etc. Princípios são as diretrizes gerais de um ordenamento jurídico (ou de parte dele). Seu espectro de incidência é muito mais amplo que o das regras. Entre eles pode haver ‘colisão’, não conflito. Quando colidem, não se excluem. Como ‘mandados de otimização’ que são (Alexy), sempre podem ter incidência em casos concretos (às vezes, concomitantemente dois ou mais deles)" (GOMES, Luiz Flávio. Normas, Regras e Princípios: Conceitos e Distinções. Jusnavigandi, Teresina/PI, ano 9, n. 851, 1 nov. 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/7527>. Acesso em: 18 maio 2009). Para a leitura das concepções jurídicas de Ronald Dworkin e Robert Alexy a respeito do tema, confira-se: DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002; ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros Editores, 2008. Para uma visão crítica do tema, confira-se: ÁVILA, Humberto Bergmann. Teoria dos Princípios: Da Definição à Aplicação dos Princípios Jurídicos. 7ª Edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2007. Para um estudo mais aprofundado acerca da teoria jurídica de Ronald Dworkin: HONEYBALL, Simon; WALTER, James. Integrity, Community and Interpretation: A Critical Analysis of Ronald Dworkin’s Theory of Law. Aldershot: Dartmouth, 1998. Para uma análise mais acurada e conjunta acerca da teoria dos princípios de Ronald Dworkin e Robert Alexy: FIGUEROA, Alfonso Garcia. Principios y Positivismo Jurídico.Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 1998; LEIVAS, Paulo Gilberto Cogo. Teoria dos Direitos Fundamentais Sociais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2006. Com relação ao "tudo ou nada" dworkiano atinente às regras, vale conhecer visão que relativiza esse entendimento, autorizando-se o afastamento da própria regra de direito quando, embora diante, in abstracto, de um caso perfeitamente aplicável, a conseqüência de sua incidência fática, in concrecto, produza efeitos que afrontem ditames substanciais constitucionais. É o que Eduardo Ribeiro Moreira, por exemplo, chama de "derrotabilidade da norma". Confira-se sua lição: "O terceiro sentido da interpretação conforme a Constituição é verificado somente no caso concreto, quando, excepcionalmente, os efeitos da regra são retirados, por uma situação excepcionalmente não prevista (post factum). (...) Esse é um dos grandes avanços sustentados pelo neoconstitucionalismo, pois afasta as exceções que combatem a ponderação, sobretudo de regras que se afirmam em uma (errada) ponderação das regras. (...) Muitas das afirmações para deslegitimar a ponderação, como as realizadas por Humberto Ávila, na sua ‘teoria dos princípios’, caem por terra. Elas são, na verdade, hipóteses de derrotabilidade da norma. (...) A derrotabilidade (...) dá à norma a possibilidade de conviver no ordenamento, sem que perca sua carga de regra, porque importou em uma exceção. (...) A regra sofrerá efeito excepcional e não incidirá, casuisticamente, pela sua derrotabilidade factual - após a inferência no caso concreto, mas nunca abstrata. (...) Não se trata de ponderar regras - efeito exclusivo dos princípios -, mas de aceitar, via o terceiro sentido da interpretação conforme a Constituição, a sua derrotabilidade" (MOREIRA, Eduardo Ribeiro. Neoconstitucionalismo: A Invasão da Constituição. 7ª Obra da Coleção Professor Gilmar Mendes. São Paulo: Editora Método, 2008, p. 89 e 94-95).
  27. Para uma interessante defesa do positivismo jurídico no direito contemporâneo, confira-se: DIMOULIS, Dimitri. Positivismo Jurídico: Introdução a uma Teoria do Direito e Defesa do Pragmatismo Jurídico-Político. 2ª Obra da Coleção Professor Gilmar Mendes. São Paulo: Editora Método, 2006.
  28. BARROSO, Luís Roberto; BARCELLOS, Ana Paula de. O Começo da História. A Nova Interpretação Constitucional e o Papel dos Princípios no Direito Brasileiro. In A Nova Interpretação Constitucional: Ponderação, Direitos Fundamentais e Relações Privadas. BARROSO, Luís Roberto (organizador). 2ª Edição. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 339-340.
  29. BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito. Revista da Escola Nacional da Magistratura. Ano I, n. 02, outubro de 2006, Brasília: Escola Nacional da Magistratura - ENM, p. 35. Para um interessante estudo acerca da textura aberta da linguagem e dos textos normativos, confira-se: STRUCHINER, Noel. Direito e Linguagem: Uma Análise da Textura Aberta da Linguagem e sua Aplicação ao Direito. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
  30. Sobre as técnicas hermenêuticas engendradas na órbita constitucional, vale conferir: BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 6ª Edição, São Paulo: Saraiva, 2006; BARROSO, Luís Roberto; BARCELLOS, Ana Paula de. O Começo da História. A Nova Interpretação Constitucional e o Papel dos Princípios no Direito Brasileiro. In A Nova Interpretação Constitucional: Ponderação, Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Organizador: BARROSO, Luís Roberto. 2ª Edição, Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 327-378; SARMENTO, Daniel. A Ponderação de Interesses na Constituição Federal. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2003; BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 19ª Edição, São Paulo: Editora Malheiros, 2006, p. 488-524; TAVARES, André Ramos. Fronteiras da Hermenêutica Constitucional. 1ª Obra da Coleção Professor Gilmar Mendes. São Paulo: Editora Método, 2006; COELHO, Inocêncio Mártires. Interpretação Constitucional. 3ª Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2007, p. 88-91; SILVA, Christiane Oliveira Peter da. Hermenêutica de Direitos Fundamentais: Uma Proposta Constitucionalmente Adequada. Brasília: Brasília Jurídica, 2005; QUEIROZ, Cristina. Interpretação Constitucional e Poder Judicial: Sobre a Epistemologia da Construção Constitucional. Coimbra: Coimbra Editora, 2000; PEREIRA, Rodolfo Viana. Hermenêutica Filosófica e Constitucional. 2ª Edição. Belo Horizonte: Del Rey, 2006; PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Interpretação Constitucional e Direitos Fundamentais: Uma Contribuição ao Estudo das Restrições aos Direitos Fundamentais na Perspectiva da Teoria dos Princípios. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. Para um interessante estudo crítico sobre o tema, confira-se obra já consagrada: STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise - Uma Exploração Hermenêutica da Construção do Direito. 6ª Edição, Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2005.
  31. Sobre esse assunto, leciona André Ramos Tavares: "Tradicionalmente, a interpretação era compreendida apenas como a descoberta do sentido do texto normativo... (...) A partir da concretização (conceito moderno de interpretação), incluem-se, no processo de compreensão da norma, os fatos, como elementos inseparáveis desse mesmo processo (e da norma), e não apenas como um objeto sobre o qual se debruça ou em relação ao qual se reporta a disposição normativa" (TAVARES, André Ramos. Fronteiras da Hermenêutica Constitucional. [1ª Obra da Coleção Professor Gilmar Mendes]. São Paulo: Editora Método, 2006, p. 60-61). Confira-se, ainda, a respeito: SILVA. Kelly Susane Alfen da. Hermenêutica Jurídica e Concretização Judicial. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2000.
  32. Com relação à temática, destaca Luís Roberto Barroso: "A colisão entre princípios constitucionais decorre (...) do pluralismo, da diversidade de valores e de interesses que se abrigam no documento dialético e compromissório que é a Constituição" (BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 329). Tangente ao tema, vale conferir também: ALEXY, Robert. Constitucionalismo Discursivo. Tradução de Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2007, particularmente o capítulo 3.
  33. A respeito, ensina Daniel Sarmento: "O pluralismo de idéias existente na sociedade projeta-se na Constituição, que acolhe, através de seus princípios, valores e interesses dos mais diversos matizes. Tais princípios, como temos visto no decorrer deste estudo, entram às vezes em tensão na solução de casos concretos. (...) Assim, a ponderação de interesses consiste justamente no método utilizado para a resolução destes conflitos constitucionais" (SARMENTO, Daniel. A Ponderação de Interesses na Constituição Federal. 1ª Edição. 3ª Tiragem. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2003, p. 97). Assim, como bem observam Luís Roberto Barroso e Ana Paula de Barcellos, "a ponderação ingressou no universo da interpretação constitucional como uma necessidade, antes que como uma opção filosófica ou ideológica" (BARROSO, Luís Roberto; BARCELLOS, Ana Paula de. O Começo da História. A Nova Interpretação Constitucional e o Papel dos Princípios no Direito Brasileiro. In A Nova Interpretação Constitucional: Ponderação, Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Organizador: BARROSO, Luís Roberto. 2ª Edição, Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 348). Sobre ponderação, vale conferir também: BARCELLOS, Ana Paula de. Ponderação, Racionalidade e Atividade Jurisdicional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005; BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009.
