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A possibilidade de transformação do caráter da posse e da detenção.

Interpretação constitucional dos efeitos da posse

A possibilidade de transformação do caráter da posse e da detenção. Interpretação constitucional dos efeitos da posse

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Sobre a propriedade, mesmo havendo a repetição de alguns artigos ligados à posse, a sua interpretação não será a mesma, porque o sistema do Direito das Coisas é outro. Os artigos podem ser os mesmos, mas estão incluídos em outro ordenamento.

Sumário: INTRODUÇÃO; I - O DIREITO DAS COISAS NO CÓDIGO CIVIL DE 1916 6; II - INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA APLICADA AO DIREITO DAS COISAS 10; b.1) A função social da posse e da propriedade 14 ; b.2) A interpretação dos artigos 1208 e 1203 do Código Civil de 2002 19; CONCLUSÃO; BIBLIOGRAFIA

Resumo: Este artigo trata da possibilidade da modificação do caráter de um poder exercido sobre a coisa para a condição de “posse com animus domini”, através da análise comparativa do Direito vigente com o sistema adotado no Código Civil de 1916. O estudo expõe a evolução da funcionalização da propriedade no Direito brasileiro e a problemática em torno da manutenção no CC de 2002 de dispositivos que tinham por finalidade a consagração do direito de propriedade como um direito absoluto. O texto propõe a interpretação sistemática do Direito, através do exame integrado da legislação com a Constituição Federal, como mecanismo adequado a manter a integridade da funcionalização da propriedade.

Palavras-chave: Posse. Propriedade. Função social da posse. Função social da propriedade. Socialidade. Constitucionalização do Direito Civil.


INTRODUÇÃO

A inversão do título da posse ou interversio possessionis[2], consiste na transformação da posse exercida em nome de outrem (originada na detenção ou posse direta) para a posse em nome próprio, inclusive com o caráter de posse ad usucapionem. É uma das matérias mais polêmicas e importantes do Direito das Coisas na atualidade, tendo em vista a repercussão de efeitos por ela gerados em relação ao proprietário inerte.

Essa matéria ganha maior relevância tendo em vista as transformações pelas quais passou o Direito das Coisas no Direito Brasileiro.

No âmbito do Direito das Coisas, o Código Civil de 1916 foi redigido com a finalidade de atender aos interesses da sociedade da época, que era agrarista e individualista. A propriedade era considerada como um direito absoluto, sem limitações, podendo se perceber na doutrina da época a conceituação da propriedade como um direito absoluto, exclusivo e perpétuo[3].

Esse panorama foi alterado no CC de 2002 através da funcionalização incluída no Direito das Coisas (função social da posse e da propriedade), com o objetivo de tornar lei o tratamento que já existia na vigência do Código anterior. Embora tenha sido procedida uma mudança significativa na legislação, o Direito brasileiro ainda sofre com a influência herdada do sistema anterior no que se refere à interpretação individualista do direito de propriedade, e essa interpretação, calcada nos princípios da legislação revogada, não permite de forma efetiva a ruptura com o modelo anterior.

O questionamento sobre a possibilidade de modificação do caráter de um poder exercido sobre a coisa (posse direta ou detenção), para a condição de posse com animus domini, é matéria que leva a discussão a respeito do conteúdo e limites do direito de propriedade em razão dos princípios da função social da posse e da propriedade, para análise das conseqüências dogmáticas na resolução de problemas concretos no âmbito do Direito das Coisas.

A funcionalização do direito de propriedade pretendida no CC de 2002 esbarra na interpretação que poderá ser dada a alguns dispositivos da legislação revogada, usados com a finalidade de consagrar a propriedade como um direito absoluto, e que foram repetidos no CC de 2002. Segundo esses dispositivos, e a interpretação que lhes era dada, o proprietário jamais sofreria com o reconhecimento de usucapião[4] nos casos em que a posse tivesse origem precária ou então na detenção.

Se a interpretação dos dispositivos importados da legislação revogada for feita com o mesmo olhar lançado ao CC de 1916, ocorrerá um grande equívoco, pois havendo a manutenção da propriedade, independentemente de se vislumbrar a inércia do proprietário, fica afastada a efetividade da funcionalização do direito de propriedade[5].

A interpretação sistemática do Direito através do exame integrado da legislação com a Constituição Federal é o mecanismo a ser usado com a finalidade de manter a integridade da funcionalização da propriedade.

Diante disso, instaura-se o problema a ser enfrentado neste estudo, através de dois questionamentos: 1) como interpretar uma legislação, que prevê a propriedade vinculada à sua função social, e não como um direito absoluto, e ao mesmo tempo repetiu alguns dispositivos que protegiam de forma absoluta o proprietário? 2) em virtude da ruptura com o modelo de propriedade apresentada no CC de 2002, pode se defender a mudança do caráter de um poder exercido sobre a coisa, posse direta ou detenção, para considerar a viabilidade de posse com animus domini e por conseqüência o reconhecimento de usucapião?

Na resolução do problema tem se adotado posições completamente antagônicas, tomando por base situações idênticas gerando insegurança jurídica[ 6], e isso faz com que a matéria objeto do estudo seja de grande relevância, em virtude da necessidade de fornecer alternativas à discrepância de soluções apresentadas pelos Tribunais.


I - O DIREITO DAS COISAS NO CÓDIGO CIVIL DE 1916

O Código Civil de 1916 em seu art. 485[7] adotou a teoria objetiva da posse de Jhering, para quem a posse depende somente do elemento objetivo, o corpus[8]. A redação dada ao artigo conceituava possuidor, como aquele que tivesse o exercício de fato de alguns dos poderes inerentes ao domínio, fazendo uma separação entre posse e propriedade: ser proprietário não significava ser possuidor, e vice e versa[9].

Mesmo com essa distinção, percebia-se que a legislação estabelecia mecanismos de proteção ao direito de propriedade, que era considerado como um direito absoluto em seu artigo 524[10].

Curioso perceber, que na mesma legislação que fazia a distinção entre posse e propriedade, havia a proteção do proprietário através dos dispositivos que tratavam da posse (art. 505[11]). Ou seja, usava-se a posse para proteger a propriedade, e a propriedade como justificativa para a proteção possessória, tornando assim o direito de propriedade ainda mais intocável.

Não só a legislação, mas também a interpretação dada aos artigos que tratavam da posse, em especial dos art. 492 e 497, 505[12], possibilitava conclusões no sentido de proteger esse caráter absoluto da propriedade.

No que se refere ao art. 492 do CC de 1916 (que tem idêntica redação do Art. 1203 do CC de 2002) a interpretação dada pela doutrina conduzia à conclusão de que o caráter da posse não poderia ser mudado arbitrariamente pelo possuidor[13]. Essa lição passou a criar uma visão nos Tribunais de que a alteração do caráter da posse adquirida por determinada causa, dependeria de ação do proprietário, e essa orientação ainda perdura em alguns tribunais nos dias de hoje.

Assim, o proprietário ficaria protegido pela interpretação dada ao artigo, que o tornava imune em relação ao possuidor, já que a alteração do caráter da posse dependia única e exclusivamente de um ato de vontade do próprio proprietário. A formulação dessa interpretação ignorava o fato de que alteração do caráter da posse não depende somente da ação do proprietário, mas também de sua omissão, que pode levar à perda da posse e da propriedade.

