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Ação coletiva para a defesa dos direitos individuais homogêneos dos filhos de pai depressivo pós-parto

Ação coletiva para a defesa dos direitos individuais homogêneos dos filhos de pai depressivo pós-parto

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A depressão pós-parto masculina é doença que distancia o genitor do lar conjugal, dificulta a criança de um vínculo do pai com o bebê, expõe a criança a maiores agressões físicas pelo pai e pode gerar distúrbios comportamentais, neurológicos e até motores.

Quando olho uma criança ela me inspira dois sentimentos, ternura pelo que é, e respeito pelo que pode ser.

Jean Piaget

RESUMO

"Ação Coletiva para a defesa dos direitos individuais homogêneos dos filhos de pai depressivo pós-parto" vem ressaltar a importância e a obrigação que o Estado tem no dever de tutelar os genitos, nesse período em que o genitor é acometido por uma patologia que influencia consideravelmente o desenvolvimento do infante. O que se pretende com esse trabalho, em sentido amplo, é demonstrar a necessidade, de o Poder Judiciário resguardar essa relação familiar, que, pela sua importância, atualmente, é pertinente ao direito público. Em sentido estrito, demonstrar o cabimento da ação civil coletiva como instrumento processual apto para a defesa dos direitos individuais homogêneos. Destarte, repensar o cabimento do presente meio processual, quando do diagnóstico dessa enfermidade, e a efetivação da proteção estatal diante de novos casos que a sociedade apresenta à ciência jurídica.

Palavras-chave: Ação Coletiva. Direitos individuais homogêneos. Suspensão do Poder Familiar. Ministério Público.

ABSTRACT

"Collective Action for the protection of individual rights homogeneous father of the children of postpartum depression" have demonstrated the importance and the requirement that the state has the duty to protect the genitals, the period in which the parent is stricken by a disease which strongly affect the development of the infant. The intention with this work in the broad sense, is to demonstrate the need for the judiciary to safeguard the family relationship, which, by their importance is currently relevant to public law. Strictly speaking, demonstrate the appropriateness of class action as a procedural tool suitable for homogeneous individual rights. Thus, to rethink the appropriateness of this remedy, when the diagnosis of this disease, and the effective state protection before new cases that the society has the legal science.

Key-words: Collective Action. Homogeneous individual rights. Suspension of the Power family. Prosecutors.

SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 O INSTITUTO JURÍDICO CHAMADO PODER FAMILIAR. 2.1 Origem e evolução do poder familiar. 2.2 Exercício constitucional isonômico do poder familiar pelos genitores. 2.3 A suspensão do poder familiar como tutela do menor e da entidade familiar. 3 DEPRESSÃO PÓS-PARTO MASCULINA. 3.1 Definição, conceito e sintomatologia. 3.2 Repercussão da depressão pós-parto masculina nos filhos menores e na entidade familiar. 3.3 Incapacidade relativa no tocante ao exercício do poder familiar advinda pela depressão pós-parto masculina. 4 BASE JURÍDICA PARA PROTEÇÃO DO GENITO. 4.1 A Constituição Federal de 1988 como instrumento de tutela da entidade familiar e de resguardo dos genitor. 4.2 Código civil como legislação pertinente à suspensão do poder familiar em caráter suplementar.4.3 Estatuto da Criança e do Adolescente protegendo, reafirmando e estabelecendo diretrizes para a tutela do menor, em caso de incapacidade do genitor masculino e/ ou inconveniência para o genitor.5 AÇÃO CIVIL COLETIVA. 5.1 Os direitos Individuais homogêneos particularmente considerados. 5.2 A legitimidade do Ministério Público na Ação Coletiva.5.3 A adequação entre a prestação da tutela jurisdicional e a tutela de direito material. 5.4 Aplicação da Ação Coletiva para a defesa dos direitos individuais homogêneos.... 6 CONCLUSÃO. Referências


1 INTRODUÇÃO

A relação entre os componentes de uma mesma família tem ganhado uma atenção especial em face da maior proteção das crianças pelo Estado e a igualdade de direitos e deveres de seus genitores que sofrem acompanhamento estatal bem próximo.

Durante muitos anos, o poder familiar, outrora chamado pátrio poder, era conferido ao genitor que tinha sob o genito a incumbência de decisão sobre a educação, proteção, tutela, guarda e administração de seus bens, dentre outros. À genitora restavam as atividades de cuidados domésticos, sem, contudo, ter legitimado o seu poder de interferência no direcionamento do menor.

Entretanto, diante das mudanças ocorridas no meio social, como o ingresso significativo das mulheres no mercado de trabalho, a dimensão que ganhou os divórcios e as separações e o elevado número de famílias uniparentais, constituídas pela mãe e sua prole, por exemplo, o Legislativo não poderia desprezar esse quadro no momento elaborativo de suas leis.

Destarte, como não o fez, inclusive no próprio poder constituinte de 1988, que, em seu Capítulo VII, ao apreciar o mérito da família e da criança, atribuiu aos pais e às mães o mesmo munus público, no tocante à criação e proteção de seus filhos, delegando a estes os mesmo direitos e deveres sobre o menor com a tomada de decisão igualitária.

Conforme o positivado em nossa Constituição Federal de 1988 (CF/88), em seu artigo 226, caput, a família é a base da sociedade e, por isso, toda a atenção voltada para essa entidade e o reconhecimento legal da sua importância não só para a sociedade mas para o próprio poder estatal. Assim, ainda no referido diploma legal, em seu art. 226, § 8º, ele cria mecanismos para tentar coibir a violência, inclusive contra as crianças, neste aspecto há de se fazer uma ressalva, afinal, tem-se que entender a violência física e psicológica. Desse modo, ante a relevância do tema, ficou resguardado o genito, em casos de violência, abusos do poder familiar e maus-tratos. A importância do tema é de tal monta que encontra legislação vigente no Código Civil (CC), na nossa Carta Magna, no Código Penal (CP) (que elenca crimes próprios, como o infanticídio), no Estatuto da Criança e do Adolescente, Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH)e previsão, inclusive, no Anteprojeto do Novo Código de Processo Coletivo Brasileiro (CPCB)ao mencionar os direitos individuais homogêneos, em todos sem distinção entre os pais – com exceção do Código Penal.

Assim, conforme o previsto em Lei, esse poder não seria absoluto e indiscriminado. A nossa Constituição Federal de 1988 foi bem clara ao afirmar que essas atribuições seriam exercidas sob a supervisão do Estado, que criaria mecanismos para coibir a violência, no âmbito de suas relações interpessoais, por se tratar de matéria tão importante ao meio social que transcendeu os limites do direito privado e atingiu o ramo público, motivo que justifica e autoriza a intervenção estatal e a obrigação não só da família, mas da sociedade como um todo pelo zelo com as crianças.

Com o advento do exercício do poder familiar também pela genitora, o estado mental da mulher passou a ter muito mais relevância jurídica devido à sua relação com o filho. Como fato expositivo, pode-se citar a depressão pós-parto feminina, que acarreta índices alarmantes em torno de 14% das mães, em graus moderado ou intenso, podendo causar danos de difícil tratamento para o infante (tais como distúrbios neurológicos e motores), atacando-os sem distinção de gênero. Importante esclarecer que a doutrina médica configura como estado puerperal aquele compreendido nos doze primeiros meses subseqüentes ao nascimento do bebê.

Em nosso Código Civil Adjetivo, são enunciadas algumas situações em que se pode suspender o poder familiar, dentre elas, encontra-se a ausência dos deveres paternos e/ou maternos com o fulcro de proteger o menor, garantindo-lhe a vida e a saúde, bem como a incapacidade absoluta para o exercício de suas funções civis, nos casos em que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos.

Recentemente, a doutrina médica, por meio de pesquisas, reconheceu uma nova patologia que ataca de modo expressivo os genitos: a depressão pós-parto masculina. Doença esta que pode ausentar o pai do lar conjugal, gerar momentos de agressões e desenvolver problemas de atenção e cuidado com o genito. Estima-se que atinja 11,5% dos genitores homens. Entretanto, a ciência jurídica continua apática em relação a este tema, omitindo-se no tocante à saúde mental do menor, mesmo contando com meios disponíveis para reprimir maiores danos.

