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Prescrição intercorrente fiscal de débitos tributários.

Exegese e aplicação do artigo 40 da Lei Federal nº 6.830/80 como forma de superar a inconstitucionalidade das alterações advindas com a Lei Federal 11.051/2004 e o conceito de inércia absoluta enraizado na jurisprudência nacional

Prescrição intercorrente fiscal de débitos tributários. Exegese e aplicação do artigo 40 da Lei Federal nº 6.830/80 como forma de superar a inconstitucionalidade das alterações advindas com a Lei Federal 11.051/2004 e o conceito de inércia absoluta enraizado na jurisprudência nacional

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Tratando-se de dívidas de natureza tributária, é possível a prescrição de ofício pelo juiz, sendo a exceção transformada em objeção processual e sendo a prescrição intercorrente fiscal tributária reconhecida depois de prévia oportunidade de manifestação fazendária.

Destaco, porque oportuno, que algumas considerações iniciais se fazem necessárias como forma de construir a base do raciocínio proposta na idéia principal do texto.

A primeira delas é salientar que a expressão "débitos tributários" inserida no título é de imprescindível importância porque objetiva demonstrar desde logo ao leitor que muito embora poucos autores abordem esta questão nos manuais de execução e de execução fiscal, na verdade, a Lei 6.830/80 pode lastrear processos executivos por dívidas tributárias ou não tributárias. Evidente que, a depender da natureza da dívida, ter-se-á uma incidência plena ou não das modificações trazidas pela Lei 11.051/2004. No caso de débitos não tributários, sua aplicabilidade é integral, sem nenhum tipo de reparo, eis que aí prescrição e regulamentação não dependem de lei complementar, não guardam relação alguma com o disposto no artigo 146, III, "b", da Constituição Federal nem tampouco têm seus prazos suspensivos, interruptivos regrados pelo Código Tributário Nacional. Prescrição fiscal contra Fazenda Pública não pode ser confundida com prescrição de dívidas tributárias. Somente nos casos de dívidas tributárias, como adiante se verá no curso deste estudo, far-se-á mister interpretar as alterações advindas com a Lei 11.051/2004 sob dada cautela, ajustes, utilizando-se a técnica da interpretação conforme a constituição sem redução de texto para ter a lei em coerência com a vontade do legislador constituinte.

Bem por isso que o artigo 2º da Lei 6.830/80 combinado com os artigos 39, 52 e 53 da Lei 4.320/64 deixa claro que a Fazenda Pública pode utilizar o procedimento da Lei 6.830/80 para execuções de dívidas sem natureza tributária. Embora com alguma controvérsia na jurisprudência, é comum a utilização de tal via executiva para os débitos de muitos agricultores com o Banco do Brasil, posteriormente transferidos para a União Federal por força da Medida Provisória 2196-3/2001.

Colocada as coisas em seu devido lugar volto ao mérito principal e em relação a este ensina ALDYR DIAS VIANNA: [01]

O fundamento principal da prescrição, é a inércia ou a negligência do credor ou titular da pretensão correspondente. Com efeito, o interesse social exige que tenham solução definitiva as situações contrárias ao direito, ou mesmo pendentes, por certo lapso de tempo. Se o credor ou titular de um direito permanece inerte, sem providenciar o efetivo exercício de seu direito, através do pedido de prestação jurisdicional consubstanciado na propositura da ação, sua conduta provoca o estabelecimento de incertezas que a ordem jurídica condena e repele, razão porque ele impõe um termo para sua cessação. Daí por que Clóvis Bevilaqua afirma que: "prescrição é a perda da ação atribuída a um direito, de toda a sua carga defensiva, em conseqüência do não uso dela, durante um determinado espaço de tempo".

Como doutrina CAMARA LEAL [02] existe uma multiplicidade de teses oferecidas pelos escritores para embasar o fundamento jurídico do instituto da prescrição: o da ação destruidora no tempo, CONIELLO; o do castigo à negligência, indicado por SAVIGNY; o da presunção de abandono ou renúncia, sugerido por CARVALHO DE MENDONÇA; dentre outras. Contudo, prevalece o entendimento adotado pela maioria dos escritores: o do interesse social pela estabilidade das relações jurídicas.

Assim, pode-se concluir que, tendo por escopo extinguir as ações, a prescrição foi instituída para que a instabilidade do direito não viesse a perpetuar-se com sacrifício da harmonia social, que é o piso sobre o qual se assenta a ordem pública.

"A proteção, que se contém nas regras jurídicas sobre prescrição, corresponde à experiência humana de ser pouco provável a existência de direitos, ou ainda existirem direitos, que longo tempo não foram invocados. Não é esse, porém, o seu fundamento. Os prazos prescricionais servem à paz social e à segurança jurídica. Não destroem o direito, que é; não cancelam, não apagam as pretensões; apenas, encobrindo a eficácia da pretensão, atendem à conveniência de que não perdure por demasiado tempo a exigibilidade ou a acionabilidade. Qual seja essa duração, tolerada, da eficácia pretensional, ou simplesmente acional, cada momento da civilização o determina. Os prazos do Código Comercial correspondem a concepção da vida já ultrapassada; porém o mesmo já se pode dizer de alguns prazos do Código Civil. A vida corre célere, — mais ainda na era da máquina" (MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. t. VI, § 662, capítulo IV – Conceito da Prescrição – Fato Jurídico da Prescrição.).