Outro artigo que autorizava a proteção do proprietário e a preservação do caráter absoluto de propriedade era o art. 497 do CC de 1916 (que foi repetido em sua integralidade na redação do art. 1208 do CC de 2002). O artigo trazia, e ainda trará se não houver cautela do intérprete, dois problemas.

Em primeiro lugar referia a permissão e tolerância[14] como atos que não induzem posse. Quem tem a coisa por ato de permissão ou tolerância jamais poderia ser caracterizado como possuidor e por conseqüência não teria condições de buscar os efeitos da posse. A permissão e tolerância serviram como um mecanismo de proteção do proprietário, que era usado com o objetivo de minar a caracterização de posse do não proprietário, pois representava uma solução à caracterização da perda da posse do proprietário pelo abandono.

Assim, toda vez que um indivíduo, não sendo proprietário da coisa, exercesse um poder de fato sobre determinado bem, corria o risco de não ter o reconhecimento desse exercício como posse, pois era muito provável (e conveniente) que o proprietário do bem quisesse disfarçar o abandono da posse, e para isso alegaria conhecimento do exercício desse poder de fato sobre a coisa por outro indivíduo, usando o argumento da permissão e tolerância. Permissão e tolerância, assim como comodato verbal, são “defesas prontas” do proprietário nas ações de usucapião.

Em segundo lugar, a parte final do artigo 497 trouxe outro problema com a afirmação de que somente haverá posse quando cessados os atos de violência e de clandestinidade. Como o artigo não contemplava a precariedade, passou a ser consolidada a interpretação de que somente os vícios da clandestinidade e violência poderiam cessar. A precariedade passou a ser considerada como um vício tão nefasto que jamais convalesceria[15]. Embora o artigo não dissesse isso de forma literal (e isso será demonstrado do decorrer deste estudo), a interpretação de que a precariedade jamais convalesceria foi adequada ao sistema da legislação da época, que se destinava a proteger a propriedade como direito absoluto que era (lembre-se que o art. 524 do CC de 1916 somente se assemelha com o caput do art. 1228 do atual CC[16], a propriedade era um feixe de direitos sem limitação interna ou externa[17], e por isso a legislação não é mesma).

A verdade é que o artigo trata da aquisição da posse e não de precariedade. E a aquisição pode ter origem viciada no caso de violência ou clandestinidade. Sendo um artigo destinado a tratar de aquisição da posse, não poderia tratar de precariedade que é vício de transformação, ou seja, a posse inicia justa com o desdobramento e transforma-se em posse injusta quando há o vício da precariedade que é a negativa de restituição da coisa[1819].

O fato da precariedade não estar incluída no o art. 497 do CC jamais pode ser argumento para afastar o vício da precariedade como ato de posse, porque o artigo estabelecia isso.

Por fim, não se pode esquecer que o CC de 1916 também trazia uma proteção ao proprietário através do art. 505, o qual estabelecia em sua redação que a proteção possessória deveria ser deferida a quem fosse proprietário.

Tal redação trouxe inúmeros problemas de interpretação, tendo em vista que não se coadunava com a teoria objetiva da posse adotada no CC brasileiro, porque abria a viabilidade de o proprietário usar de seu direito de propriedade para disputar a posse em ações possessórias. Isso seria inviável, já que a proteção possessória era tratada como um dos efeitos da posse e a contradição que se apresentava no artigo (primeira parte: a alegação de domínio não obsta a proteção possessória, e segunda parte: a posse será deferida a quem provar o domínio).

Somente depois da edição da Súmula 487 do STF, em 03 de dezembro de 1969, é que foi pacificada a distinção entre juízo possessório e petitório, através da orientação de que a posse seria deferida a quem tivesse o domínio, se com base nele fosse disputada[20]. Importante referir que o equívoco que constava no CC de 1916 foi corrigido no CC de 2002 que não repete a parte final do art. 505 do CC anterior, matéria que foi objeto do Enunciado 79 do CJF, publicado na primeira Jornada[21].


II - INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA APLICADA AO DIREITO DAS COISAS

O Código Civil de 2002 teve a sua redação norteada pelos princípios da eticidade, operabilidade e socialidade. Para o desenvolvimento deste estudo interessa a socialidade.

O princípio da socialidade estabelece os valores coletivos como prevalecentes em relação aos valores individuais[22]. Favorece uma relação entre a “dimensão individual e comunitária do ser humano, sendo uma reação ao individualismo característico da era codificatória oitocentista”[23].

Através da socialidade, a propriedade deixou de ser um “direito exclusivo e ilimitado, ligado a uma visão liberal-individualista, para assumir uma concepção social humanista”, conforme se pode perceber dos parágrafos do art. 1228 do CC[24].

A socialidade trouxe outra perspectiva no cenário do Direito, pois a função social da posse e a função social da propriedade deixaram de ser tratadas no Direito Civil como matéria de segunda relevância, para se transformar no centro das questões relacionadas à posse e à propriedade[25], reforçando assim a idéia de que a função social passa a integrar o conceito de propriedade[26], impondo limites e ações ao proprietário[27].

Os artigos 492 e 497 do CC de 1916 tiveram a sua redação repetida no CC de 2002. Mas, ainda que a redação seja a mesma, a sua interpretação não pode ser repetida, tendo em vista os princípios norteadores do CC, em especial o da Socialidade, e o princípio constitucional da função social da propriedade. Segundo Judith Martins-Costa a nova legislação, ainda que repita dispositivos do CC de 1916, deve ser lida com novas lentes[28], com as lentes fornecidas ao Direito Civil pela Constituição Federal. Ou seja, não é admissível o exame da legislação com os olhos fincados numa realidade que não nos pertence mais.

Nessa ótica, os artigos. 1203 e 1208 do Código Civil devem sem interpretados em consonância com a Constituição Federal que traz a função social da propriedade[29] e o direito à moradia[30] como direitos fundamentais.


a. A interpretação sistemática do Direito – uma forma de romper como o modelo de Direito das Coisas preconizado no CC de 1916

Como visto acima, ainda que a legislação do CC de 2002 estivesse vinculada ao princípio da socialidade[31], alguns dispositivos que foram usados para prestigiar a proteção do proprietário na legislação revogada, foram repetidos no Código em vigor. Diante disso, ao se interpretar a legislação é necessário que se faça uma interpretação sistemática do Direito, para não comprometer a evolução do ordenamento, com o erro de interpretar os dispositivos legislativos com a mesma forma de interpretação que vigorava no CC de 1916. Não se pode interpretar o CC de 2002 com a mentalidade do CC de 1916 que era marcado pela “exegese legal”[32].

Dentro dessa ótica, é necessário fazer uma análise da legislação de forma integrada, o que pode fazer com que o Direito Civil ressurja, seja reconstruído[33], do contrário, caso não haja empenho em ter outra postura na interpretação da legislação, o CC de 2002 se tornará uma legislação ultrapassada. Nesse sentido é necessário que haja “esforço hermenêutico”[34].

Esse esforço hermenêutico passa pela verificação de que a propriedade aparece funcionalizada, e isso coloca um novo modelo de Direito das Coisas, que atribui poderes ao magistrado para fazer a desapropriação, podendo proceder a reforma agrária e urbana, com previsto no art. 1228,§ 4º e 5º, o que Kraemer chama de poder de conversão de ações petitórias em indenizatórias[35].