  34. Sobre o tema, segue o magistério de Luís Roberto Barroso: "A argumentação jurídica desenvolveu-se, especialmente, no quarto final do século passado. Liga-se ela à idéia de que a solução dos problemas que envolvem a aplicação do Direito nem sempre poderá ser deduzida do relato da norma, mas terá de ser construída indutivamente, tendo em conta fatos, valores e escolhas. As diferentes teorias da argumentação jurídica têm por objetivo estruturar o raciocínio jurídico, de modo a que ele seja lógico e transparente, aumentando a racionalidade do processo de aplicação do Direito e permitindo um maior controle da justificação das decisões judiciais" (BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 340). A respeito, vale conferir ainda: MENDONÇA, Paulo Roberto Soares. A Argumentação nas Decisões Judiciais. 3ª Edição. Rio de Janeiro: Renovar, 2007; ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: A Teoria do Discurso Racional como Teoria da Justificação Jurídica. Tradução de Zilda Hutchinson Schild Silva. 2ª Edição. São Paulo: Landy Editora, 2005; BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Argumentação Contra Legem: A Teoria do Discurso e a Justificação Jurídica nos Casos Mais Difíceis. Rio de Janeiro: Renovar, 2005; DUARTE, Écio Oto Ramos. Teoria do Discurso e Correção Normativa do Direito - Aproximação à Metodologia Discursiva do Direito. 2ª Edição, São Paulo: Landy Editora, 2004. Sobre a ligação entre ponderação e argumentação, vale conferir o escólio de Eduardo Ribeiro Moreira: "A hermenêutica jurídica tradicional não diz porque uma premissa metodológica foi escolhida e não outra; com isso, a opção por um princípio sem comparação a outro princípio permite a atividade interpretativa dissociada da argumentação jurídica. Com a ponderação, acontece o contrário: o porquê de um premissa ser preferida à outra deve ser respondido pelos subprincípios da ponderação e pela teoria da argumentação jurídica. Vê-se que argumentação e ponderação são elementos que se completam, indissociados, com o primeiro servindo de baliza estruturante para a ponderação entre direitos fundamentais em conflito. Na verdade, o melhor enquadramento da ponderação é como critério argumentativo procedimental" (MOREIRA, Eduardo Ribeiro. Neoconstitucionalismo: A Invasão da Constituição. 7ª Obra da Coleção Professor Gilmar Mendes. São Paulo: Editora Método, 2008, p. 99).
  35. SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Jurisdição Constitucional, Democracia e Racionalidade Prática. Rio de Janeiro-São Paulo: Renovar, 2002, p. 12-14.
  36. Para uma visão crítica do neoconstitucionalismo, confira-se: DIMOULIS, Dimitri; DUARTE, Écio Oto (coordenadores). Teoria do Direito Neoconstitucional: Superação ou Reconstrução do Positivismo Jurídico? São Paulo: Método, 2008; CARBONELL, Miguel (organizador). Neoconstitucionalismo(s). Madrid: Trotta, 2003; CARBONELL, Miguel (organizador). Teoría del Neoconstitucionalismo: Ensayos Escogidos. Madrid: Trotta, 2007; DUARTE, Écio Oto; POZZOLO, Susanna. Neoconstitucionalismo e Positivismo Jurídico: As faces da Teoria do Direito em Tempos de Interpretação Moral da Constituição. São Paulo: Landy Editora, 2006.
  37. A visão principiológica, enquanto mandado de otimização, fruto do pensamento de Alexy, leva à superação da clássica distinção entre "ser" e "dever ser", porquanto, tencionando se concretizar na medida das possibilidades fáticas e jurídicas, faz surgir um novo plano no Direito, o do "poder ser".
  38. Nesse sentido, ensina Eros Grau: "Parto da afirmação de que texto e norma - texto normativo, preceito, enunciado - não se identificam. A norma jurídica é produzida pelo intérprete. É uma construção do intérprete. A tarefa do legislador se esgota na produção do texto. (...) A interpretação se processa da seguinte forma: tenho o texto e tenho a realidade. Interpreto o texto e também considero a realidade, construindo a norma jurídica geral. Extraio do texto a norma que preexiste lá, mas que é conformada também pela realidade. Após ter construído as normas gerais, produzo uma segunda norma, a norma de decisão do caso concreto. Somente então se realiza o processo de concretização do direito. A norma é produzida no curso deste processo de concretização, mas não apenas a partir do texto, porém também a partir dos dados da realidade a que ela se aplica. Por isto, a norma é sempre determinada histórica e socialmente. (...) O nosso Código Penal é da primeira metade dos anos 40. Imagine-se em 1945 uma mulher que fosse à praia ou à piscina com um maiô de duas peças, cavado. Ficava sujeita a uma ação policial por conta de atentado violento ao pudor. O texto não mudou. Imagine-se agora uma mulher que vá hoje à praia ou à piscina... (...) Esta mulher certamente não seria incomodada pela autoridade policial. Vejam os senhores: o texto é o mesmo, mas a realidade foi reconformada. Daí compreendermos que a norma que se pode extrair do mesmo texto é outra. Porque ela é também composta a partir da própria realidade" (GRAU, Eros. Técnica Legislativa e Hermenêutica Contemporânea. In Direito Civil Contemporâneo: Novos Problemas à Luz da Legalidade Constitucional: Anais do Congresso Internacional de Direito Civil-Constitucional da Cidade do Rio de Janeiro. TEPEDINO, Gustavo (organizador). São Paulo: Atlas, 2008, p. 286).
  39. Registre-se, neste momento, que para Eduardo Ribeiro Moreira o termo pós-positivismo representa mera "nomenclatura de transição", tendo expressado, para o autor, apenas a fase inicial do que hoje chamamos de neoconstitucionalismo. A respeito, confira-se: MOREIRA, Eduardo Ribeiro. Neoconstitucionalismo: A Invasão da Constituição. 7ª Obra da Coleção Professor Gilmar Mendes. São Paulo: Editora Método, 2008, p. 48.
  40. Segundo Ricardo Maurício Freire Soares, "o modelo jurídico do neoconstitucionalismo não parece coadunar-se com a perspectiva positivista, que se mostra tanto antiquada, por haver surgido no contexto do Estado Liberal, quanto inadequada, por não incorporar os standards de moralidade ao estudo do Direito. O paradigma de ciência jurídica que exige o neoconstitucionalismo contrasta também com aquele defendido pelo positivismo jurídico. Rejeitam-se, assim, as noções de distanciamento, neutralidade valorativa e função descritiva da ciência jurídica, para incorporar-se as idéias de compromisso, intervenção axiológica, prioridade prática e caráter político do conhecimento científico do Direito" (SOARES, Ricardo Maurício Freire. As Teses Fundamentais do Neoconstitucionalismo. In Estado de Direito, Porto Alegre (RS), Ano II, edição de fevereiro/março de 2008, p. 16).
  41. Como preceitua Luís Roberto Barroso: "A efetividade foi o rito de passagem do velho para o novo direito constitucional, fazendo com que a Constituição deixasse de ser uma miragem, com as honras de uma falsa supremacia, que não se traduzia em proveito para a cidadania" (BARROSO, Luís Roberto. Vinte Anos da Constituição Brasileira de 1988: O Estado a que Chegamos. In Retrospectiva dos 20 Anos da Constituição Federal. AGRA, Walber de Moura (coordenador). São Paulo: Saraiva, 2009, p. 380). Esse contraste entre o velho e o novo, entre a dogmática tradicional e a contemporânea, é muito bem gizado por SCHIER, in verbis: "Viveu-se no Direito, por longos anos, sob o quarto escuro e empoeirado do positivismo jurídico. Sob a ditadura dos esquemas lógico-subsuntivos de interpretação, da separação quase absoluta entre direito e moral, da idéia do juiz neutro e passivo, da redução do direito a enunciados lingüísticos, da repulsa aos fatos e à vida em relação a tudo que se dissesse jurídico, da separação metodológica e cognitiva entre sujeito e objeto de interpretação, da prevalência sempre inafastável das opções do legislador em detrimento das opções da constituição e da criatividade hermenêutica do juiz, da negação de normatividade aos princípios e, assim, em grande parte, à própria Constituição. Precisou o neoconstitucionalismo trazer a luz e as águas reparadoras ao mundo do Direito. Agora, fala-se do pós-positivismo, da inevitável intervenção da moral na solução dos casos difíceis, da técnica da ponderação na aplicação do direito, no ingresso dos fatos e da realidade na própria estrutura da norma jurídica, reconhece-se certa liberdade interpretativa criativa aos magistrados, a intervenção de sua esfera de pré-compreensão no processo decisório, a união lingüística entre sujeito e objeto e, dentre outras conquistas, a afirmação da especial normatividade dos princípios" (SCHIER, Paulo Ricardo. Novos Desafios da Filtragem Constitucional no Momento do Neoconstitucionalismo. In A Constitucionalização do Direito - Fundamentos Teóricos e Aplicações Específicas. Coordenadores: NETO, Cláudio Pereira de Souza & SARMENTO, Daniel. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007, p. 253-254).
  42. A estruturação que se segue é inspirada em: MOREIRA, Eduardo Ribeiro. Neoconstitucionalismo: A Invasão da Constituição. (7ª Obra da Coleção Professor Gilmar Mendes). São Paulo: Editora Método, 2008, p. 73-80.
  43. Luís Roberto Barroso, embora destacando que o uso desse termo - constitucionalismo - remonta a um momento da história humana não tão distante assim, também recorda, por outro lado, que "as idéias centrais abrigadas em seu conteúdo remontam à Antigüidade Clássica, mais notadamente ao ambiente da Polis grega, por volta do ano V a.C. As instituições políticas ali desenvolvidas e o luminoso pensamento filosófico de homens como Sócrates (470-399 a.C.), Platão (427-347 a.C.) e Aristóteles (384-322 a.C.) atravessaram os séculos e ainda são reverenciados dois milênios e meio depois" (BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 5).
