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Repensando a exegese do art. 455 da CLT

Repensando a exegese do art. 455 da CLT

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Sumário: 1. Considerações iniciais; 2. O art. 455 da CLT: sua interpretação; 2.1. Distinção entre empreitada simples e subempreitada. 2.2. Da responsabilidade do subempreiteiro diante do caráter personalíssimo da relação de emprego (na perspectiva do empregador). 3. Da composição da relação processual. 3.1. Da reclamação ajuizada unicamente contra o subempreiteiro. 3.2. Da demanda destinada unicamente contra o empreiteiro principal (da inexistência de litisconsórcio passivo necessário na hipótese prevista no art. 455, da CLT). 3.2.1. Resposta do subempreiteiro integrado à lide. 3.2.2. O inadimplemento a que se refere o art. 455 da CLT. 3.3. Da demanda destinada contra empreiteiro e subempreiteiro (em litisconsórcio facultativo). 4. A análise da responsabilidade solidária ou subsidiária. 5. Relações entre empreiteiro e subempreiteiro constituindo ato ilícito. 6. Conclusões; Notas; Bibliografia


1. Considerações iniciais.

Um dos temas trabalhistas que tem suscitado bastante controvérsia, no dia-a-dia da nossa atividade profissional, diz respeito à previsão contida no art. 455 consolidado, no que se refere à responsabilidade patrimonial do empreiteiro, frente ao inadimplemento das obrigações trabalhistas do subempreiteiro.

Ao aprofundar o estudo da matéria, constatamos aceso disenso sobre a natureza jurídica dessa previsão normativa, o que nos encorajou a escrever essas linhas, buscando a apresentar nossa contribuição pessoal a esse intrincado tema.

Não pretendemos, porém, esgotar todas as complexas implicações dogmáticas resultantes da caracterização do instituto com esta ou aquela natureza jurídica, mas tentaremos solucionar algumas dúvidas constantemente presentes na mente dos julgadores laborais.

Feitas essas rápidas considerações iniciais, passemos, de logo, a analisar o tema proposto.


2. O art. 455 da CLT: sua interpretação.

Dispõe o art. 455 consolidado, "in verbis":

"Art. 455. Nos contratos de subempreitada responderá o subempreiteiro pelas obrigações derivadas do contrato de trabalho que celebrar, cabendo, todavia, aos empregados, o direito de reclamação contra o empreiteiro principal pelo inadimplemento daquelas obrigações por parte do primeiro.

Parágrafo único. Ao empreiteiro principal fica ressalvada, nos termos da lei civil, ação regressiva contra o subempreiteiro e a retenção de importâncias a estes devidas, para a garantia das obrigações previstas neste artigo."

Para uma adequada e fiel interpretação do dispositivo, mister se faz tecer algumas observações prévias, notadamente quanto à distinção entre a empreitada simples e a subempreitada, bem como sobre a responsabilidade patrimonial direta ante o caráter pessoal da relação de emprego.

2.1. Distinção entre empreitada simples e subempreitada.

Embora tratem-se de espécies do mesmo gênero, a empreitada simples e a subempreitada apresentam características que as tornam diversas, tanto no ponto de vista de sua formação, quando de seus efeitos.

O gênero ao qual nos referimos concerne ao vetusto contrato de locação de serviços ou de empreitada, disciplinado pelos arts. 1237 usque 1247 do Código Civil pátrio e definido pela doutrina como sendo o "contrato pelo qual um dos contraentes (empreiteiro) se obriga, sem subordinação ou dependência, a realizar, pessoalmente ou por meio de terceiro, certa obra para o outro (dono da obra ou comitente), com material próprio ou por este fornecido, mediante remuneração determinada ou proporcional ao trabalho executado"(1).

Partindo da definição, se o empreiteiro realiza de forma direta, ou seja, pessoalmente, o serviço contratado estamos diante de uma empreitada, por nós denominada simples; se, ao contrário, existe a intercessão de terceiro para a realização dos serviços avençados, defrontamo-nos com a subempreitada. Esta, segundo Octavio Bueno Magano, "constitui modalidade da empreitada, que se particulariza por corresponder à parte separada de trabalho, confiado em conjunto a um empreiteiro principal"(2).

2.2. Da responsabilidade do subempreiteiro diante do caráter personalíssimo da relação de emprego (na perspectiva do empregador).

Feita a necessária distinção entre empreitada e subempreitada, voltamos ao teor do citado dispositivo consolidado, analisando as expressões e mandamentos dele constantes.