Nesse contexto, muito embora inexistisse norma expressa quanto à possibilidade de reconhecimento da prescrição intercorrente nas execuções fiscais, nossa jurisprudência por algumas vezes declarava:

A idéia da imprescritibilidade da dívida fiscal afronta a sistemática do nosso direito, a começar pelo claro preceito do art. 174 do Código Tributário Nacional, cujo texto estabelece que a ação de cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos. (TJPR – 5ª Cam. Cív. – ApCvReex 0101058-2– rel. Des. Luiz Cezar de Oliveira – DJPR 08.04.2002.)

E mais:

(...) repugna aos princípios informadores do nosso sistema tributário a prescrição indefinida. Há de, após o decurso de determinado tempo sem promoção da parte interessada, se estabilizar o conflito, pela via da prescrição, impondo segurança jurídica aos litigantes" (TJPR – 4ª Cam. Cív. – ApCvReex 0114643-6 – rel. Des. Dilmar Kessler – DJPR 15.04.2002.).

Bem verdade é claro que o fisco sempre rebateu os argumentos daqueles que entendiam possível decretar prescrição intercorrente com base no artigo 40 da Lei 6.830/80, todavia, o Superior Tribunal de Justiça, em decisão da lavra do Ministro Luiz Fux, bem asseverou:

(...) o artigo 40 da Lei de Execução Fiscal deve ser interpretado harmonicamente com o disposto no artigo 174 do CTN, que deve prevalecer em caso de colidência entre as referidas leis. Isto porque é princípio de Direito Público que a prescrição e a decadência tributárias são matérias reservadas à Lei Complementar, segundo prescreve o artigo 146, III, "b", da CF. (...) 7. A prescrição, tornando o crédito inexigível, faz exsurgir, por força de sua intercorrência no processo, a falta de interesse processual superveniente, matéria conhecível pelo Juiz, a qualquer tempo, à luz do § 3º do art. 267 do CPC. (STJ – RESP 556644/RO – rel. Min. Luiz Fux – DJU 09.12.2003, p. 00237.) (grifo nosso)

O óbice existente na doutrina, em pareceres fazendários e nos posicionamentos de alguns tribunais, com a ressalva do julgado supra transcrito, gravitava apenas no tocante ao impedimento sistemático que vedava o magistrado decretar de ofício a prescrição intercorrente. Resumidamente, diziam nossos doutrinadores – do norte ao sul – que em se tratando de direitos patrimoniais e, portanto, disponíveis, ao magistrado não competiria reconhecer a prescrição de ofício por ser matéria de exceção processual.

E aqui abro um parêntese para dizer que CANDIDO RANGEL DINAMARCO após conceituar exceção dentro da sistemática procedimental vigente arremata reafirmando que "um outro significado do vocábulo exceção é o de defesa que não comporta exame de ofício, só podendo ser conhecida quando alegada pela parte (artigo 128)." [03]

O julgado a seguir transcrito resume o pensamento dos tribunais ao confirmar que a prescrição de direitos patrimoniais não podia ser reconhecida de ofício pelo magistrado:

(...) 8. Recurso provido, ressalvado o entendimento deste relator, porquanto a jurisprudência predominante do Superior Tribunal de Justiça entende pela impossibilidade de o juiz declarar ex officio a prescrição de direitos patrimoniais. (STJ – RESP 556644/RO – rel. Min. Luiz Fux – DJU 09.12.2003, p. 00237.)

Mas o tempo fluiu e agora o reconhecimento de ofício da prescrição intercorrente nos executivos fiscais se tornou norma com a recente alteração dos dispositivos encartados no artigo 40 da Lei 6.830/80 decorrentes da edição da recente Lei 11.051/2004, de 30.12.2004.

Transcrevo:

O Juiz suspenderá o curso da execução, enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, e, nesses casos, não correrá o prazo de prescrição.

§ 1º – Suspenso o curso da execução, será aberta vista dos autos ao representante judicial da Fazenda Pública.

§ 2º – Decorrido o prazo máximo de 1 (um) ano, sem que seja localizado o devedor ou encontrados bens penhoráveis, o Juiz ordenará o arquivamento dos autos.

§ 3º – Encontrados que sejam, a qualquer tempo, o devedor ou os bens, serão desarquivados os autos para prosseguimento da execução.