  44. BINENBOJM, Gustavo. A Nova Jurisdição Constitucional Brasileira: Legitimidade Democrática e Instrumentos de Realização. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 15-16 e 23. Eduardo Ribeiro Moreira, estudioso do neoconstitucionalismo, traça a linha histórica do tema, até chegar ao ponto atual, in verbis: "1. Constitucionalismo antigo - presente no período monárquico; 2. Constitucionalismo moderno liberal - em que jusnaturalismo e positivismo se enfrentam, com prevalência do segundo modelo, adaptado às pretensões dos liberais; 3. Constitucionalismo social - das Constituições sociais, que ora adotavam o positivismo jurídico, ora adotavam uma vertente do realismo jurídico, que se traduz, em duas palavras, pela dimensão sociológica e empírica do direito, mais afeito aos ideais socialistas; 4. Constitucionalismo do pós-guerra mundial - em que as apostas das Constituições democráticas foram elaboradas como um feixe de normas constitucionais principiológicas e a defesa em torno de uma jurisdição constitucional. Nesse percalço de meio século, as variações das teorias do direito adotadas passaram por um positivismo exclusivo, por diversas manifestações do positivismo inclusivo, até chegar a um neoconstitucionalismo pautado nas transformações ocorridas pela constitucionalização do direito. Aposta em um Estado ponderador, e não em um Estado polarizado; 5. Constitucionalismo total - novo paradigma, que é teoria e filosofia do direito, simultaneamente, com acepção nova e rigorosa da teoria da interpretação, da teoria da norma, da teoria das fontes e do sistema corretivo e maximizador dos direitos fundamentais. O próximo passo é o constitucionalismo continental, uma (quase) realidade européia, que já está começando a ser enfrentada pelo neoconstitucionalismo" (MOREIRA, Eduardo Ribeiro. Neoconstitucionalismo: A Invasão da Constituição. 7ª Obra da Coleção Professor Gilmar Mendes. São Paulo: Editora Método, 2008, p. 30-31).
  45. VIEIRA, Oscar Vilhena. A Constituição e sua Reserva de Justiça: Um Ensaio sobre os Limites Materiais ao Poder de Reforma. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 87.
  46. ARENDT, Hannah. Eichman em Jerusalém - Um relato sobre a banalidade do mal. Tradução de José Rubens Siqueira. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
  47. BINENBOJM, Gustavo. A Nova Jurisdição Constitucional Brasileira: Legitimidade Democrática e Instrumentos de Realização. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 55. A respeito, acentua ainda Luís Roberto Barroso: "Do ponto de vista subjetivo, uma Constituição é obra do povo. Normalmente, ela será elaborada em situações de ampla mobilização popular e de exercício consciente da cidadania. (...) Do ponto de vista objetivo, a superioridade da Constituição se deve à transcendência dos bens jurídicos que ela tutela: a limitação do poder, os valores fundamentais da sociedade, a soberania popular e os procedimentos democráticos" (BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 143). Também José Afonso da Silva ensina, verbis: "... a constituição se coloca no vértice do sistema jurídico do país, a que confere validade, e que todos os poderes estatais são legítimos na medida em que ela os reconheça e na proporção por ela distribuídos. É, enfim, a lei suprema do Estado, pois é nela que se encontram a própria estruturação deste e a organização de seus órgãos; é nela que se acham as normas fundamentais do Estado, e só nisso se notará sua superioridade em relação às demais normas jurídicas" (SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 32ª Edição, São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p. 45).
  48. MOREIRA, Eduardo Ribeiro. Neoconstitucionalismo: A Invasão da Constituição. 7ª Obra da Coleção Professor Gilmar Mendes. São Paulo: Editora Método, 2008, p. 76.
  49. BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 299.
  50. Ulrich Haltern aduz que Kelsen concebia a sua teoria como uma forma de proteção e de defesa da democracia, não tendo respondido, porém, em sua teoria, como se dá a legitimação dessa nova instância decisional (Apud LEAL, Mônia Clarissa Hennig. Jurisdição Constitucional Aberta: Reflexões sobre a Legitimidade e os Limites da Jurisdição Constitucional na Ordem Democrática - Uma Abordagem a Partir das Teorias Constitucionais Alemã e Norte-Americana. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007, p. 47).
  51. A respeito, afirma Ana Paula de Barcellos: "Ao longo do século XX, em vários momentos e por várias razões, o homem não apenas foi funcionalizado, como também imolado brutalmente nos altares do Estado-nação, do Estado-partido, da ideologia da segurança nacional, dentre outras variações sobre temas semelhantes. As Constituições, nesse meio tempo, foram ignoradas ou manipuladas em seu aspecto estritamente positivo-formal. O Estado nazista alemão, embora não tenha sido a última dessas experiências, foi certamente a mais chocante, tanto por estampar a barbárie em tons e formas quase inacreditáveis, como por sua constrangedora convivência formal com a Constituição de Weimar de 1919" (BARCELLOS, Ana Paula de. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais: O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 25).
  52. De fato, como relata Virgílio Afonso da Silva, "não é possível contentar-se somente com a idéia de que a constituição ocupa o topo da pirâmide normativa e que, seguindo-se o princípio dinâmico do direito, todas as outras normas jurídicas lhe devem obediência. Isso é, de um lado, trivial e genérico demais para ter alguma força explicativa acerca da relação da constituição com os outros ramos do direito, e, de outro lado, não tem como conseqüência uma necessária aplicação de dispositivos constitucionais ao direito infraconstitucional simplesmente devido a essa hierarquia" (SILVA, Virgílio Afonso da. A Constitucionalização do Direito: Os Direitos Fundamentais nas Relações entre Particulares. São Paulo: Malheiros Editores, 2008, p. 122-123).
  53. Nessa esteira, relata com precisão Ana Paula de Barcellos: "Na Europa, até meados do século XX, a Constituição era uma norma dirigida basicamente aos poderes constituídos e principalmente ao Legislativo, cabendo a este sua interpretação e implementação. Salvo pelos direitos individuais que limitavam a ação do Executivo e podiam contra ele ser opostos, a Constituição não era uma norma jurídica como as demais; o acesso a ela não estava franqueado aos indivíduos e ao juiz. Tanto assim que apenas a partir de 1920 introduziu-se na Europa a possibilidade de controle judicial de constitucionalidade das leis. O contraste ficava por conta da realidade norte-americana que, em função de um contexto histórico inteiramente diverso, alçou a Constituição desde o início do século XIX à posição não apenas de norma jurídica, mas de norma jurídica suprema no âmbito do ordenamento. A partir da segunda metade do século XX, todavia, também na Europa continental e progressivamente nos demais países de influência romano-germânica, consolidou-se o entendimento de que as normas constitucionais são normas jurídicas e, mais que isso, normas dotadas de superioridade hierárquica. Isto é: são imperativas, existem para realizar-se e estão à disposição de todos os jurisdicionados" (BARCELLOS, Ana Paula de. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais: O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 16-17).
  54. A propósito, são famosas as críticas lançadas por Lassalle, que equiparava a lei constitucional a uma simples "folha de papel". A respeito, confira-se: LASSALLE, Ferdinand. A Essência da Constituição. 6ª Edição, Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2001, p. 27.
  55. SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2ª Edição, Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006, p. 51. Afirma Paulo Bonavides: "O constitucionalismo clássico, reduzindo a Constituição simplesmente a um instrumento jurídico, dava competência aos três órgãos fundamentais da ordem estatal - o Executivo, o Legislativo e o Judiciário - ao mesmo passo que declarava os direitos e as garantias individuais. A Constituição se continha toda no texto, como se fora o livro sagrado da liberdade, a bíblia de uma nova fé democrática, o alcorão dos princípios liberais, tendo por finalidade precípua limitar ou enfrear o exercício do poder..." (BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 19ª Edição, São Paulo: Editora Malheiros, 2006, p. 94).
  56. BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Apresentação de Celso Lafer - Nova Edição, Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 25.
  57. PORTO, Pedro Rui da Fontoura. Direitos Fundamentais Sociais: Considerações acerca da Legitimidade Política e Processual do Ministério Público e do Sistema de Justiça para sua Tutela. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2006, p. 73.
  58. SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2ª Edição, Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006, p. 51. A respeito, destaca Gustavo Binenbojm: "O constitucionalismo de então formata juridicamente a passagem do Estado Liberal para o Estado Social, traçando, programaticamente, as políticas públicas a serem implementadas e os objetivos sócio-econômicos a serem alcançados pela sociedade. A Constituição, a par de seu papel de instância meramente limitativa do poder (Constituição-garantia), assume a feição de um amplo programa de reformas econômicas e sociais a serem compulsoriamente concretizadas pelas legislaturas e pelos governos (Constituição-programa ou Constituição-Dirigente)" (BINENBOJM, Gustavo. A Nova Jurisdição Constitucional Brasileira: Legitimidade Democrática e Instrumentos de Realização. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 5-6).
  59. CRISAFULLI, Vesio. La Constituzione e le sue Disposizione di Principio. Milano: Giuffré, 1952.
  60. A respeito, afirma Fernando Machado da Silva Lima: "... a Constituição deve ser respeitada pelo Governo e hoje está definitivamente superada a idéia de que ela seria um simples enunciado de princípios políticos, que serviriam apenas como diretivas que o legislador iria aos poucos concretizando, de forma mais ou menos discricionária. Nesta exegese, as normas constitucionais possuem, portanto, eficácia imediata, embora existam aquelas que, por serem de eficácia contida, não auto-aplicáveis, exigem a elaboração legislativa, com a expedição de um comando complementar da vontade constitucional, para suprir sua insuficiência e tornar sua incidência possível, com total eficácia. De qualquer maneira, mesmo estas normas já devem produzir algum efeito vinculante, antes mesmo de sua concretização legislativa, ao menos para impedir que o legislador desobedeça às suas diretrizes" (LIMA, Fernando Machado da Silva. Jurisdição Constitucional e Controle do Poder: É Efetiva a Constituição Brasileira? Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed., 2005, p. 214). Nesse particular, confira-se ainda: SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 3ª Edição, São Paulo: Malheiros, 1998; BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 6ª Edição, São Paulo: Saraiva, 2006.