Para realizar uma interpretação sistemática do Direito, calcada na idéia de que o sistema jurídico deve ser considerado na sua “totalidade axiológica”, pode ser usada a noção trazida pelo professor Juarez Freitas, que pretende a aplicação do Direito em sua totalidade, “como rede axiológica e hierarquizada de princípios gerais”[36], e nesse sentido nos apresenta o princípio da hierarquização axiológica como um “metaprincípio, unificador e sistematizante”. É um princípio que ordena a “prevalência do princípio axiologicamente superior”[37]. Assim, a lei passa a ser a primeira etapa da interpretação, mas deve estar vinculada com os princípios e os valores, ou seja: “interpretar uma norma é interpretar um sistema inteiro, pois qualquer exegese comete, direta ou obliquamente, uma aplicação a totalidade do Direito, para além de sua dimensão textual[38]”.

Na matéria em questão, o princípio prevalecente é a função social (da posse e da propriedade), trazida na CF de 88[39], e o aparecimento desse princípio no CC de 2002 se deu através do seu princípio norteador que é a socialidade, assim, o Direito das Coisas rompeu com a característica individualista.

Nessa ótica, os artigos. 1203 e 1208 do Código Civil devem sem interpretados em consonância com a Constituição Federal[40] que traz a função social da propriedade[41] e o direito à moradia[42]como direitos fundamentais, sempre lembrando que “a interpretação conforme a Constituição nada mais é do que uma das facetas da interpretação sistemática”[43] e que a “relação entre a Constituição e a legislação infraconstitucional é uma relação em que a primeira se apresenta como fundamento interpretativo da segunda”[44].

Tal interpretação foi utilizada em importante e polêmica decisão proferida mesmo antes da vigência do CC de 2002, em Passo Fundo, pelo Juiz Luís Christiano Enger Aires, que rejeitou pedido liminar de reintegração na posse da Fazenda Rio Bonito, em Pontão. A decisão, ao julgar matéria relativa à posse, apresentou interpretação inovadora ao vincular a concessão da medida liminar nas ações possessórias ao cumprimento da função social da propriedade. Ou seja, passou a entender que os incisos XXII e XXIII, do art. 5ª da CF, deveriam ser considerados no exame do cumprimento dos requisitos para a concessão da medida liminar. A decisão foi posteriormente confirmada pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul[45].

O raciocínio utilizado nas decisões (de Primeiro e Segundo Graus) está em consonância com a orientação já consagrada pela doutrina do Direito das Coisas Constitucionalizado de que “aquela propriedade que não cumpre com a sua função social, não pode ser tutelada pelo ordenamento jurídico”[46].


b. Mecanismos para atingir a interpretação sistemática do Direito

O modelo do Direito das Coisas que vigorava no CC de 1916 está atualmente superado, não só pela revogação da legislação, mas também por se viver hoje em uma sociedade completamente distinta. O rompimento deste modelo superado depende da interpretação dos artigos 1203 e 1208 de forma integrada com a funcionalização da propriedade, o que se propõe nos títulos a seguir.


b.1) A função social da posse e da propriedade

A função social da propriedade não é novidade no Direito Brasileiro, nos acompanha desde a Constituição Federal de 1934 que no seu art. 113, n. 17, foi a primeira a referir embora garantido o direito de propriedade, o seu exercício não poderia contrariar interesse social ou coletivo. Essa orientação foi retomada na Constituição Federal de 1946 (a Constituição de 1937 somente tratou da propriedade como um direito pleno) no art. 141, § 16 (“É garantido o direito de propriedade, salvo o caso de desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social...”) e 147 (“O uso da propriedade será condicionado ao bem-estar social. A lei poderá, com observância do disposto no art. 141, § 16, promover a justa distribuição da propriedade, com igual oportunidade para todos.”), na CF de 1967 no art. 150, § 22 (“É garantido o direito de propriedade, salvo o caso de desapropriação por necessidade ou utilidade pública ou por interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro, ressalvado o disposto no art. 157, § 1º”) e na de 1969 no art. 153, § 22 (É assegurado o direito de propriedade, salvo o caso de desapropriação por necessidade ou utilidade pública ou interêsse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro...”)[47].

Na CF 88 o princípio da função social aparece no art. 5º, XXIII, 170, 182 e 186. Porém, não é possível referir a matéria sem tecer a crítica ao disposto no art. 185, II da CF que limitou a possibilidade de desapropriação para fins de interesse social nos casos de propriedade produtiva. Sendo a propriedade produtiva somente um dos requisitos do cumprimento da função social, o dispositivo foi visto como negativo no Direito Agrário, pois limitou as possibilidades de exigência de cumprimento da função social da propriedade, já que bastaria a produtividade para tornar a área imune à desapropriação (mesmo que isso fosse alcançado sem atender os outros incisos do art. 186, ou seja, à custa de exploração da mão de obra semi-escrava, sem cuidado preciso com medidas de preservação ambiental, etc.)[48].

Além das disposições constitucionais, o Direito Agrário contribuiu para a aplicação e disseminação do princípio da Função Social da propriedade, tanto na doutrina que marcou presença no cenário nacional em defesa da propriedade funcionalizada (podendo ser citados os Estudos de Paulo Tormin Borges, Fernando Sodero, etc. ) como na Legislação (iniciando com o Estatuto da Terra, que embora tenha sido promulgado na vigência do Regime da Ditadura Militar tinha por objetivo a realização da reforma agrária como mecanismo de efetivação da função social da propriedade e seguindo com a Lei 8629/93).

No âmbito do Direito Civil, embora o Código Civil não autorizasse de forma expressa a compreensão da função social da propriedade, isso se tornava viável pela doutrina que tratava da matéria, podendo ser referido entre outros, importante artigo de Orlando Gomes[49], que trouxe para o Direito Civil a noção de que propriedade é uma função social, no sentido de ser reconhecida como parte integrante da propriedade, ou como alguns preferem sendo uma limitação interna da propriedade[50].

A doutrina civilista sempre tratou da função social da propriedade, mas o que se observa é que a jurisprudência era tradicional no exame da matéria, sendo que a partir da Constituição de 1988, com o que se convencionou chamar de movimento da constitucionalização do Direito Privado passou a se ter uma aplicação mais efetiva da função social da propriedade podendo ser citadas as idéias de Tepedino, Facchini, Fachin e Pelingieri[51] que colaboram para a interpretação integrativa do Direito Civil em consonância com a Constituição Federal.

Esse movimento da constitucionalização foi responsável pela interpretação da legislação civil de 1916 em harmonia com a CF, o que talvez tenha dado uma sobrevida ao Código Civil de 1916. Prova disso é o que já ocorria na doutrina e na jurisprudência a respeito da necessidade de aplicação do princípio da função social no exame de questões envolvendo a posse e a propriedade.

A esse respeito pode ser citado artigo de Marcio Manoel Madaime que na vigência do CC de 1916 já fazia a defesa da possibilidade da mudança do caráter da posse em virtude da função social da propriedade, e também a decisão já referida neste estudo, proferida pelo Juiz Luís Christiano Enger Aires, que depois foi confirmada pelo Tribunal de Justiça do RS no sentido de exigir a comprovação do cumprimento da função social para a defesa da posse através dos interditos possessórios sob a ótica que a propriedade é um direito fundamental que será protegido, se, e desde que, seja atendida a sua função social.