§ 4º –Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato. (grifo nosso)

O legislador transformou o que era exceção processual em objeção [04] e mais, como já defendia PONTES MIRANDA, optou, no seu juízo íntimo de conveniência e oportunidade, pela transformação de um fato em regra jurídica, já que o conceito de prescrição se amolda mais a uma opção política, quanto forma e prazo, do que necessariamente lastreado exclusivamente na idéia de inércia absoluta do titular do direito, como mola propulsora de início, fluência e caracterização.

Resumidamente escreveu PONTES MIRANDA [05] que o instituto da prescrição é de direito positivo. Se havia é há fundamento para ele, ou se é necessário á vida depois de se chegar a certo grau de civilização, é outra questão. Atribuir-se-lhe a natureza de renúncia forçada por se degradar o instituto, que teve origens mais conspícuas. A proteção, que se contém nas regras sobre prescrição, corresponde à experiência humana de ser pouco provável a existência de direitos, ou ainda existirem direitos, que durante longo tempo não foram invocados. Não é esse, porém, o seu fundamento. Os prazos prescricionais servem à paz social e à segurança jurídica. Não destroem o direito; não cancelam, não apagam as pretensões; apenas, encobrindo a eficácia da pretensão, atendem à conveniência de que não perdure por demasiado tempo a exigibilidade dela. Qual seja essa duração, tolerada, da eficácia da pretensão, cada momento da civilização o determina.

Partindo de tais pressupostos, isto é, de uma visão positiva ( e aqui tenho que a revogação do artigo 194 do CC2002 e a inclusão do §5 ao artigo 219 do CPC, o primeiro, retirando do ordenamento jurídico possibilidade do juiz reconhecer de ofício prescrição patrimonial quando favorável apenas ao absolutamente incapaz, e, o segundo, autorizando o juiz decretar a prescrição patrimonial de ofício em qualquer hipótese vem senão reforçar o sentimento de que prescrição, no fundo, é aquilo que o legislador quer que seja, segundo critérios de conveniência e oportunidade valorativa do parlamento) do instituto da prescrição e das alterações advindas com a Lei Ordinária Federal 11.051/2004, sem olvidar, no entanto, do comando constitucional no sentido de que as normas gerais de direito tributário dependem de regulamentação por lei complementar (CF/88, 146, III, "b"), [06] não se antevê, sob ângulo puramente processual, inconstitucionalidade das alterações procedidas pelo legislador ordinário inseridas no artigo 40 da Lei 6.830/80 ao decidir transformar matéria argüível emexceção para objeção processual.

Entretanto, os prazos e as formas de interrupção da prescrição de dívidas tributárias devem permanecer, como de fato permaneceram, regrados pelo artigo 174 do Código Tributário Nacional.

E isso porque o legislador ordinário, na parte final da cabeça do artigo 40 da Lei 6.830/80, esqueceu-se do básico, de separar dívidas tributárias e não tributárias. Por isso, é necessário interpretar a norma recentemente editada para não impedir ou esvaziar parcialmente as disposições do parágrafo único do artigo 174 do Código Tributário Nacional. Isso porque na esteira da competência atribuída pelo artigo 146, III, "b", da Constituição Republicana, restringiu-se o marco interruptivo da prescrição, zerando e reiniciando a contagem, nas hipóteses ali previstas, dentre as quais: despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal (inciso I); por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor; não podendo fora de tais hipóteses permanecer suspensa a prescrição, sobretudo em determinação lançada em lei ordinária (inciso III).

Reconhecendo a impossibilidade de se regrar prescrição tributária, suspensão dela por norma outra que não complementar decidiu o Supremo Tribunal Federal, por sua 1ª Turma, em 08.08.1986, no RE 106.217, da relatoria do Ministro Octávio Gallotti:

"Execução fiscal. A Interpretação dada, pelo acórdão recorrido, ao art. 40 da Lei 6.830/80, recusando a suspensão da prescrição por tempo indefinido, e a única susceptível de torná-lo compatível com a norma do art. 174, parágrafo único, do Código Tributário Nacional, a cujas disposições é reconhecida a hierarquia de lei complementar"

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, no incidente de inconstitucionalidade 2004.04.01.026097-8/RS:

"(...) 2. Assentando o art. 146, III, da Lei Maior que cumpre à lei complementar a tarefa de estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre prescrição e decadência (alínea "b"), (...), resulta vedado ao legislador ordinário imiscuir-se nesse mister. [...]. Tendo invadido campo temático reservado à lei complementar, mostra-se incompatível com os ditames constitucionais. (...)".

Nesse jaez e para o reconhecimento da prescrição, como dois mais dois são quatro, ou melhor, aqui, cinco, basta apurar o qüinqüênio prescricional entre os períodos envolvendo primeiro o despacho do juiz que ordenar a citação até efetivação desta (e desde que a demora não possa ser atribuída ao próprio judiciário); segundo efetivação da citação até início da concretização dos atos constritivos.