  61. Tal construção teórica veio à baila na famosa aula inaugural que Konrad Hesse ministrou na Universidade de Freiburg, em 1959, intitulada "A Força Normativa da Constituição" (Die normative Kraft der Verfassung). Discorrendo sobre o pensamento de Hesse, destaca Daniel Sarmento: "Para ele, a Constituição opera a síntese dialética entre o mundo do ser e do dever ser, que não podem ser vislumbrados isoladamente. A realidade social influencia a Constituição, até porque quem a aplica não é uma máquina, mas um ser humano, que vive imerso numa comunidade, partilhando de seus valores e tradições. Mas a Constituição tem uma pretensão de eficácia, pois aspira a ordenar o fato social e a influir sobre ele" (SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2ª Edição, Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006, p. 55).
  62. PORTO, Pedro Rui da Fontoura. Direitos Fundamentais Sociais: Considerações acerca da Legitimidade Política e Processual do Ministério Público e do Sistema de Justiça para sua Tutela. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2006, p. 75. Transcrevo, também, aqui, pela didática conferida, nota de rodapé em que o autor formula interessante comparação para explicar o assunto: "No entanto, não são apenas as condições do solo que influem no futuro da planta semeada, mas também os cuidados do semeador. A metáfora é útil na medida em que a semente, como o Direito Constitucional, anseia por seu destino natural: viver e crescer, e também interage com seu meio externo, embora com ele não se confunda. Todavia, no solo árido a semente não poderá desenvolver-se, salvo se os cuidados do semeador assim o permitirem. Assim, também a pretensão de eficácia do Direito Constitucional depende tanto da realidade que lhe é subjacente como do empenho daqueles a quem se dirige" (PORTO, Pedro Rui da Fontoura. Direitos Fundamentais Sociais: Considerações acerca da Legitimidade Política e Processual do Ministério Público e do Sistema de Justiça para sua Tutela. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2006, p. 75, nota de rodapé n. 93).
  63. Luís Roberto Barroso, em prefácio ao livro: BARCELLOS, Ana Paula de. Ponderação, Racionalidade e Atividade Jurisdicional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. Segundo Paulo Lôbo: "Notou-se que as forças vivas da sociedade influíram efetivamente nas opções do constituinte de 1988, muito mais que na elaboração dos códigos, cuja natureza técnica inibe a participação até mesmo dos parlamentares. Por essa razão, a Constituição, além de ser a norma hierarquicamente superior a todas as outras, determinante do sentido do ordenamento jurídico, absorveu de fato os valores que a sociedade conseguiu veicular para servir de fundamento ou base à organização social. Esses valores foram vertidos em princípios ou regras que colorem o direito como um todo" (LÔBO, Paulo. A Constitucionalização do Direito Civil Brasileiro. In Direito Civil Contemporâneo: Novos Problemas à Luz da Legalidade Constitucional: Anais do Congresso Internacional de Direito Civil-Constitucional da Cidade do Rio de Janeiro. TEPEDINO, Gustavo (organizador). São Paulo: Atlas, 2008, p. 22).
  64. "... de acordo com certas posições doutrinárias, uma Constituição não consiste em mais do que um ‘manifesto’ político, cuja concretização é tarefa exclusiva do legislador, de maneira que os tribunais não devem aplicar as normas constitucionais - carentes de qualquer efeito imediato -, mas somente as normas que se extraem das lei. Assim, um dos elementos essenciais do processo de constitucionalização consiste precisamente na difusão, no seio da cultura jurídica, da idéia oposta, qual seja, a de que cada norma constitucional - independentemente de sua estrutura ou do seu conteúdo normativo - seja uma norma jurídica genuína, vinculante e suscetível de produzir efeitos jurídicos" (GUASTINI, Riccardo. A "Constitucionalização" do Ordenamento Jurídico e a Experiência Italiana. In A Constitucionalização do Direito - Fundamentos Teóricos e Aplicações Específicas. Coordenadores: NETO, Cláudio Pereira de Souza & SARMENTO, Daniel. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007, p. 275-276).
  65. "... as Constituições do século XX, especialmente após a II Guerra Mundial, são políticas, e não apenas estatais. Elas assumem conteúdo político, ou seja, elas englobam os princípios de legitimação do poder, e não apenas de sua organização. O campo constitucional é, por conseguinte, ampliado para abranger toda a sociedade, e não só o Estado. (...) Com isso, dá-se uma ampliação do conceito de Constituição, que passa a ser entendida não só como um documento organizatório, mas também como um elemento integrador para a vida em comum" (LEAL, Mônia Clarissa Hennig. Jurisdição Constitucional Aberta: Reflexões sobre a Legitimidade e os Limites da Jurisdição Constitucional na Ordem Democrática - Uma Abordagem a Partir das Teorias Constitucionais Alemã e Norte-Americana. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007, p. 31 e 35). Noutro quadrante, afirma Eduardo Ribeiro Moreira que os juristas e constitucionalistas dos EUA não falam em neoconstitucionalismo, "porque a concepção constitucional caminhou de forma diferente por lá. Primeiro, não houve uma ruptura no sistema constitucional - sequer mais de uma Constituição (1787), como é sabido, e pouquíssimas emendas [XXVII em mais de 200 anos], fixadas ao final do texto promulgado -, e as crises que se sucederam tiveram soluções institucionais regulares, desde a independência dos Estados Unidos. O debate por lá se fixa em torno da amplitude e de competências da federação e dos métodos e posturas de interpretação da Constituição - método originalista, método decisionista, postura conservadora, postura propensa a um ativismo judicial" (MOREIRA, Eduardo Ribeiro. Neoconstitucionalismo: A Invasão da Constituição. [7ª Obra da Coleção Professor Gilmar Mendes]. São Paulo: Editora Método, 2008, p. 42-43). Para uma exposição didática e sucinta acerca da teoria constitucional norte-americana, confira-se: BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 280-283; LEAL, Mônia Clarissa Hennig. Jurisdição Constitucional Aberta: Reflexões sobre a Legitimidade e os Limites da Jurisdição Constitucional na Ordem Democrática - Uma Abordagem a Partir das Teorias Constitucionais Alemã e Norte-Americana. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007, p. 141-188.
  66. BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 245-246.
  67. Processo que tem recebido na doutrina o nome de filtragem constitucional. A respeito, vale verificar: SCHIER, Paulo Ricardo. Filtragem Constitucional. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1999; SCHIER, Paulo Ricardo. Novos Desafios da Filtragem Constitucional no Momento do Neoconstitucionalismo. In A Constitucionalização do Direito - Fundamentos Teóricos e Aplicações Específicas. Coordenadores: NETO, Cláudio Pereira de Souza & SARMENTO, Daniel. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007, p. 251-269; TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. 3ª Edição, Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 01-22. No particular, ganha especial relevo, também, a técnica da interpretação conforme a Constituição, muito utilizada, inclusive no âmbito do Poder Judiciário brasileiro. A respeito, confira-se, dentre muitos: MENDES, Gilmar Ferreira. As Decisões no Controle de Constitucionalidade de Normas e seus Efeitos. Revista da Escola Nacional da Magistratura. Ano II, n. 03, abril de 2007, Brasília: Escola Nacional da Magistratura - ENM, p. 21-88.
  68. TEPEDINO, Gustavo. Normas Constitucionais e Direito Civil na Construção Unitária do Ordenamento. In A Constitucionalização do Direito - Fundamentos Teóricos e Aplicações Específicas. Coordenadores: NETO, Cláudio Pereira de Souza & SARMENTO, Daniel. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007, p. 320.
  69. Convém aqui reafirmar que a exegese constitucional é expediente que recai sobre todos aqueles que dela recebem influência normativa. Sobre essa visão, consulte-se: HÄBERLE, Peter. A Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição: Contribuição para a Interpretação Pluralista e ‘Procedimental’ da Constituição. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1997.
  70. SANCHÍS, Luís Pietro. Neoconstitucionalismo y Ponderación Judicial. In Neoconstitucionalismo(s). CARBONNEL, Miguel (coordenador). Madrid: Ed. Trotta, 2003, p. 126-127 (tradução livre).