Se a harmonização da legislação civil com a CF 88 era viável e defendida na vigência do CC de 1916, o qual refletia a defesa do proprietário, atualmente, com CC de 2002, que traz em seu bojo, dispositivos relacionados à função social (da posse e da propriedade!) essa interpretação harmonizada com a CF agora é uma necessidade[52].

O art. 1228 do cc de 2002 traz mostras de que a propriedade não é mais um direito absoluto, está condicionada à sua função social. O dispositivo em questão trata também do abuso do direito e da perda da propriedade pela desapropriação por ato do poder judiciário, limites ao direito de propriedade que não estavam disciplinados no CC de 1916.

Além da referência expressa à função social da propriedade no art. 1228, o CC de 2002 traz também a função social da posse, princípio que estava adormecido no sistema do Direito das Coisas do CC de 1916. Através da função social da posse se vê a valorização do possuidor que cumpre com a função social, tendo no bem a sua moradia, fazendo com que o bem atinja a sua utilidade econômica e social.

Isso pode ser percebido com o art. 1238, parágrafo único do CC que traz a possibilidade de redução de 1/3 do prazo prescricional para o reconhecimento de usucapião extraordinário, nos casos em que o possuidor tiver ali a sua moradia ou então obras de relevante interesse econômico e social[53].

Interessante referir, que o prazo de usucapião extraordinário na redação original do CC de 1916 era de 30 anos, tendo depois passando a ser de 20 anos pela Lei 2.437 de 07 de março de 1955[54]. Agora, com o art. 1238, o prazo de usucapião extraordinário passa a ser de 15 anos (caput) podendo ser reduzido a 10 (parágrafo único), nos casos em que o indivíduo tiver no imóvel a sua moradia ou obras de relevante interesse econômico ou social.

A regra do caput passa a ser exceção, pois dificilmente o indivíduo que não for proprietário do imóvel estará exercendo posse sobre o mesmo sem ter ali a sua moradia ou obras de relevante interesse econômico ou social, ou seja, em regra o prazo de usucapião extraordinário será de 10 anos, privilegiando aquele que cumpre com a função social posse.

Essas informações conduzem à conclusão de que o sistema de posse e propriedade foi alterado no direito brasileiro, e por isso a legislação não pode mais ser interpretada como antes, ainda que alguns dispositivos tenham sido repetidos em sua íntegra.

Além desse aspecto, merece referência o art. 1255 e seu parágrafo único do CC de 2002[55], que tendo em vista a função social da posse mudou o sistema da regra das acessões por plantações e construções que consagrava o princípio superfície solo cedit[56], princípio consagrado no Direito das Coisas desde o Direito Romano. Superfície designava tudo o que se encontrava sobre o solo e a este estaria ligado, vigorando o princípio superficies solo cedit (se alguém constrói sobre nosso terreno, a construção, apesar de realizada pelo construtor em nome próprio, é nossa por Direito Natural, porque a superfície segue o solo)[57].

A força de acessoriedade era tão grande no regime da legislação anterior que não admitia exceções. O proprietário do solo era proprietário das construções e plantações não importando o valor das acessões e também não importando se o proprietário tinha empregado materiais alheios sobre o seu imóvel, caso em que teria a possibilidade de adquirir as acessões, necessitando somente indenizar pelas perdas e danos.

No direito brasileiro houve mudança da regra de que o acessório segue a sorte do principal, tendo em vista a relevância que passou a se dar ao critério da destinação econômica e social do bem, a exemplo do que ocorre com a distinção dada às pertenças, que mesmo sendo bens principais não seguem a sorte do principal[58].

Assim, o critério da acessoriedade passa a ser secundário, já que foi instaurado um sistema de que o acessório nem sempre seguirá o bem principal, pois poderá ocorrer o contrário. No sistema do CC atual para definir as acessões será relevante o valor que a construção ou plantação representa em relação ao terreno, ou seja, se vislumbra uma clara preocupação com o exercício da função social da posse, privilegiando aquele que exerce um poder sobre a coisa com o fito de valorizá-la atingindo a finalidade econômica e social do bem, em detrimento daquele proprietário que por sua inércia, abre mão do exercício da posse da coisa.

Importante salientar que o artigo não estabelece prazo de exercício de posse para essa aquisição, os requisitos são a superioridade do valor das construções e plantações em relação ao terreno e que o possuidor pague o valor do terreno ao proprietário.

Inverte-se a lógica da aquisição da propriedade porque o sistema apresentado no Código Civil de 2002 está adequado à função da posse e da propriedade. Com isso se percebe que propriedade rima com responsabilidade, não basta ser proprietário para garantir o seu direito, é necessário ser diligente, cauteloso e zeloso sobre o bem em questão, sob pena de perder a propriedade para aquele que fizer com que a sua função social seja cumprida.

Esse sistema de relativização da regra das acessões também está adequado ao direito de superfície que veio para o CC de 2002, depois de várias tentativas de inclusão na legislação civil.

O instituto já existia no Direito brasileiro até 1864, quando foi abolido por uma lei que deixou de enumerá-lo entre os direitos reais[59]. No projeto do Código Civil de 1916 havia um artigo que autorizava o direito de superfície, porém tal artigo foi excluído do texto legal quando o projeto tramitou no Congresso Nacional[60]. O Anteprojeto do Código Civil de Orlando Gomes previa o direito de superfície[61]. Quando transformado em projeto, a Comissão revisora formada pro Caio Mário, Orozimbo Nonato e Orlando Gomes, não manteve o direito de superfície[62]. No anteprojeto do CC de 2002 a redação apresentada por Ebert Chamoun não incluía o Direito de Superfície como Direito Real. Posteriormente, por indicação de Miguel Reale e José Carlos Moreira Alves foi incluído o Direito de Superfície[63].

O direito de superfície é um direito real de gozo e fruição, que permite ao proprietário, que não quiser exercer posse direta sobre o seu bem, transferir o direito real de gozo e fruição do bem ao superficiário. O direito de superfície pode ser encarado como um direito real de proteção do proprietário diligente.

Com a constituição desse direito real o proprietário fica imune ao risco de perda da propriedade pela usucapião ou pelas acessões, bem como fica isento de ter que indenizar o possuidor sobre as construções e plantações feitas no imóvel.

Ao mesmo tempo em que o sistema exige o cumprimento da função social da propriedade, coloca à disposição do proprietário mecanismos que o deixam numa posição de tranqüilidade caso não quiser exercer a posse de forma direta, ficando o direito de propriedade protegido e garantido.

O que se vislumbra é que não existe mais a possibilidade ou justificativa para deixar os bens abandonados sem dar uma destinação econômica e social, pois tal conduta não se harmoniza com o sistema que se coloca no ordenamento atual a respeito da posse e da propriedade.


b.2) A interpretação dos artigos 1208 e 1203 do Código Civil de 2002

Como visto acima, posse e propriedade não podem mais ser vistos como no Código Civil de 1916 tendo em vista o fenômeno da funcionalização da posse e da propriedade, isso influencia a interpretação de alguns artigos que estão no CC de 2002 e que merecem interpretação adequada.

Inicia-se pela interpretação do art. 1208 do CC de 2002. O dispositivo não trata do vício da precariedade, mas isso não pode ser encarado como um motivo para desqualificar a existência de posse nos casos de existência desse tipo de vício.