Diante desses breves esclarecimentos, busca-se desenvolver uma pesquisa monográfica que responda aos seguintes questionamentos: O que são os direitos individuais homogêneos? O Ministério tem legitimidade para proteger esses direitos das crianças? A ação civil coletiva apresenta-se como instrumento processual apto a salvaguardar os referidos direitos? A justificativa para este trabalho consiste na aptidão da Ação Coletiva como instrumento processual para salvaguardar os direitos individuais homogêneos. O correto e completo entendimento do tema possibilitarão visualizar os aspectos que envolvem essa complexa situação que requer intervenção não só médica, mas, sim, judicial.

A situação em voga tem causas múltiplas, entretanto, o que importa frisar são as conseqüências que podem ser geradas tanto para o genitor quanto para o genito. Este último, por ser parte mais vulnerável nessa relação jurídica e, devido à sua tenra idade, é absolutamente incapaz, nos termos da Lei, de tomar decisões e agir de modo a se proteger.

Afinal, é direito fundamental de todo e qualquer cidadão o direito à vida, à saúde, à integridade física e à dignidade da pessoa humana. Mitigar esses direitos seria atrapalhar o próprio desenvolvimento da criança pela omissão e desprezar os dispositivos legais da Constituição Federal, do Código Civil e do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Cumpre salientar que a patologia em epígrafe afeta, principalmente, os impúberes do sexo masculino e pode desenvolver problemas, até mesmo, motores e neurológicos. Por isso o caso necessita atenção especial, por tratar de um assunto que abala a estrutura do Estado, conforme mencionado anteriormente, em sua menor unidade constitutiva – a família.

Deve-se ressaltar o fato de se ter em uma relação composta de três pessoas (genito, genitor e genitora): a incapacidade absoluta de um e a relativa de outra, no mínimo. Disto deriva a atenção deferida ao tema. O objetivo não é afastar o genitor desta relação, mas prestar-lhe a devida assistência de modo a salvaguardar a própria entidade familiar. In casu, a decretação da suspensão do poder familiar paterno, enquanto perdurar essa patologia, a devida assistência psiquiátrica e financeira, a proteção do menor e, indiretamente, da própria genitora, não passam de medidas necessárias para a proteção efetiva dessa entidade e não para o seu desfazimento.

Tem-se, então, como objetivo geral, analisar o poder familiar, em conformidade com as modificações ocorridas com o advento da Constituição Federal de 1988, para o caso da suspensão deste poder quando existir a incapacidade para a realização deste ato civil pelo aparecimento da depressão pós-parto masculina, os objetivos específicos são: identificar as conseqüências do exercício inadequado do poder familiar para o menor, a legitimidade do Ministério para a defesa dos direitos individuais homogêneos e a adequação da ação civil coletiva para a defesa dos direitos individuais homogêneos dos filhos de pai depressivo pós-parto.

Em relação aos aspectos metodológicos, as hipóteses são investigadas mediante pesquisa bibliográfica. No que tange à tipologia da pesquisa, esta é, segundo a utilização dos resultados, pura, visto ser realizada apenas com o intuito de aumentar o conhecimento. Segundo a abordagem, é qualitativa, buscando apreciar a realidade do tema em nosso ordenamento jurídico. Quanto aos objetivos, é exploratória, procurando maiores informações sobre o tema em questão, e descritiva, pois pretende descrever, explicar e esclarecer o problema em voga.

No primeiro capítulo, apresentam-se o conceito de poder familiar, além de sua origem e evolução. Vislumbram-se o conceito de poder familiar, o seu exercício isonômico por ambos os genitores e as causas de suspensão.

No segundo capítulo, analisa-se a depressão pós-parto masculina, mostrando seus sintomas, os impactos nos genitos e como essa patologia pode findar por inviabilizar os atos da paternidade.

No terceiro capítulo, aborda-se a questão da fundamentação legal para a devida intervenção estatal para a proteção física.

No quarto capítulo, aprofundamentos as considerações acerca da ação civil coletiva e o seu cabimento no caso de depressão pós-parto masculina, a adequação da tutela de direito material à tutela jurisdicional, legitimidade para o caso em voga do Ministério Público e o cabimento da ação coletiva para o caso em epígrafe.

O ponto principal desse trabalho é, pois, demonstrar o cabimento da ação civil coletiva na defesa dos direitos individuais homogêneos dos filhos de pai depressivo pós-parto masculina dada a importância e o dever do Estado de intervir nessa relação jurídica para salvaguardar os direitos fundamentais dos genitos. Por ser de fundamental relevância para a formação não do ambiente familiar, mas também por ser de grande relevância para a formação do Estado, que deve receber um adulto sadio para ele próprio, para a família e para a sociedade em geral.


2 O INSTITUTO JURÍDICO CHAMADO PODER FAMILIAR

Com o intuito de compilar a principal doutrina pertinente, para servir de fundamento jurídico da questão em voga, este capítulo destaca alguns dispositivos legais atinentes, bem como o pensamento da doutrina dominante, objetivando atentar para a devida aplicação dos nossos preceitos legais e a formação de mais esse campo de proteção estatal, que lhe foi delegada constitucionalmente.

2.1 Origem e evolução do poder familiar

O poder familiar é caracterizado pelo dever de ambos os pais zelarem pela integridade física e mental de seus filhos, assim como pela administração devida de seus bens, até que atinjam a maioridade ou que sejam emancipados na forma da Lei. Esse poder não é absoluto e sofre controle pelo Estado, pois este reconhece constitucionalmente que a célula familiar é a sua menor unidade constitutiva, onde está configurado o interesse público dessa relação advinda entre particulares, que suplantou os limites do direito privado, para se enraizar no campo do direito público, como bem ilustra Rodrigues (2006, p. 397-98):

E é nesse sentido que se caracteriza o pátrio poder no direito moderno; ou seja, como um instituto de caráter eminentemente protetivo em que, a par de uns poucos direitos, se encontram sérios e pesados deveres a cargo de seu titular. Para bem compreender a sua natureza é mister ter em vista tratar-se de matéria que transcende a órbita do direito privado, para ingressar no direito público. É de interesse do Estado assegurar a proteção das gerações novas, pois elas constituem matéria-prima da sociedade futura. E o pátrio poder nada mais é do que esse munus público, imposto pelo Estado aos pais, a fim de que zelem pelo futuro de nossos filhos.

A evolução desse instituto confunde-se com a da própria unidade familiar. A doutrina remonta a sua origem a Roma, onde era chamada de patria potestas, cumpre lembrar a citação de Magalhães (2000, p. 298): "A patria potestas surgiu como norma escrita no Direito Romano, na Lei da XII Tábuas, onde, na Tábua IV, estavam descritos os poderes enfeixados nas mãos do pater familias". O instituto tinha características, tais como: era soberano, independia da relação consangüínea, sua rigorosidade era fundamentada na religiosidade do pater, sui generis, que conduzia toda a unidade doméstica, como também os escravos e agregados. O seu poder de decisão alcançava, inclusive, educação, administração da justiça e direção, podendo este decidir sobre a venda, exposição e até sobre a morte de qualquer de um de seus integrantes. Vale ressaltar que embora o pater tivesse tantos poderes ele não chegou ao ponto de sacrificar seus filhos, como ensina Venosa (2006, p. 318): "O pater, sui generis, tinha o direito de punir, vender e matar os filhos, embora a história não noticie que chegasse a esse extremo". Nesse momento, o Estado compreende a importância e resguarda essa formação, que era tão importante para a época, como salienta Rodrigues (2006, p. 396): "Através de sua autoridade se estabelece a disciplina e assim se consolida a vida dentro do lar e, por conseguinte, dentro da sociedade. Daí ser importante assegurar essa ampla autoridade paternal".

Os filhos, enquanto alieni juris, não tinham patrimônio, o que só foi permitido com o passar dos anos, a partir de Augusto, quando os genitos homens começaram a servir militarmente e adquirir seus bens, o chamado pecúlio castrense, e administrá-los independentemente, pois até então o que adquirisse era de seu pai, conforme citado por Monteiro (1997, p. 282): "No terreno patrimonial, o filho, como o escravo, nada possuía de próprio. Tudo quanto adquiria, adquiria para o pai, princípio que só não era verdadeiro em relação às dívidas". Destarte, somente com Justiniano, tem-se a proibição mais importante: do direito de vida e de morte (ius vitae et necis). Nesta fase, já se apresenta o poder familiar como um dever de afeição. Sendo, no Império, iniciada a possibilidade de apreciação do abuso de poder do pater, pelo magistrado, e a genitora alcança a primeira grande vitória no âmbito desse instituto, como explana Wald (1991, p. 24):

A mãe, em virtude das disposições de direito pretoriano, é autorizada a substituir o pai, ficando com a guarda dos filhos. Com o Senatus-consulto Tertuliano, passa ela a ter direitos sucessórios na herança do filho, tornando-se herdeira legal na ausência de descendente e de irmão consangüíneos do falecido. (grifo nosso).