E aqui é necessário outro parêntese para explicar que ato constritivo no nosso entendimento é penhora ou outro ato de constrição judicial deferido em tutela de urgência ou como simples fase do procedimento, por exemplo, arresto executivo, em que em síntese, o oficial de justiça localiza os bens do devedor, mas não logra êxito em proceder sua citação

Voltando ao tema principal temos que em uma ou outra situação, a prescrição intercorrente fiscal de débitos tributários estará configurada. E estará configurada porque o legislador não considera, - e nunca considerou, irrelevante a crise procedimental do processo.

Sobre crise do processo é interessante anotar que processo é a visão estática do procedimento que, por sua vez, é a visão dinâmica do processo [07]. Nos executivos fiscais, temos basicamente três momentos procedimentais do processo: primeiro é a propositura da demanda pelo fisco; segundo é a citação do executado para tomar conhecimento da lide e pagar o débito, já lançando constrição judicial sobre seu patrimônio penhorável, caso houver; terceiro início do momento dos atos de expropriação. O processo entrará em crise, haverá paralisação indevida: a) se a citação não for concretizada por inércia do demandante, ainda que tenha existido o arresto executivo b) se os atos expropriatórios não se iniciarem em razão de que não foram encontrados bens suscetíveis de constrição judicial. Se num ou noutro momento de crise, anormalidade do procedimento, passar mais de cinco anos, caracterizar-se-á, sem dúvida, prescrição intercorrente. Daí porque podemos mencionar que as disposições do artigo 40 da Lei 6.830/80 combinadas com artigo 174 do Código Tributário Nacional e o disposto no artigo 146, III, ‘b" da Constituição da República, enaltecem, nos casos de dívidas tributárias, não só a inércia do credor como causa justificante da prescrição intercorrente, mas também ausência de localização de bens do executado passíveis de penhora. Por isso, o legislador complementar municiou o fisco com as disposições do recém incluído artigo 185-A do Código Tributário Nacional: "Na hipótese de o devedor tributário, devidamente citado, não pagar nem apresentar bens à penhora no prazo legal e não forem encontrados bens penhoráveis, o juiz determinará a indisponibilidade de seus bens e direitos, comunicando a decisão, preferencialmente por meio eletrônico, aos órgãos e entidades que promovem registros de transferência de bens, especialmente ao registro público de imóveis e às autoridades supervisoras do mercado bancário e do mercado de capitais, a fim de que, no âmbito de suas atribuições, façam cumprir a ordem judicial. § 1º A indisponibilidade de que trata o caput deste artigo limitar-se-á ao valor total exigível, devendo o juiz determinar o imediato levantamento da indisponibilidade dos bens ou valores que excederem esse limite. § 2º Os órgãos e entidades aos quais se fizer a comunicação de que trata o caput deste artigo enviarão imediatamente ao juízo a relação discriminada dos bens e direitos cuja indisponibilidade houverem promovido".

Importa salientar que a efetivação da citação interrompe a prescrição não pela incidência de tal efeito preconizado no caput do artigo 219 do ordinário Código de Processo Civil, mas, porém, por aqueloutro de constituir em mora o devedor, cujo ato ganha contorno interruptivo do lapso prescricional na esteira do que prevê o inciso III do parágrafo único do complementar artigo 174 do Código Tributário Nacional. [08]

Simples. De cinco em cinco. É o que é por determinação conjugada entre os dispositivos constitucionais e complementares dantes referidos. Tudo porque não se pode indiretamente impedir, suspender ou interromper a fluência do prazo prescricional de dívidas tributárias por simples lei ordinária, estabelecendo outro e diverso momento interruptivo/suspensivo que não previsto nas leis gerais de direito tributário, sob pena de se incorrer em flagrante inconstitucionalidade.

Nesse desiderato, a melhor solução para o imbróglio legislativo é a interpretação da norma editada conforme a Constituição [09] dela retirando apenas a possibilidade processual de se reconhecer de ofício a prescrição intercorrente de dívidas tributárias sem precisar utilizar subterfúgio de se invocar perda do interesse processual superveniente para tal objetivo, tal como encontramos em algumas decisões do Superior Tribunal de Justiça:

"A prescrição, tornando o crédito inexigível, faz exsurgir, por força de sua intercorrência no processo, a falta de interesse processual superveniente, matéria conhecível pelo Juiz, a qualquer tempo, à luz do § 3º do art. 267 do CPC" (STJ – RESP 556644/RO – rel. Min. Luiz Fux – DJU 09.12.2003, p. 00237.)

Entretanto, "a jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que, conforme o art. 125, III, do CTN, c/c o art. 8º, § 2º, da LEF, a citação da pessoa jurídica interrompe a prescrição em relação ao sócio, responsável tributário pelo débito fiscal. O redirecionamento da execução contra o sócio deve dar-se no prazo de cinco anos da citação da pessoa jurídica", [10] aplicando-se, de certo, para todos devedores solidários a interrupção estabelecida no artigo 174 do Código Tributário Nacional, respeitadas, porém, as extensões do artigo 125, III, do mesmo Código.