Um aspecto a ser observado diz respeito à responsabilidade originária em relação aos contratos de emprego. Neste particular, a lei é clara, porquanto explicitamente dispõe que "nos contratos de subempreitada responderá o subempreiteiro pelas obrigações derivadas do contrato de trabalho que celebrar (...)".

Tal assertiva, ao que nos parece, destina pessoalmente ao subempreiteiro/empregador os deveres e direitos inerentes ao contrato de trabalho, cabendo a este, pois, em caráter intransferível, qualquer obligatio ad faciendum, como, v.g., aquela inserta no art. 29, da CLT (relativas às anotações da CTPS) ou a concessão de gozo de férias.

Esta intransferibilidade tem substrato no fato de que, sendo o contrato de emprego, por natureza, uma avença intuitu personae, as obrigações de fazer não passam da pessoa do obrigado.

Ressalte-se, entretanto, que a obrigação aqui referida (numa perspectiva restrita ao empregador/subempreiteiro) diz respeito a um fazer fungível, que, como se sabe, pode ser realizado indiferentemente tanto pelo próprio devedor ou por terceiro, à custa do devedor, em caso de recusa ou mora deste.

Como exemplo de cumprimento, por terceiro, de obrigação de fazer fungível, podemos lembrar a previsão do art. 39, da CLT, que preceitua, in verbis:

"Art. 39. Verificando-se que as alegações feitas pelo reclamado versam sobre a não-existência de relação de emprego, ou sendo impossível verificar essa condição pelos meios administrativos, será o processo encaminhado à Justiça do Trabalho, ficando, nesse caso, sobrestado o julgamento do auto de infração que houver sido lavrado.

§1º. Se não houver acordo, a Junta de Conciliação e Julgamento, em sua sentença, ordenará que a Secretaria efetue as devidas anotações, uma vez transitada em julgado, e faça a comunicação à autoridade competente para o fim de aplicar a multa cabível.

§ 2º. Igual procedimento observar-se-á no caso de processo trabalhista de qualquer natureza, quando for verificada a falta de anotações na Carteira de Trabalho e Previdência Social, devendo o Juiz, nesta hipótese, mandar proceder, desde logo, àquelas sobre as quais não houver controvérsia." (grifos nossos)

Note-se, no particular, que se concede oportunidade (até o trânsito em julgado da decisão prolatada) para o empregador espontaneamente adimplir a referida obrigação de fazer.

Fizemos questão de explicitar essa ressalva pois é muito comum na atividade forense laboral depararmo-nos com circunstâncias em que o autor requer a anotação de sua C.T.P.S. ao empreiteiro principal (demandando-o unicamente, sob o fundamento da responsabilidade solidária), quando, em realidade, seu verdadeiro empregador é o subempreiteiro, fato muitas vezes admitido na própria exordial, o que se configura, portanto, como um absurdo lógico.


3. Da composição da relação processual.

Fixadas essas observações prévias, podemos concluir que a existência de uma subempreitada pode ensejar 03 (três) hipóteses distintas de sujeição passiva na relação jurídica processual:

a) a ação trabalhista ajuizada unicamente contra o subempreiteiro;

b) a ação trabalhista ajuizada unicamente contra o empreiteiro principal;

c) a ação trabalhista ajuizada contra o subempreiteiro e o empreiteiro principal, em litisconsórcio passivo.

Assim sendo, por uma questão metodológica, analisaremos separadamente cada uma dessas hipóteses.

3.1. Da reclamação ajuizada unicamente contra o subempreiteiro.

Essa é, definitivamente, a hipótese mais simples das supra elencadas.

Isso porque a ação trabalhista terá sido ajuizada justamente contra o verdadeiro empregador, se considerada a relação jurídica de Direito Material, qual seja, o subempreiteiro, que contrata determinados empregados para realizar as operações-fim de sua atividade empresarial.

Dessa forma, não há aqui que se falar em responsabilidade patrimonial do empreiteiro principal, vez que esse não irá participar da relação processual entre os litigantes (empregado e empregador).

3.2. Da demanda destinada unicamente contra o empreiteiro principal (da inexistência de litisconsórcio passivo necessário na hipótese prevista no art. 455, da CLT).

Conforme se verifica da parte final do caput do art. 455, pode o trabalhador ajuizar sua reclamação trabalhista diretamente contra o empreiteiro principal, pelo inadimplemento das obrigações de seu empregador, que é, em verdade, o subempreiteiro.

Tendo em vista o disposto no sub-tópico anterior, afirmamos ser recomendável, sempre que se trate de hipótese de subempreitada legalmente pactuada, que o subempreiteiro faça parte da relação processual, eis que, como já dito, ele é o responsável principal.