  71. "Mas a Constituição, enquanto conquista, programa e garantidora substancial dos direitos individuais e sociais, depende fundamentalmente de mecanismos que assegurem as condições de possibilidade para a implementação do seu texto. A instrumentalização dos valores constitucionais e a aferição da conformidade ou não das leis ao texto constitucional se estabelece através do que se convencionou chamar de justiça constitucional, mediante o mecanismo da jurisdição constitucional." (STRECK, Lenio Luiz. Teoria da Constituição e Estado Democrático de Direito: ainda é possível falar em Constituição Dirigente?.Revista Juristas, João Pessoa, a..III,, n. 92, 19/09/2006. Disponível em: <http://www.juristas.com.br/mod revistas.asp?ic=1310>. Acesso em: 13 maio 2008). Nesse particular, aduz Mônia Clarissa Hennig Leal: "Diante do fracasso do sistema weimeriano de justiça constitucional, dada sua utilização desvirtuada pelo nazismo, a Alemanha, por exemplo, adotou, em sua Constituição de 1949, a Lei Fundamental de Bonn (Grundgesetz), ainda que algumas variações, o sistema kelseniano, no que foi acompanha por outros países europeus, como a Itália (1948). Pode-se destacar, como elemento determinante para tal decisão, o fato de que, em ambos os países, deu-se a experiência de se ter o legislador como maior ameaça à liberdade, ao valer-se da tradicional concepção (formal) de Estado de Direito, realidade na qual a lei passou a ser instrumento para a prática de injustiças, ao invés de mecanismo de garantia contra o arbítrio. Foi esta experiência, por sua vez, que, em parte, forçou os constituintes a adotarem a estratégia dos Tribunais Constitucionais como instâncias de preservação dos valores supremos e tendencialmente inalteráveis, insculpidos no texto constitucional" (LEAL, Mônia Clarissa Hennig. Jurisdição Constitucional Aberta: Reflexões sobre a Legitimidade e os Limites da Jurisdição Constitucional na Ordem Democrática - Uma Abordagem a Partir das Teorias Constitucionais Alemã e Norte-Americana. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007, p. 48). Também, com extrema lucidez, afirma Gustavo Binenbojm: "A Corte Constitucional seria, destarte, a maneira mais eficaz de proteger a normatividade da Constituição, eis que Governo e Parlamento tenderiam sempre a interpretá-la de forma parcial e consentânea com seus interesses. Somente um órgão isento da disputa política, composto de membros independentes, poderia exercer tão relevante função, mantendo o equilíbrio entre os poderes" (BINENBOJM, Gustavo. A Nova Jurisdição Constitucional Brasileira: Legitimidade Democrática e Instrumentos de Realização. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 15-16 e 68).
  72. Apud BINENBOJM, Gustavo. A Nova Jurisdição Constitucional Brasileira: Legitimidade Democrática e Instrumentos de Realização. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 8. Com relação ao tema, afirma Luís Roberto Barroso: "Antes de 1945, vigorava na maior parte da Europa um modelo de supremacia do Poder Legislativo, na linha da doutrina inglesa de soberania do Parlamento e da concepção francesa da lei como expressão da vontade geral. A partir do final da década de 40, todavia, a onda constitucional trouxe não apenas novas constituições, mas também um novo modelo, inspirado pela experiência americana: o da supremacia da Constituição. A fórmula envolvia a constitucionalização dos direitos fundamentais, que ficavam imunizados em relação ao processo político majoritário: sua proteção passava a caber ao Judiciário. Inúmeros países europeus vieram a adotar um modelo próprio de controle de constitucionalidade, associado à criação de tribunais constitucionais" (BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito. Revista da Escola Nacional da Magistratura. Ano I, n. 02, outubro de 2006, Brasília: Escola Nacional da Magistratura - ENM, p. 32). Interessantes, nesse particular, também, as colocações de Gilberto Bercovici, quanto a um dos fatores que legitimou a ascensão do Poder Judiciário no atual cenário constitucional, verbis: "O partido político era o grande ator da democracia constitucional, com a tarefa de desenvolver a Constituição e seu conteúdo. Com a crise dos partidos políticos e de seu papel de destaque na política constitucional, a tendência foi, segundo Fioravante, a de emancipação da constituição da unidade política pressuposta, seja do poder constituinte, seja do Estado soberano. Este esvaziamento do papel do partido político vai ser preenchido por outro poder, que vai assumir a função de protagonista do debate e da prática constitucionais: o tribunal. Os juízes, e não mais a política partidário-parlamentar, vão se arrogar a função de concretizar a constituição" (BERCOVICI, Gilberto. A Constituição Dirigente e a Constitucionalização de Tudo (ou do Nada). In A Constitucionalização do Direito - Fundamentos Teóricos e Aplicações Específicas. SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel (coordenadores). Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007, p. 173). A criação de Tribunais Constitucionais se iniciou na Alemanha (1951) e na Itália (1956), seguindo-se no Chile (1960), Grécia (1975), Espanha (1978), Portugal (1982), República Tcheca (1992), Eslovênia (1993), África do Sul (1996), Moçambique (2003) etc. No Brasil, o controle de constitucionalidade, na modalidade incidental, existe desde 1891, por influência de Rui Barbosa, que era apaixonado pelo sistema americano, de onde se abeberou da idéia. A jurisdição constitucional, todavia, na terra brasilis, só se expandiu mesmo com a Constituição de 1988.
  73. Com relação à realidade constitucional brasileira, Luís Roberto Barroso destaca que esse controle de constitucionalidade, como sabemos, dá-se por meio de dois ritos diversos, verbis: "a) a via incidental, pela qual a inconstitucionalidade de uma norma pode ser suscitada em qualquer processo judicial, perante qualquer juízo ou tribunal, cabendo ao órgão judicial deixar de aplicar a norma indigitada ao caso concreto, se considerar fundada a argüição; b) a via principal, pela qual algumas pessoas, órgãos ou entidades, constantes do art. 103 da Constituição Federal, podem propor uma ação direta perante o Supremo Tribunal Federal, na qual se discutirá a constitucionalidade ou inconstitucionalidade, em tese, de determinada lei ou ato normativo" (BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 299). Neste momento, urge fazer um interessante resgate histórico, trazendo-se a lume, até mesmo para destacar a importância da filtragem constitucional, significativa decisão judicial que realizou controle de constitucionalidade e deu efetiva garantia à dignidade humana. As circunstâncias são relatadas por Arthur Pinheiro Chaves, in verbis: "... a Justiça Federal foi criada com a finalidade específica e expressa de controlar a constitucionalidade das leis, através da jurisdição constitucional... (...) Nessa esteira, ratificando o papel que lhe havia sido destinado, surgiu na Justiça Federal o primeiro caso histórico e emblemático de controle de constitucionalidade. O juiz federal Henrique Vaz Pinto Coelho, em 1895, julgou nulos os Decretos do Poder Executivo de 1892, favorecendo militares reformados, garantindo-lhes o direito de receber os vencimentos das patentes como se não tivessem sido reformados. A decisão foi confirmada pelo Supremo Tribunal Federal, que ratificou a tese de que é nulo o decreto que reforma forçadamente oficial militar, fora dos casos previstos em lei. Foi a primeira vez que um juiz de primeiro grau anulou ato da mais alta autoridade do Poder Executivo, em época em que os juízes que se negavam a aplicar a lei sob o fundamento de inconstitucionalidade eram acusados de prevaricação. Graças ao surgimento da Justiça Federal e a essa formidável decisão, estava estabelecido o marco inicial do controle judicial de constitucionalidade no Brasil" (CHAVES, Arthur Pinheiro. O Controle de Constitucionalidade. In O Liberal. Caderno "Opinião", Belém (PA), edição de 26 de julho de 2009).
  74. Registre-se que vigora grande polêmica com relação ao papel do Judiciário no complexo cenário contemporâneo, marcado sobretudo pelo pluralismo de idéias. Os principais pontos de vista - retratados na maior parte da doutrina através do embate substancialismo versus procedimentalismo - são bem delineados por BARROSO, que, após optar expressamente pela via do substancialismo, afirma: "No ambiente da democracia deliberativa, a Constituição deve conter - e juízes e tribunais devem implementar - direitos fundamentais, princípios e fins públicos que realizem os grandes valores de uma sociedade democrática: justiça, liberdade e igualdade. Os substancialistas manifestam sua adesão explícita a esses valores e admitem o controle do resultado das deliberações políticas que supostamente os contravenham. Já os procedimentalistas não concebem o papel do intérprete constitucional como o de um aplicador de princípios de justiça, mas como um fiscal do funcionamento adequado do processo político deliberativo" (BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 91). Essa bifurcação de idéias advém, basicamente, do embate travado entre dois dos maiores pensadores da atualidade: Jürgen Habermas e Ronald Dworkin. Em síntese apertadíssima, podemos afirmar - arrimados em excelente obra de Gustavo Binenbojm - que, para Habermas, como os direitos humanos têm fundamento procedimental (formal), a democracia há de ser discursiva e à jurisdição constitucional compete apenas a guarda do procedimento democrático. Por outro lado, para Dworkin, como os direitos fundamentais têm fundamento ético (substancial), a democracia há de ser constitucional e à jurisdição constitucional compete a guarda dos direitos fundamentais. Depois de expor didaticamente sobre a opinião de ambos os filósofos, Gustavo Binenbojm faz uma instigante interface, como segue: "Importa ressaltar, para os fins aqui visados, que direitos fundamentais e democracia, tanto para Dworkin como para Habermas, convivem numa relação de implicação recíproca. Assim, parece correta a assertiva de que só há democracia onde se respeitam os direitos fundamentais do homem; inversamente, só há espaço para a afirmação e efetivação de tais direitos no âmbito de um regime democrático. São faces da mesma moeda. Assim, não há qualquer inconsistência lógica em se sustentar que à jurisdição constitucional compete a guarda tanto dos direitos fundamentais (proposta de Dworkin) como do procedimento democrático (proposta de Habermas). Ao revés, tais funções, longe de serem antagônicas, são compatíveis e complementares. Em muitos casos, na verdade, superpõem-se" (BINENBOJM, Gustavo. A Nova Jurisdição Constitucional Brasileira: Legitimidade Democrática e Instrumentos de Realização. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 117-118). Sobre o tema, vale a pena também conferir monumental obra, notadamente quanto à teoria habermasiana a respeito da jurisdição constitucional: SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Jurisdição Constitucional, Democracia e Racionalidade Prática. Rio de Janeiro: 2002. Ainda trilhando por essa visão que harmoniza substancialismo e procedimentalismo, confira-se: LEAL, Mônia Clarissa Hennig. Jurisdição Constitucional Aberta: Reflexões sobre a Legitimidade e os Limites da Jurisdição Constitucional na Ordem Democrática - Uma Abordagem a Partir das Teorias Constitucionais Alemã e Norte-Americana. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007. Para um estudo aprofundado acerca da jurisdição constitucional brasileira, confira-se: VIEIRA, Renato Stanziola. Jurisdição Constitucional Brasileira e os Limites de sua Legitimidade Democrática. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.