Ainda durante o período imperial, com as leis demográficas de Augusto, as mulheres, mães de mais de três filhos, não necessitavam mais de tutela, pois elas gozavam de completa autonomia, na vida social e política, com suas atividades exorbitando a esfera familiar.

Os estrangeiros colaboraram, na Idade Média, com o abrandamento da autoridade paterna, pois houve conflito entre os direitos germânico e romano. O primeiro decorria do direito costumeiro, era mais brando e visava mais ao interesse do filho. Entretanto, ainda no século XIX e início do século XX, percebe-se a outrora chamada de pátrio poder, ainda caracterizada como o direito dos pais com relação aos filhos de forma quase incontrastável. Guardava, desse modo, a influência predominante da patria potestas, que era mantida pela estrutura rural de nosso país.

Nos anos seguintes, tem-se uma sociedade que evoluiu com os efeitos da urbanização, da industrialização, com o avanço da tecnologia e a posição que a mulher ocidental assumiu. Essa nova conjuntura da sociedade fez com que fosse revista a natureza de suas relações e findou por reconhecer que esse instituto é, antes de um direito dos genitores, uma medida protetiva pelos bens de vida do menor.

Com o advento da Lei nº 4.121, de 1962, ocorreram a emancipação da mulher casada, respaldada legalmente, a igualdade de condições entre marido e mulher, em situação jurídica análoga, modificação dos princípios que norteiam o regime de bens e a guarda dos menores, trazendo em seu bojo o seguinte artigo:

Art. 380. Durante o casamento, compete o pátrio poder aos pais, exercendo-o o marido com a colaboração da mulher. Na falto ou impedimento de um dos progenitores passará o outro a exercê-lo com exclusividade.

Parágrafo único. Divergindo os progenitores quanto ao exercício do pátrio poder, prevalecerá a decisão do pai, ressalvado à mãe o direito de recorrer ao juiz para a solução da divergência. (BRASIL, 2008c).

Atualmente, o cristianismo auxiliou a compreender o poder familiar como um conjunto de deveres de caráter protetivo. Não se pode negar a influência, ainda que mitigada, da patria potestas, nem o patriarcalismo herdado do direito português.

Com a chegada da Constituição Federal de 1988, o poder familiar reafirmou importantes características, tais como: o reconhecimento do interesse, precipuamente, do genito, e elevou ao nível constitucional o direito de igualdade do exercício dessa prerrogativa por ambos os genitores. Trata-se de grande evolução, pois na falta ou impedimento de um o outro pode exercê-lo com exclusividade.

Assim, o poder familiar é exercido atualmente em igualdade de condições por ambos os pais e mais do que um direito destes, apresenta-se como um dever de zelo pela integridade física, moral e educacional de seus filhos. Afinal, presume-se que os genitores são os maiores interessados em resguardar sob todos os aspectos a sua prole, devendo intervir, inclusive judicialmente, quando qualquer pessoa ameaçar o genitor em qualquer aspecto, como bem explana Diniz (2002, p. 447):

O poder familiar pode ser definido como um conjunto de direitos e obrigações quanto à pessoa e bens do filho menor não emancipado, exercido, em igualdade de condições, por ambos os pais, para que possam desempenhar os encargos que a norma jurídica lhes impõe, tendo em vista o interesse e a proteção do filho. Ambos têm, em igualdade de condições, poder decisório sobre a pessoa e bens do filho de filho menor não emancipado.

Assim, como o exercício, atualmente, é simultâneo e o legislador não tem como regular todas as situações para a sua prática, é importante frisar o objetivo do poder familiar, qual seja, a preparação para a vida em conformidade com a sua condição social, assim aduz Pereira (1999, p. 242):

Na falta de um critério preordenado, entende-se que aos pais cumpre preparar o filho para a vida, proporcionando-lhe obrigatoriamente a instrução primária, e ministrando-lhe ainda a educação compatível com sua posição social e seus recursos. Numa equiparação com as prerrogativas constitucionais, já se disse que o pátrio poder assemelha-se ao poder disciplinar do Estado.

Deste modo, resta esclarecido que o Poder Familiar, na atualidade, pode ser vislumbrado como, antes de qualquer aspecto, de cuidados dos pais na administração da criação de seus filhos para quando estes atingirem a maioridade sejam saudáveis para a sua própria vida, bem como para a vida em sociedade.

2.2 Exercício constitucional isonômico do poder familiar pelos genitores

Inicialmente, para entender melhor a natureza do poder familiar, cumpre relembrar que esse instituto trata-se de matéria de âmbito privado, que é regulado pelo Poder Público devido à importância que envolve o assunto, como leciona Rodrigues (2006, p. 398):

Para bem compreender a sua natureza é mister ter em vista tratar-se de matéria que transcende a órbita do direito privado, para ingressar no âmbito do direito público. É de interesse do Estado assegurar a proteção das gerações novas, pois elas constituem matéria-prima da sociedade futura. E o pátrio poder nada mais é do que esse munus público, imposto pelo Estado, aos pais, a fim de que zelem pelo futuro de nossos filhos.

Desse modo, o Poder Público procurou, ao deferir o exercício das suas atribuições a ambos os pais, a melhor tutela dos bens de vida do menor. Afinal, inicialmente, entende-se que quem melhor tende a zelar pelos interesses dos genitores são os seus pais, até que eles atinjam a maioridade ou sejam emancipados na forma da Lei, buscando o que lhe seria melhor na educação, guarda e criação, dentre outros. Doutrinando, nesse sentido, Diniz (2002, p. 447-448):

Esse poder conferido simultânea e igualmente a ambos os genitores, e, excepcionalmente, a um deles, na falta do outro (CC, art. 1.690, 1ª parte), exercido no proveito, interesse e proteção dos filhos menores, advém de uma necessidade natural, uma vez que todo ser humano, durante sua infância, precisa de alguém que o crie, eduque, ampare, defenda, guarde e cuide de seus interesses, regendo suas pessoas e seus bens.

É claro que essa obrigação, imposta aos pais decorre da própria Lei, envolve vários aspectos, tanto pessoal quanto patrimonial, segundo Pereira (1999, p. 241): "Instituto de proteção e defesa da pessoa e dos bens do filho-família, as relações do pátrio poder sistematicamente se desdobram em duas ordens de princípios: os relativos à pessoa do filho; e os outros de cunha patrimonial".

Como mencionado anteriormente, o poder familiar é um dever de ambos os pais com relação aos seus filhos e seus bens, enquanto em sua menoridade ou ainda não emancipados, ou seja, nas palavras de Rodrigues (2006, p. 398): "O pátrio poder é o conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais, em relação à pessoa e aos bens dos filhos não emancipados, tendo em vista a proteção destes". Isto porque, pela tenra idade, são incapazes de se defender, bem como realizar qualquer forma de manifestação de vontade no universo jurídico.

Esse poder é derivado da norma jurídica e dirigido a ambos os pais, com mesmo poder decisório, envolve tanto direitos quanto obrigações e visa à tutela dos infantes que ainda não possuem capacidade de discernimento e de expressar as próprias vontades. Assim compreende Diniz (2002, p. 447):

O poder familiar pode ser definido como um conjunto de direitos e obrigações, quanto à pessoa e bens do filho menor não emancipado, exercido, em igualdade de condições, por ambos os pais, para que possam desempenhar os encargos que a norma jurídica lhes impõe, tendo em vista o interesse e a proteção o filho. Ambos têm, em igualdade de condições, poder decisório sobre a pessoa e bens do filho menor não emancipado.

Desse modo, tem-se uma relação entre os genitores e seu filho em que não há predominância de vontades, de acordo com a Constituição Federal de 1988, competindo-lhes, isonomicamente o devido exercício do poder familiar. Isto porque o Estado reconhece a importância do seu bom relacionamento, bem como compreende, inicialmente, que os pais são os que mais querem zelar pela integridade física e mental de seus filhos, nesse diapasão de igualdade, vale citar Monteiro (1997, p. 285): "Nenhuma distinção ou preferência existe entre os genitores no exercício do pátrio poder, a eles cabendo, em igualdade de condições, os respectivos direitos e deveres".