Essa interpretação teria justificativa se fosse analisado o sistema de aquisição de propriedade e do exercício da posse consagrado no Direito Brasileiro antes mesmo do CC de 1916.

Naquela época não havia a modalidade de usucapião extraordinária. A usucapião ficava condicionada ao exercício de posse de boa-fé e isso era inviável no caso de precariedade[64].

Ao contrário do que ocorria no ordenamento anterior o CC de 1916 previa a possibilidade de reconhecimento de usucapião extraordinária, desvinculada do exercício de posse com boa-fé. Mas, mesmo assim, a realidade vivida antes de sua vigência acabou fundamentando o aparecimento de uma interpretação de que a precariedade jamais cessaria (alguns doutrinadores ainda hoje consideram como requisito indispensável para o reconhecimento de usucapião a posse justa – sob o argumento de que a posse deve ser mansa e pacífica, – o que inviabilizaria o reconhecimento de usucapião nos casos de cessação de violência e clandestinidade. Mas, mansa e pacífica é aquela exercida sem oposição).

Houve na vigência do CC de 1916 a consagração de um dogma trazido na doutrina de que a precariedade, por ser um vício tão nefasto jamais cessaria[65].

Essa interpretação calcada em um sistema anterior ao próprio CC de 1916, embora não fosse autorizado pela interpretação literal dos dispositivos legais, interessava à preservação da propriedade como um direito absoluto e por isso foi vencedora no Direito das Coisas da época.

Porém, o que se vislumbra hoje é uma realidade diferente. E por isso a interpretação não se sustenta mais.

O art. 1208 merece interpretação mais adequada. O dispositivo trata de aquisição de posse, por isso os vícios que estão definidos ali são os de violência e clandestinidade que uma vez cessados dão início à posse injusta. Tal posse pode ser usada para a atribuição dos efeitos da posse, inclusive para fins de usucapião.

No que se refere à precariedade, havendo desdobramento da posse o possuidor direto a possui a título precário, pois sabe que não tem posse plena sobre o bem, deve restituir a coisa ao proprietário. Uma vez implementado o termo para restituição da coisa, se o possuidor direto não restitui a coisa, incide o vício da precariedade. Com isso haverá a mudança do caráter da posse pela incidência do vício da precariedade[66].

Essa mudança do caráter da posse, a qual se dá o nome de intervessio possessionis, está prevista no art. 1023 do cc de 2002, que é o próximo artigo a ser interpretado de forma sistemática.

O art. 1203 é cópia fiel do art. 492 do CC de 1916. Ou seja, sempre houve a possibilidade de interpretar o caso, de acordo com mutabilidade do exercício de um poder sobre a coisa. Porém, essa não era a opção da doutrina e da jurisprudência na vigência do CC de 1916, que estavam vinculadas com um sistema de posse e propriedade voltado a consagrar o direito de propriedade como um direito absoluto.

Tal interpretação já não tem mais lugar no CC de 2002. O artigo usado para justificar o aproveitamento da posse nos casos de vício de precariedade será o mesmo que já estava na legislação de 1916, mas agora receberá outra conotação, fundada em um sistema de Direito das Coisas constitucionalizado.

Assim, segundo o que determina a própria lei, a posse presume-se manter o mesmo caráter com que foi adquirida, mas se houver mudança de comportamento das partes o seu caráter poderá ser mudado, é o que se vislumbra, por exemplo, nos casos em que o possuidor direto passa a possuir sem reconhecer ou se submeter a domínio alheio, porque tendo que restituir a coisa se nega a fazê-lo e o seu proprietário não negligencia a sua proteção. Nesse caso a posse de ad interdicta passará a receber a feição de ad ucapinonem, e uma vez cumpridos os requisitos para uma das modalidades específicas de usucapião haverá a possibilidade de seu reconhecimento.

Esse tem sido o posicionamento da jurisprudência atual que embora não seja unânime, tem crescido de maneira considerável nos últimos anos, e através de uma visão dinâmica da propriedade e não estática da propriedade que admitia a figura do proprietário inerte.

A esse respeito o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul reconheceu a possibilidade de inversão do caráter da posse em situação na qual o início do poder sobre a coisa se dera em virtude de contrato de trabalho, ou seja, o poder exercido sobre a coisa era inicialmente subordinado ao interesse de terceiro, em virtude da detenção. Depois de terminado o contrato de trabalho, e tendo em vista a inércia do proprietário em retomar o bem, iniciava a posse que perdurou por 50 anos e seria apta a fins de reconhecer usucapião[67].

Outra importante decisão foi proferida pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais que reconheceu a possibilidade de inversão do caráter da posse iniciada na permissão do proprietário, ou no contrato de comodato. No caso concreto haveria a transformação da posse pelo comportamento do possuidor que deixou de exercer um poder subordinado ao proprietário, passando a exercer um poder desvinculado, em nome próprio[68].

A matéria também foi enfrentada no STJ que também reconheceu a possibilidade de transformação da posse nos casos de transformação da posse de imprópria, decorrente de compromisso de compra e venda, para posse própria[69].

Posição semelhante foi tomada pelo STJ em outro julgamento, no qual se discutiu a possibilidade de reconhecimento de usucapião de imóvel que havia sido locado. O Tribunal Superior entendeu viável a transformação da posse nos casos em que ocorre a mudança do caráter da posse (subordinada para própria) quando extinto o contrato de locação o proprietário fica inerte, não toma as medidas cabíveis para a retomada do bem ou para a execução dos aluguéis vencidos, podendo o prazo de posse ser contato para fins de usucapião a partir do momento em que se inverte o caráter da posse[70].

Interessante mencionar que essa decisão foi proferida antes da entrada em vigor do CC de 2002, mas faz uma leitura integrada da legislação, operando a interpretação sistemática. A decisão trata de um caso que doutrina tradicional costumava considerar como ‘exemplo clássico de precariedade, vício nefasto não sujeito ao convalescimento’. Se não fosse por essa visão integrada, a interpretação continuaria sendo nos moldes de preservação da propriedade estática.

A título meramente ilustrativo pode ser referido o Código Civil Português que preferiu tratar da matéria de forma expressa nos artigos 1290 e 1263, d, autorizando o reconhecimento de usucapião do detentor ou nos casos de vício da precariedade desde que haja a aquisição da posse através da inversão do título da posse[71].

Embora não tenhamos uma legislação expressa nesse sentido, a solução a ser dada no Direito brasileiro pode ser a mesma do Direito português, desde que feita uma interpretação harmonizada da legislação com os princípios constitucionais que regulam a matéria.

Não é demasia considerar ainda, que o CC de 2002 ao estabelecer limitações ao direito de propriedade, também dispõe sobre o abandono como uma das formas de perda da propriedade. No art. 1275 do cc de 2002 há a previsão perda da propriedade pelo abandono, e no art. 1276 trata da viabilidade de caracterizar a arrecadação do bem abandonado para o poder público, vinculada ao ato do proprietário de não ter mais a intenção de conservar a coisa como sua e de que o bem não esteja na posse de outrem. A redação do artigo conduz à interpretação de que o proprietário perde a propriedade pelo abandono, para outrem, pelo exercício de sua posse e para o poder público se o bem for arrecadado como vago.