Ocorre, todavia, que o recomendável nem sempre é observado. Dizemos isto porque, calcados no argumento de que indiferentemente podem ser demandados empreiteiro ou subempreiteiro, os reclamantes, em regra, buscam a satisfação de seus créditos junto àquele que tenha maiores condições de adimplir uma eventual condenação, no caso específico, o empreiteiro principal.

Ademais, outro fundamento para que a ação trabalhista seja dirigida unicamente ao empreiteiro principal diz respeito ao fato de que, quase sempre, o subempreiteiro não possui domicílio conhecido por seus empregados. Tais empregados sabem, quando da contratação (também em regra), apenas o nome da obra em que irão laborar, e, por via de conseqüência, através das insígnias espalhadas no campo de trabalho, os dados necessários para a interposição da reclamação contra o empreiteiro principal.

Com efeito, admitindo-se que o empreiteiro principal possa ser demandado unicamente, chegamos à seguinte consideração: o art. 455 consolidado permite a demanda direta contra o empreiteiro principal, não ressalvando qualquer aspecto no que diz respeito ao citado adimplemento.

Tanto isto é verdade que o parágrafo único, do mencionado artigo, garante a ação regressiva contra o subempreiteiro. Note-se que, se a obrigação do empreiteiro principal fosse originária, não se haveria de falar em ação regressiva, nem tampouco de retenção das importâncias eventualmente devidas.

Cabe-nos, outrossim, por amor à discussão, refutar os argumentos daqueles que asseveram que a relação processual havida entre empreiteiro principal e subempreiteiro constituiria uma hipótese de litisconsórcio necessário.

Discordamos desta tese porque somente haveria formação do litisconsórcio necessário se: a) a lei assim determinasse; b) o juiz, pela natureza da relação jurídica, tivesse de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes.

Como se sabe, não existe no nosso ordenamento jurídico nenhum dispositivo que imponha a formação de litisconsórcio necessário entre empreiteiro e subempreiteiro.

Ademais, a necessidade de decisão uniforme tem cabimento quando a ação é constitutiva necessária (os pedidos de tutela meramente declaratória também atingem este fim, eis que seria um contra-senso exigir-se, após a prestação da tutela declaratória no sentido de que determinado ato é nulo, o ajuizamento da citada ação constitutiva. Se nulo é o ato, não há que se questionar a sua desconstituição pela simples declaração, ainda que não exista pedido expresso neste sentido), haja vista que a sua inobservância jamais ensejaria uma buscada mudança do estado jurídico(3). As ações condenatórias (a reclamação trabalhista, por exemplo), portanto, ficam fora deste plexo, salvo, como acima dito, quando houver previsão legal, o que não é o caso.

Acrescente-se que o fato de o juiz decidir a lide de modo uniforme para as partes que compõem o pólo passivo da relação não pode, por si só, servir de referencial para a caraterização do litisconsórcio necessário, mas, sim, do litisconsórcio unitário.

É verdade que todo litisconsórcio necessário é unitário, mas o contrário não ocorre, eis que se pode vislumbrar exemplos em que, apesar de unitário em relação aos efeitos, o litisconsórcio é facultativo quanto a formação. Basta lembrar a clássica hipótese, citada por Celso Agrícola Barbi(4), de ação proposta por dois acionistas para anular deliberação da assembléia geral de sociedade por ações: "a decisão deve ser uniforme, porque a deliberação não pode, na mesma sentença, ser declarada nula e não nula (litisconsórcio necessário); mas a formação do litisconsórcio ativo depende exclusivamente da vontade dos autores".

Calcados, ainda, na assertiva de que todo o litisconsórcio necessário é unitário, lembramos, para corroborar a tese acima expendida, a situação em que o juiz condena apenas o subempreiteiro, e não o empreiteiro principal, embora no mesmo título judicial — por exemplo, a condenação do subempreiteiro quanto a obrigação de anotar a CTPS do autor, que é intransferível, o que afasta também a caracterização da previsão do art. 455 como de litisconsórcio necessário.

Voltando à discussão relativa à demanda unicamente direcionada ao empreiteiro principal, entendemos lhe serem possíveis as seguintes opções de resposta:

a) 1ª. opção:

Pode o empreiteiro principal negar a existência da subempreitada, bem como de qualquer relação com o reclamante, hipótese em que o ônus probatório sobre este recairá totalmente.

b) 2ª. opção:

Pode o empreiteiro principal reconhecer a existência de subempreitada e requerer a integração do subempreiterio à lide, medida que, por utilidade processual, pode ser (e recomenda-se que seja) deferida pelo juiz, tendo em vista que o subempreiteiro é o empregador (verdadeiro sujeito passivo da relação jurídica de direito material).