Desse modo, existe corrente doutrinária que entende que esse munus público, imposto pelo Estado aos pais, objetivando sempre a proteção e os interesses do menor, restou com uma característica tão forte de direito do menor e dever de seus genitores que sugerem, inclusive, uma nomenclatura diferente para este instituto jurídico, assim Pereira (1999, p. 239) esclarece:

O direito tem, contudo, passado por enorme transformação a esse propósito. A idéia predominante é que a potestas deixou de ser uma prerrogativa do pai, para se afirmar como a fixação jurídica dos interesses do filho. Não se visa a beneficiar quem o exerce, mas proteger o menor. E tal preponderância do interesse do filho sobre os direitos do pai aconselha a mudar a designação de pátrio poder para pátrio dever.

Dessa forma, é importante nunca esquecer qual o verdadeiro objetivo do poder familiar, ou seja, os interesses dos filhos, assim ressalta Venosa (2003, p. 208): "Em matéria de exercício do poder familiar, deve-se ter presente seu conceito de direitos e deveres tendo por finalidade o interesse da criança e do adolescente". Assim, o fim último do poder familiar é a proteção aos direitos do menor.

2.3 A suspensão do poder familiar como tutela do menor e da entidade familiar

Como restou configurado o interesse do Estado pela relação familiar, o Poder Público não a legitimou aos seus responsáveis de forma arbitrária, mas dentro de limites assegurados, conforme nossa Carta Magna de 1988, exemplificando, o seu art. 226, § 8º, que diz: "O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um".

Desse modo, o Estado intervém fiscalizando e controlando o exercício do poder familiar, buscando sempre prestar a devida proteção aos menores, procurando evitar o descaso nas suas relações internas, pois reconhece a importância da saúde dessa célula social. Consoante este raciocínio Diniz (2002, p. 448): "Com o escopo de evitar o jugo paterno-materno o Estado tem intervindo, submetendo o exercício do poder familiar à sua fiscalização e controle ao limitar, no tempo, esse poder; ao restringir o seu uso e os direitos dos pais". Ademais, vale apreender a lição de Monteiro (1997, p. 283):

Além dessa profunda transformação, cumpre ressaltar ainda a fiscalização complementar exercida pelo poder público. Sem perder de vista que a missão confiada ao pai se reveste de importância social, o poder público vigia, corrige, completa e algumas vezes supre a atuação daquele que exercita o pátrio poder.

Assim, restaria inócua a regulamentação do exercício do poder familiar se não fossem respeitados os seus mandamentos e o Estado não o regulamentasse como deveria, afinal, está-se diante da Constituição estatal, por isso, explica Gonçalves (2006, p. 359): "O aludido instituto constitui, como foi dito, um múnus público, pois ao Estado, que fixa normas para o seu exercício, interessa o seu bom desempenho".

Todavia, em algumas circunstâncias, pode o magistrado suspender o exercício desse direito pela sua prática não proteger o menor como deveria ou não atender o fim a que foi destinado. Cumpre destacar que essa suspensão deve decorrer da Lei, exercer algum tipo de influência negativa sobre o menor e será mantida a suspensão enquanto persistir a causa que a deu origem, assim entendendo Diniz (2002, p. 457):

Sendo o poder familiar um munus público, que deve ser exercido no interesse dos filhos menores não emancipados, o Estado controla-o, prescrevendo normas que arrolam casos que autorizam o magistrado a privar o genitor de seu exercício temporariamente, por prejudicar o filho com seu comportamento, hipótese em que se tem a suspensão o poder familiar, sendo nomeado curador especial ao menor no curso da ação. Na suspensão, o exercício do poder familiar é privado, por tempo determinado, de todos os seus atributos ou somente de parte deles, referindo-se a um dos filhos ou a alguns. [...] Deveras, desaparecendo a causa que deu origem à suspensão, o pai poderá retornar ao exercício do poder familiar.

A restrição realizada pelo magistrado, no que tange ao exercício do poder familiar, não será obrigatoriamente a todos os filhos nem a todos os seus atos com relação a eles, mas dentro, por isso, a ampla margem dada pelo diploma legal de parâmetros que o juiz entenda necessários para a devida proteção do impúbere, nesse sentido Venosa (2004, p. 350):

A suspensão é medida menos grave do que a destituição ou perda porque, cessados os motivos, extinta a causa que a gerou, pode ser restabelecido o poder paternal. Por outro lado, como apontamos, a suspensão pode referir a apenas parte dos atributos do poder familiar.

Mais uma vez, cumpre ressaltar que a suspensão é sempre feita tendo em vista os interesses do menor, não como meio punitivo do Estado para com os genitores, assim explica Gonçalves (2006, p. 376), ao comentar o art. 1.637 do Código Civil:

A suspensão do poder familiar constitui sanção aplicada ao pais pelo juiz, não com intuito punitivo, mas para proteger o menor. É imposta nas infrações menos graves, mencionadas no artigo retro transcrito, e que representam, no geral, infração genérica aos deveres paternos. Na interpretação do aludido dispositivo deve o juiz ter sempre presente, como já se disse, que a intervenção judicial é feita no interesse do menor.

Sendo os casos previstos na legislação civil, referida acima, pertinente à suspensão do poder familiar:

Art. 1.637. Se o pai, ou a mãe abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Público, adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha. (grifo nosso)

Nesse tipo de processo, o juiz tem uma relativa liberdade, pois ele pode adotar as medidas que julgar necessárias para a defesa do menor, como bem explicam Jônatas Milhomens e Alves (2007, p. 177): "Ao prudente arbítrio do juiz fica adotar a medida conveniente, quer seja a suspensão, quer medidas de cautela, que modifiquem, restrinjam, delimitem, ou paralisem, no interesse do menor, os poderes do pai".

Diante de tudo o que foi explanado, a indiferença paternal, o abandono moral e o comportamento patológico paterno dão fundamento jurídico para que esta suspensão ocorra, pois coloca em risco a saúde e o convívio familiar assegurado tanto constitucionalmente como pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, conforme já demonstrado em pesquisas, as conseqüências que podem acarretar – inclusive neurológicas e motores. Afinal, o exercício do poder familiar não se resume à administração de bens do menor nem só de sua educação formal, mas, sim, de sua criação para que se torne apto para viver dentro da normalidade em sua maioridade ou quando se emancipar, dessa forma, Monteiro (1997, p. 286-7):

Assiste, pois, aos genitores o encargo de velar pela formação dos filhos, a fim de torná-los úteis à si, à família e à sociedade. Dentre essas obrigações está a de matricular o filho na rede regular de ensino.

A infração desse dever legal e moral acarreta sanções civis e criminais para o cônjuge infrator. Do ponto de vista civil, o abandono do filho induz inibição do pátrio poder (Cód. Civil, art. 395, nº III). Do ponto de vista criminal, as sanções acham-se cominadas nos arts. 244 a 246 do Código Penal, que reprimem os delitos de abandono material e intelectual dos menores.

A suspensão do poder familiar só pode ser decretada pelo juiz após a verificação da ocorrência de conduta grave, segundo entendimento de Venosa (2004, p. 353):

Por outro lado, a suspensão do poder familiar é decretada pela autoridade judiciária, após a apuração de conduta grave. Nesse sentido, o art. 1.637 (antigo, art. 394) refere que podem os pais ser suspensos do poder familiar quando agirem com abuso, faltarem com os deveres inerentes ou arruinarem os bens dos filhos.

Continuando em seu ensinamento, Venosa (2004, p. 350) arremata: "Se houver motivos graves, a autoridade judiciária poderá decretar liminarmente a suspensão do poder familiar, dentro do poder geral de cautela. Trata-se de uma medida que se aproxima a uma antecipação de tutela".

Destarte, observa-se que, em alguns casos, o Poder Público pode deferir a tutela antecipada, caso seja verificado que pode acarretar danos ao menor, entretanto, esta medida não deve ser adotada arbitrariamente, mas respeitando os princípios inerentes ao processo civil, tais como: o contraditório e a ampla defesa, previstos, inclusive, no art. 24, do Estatuto da Criança e do Adolescente, referente às disposições do Direito à Convivência Familiar e Comunitária: "A perda e a suspensão do poder do pátrio poder serão decretados em procedimento contraditório, nos casos previstos na legislação civil, bem como na hipótese de descumprimento injustificado dos deveres e obrigações a que alude o art. 22". (BRASIL, 2008d).