Disso conclui-se que a perda da propriedade pelo abandono é a que ocorrerá se o proprietário não diligenciar a coisa. A propriedade deixa de ser um direito perpétuo, podendo sofrer com os efeitos da inércia do proprietário[72].

Além das considerações tecidas acima, serve para corroborar a possibilidade de mutabilidade do caráter da posse, a análise do art. 1198 do cc de 2002. Esse artigo será referido neste estudo como a finalidade de demonstrar o quanto o Direito das Coisas mudou. Tal artigo refere em seu parágrafo único, de forma expressa, a mudança do caráter de um poder exercido sobre a coisa. Se considerarmos viável a alteração de um poder nos casos de detenção, em que não há posse, há poder exercido com subordinação, com mais razão deve ser considerado o caso de mudança do caráter de posse no caso de precariedade que conta com a inércia do proprietário. Por isso, muito embora seja uma posse com o vício da precariedade, pode se considerar posse para fins de atribuição de seus efeitos, inclusive no que se refere ao reconhecimento de usucapião.

Assim, embora ainda minoritária, é crescente a corrente que acredita não se sustentar mais a proteção absoluta ao direito de propriedade, a qual estaria condicionada ao cumprimento da função social da posse e da propriedade, autorizando a alteração do caráter de um poder exercido sobre a coisa, sem que fosse necessária uma ação positiva do proprietário, podendo a conversão da posse decorrer de uma omissão (como se vislumbra de forma expressa através do art. 1198, parágrafo único do CC de 2002).


CONCLUSÃO

O estudo proposto demonstra que a solução do caso concreto passa não só pelo exame da matéria na legislação civil, mas também pela análise dos princípios constitucionais, procedendo-se a interpretação sistemática do Direito, mais precisamente através do princípio da hierarquização axiológica, e da análise integrada dos dispositivos que tratam da posse e da propriedade sem ignorar que no Direito brasileiro a propriedade não é mais um direito absoluto.

Mesmo havendo a repetição de alguns artigos ligados à posse, a sua interpretação não será a mesma, porque o sistema do Direito das Coisas é outro. Os artigos podem ser os mesmos, mas estão incluídos em outro ordenamento, agora funcionalizado, e por isso recebem outra interpretação.

Assim, aqueles dispositivos que eram usados pelos proprietários com a finalidade de lhe conferir proteção absoluta, agora vêm à legislação com outra roupagem, determinam que se o proprietário não for diligente poderá perder a sua propriedade (através da usucapião), mesmo nos casos de posse com origem no vício da precariedade ou decorrente de exercício inicial de detenção, para aquele possuidor que cumpre com a função social do bem.

Essa interpretação somente pode ser alcançada numa perspectiva sistemática do Direito, tendo em vista uma análise integrada e harmônica entre o Código Civil e a Constituição Federal, pois a legislação deve ser contextualizada no momento histórico, e o Código Civil como é aberto composto de cláusulas gerais exige do intérprete um esforço hermenêutico, como já se disse neste estudo, sob pena de que a legislação do CC 2002, que veio para conformar o Direito das Coisas Constitucionalizado se transforme em letra morta, ou o que é pior em mecanismo de defesa de uma propriedade estática.