  75. Afirma Paulo Bonavides que "a pretensão à imutabilidade foi o sonho de alguns iluministas do século XVIII. Cegos de confiança no poder da razão, queriam eles a lei como um produto lógico e absoluto, válido para todas as idades, atualizado para todas as gerações. Dessa fanática esperança comungou um membro da Convenção, conforme nos lembra notável publicista francês, pedindo durante os debates do ano III a pena de morte para todo aquele que ousasse propor a reforma da Constituição. A imutabilidade constitucional, tese absurda, colide com a vida, que é mudança, movimento, renovação, progresso, rotatividade" (BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 19ª Edição, São Paulo: Editora Malheiros, 2006, p. 196).
  76. BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 139-141.
  77. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 32ª Edição, São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p. 45.
  78. TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 6ª Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2008, p. 54. Ingo Wolfgang Sarlet lança diversas ponderações combatendo uma possível interpretação pobre, literal e restritiva da expressão "direitos e garantias individuais", constante do artigo 60, § 4º, IV, da Carta da República, que conduziria à eliminação da possibilidade de seu horizonte normativo também açambarcar os direitos fundamentais de 2ª geração. Eis seus argumentos: i) não se pode admitir, na Constituição brasileira, nenhuma primazia entre os direitos de defesa (liberdades clássicas) e os direitos sociais, pois em nenhum momento a Constituição alberga tal diferenciação; ii) muitos dos direitos sociais são equiparáveis, em sua estrutura e regime, aos direitos individuais, especialmente os direitos do art. 7º; iii) a leitura literal restritiva teria de excluir do âmbito das cláusulas pétreas não apenas os direitos sociais, mas também os direitos de nacionalidade (direito básico para a realização dos demais direitos) e os direitos políticos (com exceção do voto), que não foram também referidos expressamente no art. 60, § 4º; iv) os direitos sociais e coletivos acabam sendo, ao final, direitos também de interesse individual, embora de expressão coletiva; e v) é questionável que os poderes constituídos possam indicar quais dos direitos fundamentais são irredutíveis, e quais não. Fonte: SARLET, Ingo Wolfgang. Os Direitos Fundamentais Sociais como "Cláusulas Pétreas". In Cadernos de Direito: Cadernos do Curso do Mestrado em Direito da Universidade Metodista de Piracicaba. v. 3, n. 5, dez./2003, p. 88-94.
  79. MOREIRA, Eduardo Ribeiro. Neoconstitucionalismo: A Invasão da Constituição. 7ª Obra da Coleção Professor Gilmar Mendes. São Paulo: Editora Método, 2008, p. 75.
  80. STRECK, Lenio Luiz. Os Dezoito Anos da Constituição do Brasil e as Possibilidades de Realização dos Direitos Fundamentais diante dos Obstáculos do Positivismo Jurídico. In Direito Constitucional: Leituras Complementares. Marcelo Novelino Camargo (organizador). Salvador: JusPODIVM, 2006, p. 22.
  81. LOIS, Cecilia Caballero. Teoria Constitucional e Neoconstitucionalismo no Limiar do Século XXI: Mudança Política e Aceitabilidade Racional no Exercício da Função Jurisdicional. In A Constituição como Espelho da Realidade: Interpretação e Jurisdição Constitucional em Debate: Homenagem a Silvio Dobrowolski. LOIS, Cecilia Caballero; BASTOS JÚNIOR, Luiz Magno Pinto; LEITE, Roberto Basilone (coordenadores). São Paulo: LTr, 2007, p. 237.
  82. Sobre as teorias materiais da Constituição, confira-se: BERCOVICI, Gilberto. A Constituição de 1988 e a Teoria da Constituição. In Constituição Federal: 15 Anos - Mutação e Evolução: Comentários e Perspectivas. TAVARES, André Ramos; FERREIRA, Olavo A. V. Alves; LENZA, Pedro (coordenadores). São Paulo: Editora Método, 2003.
  83. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador: Contributo para a Compreensão das Normas Constitucionais Programáticas. 2ª Edição. Coimbra: Coimbra Editora, 2001, p. 487. Registre-se que Canotilho, mais recentemente, influenciado pelas idéias luhmannianas, revisou sua teoria, propondo agora a "substituição de um direito autoritariamente dirigente mas ineficaz através de outras fórmulas que permitam completar o projeto da modernidade - onde ela não se realizou - nas condições complexas da pós-modernidade". Asseverou que o que morreu foi a "Constituição metanarrativa", entendida, com base na condição pós-moderna de Lyotard, como aquela "omnicompreensiva" e "totalizante", que dá à história um significado certo e unívoco. Esclareceu, ainda, que "a Constituição dirigente está morta se o dirigismo constitucional for entendido como normativismo constitucional revolucionário capaz de, por si só, operar transformações emancipatórias" (CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Rever ou Romper com a Constituição Dirigente? Defesa de um Constitucionalismo Moralmente Reflexivo. In Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, n. 15, 1996, p. 17-18). Nada obstante tais referências, registramos, aqui, para fins de transparência intelectual, que, ao compartilharmos da assertiva de que o constitucionalismo dirigente ainda vive, alicerçamos nosso pensamento nas seguintes premissas: i) a teoria da Constituição dirigente foi trabalhada por Canotilho para atender à pauta revolucionária da Constituição Portuguesa (1976), que expressamente apontava para a implementação do socialismo; ii) Canotilho, ao recentemente reformular seu pensamento, apenas extraiu de sua visão o caráter revolucionário dessa teoria, à vista do atual contexto sócio-político de Portugal, em específico, e da Europa, como um todo; iii) não é mais possível falar em constitucionalismo, senão que em constitucionalismos, de modo que se resta inviável, pois, hoje, falarmos em uma teoria geral constitucionalista, aplicável a todos os países, em face das especificidades políticas, sociais e econômicas de cada Estado; iv) não podemos simplesmente importar a nova tese ao solo brasileiro, à revelia de nossa realidade sócio-política, onde as promessas mínimas da modernidade sequer foram implantadas, impondo-se, dessa forma, que se construa uma teoria da Constituição dirigente adequada à realidade brasileira, ou, como sugere Lenio Luiz Streck, uma teoria da constituição dirigente adequada a países de modernidade tardia (TCDAPMT), em especial diante dos notáveis objetivos sociais divulgados em nossa atual Constituição Federal (art. 3º). Nesse sentido, vale destacar as palavras de Lenio Luiz Streck: "... a tese de um constitucionalismo adequado (...) procura resgatar as especificidades das Constituições e sua capacidade dirigente e compromissária (é evidente que, à luz do procedimentalismo habermasiano, a tese de um dirigismo constitucional soçobra!), apontadas para o resgate das promessas da modernidade, circunstância que assume papel fundamental em países como o Brasil, em que sequer a legalidade formal é cumprida, e sem que a esfera pública tenha condições de se desenvolver, pela absoluta ausência do cumprimento dos direitos substantivos. (...) Daí a perene importância daquilo que se convencionou chamar de dirigismo constitucional ou Constituição dirigente, tese elaborada inicialmente por Peter Lerche (dirigierende Verfassung) e devidamente adaptada à doutrina constitucional portuguesa por J. J. Gomes Canotilho. No decorrer dos anos, a tese do dirigismo constitucional tem sofrido críticas das mais variadas, mormente a partir do fortalecimento da globalização e do neoliberalismo. O engendramento das teses processuais-procedimentais acerca da Constituição paulatinamente enfraquece o papel compromissório-vinculante dos textos constitucionais" (STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso: Constituição, Hermenêutica e Teorias Discursivas: Da Possibilidade à Necessidade de Respostas Corretas em Direito. 2ª Edição, Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008, p. 114-115). Neste passo, em específico com relação ao perfil constitucional da Carta de 88, cremos ter inteira razão Daniel Sarmento, quando declara: "Não se desconhece a profunda crise que o conceito de Constituição Dirigente atravessa nos últimos anos... (...) Contudo, independentemente das preferências intelectuais que se tenha, não há como fugir à constatação de que a Constituição brasileira é dirigente. Este é um registro de natureza descritiva e não prescritiva. Não se está neste momento afirmando que o constitucionalismo dirigente é bom ou ruim, eficiente ou ineficiente, mas apenas que a Carta de 88 é uma típica Constituição Dirigente" (SARMENTO, Daniel. Ubiqüidade Constitucional: Os Dois Lados da Moeda. In A Constitucionalização do Direito - Fundamentos Teóricos e Aplicações Específicas. Coordenadores: NETO, Cláudio Pereira de Souza & SARMENTO, Daniel. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007, p. 124, nota de rodapé n. 44). Para aprofundar sobre esse tão polêmico debate, confira-se, além das obras já citadas acima: COUTINHO. Jacinto Nelson de Miranda (organizador). Canotilho e a Constituição Dirigente. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Renovar, 2005; CANOTILHO, José Joaquim Gomes. O Estado Adjetivado e a Teoria da Constituição. In Revista Interesse Público, n. 17, vol. 5, jan./fev. de 2003; STRECK, Lenio Luiz. O Papel da Jurisdição Constitucional na Realização dos Direitos Sociais Fundamentais. In Direitos Sociais Fundamentais: Estudos de Direito Constitucional, Internacional e Comparado. SARLET, Ingo Wolfgang (organizador). Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
  84. COUTINHO. Jacinto Nelson de Miranda (organizador). Canotilho e a Constituição Dirigente. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 84. Lenio Luiz Streck tem sido um autor voltado basicamente para o campo hermenêutico. Com idéias ancoradas em fortes aportes filosóficos, pugna por uma postura interpretativa crítica, apta a construir condições para a efetivação da Constituição. Diz o renomado autor: "Com efeito, se o neoconstitucionalismo altera (substancialmente) a teoria das fontes que sustentava o positivismo, e os princípios vêm a propiciar uma nova teoria da norma (atrás de cada regra, há, agora, um princípio que não se deixa se ‘desvencilhar’ do mundo prático), é porque também o modelo de conhecimento subsuntivo, próprio do esquema sujeito-objeto (nas suas duas faces, objetivista e subjetivista), tinha que ceder lugar a um novo paradigma compreensivo-interpretativo. É nesse contexto que ocorre a invasão da filosofia pela linguagem (linguistic turn, que, no plano da hermenêutica filosófica, prefiro chamar de ontologische Wendung - giro ontológico), a partir de uma pós-metafísica (re)inclusão da faticidade que, de forma inapelável, mormente a partir da década de 50 do século passado, atravessará o esquema sujeito-objeto, estabelecendo uma circularidade virtuosa na compreensão (hermeneutic Zirkel). Destarte, esse deficit de realidade produzido pelas posturas jusfilosóficas ainda prisioneiras do esquema sujeito-objeto será preenchido pelas posturas interpretativas, especialmente as hermenêutico-ontológicas, que deixam de hipostasiar o método e o procedimento, colocando o locus da compreensão no modo-de-ser e na faticidade (mundo prático), bem na linha da viragem ocorrida a partir de Wittgenstein e Heidegger" (STRECK, Lenio Luiz. A Resposta Hermenêutica à Discricionariedade Positivista em Tempos de Pós-Positivismo. In Teoria do Direito Neoconstitucional: Superação ou Reconstrução do Positivismo Jurídico? DIMOULIS, Dimitri; DUARTE, Écio Oto (coordenadores). São Paulo: Método, 2008, p. 288-289). Essa postura é cunhada por Lenio Luiz Streck como Nova Crítica do Direito (NCD), que consiste em "afirmar a hermenêutica como modo de deixar o fenômeno constitucional tornar-se visível, deixando-o vir à presença, ao contrário da dogmática jurídica tradicional, que vê a Constituição como uma (mera) ferramenta jurídica a ser confirmada (ou não) pela ‘técnica interpretativa’" (STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 1999, p. 168-169).