Note-se que, embora recomendável, o juiz não está obrigado a deferir o pedido de integração do subempreiteiro na lide. Em tal circunstância cabe à parte requerente, acaso se julgue prejudicada, o direito de exarar o seu inconformismo em ata para posterior alegação de cerceio do direito de defesa, em recurso da decisão definitiva (§1.º, do art. 893, da CLT).

O deferimento do pedido de integração do subempreiteiro à lide imporá a suspensão do processo, para que sejam providenciadas as medidas necessárias à notificação do subempreiteiro. Marcar-se-á, então, nova audiência para a entrega, em conjunto, das respostas do empreiteiro principal e do subempreiteiro integrado à lide, podendo a ausência de qualquer das partes ensejar as hipóteses previstas no art. 844, da CLT.

Acrescente-se, ainda, que, ao nosso ver, o juiz não pode ex officio determinar a integração do subempreiteiro na lide, eis que não se trata de uma imposição legal (não é hipótese, como já visto, de litisconsórcio necessário), nem tampouco uma medida de impulso processual ou de determinação quanto a produção de provas necessárias à instrução do feito (art. 130, do CPC).

Trata-se, sim, de situação em que se busca efetiva tutela jurisdicional (art. 2.º do C.P.C. É de notar-se que o juiz efetivamente decide quanto ao deferimento ou não do pedido), sendo vedada quando não motivada pela parte interessada.

Atente-se para o fato de que, mesmo requerendo a citada integração, o empreiteiro principal não se exime da responsabilidade pelo inadimplemento do subempreiteiro, garantindo, em caráter subsidiário (eis que a ele é atribuído benefício de ordem de excussão), o adimplemento da condenação.

Outrossim, o empreiteiro principal, nestas circunstâncias, já dispõe de uma declaração judicial, em consonância com o parágrafo único, do art. 455, da CLT, no sentido de que ficou demonstrado o fato gerador para a ação regressiva ou retenção de quantias devidas ao subempreiteiro.

c) 3ª. opção:

Pode o empreiteiro principal reconhecer a existência de subempreitada e deixar de requerer a integração do subempreiteiro, hipótese em que assumirá o ônus da prova do adimplemento por parte deste, bem como a obrigação de pagar eventual condenação. Ainda assim, poderá o empreiteiro principal demandar em ação regressiva o subempreiteiro, não dispondo, entretanto, de nenhuma prova constituída em juízo para este fim.

Antes de enfrentar a última hipótese possível de sujeição passiva na relação processual, que é a demanda destinada simultaneamente contra o empreiteiro e o subempreiteiro, em litisconsórcio facultativo, cabe-nos analisar duas situações intimamente relacionadas com o presente tópico, que são a resposta do subempreiteiro integrado à lide e, por fim, a devida compreensão do inadimplemento a que se refere o art. 455.

3.2.1. Resposta do subempreiteiro integrado à lide.

Requerida, no prazo para a resposta, a integração do subempreiteiro na lide, o juiz, deferindo o pedido (o fará, pelo princípio da oralidade, em audiência), ordenará a sua notificação, que se fará acompanhar de cópia da inicial.

Como em todas as hipóteses de intervenção de terceiro, o processo ficará suspenso até que o subempreiteiro seja integrado na lide.

A resposta far-se-á em audiência, juntamente com a resposta do réu originário (o empreiteiro) garantindo-se, de qualquer sorte, um interstício mínimo de 5 (cinco) dias, a partir da notificação.

Três opções de atitudes são reservadas ao subempreiteiro:

a) 1ª. opção:

Comparece, assumindo a posição de litisconsorte, mas contesta sua condição de subempreiteiro, o que, se apurado como veraz, garantirá a rejeição da pretensão do autor em relação a ele.

Não apurado como veraz o substrato de sua contestação, sofrerá o subempreiteiro os efeitos de eventual condenação, na qualidade de devedor principal.

b) 2ª. opção:

Comparece, assumindo a posição de litisconsorte, e aceita a condição de subempreiteiro, mas contesta os termos da inicial. Não apurado como veraz o substrato de sua contestação, sofrerá o subempreiteiro os efeitos de eventual condenação, na qualidade de devedor principal.

c) 3ª. opção:

Não comparece, hipótese em que será declarado revel e, consequentemente, confesso quanto a sua condição de subempreiteiro e quanto a matéria fática inserta na inicial. Sofrerá os efeitos de eventual condenação, na qualidade de devedor principal

3.2.2. O inadimplemento a que se refere o art. 455 da CLT

A demanda dirigida unicamente ao empreiteiro principal nos leva aos seguintes questionamentos:

a) o quem vem a ser o inadimplemento referido no art. 455, da CLT?

b) como pode ser evidenciado o referido inadimplemento?

c) a quem cabe o ônus probatório do inadimplemento do subempreiteiro, quando este não compõe a relação jurídica de direito processual?