As referidas hipóteses, supracitadas no art. 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente, são: "Aos pais incumbe o dever de guarda, sustento e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse desses, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais".

Como visto, pela própria evolução desse instituto, constata-se, atualmente, que o poder familiar é antes um direito do menor e um dever dos seus pais, então, para que seja devidamente aplicado, os seus genitores têm que vislumbrar os devidos interesses do seu filho. A sua inobservância, em casos mais graves, podem acarretar medidas mais graves, elencadas, a título de exemplos, na Lei, como bem ensina Pereira (1999, p. 247):

Em princípio, a lei institui o pátrio poder como sistema de proteção e defesa do filho-família. Por esse motivo, deve ele durar por todo o tempo da menoridade deste, ininterruptamente. Mas o legislador prevê situações em que se antecipa o seu termo, cabendo ao propósito distinguir a sua cessação em virtude de causa ou acontecimento natural, e a suspensão ou a perda do pátrio poder, que provém de ato jurisdicional.

Destarte, essas hipóteses são meramente exemplificativas e não exaustivas, como menciona Venosa (2004, p. 349): "As causas de suspensão do poder familiar descritas no Código são apresentadas de forma genérica, dando margem ampla de decisão ao magistrado".

Deve-se esclarecer quanto à curadoria do menor no curso da ação. Como observado, a priori, a primazia cabe àquele que tiver o grau de parentesco mais afim, assim, se a suspensão for paterna, o exercício competirá à mãe. Como orienta Diniz (2002, p. 459): "Se a suspensão for imposta ao pai, a mãe assumirá o exercício do poder familiar; se já tiver falecido ou for incapaz, o magistrado nomeará um tutor ao menor".

Devido à proteção do menor, sob todos os aspectos possíveis, protegendo-os de toda a forma de agressão, é que Rodrigues (2006, p. 398): afirma "O pátrio poder é o conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais, em relação à pessoa e aos bens dos filhos não emancipados, tendo em vista a proteção destes". (grifo nosso). Por isso é que qualquer parente do menor ou o Ministério Público, mediante representação, pode requer a suspensão do poder familiar, assim como o próprio magistrado. Medida que condiz com a devida proteção do infante e o dever da própria sociedade de zelar pelos menores, como essa medida, a suspensão, é temporária, durará enquanto perdurar o motivo que a gerou, assim explana Pereira (1999, p. 247-248):

O juiz, ex officio, ou a requerimento de algum parente, ou mediante representação do Ministério Público, suspende o exercício do pátrio poder. A lei não estatui o limite de tempo. Mas este será dado pelo que, ao ver do julgador, seja conveniente aos interesses do menor. Terminado o prazo, restaura-se aquele exercício, tal como antes.

Assim, em caso de suspensão do poder familiar, de qualquer dos genitores, é preferível que se mantenha a criança no seio familiar, destacando-se o fato de que, de acordo com a nossa Constituição Federal de 1988, a mulher poderá exercer o poder familiar com exclusividade se for deferida judicialmente a suspensão do poder familiar paterno, afinal, ambos os pais têm isonomia constitucional em relação aos seus direitos. Assim esclarece Gonçalves (2006, p. 378): "Suspendendo-se o poder familiar em relação a um dos pais, concentra-se o exercício no outro". Se este outro, todavia, não puder exercê-lo, ou tiver falecido, nomeia-se tutor ao menor". Dessa forma, só se não for possível manter o poder familiar com os pais é que ele será confiado àquele que tenha o grau de parentesco mais afim com a finalidade de evitar, na medida do possível, maiores transtornos para a criança.

Sendo o processo de suspensão familiar um processo cível, não se pode afastar os princípios da ampla defesa e do contraditório, entretanto, diante do caso, pode o magistrado deferir a suspensão do exercício familiar quando a sua manutenção colocar em risco a saúde da família. Por isso a causa do pedido de suspensão nem sequer precisa ser permanente, pode ter acontecido uma única vez e dar ensejo a essa ação, como ensina Venosa (2003, p. 220): "Não é preciso que a causa seja permanente. Basta um só acontecimento, que justifique o receio de vir a repetir-se no futuro com risco para a segurança do menor e de seus haveres, para ensejar a suspensão".

Desse modo, é pacífica a compreensão que o poder familiar é um direito dos filhos diante de uma série de deveres legais delegados aos seus pais, para que estes cheguem à vida adulta sadios e aptos para exercer os seus atos da vida civil. Para tanto, o Estado delega esse poder, mas não se exime da competência de coibir qualquer ato de violência dentro da relação familiar, pois é ciente da sua importância para a formação não só da criança, mas da sociedade como um todo. Assim, legítima qualquer parente da criança, bem como o representante do Ministério, para requererem a suspensão do exercício do poder familiar, mediante processo civil, respeitados os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa e do devido processo legal.


3 DEPRESSÃO PÓS-PARTO MASCULINA

Saber o que é a depressão pós-parto masculina e quais as conseqüências que ela pode acarretar para toda a família é imprescindível para a justificação de uma possível intervenção estatal. O objetivo deste capítulo é conceituar a depressão puerperal masculina, bem como as suas conseqüências, com o intuito de fundamentar a intervenção do Estado, inclusive, quando o caso reclamar a suspensão do poder familiar, como meio de tutela não só da criança, mas de toda a estrutura familiar.

3.1 Definição, conceito e sintomatologia

Primeiramente para uma melhor compreensão, deve-se conhecer o que os maiores estudiosos entendem por depressão, em sentido amplo, para tanto, esclarece Pontes (1993, p. 11):

Contrariando o ponto de vista de alguns especialistas que defendem a idéia da depressão como um transtorno da alma e do espírito, um fenômeno a-material, sustentamos de forma categórica que a depressão é fato biológico, no sentido amplo do termo, ou seja, o ‘bio’ só existe em função do ‘sócio’ e do psicológico. Mais claramente, a vida de uma pessoa acontece numa sociedade e essa interação se faz graças ao psicológico.

Assim, a depressão deve ser entendida como uma interação do ser humano com a sociedade em que vive, não se podendo excluir os fatores sociais nem os biológicos, todos esses aspectos interagem para findar com essa patologia. Desse modo, para a devida avaliação clínica, há de se relevar a vida regressa do paciente, não mais somente exames fisiológicos. Por esse motivo, os acontecimentos sociais ganharam uma singular importância, pois o meio em que a pessoa habita, combinado com uma predisposição genética, pode terminar por desencadear uma depressão. Desse modo, aduz Kolb (1986, p. 123) ao abordar os fatores que predispõem e precipitam o distúrbio mental:

Os distúrbios mentais emergem mediante a interação entre uma personalidade predisposta, com base na sua fundamentação estrutural e nas suas evoluções dinâmicas, com as tensões impostas a ela. Nos capítulos iniciais foram descritos tantos os processos fisiológicos conhecidos quanto as forças psicodinâmicas correlatas, responsáveis pelo funcionamento da personalidade madura. Os processos e as forças operam sobre a estrutura anatômica humana através de determinantes genéticos e constitucionais. Cada personalidade individual carrega dentro de si mesma várias resistências e predisposições que reagem às tensões contínuas de sua vida. A tensão pode ocorrer em conseqüência de forças físicas impositivas e, às vezes, esmagadoras. Na maior parte dos casos, as grandes pretensões da vida ocorrem dentro da estrutura do próprio contexto social da pessoa, despertando nela respostas afetivas e suas reações emocionais associadas. A incompetência do funcionamento do ego ou a incapacidade de se adaptar internamente às tensões da vida constitui, comumente, o fator precipitante da instalação súbita ou aguda do distúrbio psiquiátrico. (grifo nosso).

Dessa forma, continua Kolb (1986) ensinando que os distúrbios mentais ocorrem quando um indivíduo se depara com situações sociais que exigem um grau de amadurecimento, que ele, por mau desenvolvimento da personalidade, não consegue lidar. Por isso é que os sinais e sintomas não podem ser explicados somente por uma deficiência da estrutura celular ou de algum processo fisiológico, mas, também, pelas experiências sociais pelas quais ele passou, haja vista que a depressão pode resultar, também, como no caso em voga, de uma imaturidade da personalidade do indivíduo.