  85. OLSEN, Ana Carolina Lopes. Direitos Fundamentais Sociais: Efetividade Frente à Reserva do Possível. Curitiba: Juruá Editora, 2008, p. 259.
  86. BERCOVICI, Gilberto. A Constituição de 1988 e a Teoria da Constituição. In Constituição Federal: 15 Anos - Mutação e Evolução: Comentários e Perspectivas. São Paulo: Editora Método, 2003, p. 27.
  87. Pietro Perlingieri se refere à legalidade constitucional enquanto aquela voltada para a "garantia de sujeição aos valores fundantes do ordenamento jurídico", o que tem o mesmo sentido do termo legalidade substantiva aqui empregado. Confira-se, a respeito: PERLINGIERI, Pietro. A Doutrina do Direito Civil na Legalidade Constitucional. In Direito Civil Contemporâneo: Novos Problemas à Luz da Legalidade Constitucional: Anais do Congresso Internacional de Direito Civil-Constitucional da Cidade do Rio de Janeiro. TEPEDINO, Gustavo (organizador). São Paulo: Atlas, 2008, p. 2.
  88. Frisa com acuidade Eduardo Ribeiro Moreira: "O neoconstitucionalismo aparece como fruto da convergência de duas tradições constitucionais distintas que cada vez mais se aproximam: a européia (da Alemanha) e a americana (dos Estados Unidos), união que poderia se resumir em um constitucionalismo garantidor do denso conteúdo material de suas normas constitucionais" MOREIRA, Eduardo Ribeiro. Neoconstitucionalismo: A Invasão da Constituição. 7ª Obra da Coleção Professor Gilmar Mendes. São Paulo: Editora Método, 2008). Registramos, aqui, que essa responsabilidade por vezes até suplanta a esfera do Poder Judiciário, alcançando, também, o Ministério Público, instituição extremamente valorizada na Carta Constitucional de 1988 e que tem prestado um relevantíssimo trabalho em seu papel de fiscalizar a legalidade constitucional.
  89. MOREIRA, Eduardo Ribeiro. Neoconstitucionalismo: A Invasão da Constituição. 7ª Obra da Coleção Professor Gilmar Mendes. São Paulo: Editora Método, 2008, p. 38-39. Também Luís Roberto Barroso traçou um resumo desse novo quadro da teoria constitucional, verbis: "O novo direito constitucional brasileiro, cujo desenvolvimento coincide com o processo de redemocratização e reconstitucionalização do país, foi fruto de duas mudanças de paradigma: a) a busca da efetividade das normas constitucionais, fundada na premissa da força normativa da Constituição; b) o desenvolvimento de uma dogmática da interpretação constitucional, baseada em novos métodos hermenêuticos e na sistematização de princípios específicos de interpretação constitucional. A ascensão política e científica do direito constitucional brasileiro conduziram-no ao centro do sistema jurídico, onde desempenha uma função de filtragem constitucional de todo o direito infraconstitucional, significando a interpretação e leitura de seus institutos à luz da Constituição" (BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos Teóricos e Filosóficos do Novo Direito Constitucional Brasileiro (Pós-modernidade, Teoria Crítica e Pós-Positivismo). In A Nova Interpretação Constitucional: Ponderação, Direitos Fundamentais e Relações Privadas. BARROSO, Luís Roberto (organizador). 2ª Edição. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 47). Da mesma forma, relata Luís Pietro Sanchís: "Seja como for, do exposto até aqui se depreende que o neoconstitucionalismo requer uma nova teoria das fontes afastada do legalismo, uma nova teoria da norma que dê entrada ao problema dos princípios e uma reforçada teoria da interpretação, nem puramente mecanicista nem puramente descricional, em que os riscos que comporta a interpretação constitucional possam ser conjugados por um esquema plausível de argumentação jurídica" (Apud MOREIRA, Eduardo Ribeiro. Neoconstitucionalismo: A Invasão da Constituição. 7ª Obra da Coleção Professor Gilmar Mendes. São Paulo: Editora Método, 2008, p. 188). Para uma visão histórica do neoconstitucionalismo, confira-se: NETO, Eugênio Facchini. Reflexões Histórico-Evolutivas sobre a Constitucionalização do Direito Privado. In Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado. Organizador: SARLET, Ingo Wolfgang. 2ª Edição, Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2006, pp. 13-62; SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2ª Edição, Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006; BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 19ª Edição, São Paulo: Editora Malheiros, 2006; MOREIRA, Eduardo Ribeiro. Neoconstitucionalismo: A Invasão da Constituição. 7ª Obra da Coleção Professor Gilmar Mendes. São Paulo: Editora Método, 2008.
  90. Constituição Federal, artigo 3º: "Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação".
  91. Constituição Federal, artigo 5º, inciso XXXV: "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito".
  92. GOMES, José Jairo. Responsabilidade Civil e Eticidade. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 223.
  93. Nessa senda, pondera José Jairo Gomes que há uma "... necessidade de se procurar impedir, de forma eficaz, que a lesão venha a se concretizar. Diferentemente dos direitos patrimoniais, os direitos da personalidade integram uma categoria em que é difícil, senão impossível, a restituição da situação ao status anterior; tal significa que a lesão efetiva desses bens jurídicos não terá outra solução senão a reparação do dano através de compensação pecuniária, já que não seria possível retrotrair o curso da história e desfazer o ato consumado" (GOMES, José Jairo. Responsabilidade Civil e Eticidade. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 251).
  94. Não defendemos, aqui, a idéia de que aos direitos patrimoniais a esfera de proteção há de ser sempre repressiva, ao passo que à dignidade humana há de se emprestar proteção preventiva. Não se trata disso. Bem sabemos que o ideal seria que toda e qualquer ofensa sequer existisse, seja a bens patrimoniais, seja a bens existenciais, à vista de um sistema de prevenção altamente eficaz. Isso não impede afirmar, todavia, como aqui o fazemos, que, quanto aos bens patrimoniais, a tutela ressarcitória, quando inevitável, é bem menos agressiva em contraponto à tutela ressarcitória de bens existenciais, geralmente detentores de repercussões mais gravosas, tal qual delineado no texto.
  95. LÔBO, Paulo. A Constitucionalização do Direito Civil Brasileiro. In Direito Civil Contemporâneo: Novos Problemas à Luz da Legalidade Constitucional: Anais do Congresso Internacional de Direito Civil-Constitucional da Cidade do Rio de Janeiro. TEPEDINO, Gustavo (organizador). São Paulo: Atlas, 2008, p. 21.
  96. Essa extraordinária formulação teórica já está devidamente sedimentada na doutrina pátria. É o que se vê do Enunciado 74 da IV Jornada de Direito Civil (2006), assim gravado: "Os direitos da personalidade, regulados de maneira não-exaustiva pelo Código Civil, são expressões da cláusula geral de tutela da pessoa humana, contida no art. 1º, inc. III, da Constituição (princípio da dignidade da pessoa humana). Em caso de colisão entre eles, como nenhum pode sobrelevar os demais, deve-se aplicar a técnica da ponderação".