Há de se ressaltar, ainda, com base nessa nova perspectiva positivista do conceito de prescrição fiscal intercorrente, em que o instituto da prescrição tributária não é lastreado exclusivamente na idéia de inércia, [11] omissão ou falta de impulso processual absoluto pelo credor, mas também, sobretudo, na crise, na estagnação substantiva do procedimento por cinco anos após lapsos interruptivos previstos no artigo 174 do Código Tributário Nacional. Isto é, tratando-se de dívidas tributárias, os requerimentos de diversas diligências pelo fisco substancialmente vazias no resultado, data vênia, não são e nunca serão suficientes para obstar o transcurso do prazo prescricional. Entender de modo diverso significa esvaziar o objeto normativo, porque, obviamente, bastaria antes do qüinqüênio intercorrente vir o fisco em juízo e requerer diligência qualquer mesmo cônscio da improbabilidade de seu êxito.

Diga-se que ao Judiciário não compete fazer justiçaria. [12]- [13]- [14]- [15] A prescrição intercorrente de débitos tributários decorre de pura escolha legiferante – cuja dinâmica é explicitada por MIGUEL REALE em sua obra Teoria tridimensional do direito (autor com muita eficiência explica dinâmica das relações fáticas no plano social, político, jurídico. Fato-Valor [valoração do parlamento]-Norma [resultante e resultado da valoração sobre o fato verificável]).

Queremos dizer que o legislador constitucional politicamente e no exercício da representatividade popular, optou, para os executivos fiscais lastreados em débitos tributários, por superar a doutrina clássica e poética da desídia e da paralisação absoluta do processo como caracterizadora única da prescrição intercorrente. Passou a contentar-se com uma paralisação substantiva, útil do processo e do procedimento. Se o procurador fazendário atuar diligentemente impulsionando o feito, pugnando ofícios para aqui, lá e acolá na tentativa vazia, por exemplo, de localizar bens passíveis de penhora, o crédito tributário prescreverá na modalidade intercorrente pela ausência de bens penhoráveis no qüinqüênio. Este será contado da concretização da citação calcada na crise processual instaurada em razão da inexistênciade atos constritivos sobre o patrimônio do executado, causa segunda da crise processual e do reconhecimento da prescrição do crédito fiscal.

No sentido de que lei ordinária federal não pode suspender nem criar marcos interruptivos da fluência do prazo prescricional tributário, temos o conteúdo lógico da recém editada oitava súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal do Brasil:

São inconstitucionais o parágrafo único do artigo 5º do Decreto-lei 1.569/77 e os artigos 45 e 46 da Lei 8.212/91, que tratam de prescrição e decadência de crédito tributário. [16]

Timidamente começam surgir decisões [17] reconhecendo prescrição fiscal intercorrente mesmo na ausência de uma paralisação absoluta do processo. Destaca-se, por oportuno, decisão exarada pelo Desembargador Federal Álvaro Eduardo Junqueira, Apelação Cível 2008.70.99.000147-8/PR: "Meros pedidos de diligência, ineficazes e pedidos de suspensão do curso da execução não são consideradas causas suspensivas ou interruptivas da prescrição".

Mais contundente é a manifestação da Desembargadora Dulce Maria Cecconi do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, Apelação Cível 456319-3:

De fato, não é possível atribuir ao exeqüente culpa pelo retardo processual, uma vez que procurou de diversas maneiras a satisfação do crédito tributário. Impende relevar, todavia, que não parece razoável permitir a prorrogação de atos processuais infundados, de modo a tornar imprescritível o crédito tributário somente porque o exeqüente não permaneceu inerte no curso do processo.

Tudo isso, não menos e nada mais, é a vontade legislativa. Se o juiz se deparar com alguma situação tratada nesse estudo, deverá extinguir a execução fiscal com base nos artigos 795 e 269, IV, do Código de Processo Civil, combinados com os artigos 146, III, "b", da Constituição Federal e artigo 174 do Código Tributário Nacional.


CONCLUSÃO

A disposição final da cabeça do artigo 40 da Lei 6.830/90 não se aplica aos executivos fiscais lastreados em dívidas com natureza tributária nos termos da resultante das disposições dos artigos 146, III, "b", da Constituição da República combinado com artigo 174 do Código Tributário Nacional.

Prescrição intercorrente tributária não se encontra baseada unicamente no conceito clássico de inércia, desídia do credor, mas também, sobretudo, na paralisação, na crise, na anormalidade do procedimento fiscal, visão dinâmica do processo, seu andar para frente, desde que, em uma de suas causas, constatada ausência de bens penhoráveis do executado.

Tratando-se de dívidas de natureza tributária, a Lei Ordinária Federal 11.051/2004 deve ser interpretada conforme a Constituição, validando-se apenas alterações processuais de competência do legislador federal ordinário, sendo possível a prescrição de ofício pelo juiz, sendo a exceção transformada em objeção processual e sendo a prescrição intercorrente fiscal tributária reconhecida depois de prévia oportunidade de manifestação fazendária.