Objetivando a sistematização do raciocínio, respondamos cada uma das questões separadamente:

a)"Falta de cumprimento dum contrato ou de qualquer de suas condições; descumprimento, inadimplência", assim é definido o inadimplemento pelo dicionarista Aurélio Buarque de Holanda(5).

Assim, não pode ser entendido de outro modo, senão como uma ofensa ao próprio contrato celebrado; mas restrito, no tocante à responsabilidade do empreiteiro principal, é bom que se frise, às obrigações de dar, tanto é que se ressalva a este ação regressiva contra o devedor principal e o direito de retenção (somente exercido sobre bens corpóreos, objetos de obrigação de dar) de importâncias a ele devidas.

b) Acerca da mencionada inadimplência dispõe o referido artigo que cabe aos empregados o direito de reclamação contra o empreiteiro principal pelo inadimplemento do subempreiteiro.

Extrai-se daí que o referido inadimplemento é aquele percebido antes mesmo da interposição de qualquer reclamatória, porque depois desta haveria apenas corroboração ou elisão (por demonstração de fato modificativo, impeditivo ou extintivo das obrigações firmadas) dos fundamentos constantes da petição inicial.

Queremos com isto afirmar que, em realidade, o "inadimplemento" apenas se constitui, antes de provado de forma inequívoca, num fundamento fático da pretensão deduzida em juízo. A prova inequívoca da falta de pagamento (obrigação de dar), para ser considerada como tal, insta pela bilateralidade que a tornará conhecida da parte contra quem ela aproveita.

Ressalte-se, outrossim, que o indigitado inadimplemento autorizador da investidura contra o empreiteiro principal é percebido extrajudicialmente, não necessitando, pois, de título judicial para que se configure como tal (ressalte-se que não existe preceito legal onde conte esta exigência).

Assim nos manifestamos porque há, por absurdo, quem entenda que se faz necessário o ajuizamento de processo de cognição contra o subempreiteiro para que, constatado o inadimplemento deste, pudesse ser finalmente demandado o empreiteiro principal.

Acerca do tema manifestou-se o douto Délio Maranhão(6), no sentido de que "os empregados têm direito de reclamar do empreiteiro principal o que lhe for devido pelo subempreiteiro inadimplente (art. 455 da Consolidação). Inadimplente e não insolvente. Desde que o subempreiteiro não cumpra as obrigações contratuais, podem os empregados ajuizar ação contra o empreiteiro principal, ficando este com o direito de ação regressiva, ou de retenção, de que trata o parágrafo único do artigo citado".

c) Tal intróito se fez necessário para que pudéssemos investigar o ônus da prova do inadimplemento do subempreiteiro, na hipótese de a reclamação ter sido interposta unicamente contra o empreiteiro principal.

Reclamando diretamente contra o empreiteiro principal (calcando-se numa pura e simples solidariedade), surge a questão relativa à indagação acerca de quem possui o ônus probatório de demonstrar o inadimplemento do subempreiteiro.

Sobre a matéria, duas tendências distintas se formaram.

A primeira corrente assevera que existe uma presunção que milita em favor do empregado no sentido de que o subempreiteiro seria inadimplente, cabendo ao empreiteiro principal demonstrar o contrário. Os críticos de tal posicionamento sustentam ser o mesmo inviável porque levaria a exigir que a prova acerca de pagamento pudesse ser feita por quem não o efetuou.

O segundo posicionamento assertiva que, provando o empreiteiro principal o pagamento das verbas devidas ao subempreiteiro, a questão do inadimplemento reverter-se-ia contra o empregado. Tal posição também é criticável, haja vista que nestes termos buscaria o magistrado a prova de fato negativo.

Sobre o ônus da prova, estabelece o art. 333 do Código de Processo Civil:

"Art. 333. O ônus da prova incumbe:

I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;

II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

Parágrafo único. É nula a convenção que distribui de maneira diversa o ônus da prova quando:

I - recair sobre direito indisponível da parte;

II - tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito."