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Notas

  1. Artigo originalmente publicado na Revista da Ajuris n. 120, dezembro de 2010.
  2. A matéria foi objeto da elaboração do Enunciado 237 publicado na Terceira Jornada de Estudos do CNJ (“237 – Art. 1.203: É cabível a modificação do título da posse – interversio possessionis – na hipótese em que o até então possuidor direto demonstrar ato exterior e inequívoco de oposição ao antigo possuidor indireto, tendo por efeito a caracterização do animus domini.”)
  3. A esse respeito interessante incluir a noção de propriedade trazida por Silvio Rodrigues em seu Manual de Direito das Coisas. O autor trata da propriedade na edição de 2002, já com as alterações do CC de 2002, como se a propriedade fosse um direito absoluto, exclusivo e perpétuo (p. 79), referindo que as limitações ao direito de propriedade ocorreriam por sua liberalidade (constituição de direitos reais para terceiros) e excepcionalmente por imposição legal (direito de vizinhança). O autor ainda defende que o art. 1228 do CC de 2002 teria tratado nos parágrafos 1º e 2º do abuso o direito (p. 85). Ao comentar o art. 1228, § 1º o autor não faz referência à função social da propriedade, e no final do capítulo que trata da propriedade (p. 89) faz uma referência tímida à função social, dizendo que é uma nova tendência (sem fazer a referência à relevância que isso exerce no Direito das Coisas). Além de trazer uma visão superficial do que é a função social, finaliza as suas ponderações com a inclusão de uma nota de rodapé, na qual estabelece uma vinculação da função social direcionada a imóveis rurais. Essa visão é trazida para este estudo com a finalidade denunciar a mentalidade de alguns juristas que tratam da matéria. Serve como uma provocação no sentido de se questionar os livros que são lidos por grande número de acadêmicos de Direito e que acabam formando as suas posições. (RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Direito das Coisas. Vol. V, São Paulo: Saraiva, 2002.)
  4. Neste estudo irá se usar a expressão a usucapião para acompanhar a legislação brasileira que preferiu tratar o instituto como palavra feminina. Porém, não se fará a análise a respeito de qual vocábulo é o mais adequado.
  5. MADAIME, Marcio Manoel. A possibilidade de Mudança do Caráter da Posse Precária e sua utilidade para fins de usucapião. Revista de Direito Privado, n. 11, Revista dos Tribunais, São Paulo, 2002, p.188-213.
  6. A esse respeito podem ser citadas duas decisões que tratam de situações idênticas e têm solução distinta, a se ver: USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO. COMPROVAÇÃO DOS REQUISITOS. MUTAÇÃO DA NATUREZA JURÍDICA DA POSSE ORIGINÁRIA. POSSIBILIDADE. O usucapião extraordinário - art. 55, CC - reclama, tão-somente: a) posse mansa e pacífica, ininterrupta, exercida com animus domini; b) o decurso do prazo de vinte anos; c) presunção juris et de jure de boa-fé e justo título, "que não só dispensa a exibição desse documento como também proíbe que se demonstre sua inexistência". E, segundo o ensinamento da melhor doutrina, "nada impede que o caráter originário da posse se modifique", motivo pelo qual o fato de ter havido no início da posse da autora um vínculo locatício, não é embaraço ao reconhecimento de que, a partir de um determinado momento, essa mesma mudou de natureza e assumiu a feição de posse em nome próprio, sem subordinação ao antigo dono e, por isso mesmo, com força ad usucapionem. Precedentes. Ação de usucapião procedente. Recurso especial conhecido, com base na letra "c" do permissivo constitucional, e provido. REsp 154733 / DF, Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha, julgamento em 05.12.2000 USUCAPIÃO - Posse da autora que se originou de contrato de locação - Cessação de pagamento de locativos, em determinado momento, por mera tolerância da proprietária do imóvel - Inteligência do art. 497, do Código Civil de 1916 (a que corresponde o art. 1.208, do Código Civil de 2002) - "Animus domini" não caracterizado - Recurso desprovido. Apelação 994060372867 (4521114300) Rel. Luiz Antonio de Godoy, 1ª Câmara de Direito Privado julgamento em 04/05/2010.
  7. “Art. 485. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício pleno, ou não, de algum dos poderes inerentes ao domínio, ou propriedade.”
  8. BEVILÁQUA, Clóvis. Direito das Coisas. 5ª Ed, Rio de Janeiro: Forense, 1973, p. 30.
  9. É bem verdade que o CC de 1916 cometeu o deslize de confundir no art. 505 os juízos possessórios e petitórios, e essa confusão conduziu à proteção exagerada do proprietário porque até a edição da súmula 487 do STF havia a interpretação de que a parte final do artigo poderia sempre ser invocada pelo proprietário. O proprietário sempre teria defesa contra o possuidor (qualquer que fosse) porque a lei determinava que a posse seria deferida a quem provasse o domínio, essa orientação terminaria com a defesa da posse do possuidor não proprietário contra o proprietário da coisa.
  10. “Art. 524. A lei assegura ao proprietário o direito de usar, gozar e dispor de seus bens, e de reavê-los do poder de quem quer que injustamente os possua.” O art. 527 do CC de 196 referia que a propriedade era direito ilimitado e essa característica não foi repetida no CC de 2002 tendo em vista as limitações constantes do art. 1228 do CC atual.
  11. “Art. 505. Não obsta à manutenção, ou reintegração na posse, a alegação de domínio, ou de outro direito sobre a coisa. Não se deve, entretanto, julgar a posse em favor daquele a quem evidentemente não pertencer o domínio.”
  12. “Art. 492. Salvo prova em contrário, entende-se manter a posse o mesmo caráter com que foi adquirida. Art. 497. Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância, assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência, ou a clandestinidade.”
  13. BEVILÁQUA. Op. cit., p. 51.
  14. A permissão e a tolerância não podem ser confundidas com abandono por parte do proprietário ou do legítimo possuidor. Permissão ocorre quando se autoriza de forma expressa que outra pessoa retire um proveito da coisa, sem transferir a posse direta do bem. Na tolerância se sabe que outra pessoa está retirando um proveito do bem e isso consentido de forma tácita, sem transferir a posse do bem. Nos dois casos não há posse daquele que retira o proveito da coisa e não há perda da posse por abandono, porque o proprietário ou legítimo possuidor permanecem exercendo posse sobre o bem. (RIZZARDO, Arnaldo. Direito das Coisas. 2ª Ed, Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 42)
  15. RODRIGUES, Op. cit., p. 31, e RIZZARDO, Op. cit., p. 42.
  16. “Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.
  17. § 1º O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas. § 2º São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem § 3º O proprietário pode ser privado da coisa, nos casos de desapropriação, por necessidade ou utilidade pública ou interesse social, bem como no de requisição, em caso de perigo público iminente. § 4º O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante. § 5º No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário; pago o preço, valerá a sentença como título para o registro do imóvel em nome dos possuidores.”
  18. No Código Civil de 1916 a propriedade era tratada como um conjunto de direitos sem nenhuma referência ao aspecto funcional do instituto. A esse respeito consultar TEPEDINO, Gustavo. Contornos Constitucionais da Propriedade Privada. In Temas de Direito Civil, 3ª Ed, Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 305.
  19. RIZZARDO, Op. cit., p. 42.
  20. Como será visto neste estudo, a alteração do caráter da posse ocorre nos casos de desdobramento quando o possuidor não reconhece mais domínio alheio.
  21. Informação disponível no site http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=487.NUME. NAO S.FLSV.&base=baseSumulas, acesso em 07 de junho de 2010.
  22. Enunciado 79 – “Art. 1.210: A exceptio proprietatis, como defesa oponível às ações possessórias típicas, foi abolida pelo Código Civil de 2002, que estabeleceu a absoluta separação entre os juízos possessório e petitório.”
  23. AMARAL, Francisco. A interpretação jurídica segundo o Código Civil. Revista do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, Brasília, p. 34-44, v. 18, n. 4, abr. 2006, p. 38.
  24. COSTA, Judith. O Novo Código Civil brasileiro: “ em busca da ética da situação”in Diretrizes Teóricas do Novo Código Civil brasileiro, p. 144.
  25. BRANCO, Gerson Luiz Carlos e Costa, Judith Martins. O Culturalismo de Miguel Reale e a Sua expressão no Novo Código Civil in Diretrizes Teóricas do Novo Código Civil Brasileiro, p. 67.
  26. MARTINS-COSTA, Op. cit., p. 147.
  27. Idem. Ibidem. p. 151.
  28. Idem. Ibidem. p. 152.
  29. MARTINS-COSTA, Judith. Os avatares do abuso do direito e o rumo indicado pela boa-fé. In: NICOLAU JÚNIOR, Mauro (org.) e Outros. Novos Direitos. Curitiba: Juruá, 2007, p. 211.
  30. Art. 5º, XXIII
  31. Art. 6º.
  32. A esse respeito sugere-se consultar a obra conjunta de MARTINS COSTA, Judith e BRANCO, Gerson Luiz Carlos. Diretrizes Teóricas do novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2003.