Por se tratar de um regime posto, vigente e independente, as alterações trazidas pela Lei Ordinária Federal 11.054/2004 permitem reconhecer a prescrição intercorrente fiscal nos processos já em curso. Isso será possível desde que caracterizada uma das duas causas de anormalidades, crise, estagnação procedimental da execução fiscal tributária abordadas nesse estudo. [18]

A parte final da cabeça do artigo 40 não se aplica em se tratando de execução fiscal lastreada em dívidas tributárias. Lei ordinária que é não pode suspender a fluência do prazo prescricional tributário, pois esta é matéria dependente de lei complementar a teor da determinação do artigo 146, III, "b", da Constituição Federal.


BIBLIOGRAFIA

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Notas

  1. . VIANNA, Aldyr Dias. Da prescrição no direito civil brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1983. p. 2-3
  2. LEAL, Luiz Câmara apud CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 13 ed. São Paulo: Saraiva,
  3. (DINAMARCO, Candido Rangel. Instituições de direito processual civil. 2 ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 476-477.).
  4. Objeção, portanto, seguindo o raciocínio do processualista Candido Rangel Dinamarco, é senão o oposto. Defesa que comporta exame de ofício pelo magistrado. A diferença entre uma e outra está em que na exceção o juiz não pode conhecer a questão processual incidental de ofício, enquanto que na objeção tem ele esta possibilidade.
  5. (MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. t. VI, § 662, capítulo IV – Conceito da Prescrição – Fato Jurídico da Prescrição.)
  6. "A matéria tornou-se indelegável às leis ordinárias das pessoas competentes, inclusive o prazo nela fixado (arts. 173e 174) e o rol das causas suspensivas e interruptivas da prescrição", registrando ser da essência desses institutos a perda do direito, pela inércia de seu titular durante o decurso de certo prazo, fixado em lei complementar (in "Direito Tributário Brasileiro" (BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 11ª ed. complementada à luz da Constituição de 1988 por Misabel Abreu Machado Derzi, Rio de Janeiro:Forense,2005, p. 910.).
  7. Carnelutti diferencia processo e procedimento, concluindo que o processo são os atos concatenados em estática, enquanto procedimento são os mesmos atos concatenados em seu dinamismo (CARNELUTTI, Francesco. Teoria geral do direito, 2000. p. 504-505.).
  8. Não desconhecemos o debate jurídico em torno da hierarquia existente ou não entre leis ordinárias e normas complementares. No entanto, como leciona José Afonso da Silva, a lei ordinária não se destina a agir como norma supletiva da lei complementar. Ela atua nas áreas não demarcadas pelo constituinte a esta última espécie normativa, ficando excluída a possibilidade de ambas tratarem do mesmo tema (SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas consitucionais. São Paulo: Malheiros). Nesse sentido, voto da lavra do Ministro Gilmar Mendes perante a Suprema Corte brasileira, no julgamento dos RExtrs RExts 556.664, 559.882, 559.943 e 560.626: "Assim, se a Constituição Federal reservou à lei complementar a regulação da prescrição e da decadência tributárias, considerando-as de forma expressa normas gerais de Direito Tributário, não há espaço para que a lei ordinária atue e discipline a mesma matéria. O que é geral não pode ser específico".
  9. Em decisão de 09.11.1987, o Supremo Tribunal Federal afirmou que a interpretação conforme à Constituição não deve ser vista como simples princípio de interpretação, mas sim como modalidade de decisão do controle de normas, equiparável a uma declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto. Na interpretação conforme a Constituição, tem-se, dogmaticamente, a declaração de que uma lei é constitucional com a interpretação que lhe é conferida pelo órgão judicial, constata-se, na declaração de nulidade sem redução de texto, a expressa exclusão, por inconstitucionalidade, de determinadas hipóteses de aplicação (Anwendungsfälle) do programa normativo sem que se produza alteração expressa do texto legal. Assim, se se pretende realçar que determinada aplicação do texto normativo é inconstitucional, dispõe o Tribunal da declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto, que, além de mostrar-se tecnicamente adequada para essas situações, tem a virtude de ser dotada de maior clareza e segurança jurídica expressa na parte dispositiva da decisão (a lei X é inconstitucional se aplicável a tal hipótese; a lei Y é inconstitucional se autorizativa da cobrança do tributo em determinado exercício financeiro, por exemplo. (MENDES, Gilmar Ferreira. Caderno de Direito Constitucional, EMAGIS, 2006, p. 265-269.)
  10. TRF 4ª R. – 2ª T – REO-AC 2005.04.01.051167-0 – rel. Des. Fed. Antônio Albino Ramos de Oliveira – DJU 11.01.2006, p. 468.
  11. O instituto da prescrição já despertou diversos estudos para a dogmática jurídica brasileira. Antonio Luiz Câmara Leal, por exemplo, numa visão clássica, arrola quatro elementos integrantes do conceito, ou quatro condições elementares da prescrição: 1) existência de uma ação exercitável (actio nata); 2) inércia do titular da ação pelo seu não exercício; 3) continuidade desta inércia durante um certo lapso de tempo; 4) ausência de algum fato ou ato, a que a lei atribua eficácia impeditiva, suspensiva ou interruptiva do curso prescricional. (da Prescrição e da decadência, 2 ed., Forense, 1969, p. 25) (LEAL, Luiz Câmara apud CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 13 ed. São Paulo: Saraiva, p. 463.)
  12. "Se aos juízes é conferido o poder de invalidar decisões tomadas por ocupantes de cargos oficiais eleitos pelo voto popular – e não esqueçamos que o judicial review, embora com raízes na Inglaterra de Sir Edward Coke, foi efetivamente inventado nos Estados Unidos da América –, é necessário encontrar processos interpretativos que fundamentem suas decisões em algo mais do que somente suas visões pessoais. Isto porque, como alertam Tribe e Dorf, ‘há o constante perigo de os juízes lançarem mão de disfarces perigosos e desta forma possam distorcer aquilo que realmente está em questão’", Lenio Luiz Streck, apresentação ao livro On Reading the Constitution, traduzido para a língua portuguesa sob o título Hermenêutica constitucional, autores Laurence Tribe e Michael Dorf, Belo Horizonte, DelRey, 2007, tradutora Amarilis de Souza Birchal.