No mesmo sentido, determina a Consolidação das Leis do Trabalho, em seu art. 818, que a "prova das alegações incumbe à parte que as fizer".

Ora, a pretensão do autor nada mais é do que ver quitadas suas verbas resilitórias, decorrentes da relação de emprego travada com o subempreiteiro. Logo, o ônus que lhe cabe é justamente da prova da existência dessa relação de emprego, fato constitutivo do direito pleiteado judicialmente.

O pagamento das verbas devidas pelo subempreiteiro (verdadeiro empregador do demandante), por sua vez, nada mais é do que justamente o fato impeditivo da pretensão do autor em relação ao demandado (empreiteiro principal), pelo que somente pode caber a este último o ônus probatório, na espécie.

Por tais fundamentos, parece-nos bastante razoável o prudente arbítrio do juiz na autorização da integração à lide do subempreiteiro, como um meio de prova a disposição do empreiteiro reclamado, pois, inegavelmente, é seu o ônus da prova do adimplemento, haja vista a expressa possibilidade legal de ajuizamento de ação diretamente contra si.

O que se recomenda, portanto, é que os empreiteiros, toda vez que pretenderem contratar uma subempreitada, busquem fiscalizar (exigindo, inclusive, cópias de documentos relativos às relações de emprego travadas) o cumprimento das obrigações trabalhistas do subempreiteiro, quanto aos trabalhadores que irão laborar na obra sob sua responsabilidade.

Assim sendo, evita-se simultaneamente o descumprimento aos direitos trabalhistas dos empregados dos subempreiteiros, bem como a possibilidade de responsabilização patrimonial do empreiteiro principal.

3.2. Da Demanda Destinada contra Empreiteiro e Subempreiteiro (em litisconsórcio facultativo).

Estudada a hipótese em que o autor, numa subempreitada autêntica (legal), demanda unicamente contra o empreiteiro principal, cabe-nos referenciar circunstância em que ambos, subempreiteiro e empreiteiro principal, são demandados numa mesma reclamação.

Trata-se, ao nosso ver, do exercício da recomendável faculdade inserta no inciso I, do art. 46, do CPC.

Veja que a formação do mencionado litisconsórcio passivo facultativo, conforme o dizer de Agrícola Barbi(7), "decorre da existência de comunhão criada pelo direito substancial", que, no caso, diz respeito ao aqui discutido art. 455, da Consolidação das Leis do Trabalho.

Tal comunhão gera, como dito, apenas a faculdade de ajuizamento da reclamação mediante litisconsórcio. Daí, havemos de prever circunstância em que o demandante ajuíze reclamações distintas contra empreiteiro e subempreiteiro.

Nessa situação, para evitar o risco de prolação de decisões contraditórias, cabe ao juiz, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes (vide art. 301, VII e §4.ºc/c art. 105, ambos do CPC), ordenar a reunião das ações propostas em separado, haja vista a hipótese de conexão quanto a causa de pedir.

Por derrradeiro, cabe-nos fazer referência quanto ao procedimento, no particular.

Aqui, tratando-se de ação em litisconsórcio passivo facultativo ou de ações reunidas por conexão, empreiteiro principal e subempreiteiro apresentarão as suas respostas em momento único. Todavia, os atos e as omissões de um não prejudicarão nem beneficiarão o outro, senão quando se tratar de produção de provas.

Neste tópico vale lembrar que, "excluído o caso de confissão por um litisconsorte, as provas apresentadas por quaisquer deles podem beneficiar, mas podem também prejudicar os demais. Isso se deve à circunstância de que as provas são do juízo, não importando a quem coube a iniciativa de apresentá-las. É o chamado princípio da comunhão da prova, que prevalece no direito moderno"(8).

E a condenação? Será imposta ao empreiteiro principal e ao subempreiteiro solidariamente ou subsidiariamente?

É o que veremos no próximo tópico.


4. A análise da responsabilidade solidária ou subsidiária

Consoante ressaltado por Magano(9), que muito bem expõe sobre o tema, as legislações que disciplinam a figura dos empreiteiros (intermediários) o fazem para evitar a fraude, usando, para tanto, de dois procedimentos: "ou consideram o intermediário como mero representante do empregador, a quem atribuem todos os encargos da contratação; ou impõem a ambos a regra da solidariedade.

A primeira orientação é a que prevalece no México, falando Nestor de Buen em ‘sub-rogação pessoal’; a segunda é a que tem voga na Argentina, assinalando Vasques Vialard que a lei não proíbe a indicada modalidade de contratação, limitando-se a tornar responsável, em forma solidária, tanto o que celebrou o contrato de trabalho, como aquele que recebeu a prestação respectiva".