Destarte, a receptividade ou rejeição pode ser de fundamental importância para a compreensão da reação de um indivíduo em face de uma situação, a essa afinidade os estudiosos chamam de afetividade, esta última que é de grande relevância para determinar no indivíduo o grau de aceitação ou repulsa diante de um estímulo. Cumpre citar, para melhor compreensão, Kolb (1986, p. 111):

A afetividade penetra e colore toda a vida psíquica, determinando a atitude geral, seja de rejeição ou de aceitação, relacionada com qualquer experiência, promovendo qualquer tendência em harmonia com ela e inibindo qualquer impulso em desacordo. Como foi assinalado em um capítulo anterior, os estados afetivos proporcionam os impulsos motivadores dinâmicos. O termo ânimo designa um estado afetivo suportável de considerável duração.

Assim, Fonseca (1997, p. 349-50) presta um significado à depressão:

O termo depressão pretende significar, num sentido genérico, a inibição ou lentificação de uma ou várias funções psicofisiológicas, como por exemplo a função alimentar ( a anorexia), a função sexual (impotência), a função locomotora e outras actividades psicofísicas.

O mesmo autor, Fonseca (1997, p. 349), define psiquiatricamente a depressão:

No sentido psiquiátrico propriamente dito, a depressão significa a perda ou abaixamento da iniciativa e da capacidade vital, instalando-se no indivíduo um certo grau de desespero, que assenta sobre um sentimento (aparente ou oculto) de culpabilidade e que lhe faz perder o prazer de usufruir a própria vida.

Por esse motivo, é importante verificar em qual ambiente social existe uma maior predisposição para a ocorrência da depressão, para tanto, aduzem Costa e Maltez (2011, p. 560-561):

A percepção do suporte social é, naturalmente, um factor proctetor contra a depressão, bem como a disponibilidade de um confidente. Dados mais controversos dizem respeito ao estatuto social, ao estado civil e à área de residência, (alguns estudos apontam para uma maior prevalência de depressão nas áreas urbanas). É difícil interpretar estes estudos, tantos mais que diferentes variáveis podem interagir e confundir os resultados finais. É, no entanto, possível isolar um conjunto de factores de risco para a depressão:

- sexo feminino;

- mulheres casadas;

- homens vivendo sozinhos;

- idade: 20-40;

- perdas parentais antes da adolescência;

- história familiar de depressão;

- puerpério;

- ausência de um confidente;

- acontecimentos vitais negativos;

- residência em área urbana. (grifo nosso)

Dessarte, o meio social é de fundamental importância para o desenvolvimento da depressão, de um modo geral. Quanto a este aspecto, a doutrina dominante é pacífica. No tocante à depressão pós-parto masculina, sabe-se que ela é agravada pelo fato de o homem mais dificilmente conversar sobre os seus problemas e, conforme citado anteriormente, no caso de depressão, a presença de um confidente para uma conversa pode diminuir a incidência dessa patologia. Desse modo, esclarece com singularidade Jacinto (2008 [01]):

Para a psicóloga Daniela Maria Teixeira Silveira, os números podem ser ainda maiores, se for levado em conta o fato de que os homens tendem a esconder seus problemas, não falar deles ou admiti-los. Além disso, como o foco do nascimento do filho está sempre mais voltado para a mulher, o homem ainda não conseguiu espaço (ou não criou o hábito) para falar de si.

A primeira pesquisa sobre a depressão pós-parto masculina foi realizada na Inglaterra, onde se verificou não só a sua incidência, mas como também restou comprovada por meio da pesquisa, conforme leciona Jacinto (2008 [02]):

Cientificamente, já está comprovado que os homens também padecem do mal. Embora não existam estudos no Brasil, na Inglaterra há, inclusive, estatísticas. De acordo com uma pesquisa inglesa, realizada com 8,4 mil homens, 3,6% dos pais apresentam sintomas da depressão.

A pesquisa foi conduzida pelas universidades de Oxford e Bristol e os especialistas constataram que, oito semanas depois do nascimento do bebê, uma parcela dos pais apresentava características, como ansiedade, irritabilidade e desesperança, configurando um quadro depressivo.

Os sintomas da depressão pós-parto nos homens costumam incluir tristeza, desesperança, falta de ânimo, irritabilidade, crises de falta de ar, dores de cabeça e estômago, desejo de morrer, distúrbios do sono e do apetite, dificuldade de se apegar ao bebê, de criar vínculo.

Alguns estudos sobre depressão pós-parto masculina têm sido desenvolvidos, como o da singular Iaconelli (2011) [03]:

Os sintomas habituais da depressão estão presentes como: desesperança, pessimismo, tristeza profunda, culpa, fadiga, morosidade, dificuldade de concentração, de tomar decisões e de memória, desinteresse pelas atividades do dia-a-dia, para atividades antes prazerosas como o sexo, pensamentos mórbidos ou suicidas, impaciência, irritabilidade, mudanças bruscas de humor, doenças psicossomáticas como: insônia ou hipersonia, distúrbios alimentares, dores de cabeça, distúrbios digestivos e/ou dores crônicas.

Mas além desses, alguns sintomas específicos da DPP masculina podem passar desapercebidos como: trabalhar demais e/ou fazer atividades com a finalidade inconsciente de escapar da vida doméstica (TV ou esporte em excesso, por exemplo), utilizar bebida e/ou automedicação em excesso, ferir-se e/ou sofrer acidentes com frequencia, apresentar atitudes hostis, agressivas, descontroladas e/ou impulsivas como: iniciar um caso extraconjugal ou abandonar a família justamente no pós-parto.

Importante destacar o fato de que a referida pesquisa utilizou uma escala que mede a gravidade do quadro depressivo puerperal, a qual é aplicada na depressão pós-parto feminina e que teve o seu uso validado em homens, assim esclarece Collucci (2008) [04]:

O trabalho que detectou a depressão pós-parto na população masculina e as conseqüências para os filhos é considerado um estudo populacional prospectivo (de corte), que acompanhou as famílias desde a gestação até cinco anos após o parto.

Os sintomas depressivos nos pais após o parto dos filhos foram avaliados pela Escala de Depressão Pós-Parto de Edinburgh (EPDS), que analisa e mede a gravidade do quadro.

Segundo o psiquiatra Joel Rennó Júnior, coordenador do Projeto de Atenção à Saúde Mental da Mulher, do Hospital das Clínicas de São Paulo, embora tenha sido criada para a avaliação da depressão pós-parto nas mulheres, a escala já está validada para quadros de depressão em outros períodos de vida da mulher.

Ele reforça que a mesma escala também pode ser aplicada para homens, como foi o caso do estudo dos pesquisadores britânicos.

Ademais, a pesquisa atentou para excluir determinados fatores que poderiam atrapalhar a sua conclusão, como esclarece, ainda, Collucci (2008) [05]:

Porém, ele afirma que alguns cuidados importantes foram tomados no estudo britânico, como a exclusão das variáveis chamadas ‘confundidoras’. Ou seja, aquelas variáveis que poderiam prejudicar nas conclusões sobre os efeitos diretos de uma depressão pós-natal paterna no desenvolvimento emocional, cognitivo e comportamental da criança (anos de escolaridade, nível social, entre outros).

Ante o exposto, verifica-se que a depressão pós-parto masculina é uma doença que tem sua incidência comprovada. Cativelos (2008) [06] expõe situações rotineiras de um casal que dão ensejo à depressão em pessoas mais suscetíveis de desenvolvê-la:

Mas, quais são os motivos para que o homem possa também ficar deprimido, e sofrer mudanças físicas e hormonais idênticas à de uma grávida, sem outro motivo que não psicológico? ‘Variadas razões podem conduzir à depressão, numa fase em que repentinamente se verificam inúmeras mudanças. Desde o ciúme em relação ao bebê porque o meio familiar passou a ser a três e a relação mãe filho é sempre mais forte inicialmente, passando até pela insegurança relativamente à capacidade e responsabilidade de cuidar daquele bebê. Não podemos esquecer igualmente toda instabilidade provocada pelo facto da mulher não estar, após o parto, muito disponível, do ponto de vista sexual […]. Todas são razões fortes que interferem do ponto de vista emocional e que extremadas por uma psique mais frágil em termos de auto-estima podem de facto levar a uma depressão pós-parto masculina’, explicita.