  13. A discricionariedade dos temas abordados em uma República que se vangloria Estado Democrático de Direito, em aspecto primário, pertence aos parlamentares e não ao Judiciário, à doutrina ou ao cientista do direito. Nesse aspecto, e para tais questões expressamente valoradas pelo legislador, não há margem para criação ou interpretação. Aliás diverso não foi o conteúdo da advertência lançada pelo Ministro Eros Grau transcrevendo Hesse quando do julgamento do MS 20.927/DF, no Supremo Tribunal Federal Brasileiro: "Cabe qual u’a luva, neste passo, a observação posta por KONRAD HESSE (Grundzüge des Verfassungsrechts der Bundesrepublik Deutschland, 20 ed, C.F. Müller Verlag, Heidelberg, 1999, § 77, p. 29-30.) a propósito dos limites da interpretação constitucional: o intérprete já não mais interpreta, porém modifica, opera a ruptura da Constituição quando passa por cima dela. O limite da interpretação é o texto; a Corte está aqui para exigir que esse limite seja observado, não para rompê-lo".Gilmar Mendes em passagem historiou a preocupação da doutrina brasileira quando das discussões de se atribuir ao Judiciário a função de exercer o controle de constitucionalidade ainda na época imperial. Para tanto citou Pimenta Bueno: "Só o poder que faz a lei é o único competente para declarar por via de autoridade ou por disposição geral obrigatória o pensamento, o preceito dela. Só ele e exclusivamente ele é quem tem o direito de interpretar o seu próprio ato, suas próprias vistas, sua vontade e seus fins. Nenhum outro poder tem o direito de interpretar por igual modo, já porque nenhuma lei lhe deu essa faculdade, já porque seria absurda a que lhe desse. Primeiramente é visível que nenhum outro poder é o depositário real da vontade e inteligência do legislador. Pela necessidade de aplicar a lei deve o executor ou juiz, e por estudo pode o jurisconsulto formar sua opinião a respeito da inteligência dela, mas querer que essa opinião seja infalível e obrigatória, que seja regra geral, seria dizer que possuía a faculdade de adivinhar qual a vontade e o pensamento do legislador, que não podia errar, que era o possuidor dessa mesma inteligência e vontade; e isso seria certamente irrisório. Depois disso é também óbvio que o poder a quem fosse dada ou usurpasse uma tal faculdade predominaria desde logo sobre o legislador, inutilizaria ou alteraria como quisesse as atribuições deste ou disposições da lei, e seria o verdadeiro legislador. Basta refletir por um pouco para reconhecer esta verdade, e ver que interpretar a lei por disposição obrigatória, ou por via de autoridade, é não só fazer a lei, mas é ainda mais que isso, porque é predominar sobre ela" (MENDES, Gilmar Ferreira. Caderno de Direito Constitucional, EMAGIS, 2006, p. 7-8.).
  14. O temor manifestado por Pimenta Bueno é compartilhado por diversos autores nacionais e estrangeiros, dentre eles podemos mencionar posição do deputado Dr. von Merkatz no parlamento federal alemão que por ocasião da apresentação do relatório acerca do projeto de lei sobre o BVerfG (Verhandlungen des Deutschen Bundestages), I legislatura, 1949, relato estenográfico, p. 4 218 ss. ( 112 sessão em 18-I-1951), tomou posição contra o ponto de vista de que o juiz deve estar sujeito não apenas à lei mas também, ou até mesmo em primeira linha, à sua consciência: "Uma tal concepção jusnaturalista do carácter da jurisdição constitucional contém dinamite e gera forçosamente um movimento contrário à independência judicial, pois que, de harmonia com ela, o juiz pode orientar-se pelas directivas de uma justiça perpétua, contrapondo-se às decisões democráticas do Parlamento", (apud BACHOF, Otto. Normas Constitucionais Inconstitucionais? Coimbra: Almedina, 2008. p. 36.). Contra o direito de controle dos tribunais, inclusive dos tribunais constitucionais, pronunciou-se APELT, quem, sobretudo, chama a espécie de tal controle como usurpação da legislação constitucional, isto é, "o direito supremo conferido ao poder legislativo e ao povo no seu conjunto na república democrática; responsável pelo sistema de valores sobre o qual se ergue uma Constituição, e pelo qual têm de aferir-se a sua bondade e a sua valia, é o povo todo e não um tribunal de nove homens. Nem só a jurisdição pode ser guarda da Constituição: guarda da Constituição também o é o Parlamento (Landtag)" (apud BACHOF, Otto, p.26.).
  15. Pontes de Miranda no seu conhecido Tratado de Direito Privado, Tomo I, explicando como se dá a incidência da regra jurídica, conclui que cada regra de direito enuncia algo sobre fatos (positivos ou negativos). Se os fatos se produzem, sobre eles incide a regra jurídica e irradia-se deles a eficácia jurídica. (p. 63). Mais adiante, na mesma obra, ao tratar do suporte fático da norma jurídica mesmo autor nos leva ao raciocínio de que a lei enquanto tal está para ser seguida e não criticada. A crítica quando muito deve ser anterior a jurisdicionalização, não sendo dado ao juiz negar a lei, ajustá-la ou reformulá-la. Tem de simplesmente segui-la. Isto é Separação de Poderes; isto é Estado Democrático de Direito; isto é segurança jurídica. Diz o autor: "O direito, na escolha dos fatos, que hão de ser regrados (sobre os quais incide a regra), deixa de lado, fora do jurídico, muitos fatos, que alguns observadores e estudiosos parecem dignos de regulação; mas esse julgamento dos técnicos do direito, ou dos não-técnicos, por mais procedente que seja, só se pode passar no plano político, moral ou científico, e nenhuma influência pode ter na dogmática jurídica. Enquanto a regra se não transforma em regra jurídica, isto é, enquanto não se faz incindível cabe a crítica; não depois" (p. 68).
  16. Voto condutor do ministro Gilmar Mendes donde inclusive a Corte deferiu modulação dos efeitos da decisão para fins de vedar a repetição de indébito das contribuições indevidamente pagas até a data do julgamento, salvo, para os contribuintes que até ali tenham ingressado com demanda judicial pleiteando devolução dos valores. A Suprema Corte excepcionou incidência da súmula vinculante para os casos em que o contribuinte ficou vencido com decisão favorável ao fisco devidamente transitada em julgado.
  17. Provocadas em processos com atuação nossa, esboçando-se o presente artigo.
  18. Tempus regit actum.