A legislação brasileira, ao contrário do que ficou acima expendido, nada expõe acerca da responsabilidade do dono da obra, e quando se refere ao empreiteiro (exceto nas hipóteses em que a contratação se dá para o exercício de tarefas inerentes à atividade-fim do contraente, porque aí incide o preceito constante do art. 1518 do Código Civil, em decorrência do quanto expresso nos arts. 8.º e 9.º da CLT, como se verá a seguir), só o responsabiliza pelas obrigações do subempreiteiro quando este se torna inadimplente, independentemente do fato de estar extinto o vínculo empregatício celebrado entre o empregado/reclamante e o subempreiteiro (lembramos que deste plexo ficam excluídas as obrigações de fazer).

A interpretação do dispositivo insculpido no art. 455 consolidado, leva-nos a crer que restou estabelecida a solidariedade do empreiteiro principal no que tange às obrigações inadimplidas pelo subempreiteiro; solidariedade esta qualificada pelo benefício da ordem de excussão dos bens do devedor principal (o subempreiteiro). É como se a subsidiariedade surgisse na fase de execução, onde a constrição atingiria inicialmente os bens do devedor principal, findo os quais poderiam ser excutidos bens daquele que subsidiariamente garante a execução.


5. Relações entre empreiteiro e subempreiteiro constituindo ato ilícito.

Ainda buscando a interpretação do dispositivo inserto no art. 455, da CLT, causa-nos a impressão que a forma imperativa do verbo responder ("responderá") impõe ao subempreiteiro demandado a satisfação dos créditos trabalhistas eventualmente inadimplidos sempre que se tratar de subempreitada legalmente pactuada.

Para a inteligência desta afirmativa, mister se faz a caracterização de duas modalidades de empreitada (em sentido lato, também aplicável às subempreitadas, é óbvio), quais sejam, a empreitada legalmente avençada e a empreitada ilegalmente avençada.

A empreitada legal resta caracterizada quando o tomador do serviço realiza a contratação do prestador para a execução de serviços ligados a sua atividade-meio, o que se considera admissível, eis que não seria razoável exigir-se do comitente que contratasse empregados sempre que fosse realizar tarefas não habituais.

A empreitada ilegal, a contrario sensu, ocorre sempre que o tomador do serviço contrata o prestador para a execução de tarefas inerentes a sua atividade-fim. O mesmo raciocínio é aplicado em relação ao empreiteiro que contrata subempreitada para a prossecução de serviços ou tarefas próprias de sua atividade básica. Tal interposição é por nós considerada ilegal, consoante regra inserta no art. 9.º consolidado, eis que visa à fraude e ao desvirtuamento de preceitos trabalhistas, retirando do empregado vantagens que teria se mantivesse o vínculo diretamente com o empreiteiro (ou tomador).

Acerca deste assunto manifesta-se Valentin Carrion(10), intitulando a hipótese acima citada de "falsa subempreitada", no sentido de que o responsável pela angariação dos trabalhadores "os coloca simplesmente (ou quase) à disposição de um empresário, de quem recebem as ordens com quem se relacionam constante e diretamente, inserindo-se no meio empresarial do tomador de serviço, muito mais do que no de quem os contratou e os remunera; o locador é apenas um intermediário que se intromete entre ambos comprometendo o relacionamento direto entre o empregado e seu patrão natural; em seu grau máximo, quando, sem mais, apenas avilta o salário do trabalhador e lucra o intermediário".

Nestes termos, caracterizada a falsa subempreitada, não há que se questionar, em função da incidência do já referido art. 9.º, da CLT, a nulidade do contrato celebrado entre o prestador e o tomador do serviço intermediado. Tal circunstância gera a fusão da titularidade patronal, ou seja, respondem, como se um só empregador fossem, o empreiteiro e o subempreiteiro. Trata-se de uma reflexão do preceito contido no art. 1518, do Código Civil, in verbis:

"Art. 1518. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se tiver mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação.

Parágrafo Único. São solidariamente responsáveis com os autores, os cúmplices e as pessoas designadas no art.1521."

Como resultado prático da mencionada reflexão, usando mais um vez das palavras do douto Valentin Carrion(11), "a sentença poderá condenar ambos solidariamente: a) declarando ou não a existência do vínculo empregatício com o tomador do serviço; b) conferindo ao trabalhador os direitos mais benéficos, da categoria do tomador ou do locador, quanto à jornada de trabalho, salário normativo etc.". Vale dizer: considerando a citada fusão da titularidade patronal, poderá o juiz, comparando as fontes de direito, aplicar a norma que lhe for mais favorável (teoria do conglobamento).