Assim, consoante o anteriormente explicado, na depressão, há a concorrência de três fatores fundamentais: o "bio", o "psico" e o social. Na depressão pós-parto masculina, o homem pode querer disputar a atenção da mãe com o filho, pode reviver momentos anteriores, e as suas atividades sociais podem terminar comprometidas. A vida social, incluindo nesta a vida familiar, dependendo das experiências pessoais que o genitor tenha tido anteriormente, pode trazer-lhe conflitos internos muito sérios. Para tanto, cumpre lembrar Cordeiro (2002, p. 118): "Na gravidez dá-se uma revivência de conflitos e experiências anteriores, perturbações no equilíbrio que podem ir até vivências de desintegração corporal e/ou psicológica devido ao desequilíbrio ID/EGO/SUPER-EGO (G. Caplan)".

Nesse mesmo entendimento, Collucci (2008) [07]:

No Brasil, a própria depressão pós-parto em homens é pouco conhecida pelos médicos. Não existem pesquisas sobre o tema, embora dez psiquiatras e psicólogos ouvidos pela Folha tenham dito conhecer o fenômeno.

‘É muito freqüente o homem sofrer uma profunda regressão após o parto da mulher e entrar numa rivalidade inconsciente com o filho. Isso pode levá-lo a um estado depressivo’, afirma o psiquiatra Mário Eduardo Pereira, professor da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).

Também acontece de a paternidade levar o homem a reviver a sua própria relação como filho e, se houve conflitos importantes nessa história, eles podem vir à tona após o nascimento do bebê, segundo a psicóloga Maria Cristina Kupfer, professora da USP.

Por isso Cordeiro (2002, p. 121) explica os movimentos identificatórios, quais sejam: a relação da genitora com os seus ascendentes e com o feto. Essas relações vêm a influenciar o modo de percepção como os genitores irão reagir com a sua maternidade ou paternidade, assim:

A compreensão da psicologia da gravidez e da maternidade necessita, em nossa opinião, de uma análise dos movimentos identificatórios que se estabelecem nesse período. Os movimentos identificatórios da mulher, na gravidez, dão-se por um lado com a mãe e, por outro, com o feto: a primeira é uma identificação voltada para o passado, a segunda uma identificação voltada para o futuro.

Destarte, esse tipo de identificação naturalmente também ocorre com o genitor. Essas relações vêm a se estabelecer com a ligação que o pai teve com o seu pai, com a mãe da criança e do próprio genitor com a criança. Importante salientar que, em determinados casos, a intolerância do pai pode tornar sua relação perigosa não só para a mãe, mas também para a criança, como explana Cordeiro (2002, p. 123):

No marido dão-se também, durante a gravidez da mulher, movimentos identificatórios sobretudo em relação à mulher, ao feto e à seu pai. Perturbações na identificação ao pai estão na base de dificuldades em o homem assumir o estatuto de marido e de pai. Na relação com a mulher a identificação pode ser controlável e o marido tolerar bem a regressão da grávida, mas pode dar-se também uma identificação patológica (Síndrome de Couvade) apresentando o marido os mesmos sintomas da mulher (náuseas, vómitos, alterações de apetite, dores abdominais etc.); existe mesmo um ritual de ‘Couvade’ em que o homem simula o processo de parto colocando-se na posição da mulher que B. Bettelheim assemelha aos rituais de passagem do rapaz adolescente no sentido de reivindicar o papel activo do homem não apenas na fecundação mas igualmente durante toda a gestação e parto. Através deste ritual o adolescente assume-se como activo e capaz de aceitar o estatuto do pai. Quando a identificação do marido com a mulher se torna impossível, a intolerância do marido à regressão da grávida põe em risco a sua relação não só com a mulher como também com o feto. (grifo nosso)

Em consonância com esse mesmo entendimento Kolb (1986, p. 138):

A gravidez também pode provocar sintomas psicofisiológicos no pai, através da intensificação da ansiedade. Trethowan verificou que nada menos que 10 por cento dos pais relatam sintomas que, sob muitos aspectos, são similares aos da mãe grávida: náusea, enjôo matinal, perversão do apetite e, às vezes, dilação abdominal. Têm sido designados em relatos históricos de síndrome de couvade: a identificação paterna com o papel de mãe.

Desse modo, Santiago (2008 [08]) adenda os comentários anteriores:

Na depressão pós-parto os sintomas podem incluir um afastamento do bebê, um sintoma de não querer saber dele, um sintoma de incapacidade de tomar conta dele ou de cuidar dele, um pânico exagerado acerca do que possa acontecer ao bebê e outros sintomas tal como alguns dos acima descritos.

Infelizmente as conseqüências não se resumem às mencionadas atenriormente, podendo acrescentar as agressãoes físicas, conforme Portal da Educação (2011) [09]:

Quanto à agressão, 13% dos pais afirmaram ter batido no filho, já dos que estavam deprimidos, 41% também agiam assim. Fatores como o desemprego e abuso de substâncias psicoativas foram analisados na pesquisa como sendo mais comuns entre os pais com depressão. Os dados ainda revelam que os gestores depressivos tinham uma interação com os filhos duas vezes menor, quando isso era medido pela frequência que liam histórias para as crianças.

Da leitura depreende-se que, durante a gravidez, o genitor também estabelece os seus movimentos identificatórios, todavia, nem sempre as experiências passadas são saudáveis para o genitor, assim, se ele tiver tido algum tipo de perturbação na sua relação com o seu pai, essa recordação pode trazer-lhe prejuízos ao ponto de comprometer suas atribuições não só de marido, mas também de pai. Desse modo, as suas responsabilidades, com ambos, também poderão restar comprometidas se o genitor não tolerar bem a regressão materna e ainda coloca em risco a saúde mental e física do menor.

3.2 Repercussão da depressão pós-parto masculina nos filhos menores e na entidade familiar

Inicialmente, é importante frisar que é no ambiente familiar que a criança tem as suas primeiras percepções do mundo, o que vai ajudar a compor sua personalidade futura. Daí a importância de um ambiente familiar sadio, como enuncia Maia (1997, p. 27-28):

O lar, sem dúvida, é uma escola magnífica. Escola primária. Um curso primário bem feito é base sólida para desenvolvimento da cultura humana. Assim, uma infância bem orientada, sobretudo nos cinco primeiros anos de vida, é base para uma conduta certa e harmoniosa do adulto. Surge logo o primeiro e grande problema. Estarão os pais preparados psicologicamente para dar uma boa, correta e justa educação aos filhos? Quantos saberão que, da infância muito depende o modo de ser, de atuar, de julgar, de reagir do adulto?

Ante o exposto, há de se verificar que: a primeira infância, os cincos primeiros anos de vida da criança, período este em que está incluso o período puerperal, são de singular relevância para a formação da personalidade do infante. Maia (1997, p. 37) orienta: "Uma infância má prepara terreno para uma adolescência má. E esta determinará posturas para uma vida adulta, insatisfeita, desajustada, infeliz, não desejada para ninguém".

A doutrina psiquiátrica é vasta ao apontar que, em casos de depressão puerperal, a parturiente, bem como o genitor, tendem a reviver experiências que tiveram em suas infâncias. Vale resgatar o que foi anteriormente mencionado, ou seja, a depressão é uma patologia que envolve fatores biológicos, psicológicos e sociais e, durante a gestação, existe o estabelecimento dos movimentos identificatórios dos genitores não só uns com outros, mas também com os seus respectivos ascendentes e com o feto. Sendo assim, não se pode desprezar as experiências vividas pelos genitores, muito menos, aquela que está sendo desfrutada pelo genito. Em consonância com esse entendimento Bleuler (1985, p. 360):

Evoluções depressivas de longa duração não são nunca conseqüência de uma única desgraça. Surgem com base em predisposições que foram criadas por experiências vitais psicotraumáticas prévias. É também usual que as pessoas deslizem devagar para estados depressivos crônicos, pela pressão constante de experiências de vida desfavoráveis variadas, sem que uma só desgraça sobressaia dramaticamente das situações em geral. Muitas vezes as raízes de tais evoluções depressivas remontam à infância e residem em perturbações da relação triangular pai-mãe-filho. Muitas vezes as evoluções depressivas são preparadas por uma falta de capacidade de contato e amor e uma formação de interesses muito reduzido.