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Vale ressaltar que quando a Fazenda Pública sair vencedora de um processo judicial de conhecimento, com sentença judicial transitada em julgado condenando o vencido em obrigação de pagar, mesmo que para tão-somente as verbas de sucumbência, utilizar-se-á não a Lei 6.830/80, mas sim o procedimento inerente ao Código de Processo Civil, artigos 475-A e seguintes em caso de título judicial ilíquido, e, artigo 475-J e seguintes em caso de condenação por obrigação de pagar por quantia certa. O conceito de tributo no Direito Tributário brasileiro é primoroso e desvela a mecânica da imposição tributária, pedra fundamental da disciplina. &quot;A essência jurídica do tributo é ser prestação pecuniária compulsória em favor do Estado ou de pessoa por este indicada (parafiscalidade), que não constitua sanção de ato ilícito (não seja multa), instituída em lei (não decorrente de contrato). Intuitivo, também, que a prestação pecuniária no caso do tributo não é feita para indenizar (recompor) nem para garantir (depósitos, fianças, cauções), admitindo cobrança administrativa&quot; (COELHO, Sacha Calmon Navarro. <b><i>Curso de direito tributário brasileiro</i></b>. 6 ed. Rio de Janeiro: Forense, p. 381-382.). O artigo 3º do Código Tributário Nacional conceitua normativamente o termo tributo: &quot;É toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada&quot;.</p>

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LUZ, Marcos Caires. Prescrição intercorrente fiscal de débitos tributários. Exegese e aplicação do artigo 40 da Lei Federal nº 6.830/80 como forma de superar a inconstitucionalidade das alterações advindas com a Lei Federal 11.051/2004 e o conceito de inércia absoluta enraizado na jurisprudência nacional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3049, 6 nov. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20371. Acesso em: 24 abr. 2024.