No caso sub oculis, a demanda poderá ser dirigida, apenas, contra um dos responsáveis pelo acima expendido ato ilícito, ficando o ônus probatório desta circunstância a cargo do autor. Vale dizer, poderá o empregado, na hipótese da falsa subempreitada, reclamar unicamente contra o empreiteiro, contra o subempreiteiro, ou contra ambos, cabendo-lhe, entretanto, provar a alegada interposição ilegal da subempreiteira.

É bom que se ressalte, em matéria de responsabilização, que a hipótese da subempreitada legalmente avençada difere da ilegalmente pactuada em virtude de não haver em relação a esta qualquer benefício de ordem na execução.


6. Conclusões.

A título de conclusão, o presente trabalho teve como objetivo demonstrar que:

1) o art. 455 da CLT versa acerca de responsabilidade solidária entre empreiteiro e subempreiteiro, com benefício de ordem de excussão em favor do primeiro;

2) a responsabilidade solidária (sem benefício de ordem de excussão) terá lugar exclusivamente se a ação praticada por empreiteiro e subempreiteiro constituir ato ilícito;

3) a intervenção de terceiros, na hipótese do art. 455 CLT, constitui uma peculiaridade do processo do trabalho que não desnatura o caráter laboral da demanda.


Notas

1. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, v. 3, São Paulo: Saraíva, 1989, pg. 212-213.

2. MAGANO, Octavio Bueno, Manual de Direito do Trabalho, v. II, São Paulo: LTr, 1988, pág. 86.

3. Neste sentido, Chiovenda in Instituições, vol 1, n.º 39-B, p. 261 e Lopes da Costa, Direito Processual Civil, vol. 1, n.º 470, p. 407/408.

4. BARBI, Celso Agrícola, Comentários ao Código de Processo Civil, v.1, Rio de Janeiro: Forense, item n.º 301, p. 164.

5. Holanda, Aurélio Buarque de, Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, 2.ª ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira S/A, 1994, p. .

6. MARANHÃO, Délio, Instituições do Direito do Trabalho, v.1, São Paulo: LTr Editora, 1991, p. 258/259.

7. op. cit., p. 159.

8. Barbi, Celso Agrícola, op. cit., p. 170.

9. op cit., pág. 87.

10. CARRION, Valentin, Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho, 21.ª ed., São Paulo: Saraiva, 1996, p. 293-294.

11. op. cit., p. 294.


Bibliografia

BARBI, Celso Agrícola, Comentários ao Código de Processo Civil, v.1, Rio de Janeiro: Forense, item n.º 301.

CARRION, Valentin, Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho, 21.ª ed., São Paulo: Saraiva, 1996.

Chiovenda Giuseppe, Instituições, vol 1, item n.º 39-B, São Paulo: Saraiva, 1965.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, v. 3, São Paulo: Saraíva, 1989.

Holanda, Aurélio Buarque de, Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, 2.ª ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira S/A, 1994.

Lopes da Costa, Direito Processual Civil, vol. 1, item n.º 470, 3ª ed., São Paulo, 1969.

MAGANO, Octavio Bueno, Manual de Direito do Trabalho, v. II, São Paulo: LTr, 1988.

MARANHÃO, Délio, Instituições do Direito do Trabalho, v.1, São Paulo: LTr Editora, 1991.


Autores

  • Luciano Dórea Martinez Carreiro

    Luciano Dórea Martinez Carreiro

    juiz do Trabalho da 5ª Região, professor de cursos de aperfeiçoamento promovidos pela OAB/BA

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  • Rodolfo Pamplona Filho

    Rodolfo Pamplona Filho

    juiz do Trabalho na Bahia, professor titular de Direito Civil e Direito Processual do Trabalho da Universidade Salvador (UNIFACS), coordenador do Curso de Especialização Lato Sensu em Direito Civil da UNIFACS, mestre e doutor em Direito do Trabalho pela PUC/SP, especialista em Direito Civil pela Fundação Faculdade de Direito da Bahia

    é autor de diversas obras e co-autor da coleção "Novo Curso de Direito Civil", com Pablo Stolze Gagliano, publicado pela Editora Saraiva. É também membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho, do Instituto dos Advogados da Bahia, do Instituto Baiano de Direito do Trabalho e do Instituto Goiano de Direito do Trabalho.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARREIRO, Luciano Dórea Martinez; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Repensando a exegese do art. 455 da CLT. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 51, 1 out. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2039. Acesso em: 25 abr. 2024.