  33. BRANCO, Op. cit., p. 72.
  34. A esse respeito sugere-se a consulta da obra MARTINS-COSTA, Judith (Org.). A reconstrução do direito privado: reflexos dos princípios, diretrizes e direitos fundamentais constitucionais no direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
  35. KRAEMER, Eduardo. Algumas Anotações sobre os direitos reais no novo Código Civil. In O Novo Código Civil e a Constituição, org Ingo Wolfgan Sarlet, Livraria do Advogado Editora, Porto Alegre, 2003, p. 200.
  36. Idem. Ibidem. p. 201.
  37. FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do Direito. 5ª ed., Malheiros Editores, São Paulo, 2010, p. 63
  38. Idem. Ibidem. p.132.
  39. Idem. Ibidem. p. 76
  40. Na interpretação da legislação deve se atender à hierarquia do sistema, devendo se interpretar o Código à luz da Constituição e não o contrário. TEPEDINO, Op. cit., p. 313.
  41. Pode-se afirmar que a sociedade é fundada sobre o Direito Privado, mas ela não pode ser separada do Estado, ela deve estar integrada ao Estado, num sistema que Ludwig Raiser considerava vinculado à Lei Fundamental dos alemães. RAISER, Ludwig. Il Compito Del Diritto Privato. Milão: Editora Giufrè, 1990, p.183.
  42. Art. 5º, XXIII
  43. Art. 6º.
  44. FREITAS, Op. cit., p. 82.
  45. TEPEDINO, Op. cit., p. 313.
  46. POSSESSÓRIA. ÁREA RURAL. MST. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE. INVESTIGAÇÃO. POSSIBILIDADE. Função social da propriedade como Direito Fundamental. Construção de nova exegese da norma material e procedimental. Investigação da produtividade e aproveitamento da área em ação possessória. Necessidade. Art. 5°, XXII e XXIII, CF. Lei n°8.629/93. Negaram provimento. Voto vencido. Agravo de Instrumento n. 70003434388, Décima Nona Câmara Cível, Relator Carlos Rafael Carlos Rafael dos Santos Junior, julg. em 06 de novembro de 2001.
  47. TEPEDINO, Op. cit., p. 320.
  48. O texto integral das Constituições está disponível no site http://www.planalto.gov.br
  49. Tepedino refere que não se pode interpretar o art. 185, II da Constituição Federal sem considerar o conjunto de cumprimento da Função Social, assim mesmo sendo produtiva, se não atingisse a função social poderia a área ser desapropriada, TEPEDINO, Op. cit., p. 311.
  50. GOMES, Orlando — A Função Social da Propriedade — In: BFDC, n° especial, (Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Ferrer-Correia), 1989, 423 e ss.
  51. A função social altera a estrutura do domínio, inserindo-se no seu perfil interno. Também é tratada como critério do exercício do direito, que deve ser direcionado para o bem comum. TEPEDINO, Op. cit., p. 319.
  52. PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil – Introdução ao Direito Civil Constitucional. 2 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. TEPEDINO, Maria Celina B. M. A caminho de um Direito Civil Constitucional. Revista de Direito Civil, São Paulo, n. 65, julho-setembro de 1993. FACHIN, Luiz Edson. Questões do Direito Civil Brasileiro Contemporâneo. Rio de Janeiro:Renovar, 2008.
  53. O CC de 2002 traz “maiores possibilidades hermenêuticas (...) sendo forçoso transportar o dispositivo do § 1º do art. 1228 do papel para a vida”, sob pena de que a lei se transforme em letra morta.TEPEDINO, Op. cit., p.328.
  54. Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis. Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.
  55. BEVILAQUA, Op. cit., p. 148.
  56. Art. 1.255. Aquele que semeia, planta ou edifica em terreno alheio perde, em proveito do proprietário, as sementes, plantas e construções; se procedeu de boa-fé, terá direito a indenização. Parágrafo único. Se a construção ou a plantação exceder consideravelmente o valor do terreno, aquele que, de boa-fé, plantou ou edificou, adquirirá a propriedade do solo, mediante pagamento da indenização fixada judicialmente, se não houver acordo.
  57. Para BEVILÁQUA, Op. cit., p. 140, o solo era considerado coisa principal sobre o qual se aderiam às construções e plantações como coisas acessórias, que seriam consideradas unidas ao solo, mesmo que fossem mais valiosas que ele.
  58. ANDRADE, Fabio S. A atualidade do Direito de Superfície. Revista Ajuris. Porto Alegre, n. 65, p. 157-174, nov. 1996. p. 160.
  59. A esse respeito, sugere-se consultar ALVES, José Carlos Moreira. A Parte Geral do Projeto de Código Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1986.
  60. SOUSA, Luis Alberto Garcia de. A Lei de Diretrizes Urbanas e o Direito de Superfície. Disponível em http://www.camara.rj.gov.br/setores/proc/revistaproc/revproc2002/arti_luizgarcia.pdf, acesso em maio de 2009, p. 6.
  61. Idem. Ibidem. p.6.
  62. Idem. Ibidem. p. 6.
  63. ANDRADE, Op. cit., p. 164.
  64. Idem. Ibidem. p. 164.
  65. BEVILÁQUA, Op. cit., p. 147.
  66. Dentre os doutrinadores pode ser citado Silvio Rodrigues.
  67. VIANA, Marco Aurélio S. Comentários ao Novo Código Civil – Direitos Reais. Forense: Rio de Janeiro, 2003, p.87.
  68. “APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO. Exercício da posse há mais de 50 anos. mansa, pacífica e sem oposição. Atendimento dos requisitos legais. MAJORAÇÃO DA verba honorária.NEGADO PROVIMENTO À APELAÇÃO DAS RR. PROVIDA À DOS AA. UNÂNIME.” Apelação Cível 70034731439, Décima Oitava Câmara Cível, Rel. Desa. Nara Leonor Castro Garcia, julgamento em 08 de abril de 2010.
  69. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. POSSE PRECÁRIA. TRANSFORMAÇÃO. POSSE 'AD USUCAPIONEM'. ÂNIMO DE DONO. 1. Atos de mera permissão não induzem posse 'ad interdicta' e, muito menos, 'ad usucapionem' - inteligência do artigo 497 do Código Civil de 1916 e 1.208 do Código vigente. 2. Admite-se a transformação do caráter da posse ao longo do tempo, qualquer seja a sua natureza anterior, desde que elidida a presunção contida no artigo 492 do CC/16 (1.203 do Código vigente) pelo possuidor - 'interversio possessionis'. 3. O ânimo de dono advém da independência, da desvinculação da possuidora no exercício de atos de domínio, da demonstração do caráter absoluto de seu poder sobre a coisa. Não se exige a convicção do possuidor de que é, formalmente, o dono da coisa, sendo irrelevante a ciência da titularidade do bem. 4. Transmudando-se a causa do poder de fato sobre a coisa, antes uma permissão ou um comodato, em exercício aparente de domínio próprio (posse 'ad usucapionem'), reconhece-se a presença de 'animus domini'. Apelação Cível n. 1.0687.01.003522-2/001(1), Décima Sexta Câmara Cível, Rel. Wagner Wilson, julg. em 22/07/2009.
  70. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. PROMESSA DE VENDA E COMPRA. TRANSMUTAÇÃO DA POSSE, DE NÃO PRÓPRIA PARA PRÓPRIA. ADMISSIBILIDADE. "O fato de ser possuidor direto na condição de promitente-comprador de imóvel, em princípio, não impede que este adquira a propriedade do bem por usucapião, uma vez que é possível a transformação do caráter originário daquela posse, de não própria, para própria” (REsp nº 220.200-SP). Recurso especial não conhecido. RECURSO ESPECIAL Nº 143.976 - GO (1997?0056962-4), Rel. Min. Barros Monteiro, julg. em 6 de abril de 2004.
  71. CIVIL. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO. COMPROVAÇÃO DOS REQUISITOS. MUTAÇÃO DA NATUREZA JURÍDICA DA POSSE ORIGINÁRIA. POSSIBILIDADE. O usucapião extraordinário - art. 55, CC - reclama, tão-somente: a) posse mansa e pacífica, ininterrupta, exercida com animus domini; b) o decurso do prazo de vinte anos; c) presunção juris et de jure de boa-fé e justo título, "que não só dispensa a exibição desse documento como também proíbe que se demonstre sua inexistência". E, segundo o ensinamento da melhor doutrina, "nada impede que o caráter originário da posse se modifique", motivo pelo qual o fato de ter havido no início da posse da autora um vínculo locatício, não é embaraço ao reconhecimento de que, a partir de um determinado momento, essa mesma mudou de natureza e assumiu a feição de posse em nome próprio, sem subordinação ao antigo dono e, por isso mesmo, com força ad usucapionem. Precedentes. Ação de usucapião procedente. Recurso especial conhecido, com base na letra "c" do permissivo constitucional, e provido. Recurso Especial n. 154733 / DF , Rel. Min Cesar Asfor Rocha, quarta Turma, julg. em 05/12/2000.
  72. Disponível no site http://www.confap.pt/docs/codcivil.PDF, acesso em 13 de junho de 2010. “(ARTIGO 1263º (Aquisição da posse) A posse adquire-se: d) Por inversão do título da posse. E ARTIGO 1290º(Usucapião em caso de detenção) Os detentores ou possuidores precários não podem adquirir para si, por usucapião, o direito possuído, excepto achando-se invertido o título da posse; mas, neste caso, o tempo necessário para a usucapião só começa a correr desde a inversão do título”.
  73. KRAEMER, Op. cit., p. 206.

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WESENDONCK, Tula. A possibilidade de transformação do caráter da posse e da detenção. Interpretação constitucional dos efeitos da posse. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3066, 23 nov. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20477. Acesso em: 19 abr. 2024.