  97. TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. 3ª Edição, Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 47-50. Deveras, como ensina Maria Celina Bodin de Moraes: "... a personalidade humana não se realiza somente através de direito subjetivos mas sim através de uma complexidade de situações que podem se apresentar das mais diversas maneiras: como poder jurídico, como direito potestativo, como interesse legítimo, como faculdade, como ônus, como estado, enfim, como qualquer circunstância juridicamente relevante" (MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à Pessoa Humana: Uma Leitura Civil-Constitucional dos Danos Morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 118). Sobre esse tema, assere também Daniel Sarmento, verbis: "... a insuficiência acima apontada deriva da própria construção da qual resultou a afirmação dos direitos de personalidade. Estes foram moldados à imagem e semelhança do direito de propriedade, como direitos subjetivos cuja prestação consiste num dever geral de abstenção, e que têm no pólo passivo toda a coletividade. Esta imagem é fortemente criticada por certa doutrina, que nela enxerga sintomas da subsistência, no Direito Privado, do ‘paradigma dos direitos patrimoniais’, aos quais não são redutíveis os valores existenciais ligados à personalidade humana" (SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2ª Edição, Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006, p. 101). Registre-se, a propósito, que Daniel Sarmento acredita não ser necessário se valer de uma tal "cláusula geral de tutela da pessoa humana" para alcançar os objetivos que tal construção se propõe. Argumenta o ilustre jurista: "... não enxergamos qualquer obstáculo na utilização da expressão mais clássica do "direito geral de personalidade", desde que fique remarcado que o conteúdo deste direito fundamental, em cada caso concreto, não precisa sempre caber na roupagem do que a dogmática civilística tradicional rotulou como direito subjetivo" (SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2ª Edição, Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006, p. 101-102).
  98. Exemplo citado em: SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2ª Edição, Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006, p. 101.
  99. Discurso proferido em 27 de julho de 1988, enquanto Presidente da Assembléia Nacional Constituinte. Fonte: BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 352.
  100. Sobre as cartas constitucionais brasileiras, confira-se: BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas. 8ª Edição, Rio de Janeiro - São Paulo: Renovar, 2006. Sobre um relato detalhado acerca da formação da Constituição de 1988, confira-se: BARROSO, Luís Roberto. Vinte Anos da Constituição Brasileira de 1988: O Estado a que Chegamos. In Retrospectiva dos 20 Anos da Constituição Federal. AGRA, Walber de Moura (coordenador). São Paulo: Saraiva, 2009.
  101. SARMENTO, Daniel. Ubiqüidade Constitucional: Os Dois Lados da Moeda. In A Constitucionalização do Direito - Fundamentos Teóricos e Aplicações Específicas. Coordenadores: NETO, Cláudio Pereira de Souza & SARMENTO, Daniel. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007, p. 123.
  102. MOREIRA, Nelson Camatta. Dignidade Humana na Constituição Dirigente de 1988. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com/revista/RERE-12-DEZEMBRO-2007-NELSON%20CAMATTA.pdf>. Acesso em: 18 maio 2009.
  103. Nesse sentido, afirma Tereza Aparecida Asta Gemignani: "O neoconstitucionalismo trazido pela Constituição Federal de 1988 veio conferir ao sistema normativo um conteúdo civilizatório, consolidando a importância das instituições para garantir a dimensão ética, que considerou inerente ao princípio da legalidade substantiva" (GEMIGNANI, Tereza Aparecida Asta. A Constituição Federal de 1988 Vinte Anos Depois, o Choque de Brasilidade e o Protótipo de Macunaíma. In Direitos Sociais na Constituição de 1988: Uma Análise Crítica Vinte Anos Depois. MONTESSO, Cláudio José; FREITAS, Marco Antonio de; STERN, Maria de Fátima Coelho Borges (coordenadores). São Paulo: LTr, 2008, p. 418).
  104. Basta verificar, por exemplo, que constituem objetivos da República Federativa do Brasil: i) a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; ii) a garantia do desenvolvimento nacional; iii) a erradicação da pobreza e da marginalização; iv) a redução das desigualdades sociais e regionais; e v) a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (Constituição Federal, artigo 3º).
  105. "A comemoração merecida dos vinte anos da Constituição brasileira não precisa do falseamento da verdade. Na conta aberta do atraso político e da dívida social, ainda há incontáveis débitos. Subsiste no país um abismo de desigualdade, com recordes mundiais de concentração de renda e déficits traumáticos em moradia, educação, saúde, saneamento" (BARROSO, Luís Roberto. Vinte Anos da Constituição Brasileira de 1988: O Estado a que Chegamos. In Retrospectiva dos 20 Anos da Constituição Federal. AGRA, Walber de Moura (coordenador). São Paulo: Saraiva, 2009, p. 384-385).
  106. "Parece óbvio dizer que, vivendo sob a égide de uma Constituição democrática, compromissória e quiçá, dirigente, o que se esperaria dos juristas, no que se relaciona ao processo de aplicação do direito, é que tivéssemos construído, nestes vinte anos, um sentimento constitucional-concretizante, imbuídos de um labor avassalador, pelo qual as leis infraconstitucionais seriam simplesmente devassadas/atravessadas a partir de uma implacável hermenêutica constitucional. Se novas leis não foram feitas (a contento), pareceria pensar que os juristas tomariam para si essa tarefa de realizar uma verdadeira filtragem hermenêutico-constitucional. Mas não foi exatamente isso que ocorreu" (STRECK, Lenio Luiz. Nos Vinte Anos de Constituição, entre Verdade e Consenso, o Dilema Contemporâneo: Há Respostas Corretas em Direito? In Retrospectiva dos 20 Anos da Constituição Federal. AGRA, Walber de Moura (coordenador). São Paulo: Saraiva, 2009, p. 321).
  107. Apud ARAÚJO, Francisco Rossal de; VARGAS, Luiz Alberto de; MALLMAN, Maria Helena; FRAGA, Ricardo Carvalho. Direito como Signo - Vinte Anos. In Direitos Sociais na Constituição de 1988: Uma Análise Crítica Vinte Anos Depois. MONTESSO, Cláudio José; FREITAS, Marco Antonio de; STERN, Maria de Fátima Coelho Borges (coordenadores). São Paulo: LTr, 2008, p. 315. Segundo Rogério Gesta Leal, "no atual Estado Constitucional Brasileiro, o juiz deixa de ser um funcionário estatal, submetido às hierarquias e ânimos da administração, para tornar-se uma expressão originária do Poder Estatal. A função do Judiciário e dos operadores do Direito, portanto, é decisiva no que tange à concretização dos Direitos Humanos e Fundamentais no Brasil..." (LEAL, Rogério Gesta. Perspectivas Hermenêuticas dos Direitos Humanos e Fundamentais no Brasil. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2000, p. 206).
  108. STRECK, Lenio Luiz. A Crise Paradigmática do Direito no Contexto da Resistência Positivista ao (Neo)Constitucionalismo. In Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região. Suplemento Especial Comemorativo. Belém. v. 41, n. 81, Jul./Dez./2008, p. 308.
  109. Constituição Federal, artigo 3º, inciso I.

Autor

  • Ney Maranhão

    Professor Adjunto do Curso de Direito da Universidade Federal do Pará (Graduação e Pós-graduação). Doutor em Direito do Trabalho e da Seguridade Social pela Universidade de São Paulo - Largo São Francisco, com estágio de Doutorado-Sanduíche junto à Universidade de Massachusetts (Boston/EUA). Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho pela Universidade de Roma/La Sapienza (Itália). Mestre em Direitos Humanos pela Universidade Federal do Pará. Ex-bolsista CAPES. Professor convidado do IPOG, do Centro Universitário do Estado do Pará (CESUPA) e da Universidade da Amazônia (UNAMA) (Pós-graduação). Professor convidado das Escolas Judiciais dos Tribunais Regionais do Trabalho da 2ª (SP), 4ª (RS), 7ª (CE), 8ª (PA/AP), 10ª (DF/TO), 11ª (AM/RR), 12ª (SC), 14ª (RO/AC), 15ª (Campinas/SP), 18ª (GO), 19ª (AL), 21ª (RN), 22ª (PI), 23ª (MT) e 24 ª (MS) Regiões. Membro do Instituto Goiano de Direito do Trabalho (IGT) e do Instituto de Pesquisas e Estudos Avançados da Magistratura e do Ministério Público do Trabalho (IPEATRA). Membro fundador do Conselho de Jovens Juristas/Instituto Silvio Meira (Titular da Cadeira de nº 11). Membro do Conselho Editorial da Revista de Direito do Trabalho – RDT (São Paulo, Editora Revista dos Tribunais). Ex-Membro da Comissão Nacional de Efetividade da Execução Trabalhista (TST/CSJT). Membro do Comitê Gestor Nacional do Programa Trabalho Seguro (TST/CSJT). Juiz Titular da 2ª Vara do Trabalho de Macapá/AP (TRT da 8ª Região/PA-AP). Autor de diversos artigos em periódicos especializados. Autor, coautor e coordenador de diversas obras jurídicas. Subscritor de capítulos de livros publicados no Brasil, Espanha e Itália. Palestrante em eventos jurídicos. Tem experiência nas seguintes áreas: Teoria Geral do Direito do Trabalho, Direito Individual do Trabalho, Direito Coletivo do Trabalho, Direito Processual do Trabalho, Direito Ambiental do Trabalho e Direito Internacional do Trabalho. Facebook: Ney Maranhão / Ney Maranhão II. Email: [email protected]

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MARANHÃO, Ney. O ousado projeto neoconstitucionalista e sua plena adequação à realidade brasileira. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2998, 16 set. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20002. Acesso em: 18 abr. 2024.