Sabe-se que a depressão pós-parto masculina, assim como a depressão puerperal feminina, acarretam seqüelas aos seus genitos, por esse motivo, é importante identificar essas conseqüências, como ensina Rennó Júnior (2007):

Os distúrbios do desenvolvimento emocional e comportamental foram mensurados nas crianças estudadas, na idade ao redor dos 3,5 anos de idade através de relatos maternos nas escalas pré-escolares revisadas por Rutter.

Os resultados mostraram a associação significativa entre a depressão pós-parto do pai e o aumento dos riscos de problemas comportamentais em crianças de 3,5 anos.

Ademais Saragiotto (2008) [10] menciona outro aspecto abordado na pesquisa das universidades de Oxford e Bristol:

Outra conclusão da pesquisa diz respeito às crianças cujos pais tiveram depressão: elas apresentaram duas vezes mais problemas emocionais e de comportamento na pré-escola que as outras crianças. ‘Um número significativo de homens queixa-se de depressão em seguida ao nascimento de seus filhos, mas até agora o problema paterno e sua influência nos primeiros anos de vida de uma criança tinham recebido pouca atenção’, explica o psiquiatra Paul Ramchandani, da Universidade de Oxford.

Mais uma conseqüência da patologia, citada por Collucci (2008) [11], é a faixa etária em que a criança apresenta mais problemas:

As crianças cujos pais ficaram deprimidos tiveram duas vezes mais problemas emocionais e de comportamento (hiperatividade, irritação, tristeza, falta de atenção etc.) do que aquelas com pais que não sofreram o problema. A faixa etária mais problemática foi entre três e cinco anos.

‘Nós já sabíamos que a depressão pós-parto em mães pode afetar a qualidade dos cuidados que os bebês recebem e está associada a distúrbios no desenvolvimento social, psicológico e físico. Mas é a primeira vez que mostramos que isso também acontece com os pais’, disse à Folha o psiquiatra Paul Ramchandani, da Universidade de Oxford.

Acrescenta Iaconelli (2011) [12] os efeitos da depressão no âmbito familiar:

Na clínica, os efeitos da depressão paterna são notórios por desestabilizar a organização familiar diante da chegada de um bebê acarretando, além de grande sofrimento para o homem, resultados nefastos sobre a prole e a família. Estudo apresentado na revista The Lancet (P. Ramchandani, A. Stein, J. Evans, T. G. O’Connor) aponta para as consequencias deletérias e persistentes que tais quadros tem sobre o comportamento e o desenvolvimento emocional das crianças entre os 3 e 6 anos, principalmente sobre os meninos.

Os problemas desenvolvidos pelas crianças, devido à depressão pós-parto masculina, podem envolver problemas motores e neurológicos, como bem explica Jacinto (2008) [13]:

De acordo com a pesquisa inglesa, feita em parceria pelas universidades de Oxford e Bristol, algumas crianças filhas de pais deprimidos apresentaram irritação, hipertensão e dificuldade de concentração. Também há indícios de que o distúrbio dos pais afeta o desenvolvimento neurológico e motor do bebê, causando dificuldades, por exemplo, para falar ou andar.

Importante frisar o fato de haver uma prevalência maior dessa incidência nas crianças do sexo masculino no que nas do sexo feminino, assim explica Collucci (2008) [14]:

De acordo com o estudo, os problemas emocionais relacionados à depressão paterna foram mais freqüentes nos meninos do que nas meninas. ‘Os pais influenciam no desenvolvimento de seus filhos desde muito cedo. Pode ser que os meninos sejam especialmente mais sensíveis por causa do envolvimento diferente entre pais e filhos’, sugere Ramchandani, da Oxford.

Na depressão pós-parto materna, que afeta de 10% a 15% das mulheres, não há um predomínio de gênero, segundo o psiquiatra Joel Rennó Júnior, do Hospital das Clínicas da USP de São Paulo.

Para ele, o estudo demonstra com clareza a importância da interação pai-filho para o pleno e estruturado desenvolvimento psico-afetivo das crianças. ‘Os médicos e os próprios pais subestimam ou ignoram tais associações’.

Ademais, a referida patologia paterna afeta sobremaneira a relação familiar causando prejuízos a toda sua unidade. Comprometimento este na relação da genitora e do genitor, como também do genitor com o genito, e que findam por atingir o pleno desenvolvimento da criança, como salienta Rennó Júnior (2007) [15]:

Fatores que podem ser relacionados ao prejuízo do desenvolvimento emocional e comportamental da criança incluem: 1) a relação direta do pai com a criança deteriorada pela doença depressiva; 2) conflitos conjugais secundários à doença depressiva do homem, interferindo do equilíbrio da dinâmica familiar; 3) aspectos genéticos, apesar da grande importância, pelo que observamos, na prática, dos fatores ambientais- sempre presentes na eclosão de tais quadros.

Esses efeitos, inclusive, são notórios e causados pelo sofrimento do homem, causando conseqüências degradantes, assim ensina Iaconelli (2011) [16]:

Na clínica, os efeitos da depressão paterna são notórios por desestabilizar a organização familiar diante da chegada de um bebê acarretando, além de grande sofrimento para o homem, resultados nefastos sobre a prole e a família. Estudo apresentado na revista The Lancet (P. Ramchandani, A. Stein, J. Evans, T. G. O’Connor) aponta para as consequencias deletérias e persistentes que tais quadros tem sobre o comportamento e o desenvolvimento emocional das crianças entre os 3 e 6 anos, principalmente sobre os meninos.

Destarte e Rennó Júnior(apud COLLUCCI, 2008) [17]:

Segundo Rennó Júnior, a depressão pode ser relacionada ao vínculo do casal e às interações dos dois com a prole.

‘Um pai doente pode ser tão lesivo à criança quanto a sua mãe, durante os seus primeiros anos de infância’, diz o especialista.

Ele explica que, além da relação pai e filho poder ser deteriorada pela depressão paterna, conflitos conjugais secundários à doença também podem interferir no equilíbrio da dinâmica familiar.

Nesse diapasão, Rennó Júnior (2007) [18] conclui pela importância do tema para a formação da criança, aspecto que tem sido ignorado por muitas classes da sociedade:

Gostaria, por fim, de ressaltar a grande importância de tal estudo no sentido de chamar a atenção de todos, médicos, pacientes e sociedade, para a importância também da interação pai-filho para o pleno e estruturado desenvolvimento psico-afetivo das crianças em idade pré-escolar. Os médicos e os próprios pais subestimam ou ignoram tais associações relevantes.

Dessa forma, é comprovado o fato de existir uma patologia com os sintomas elencados, que gera problemas dentro do âmbito familiar e que traz conseqüências para toda a sua estrutura, principalmente para as crianças que estão em processo de formação de sua personalidade. Quando o assunto é depressão, existe um problema tão grande quanto a doença - a recusa do depressivo em procurar o devido tratamento médico, como afirma Tessari (2008) [19]:

Como depressão não tem nada de ‘frescura’, pois é uma doença séria, deve ser tratada de forma adequada. Em geral, pacientes depressivos são bem resistentes, se recusam a admitir que necessitam de ajuda profissional e, por isso, precisam de uma pessoa forte que a pressione para realizar o tratamento. Além do mais, é importante acompanhar a mulher depressiva em tratamento, e esse papel deve ser desempenhado pelo marido ou pela família - verificando se ela toma a medicação direitinho e se tem comparecido às sessões de psicoterapia. ‘É necessário apoiar a mãe com muita compreensão, amor e afeto. Se for necessário, a família não deve ter receio de procurar um especialista para acompanhá-la’, orienta o Dr. Sergio.

Assim, toda a família tem papel importante na sua preservação e na qualidade de suas relações, devendo resguardar-se e procurar a saúde em seu âmbito.

3.3 Incapacidade relativa no tocante ao exercício do poder familiar advinda pela depressão pós-parto masculina

Ante o exposto, restou comprovada a existência da depressão pós-parto com conseqüências para o genitor, bem como para o genito. Desse modo, para que se verifique a ocorrência dessa doença, é necessária a avaliação de um profissional capacitado, o psicólogo, para uma possível suspensão do poder familiar. Assim, ensina Silva (2003, p. 39) que o trabalho deste profissional, no âmbito jurídico processual, encontra os seus pilares, no Código de Processo Civil (CPC), e acrescenta:

O trabalho pericial realizado pelo psicólogo, assim como por outros profissionais, segue os mesmos princípios, requisitos e etapas processuais definidos pelo C.P.C., já mencionados nos capítulos anteriores. Seu objetivo é destacar e analisar os aspectos psicológicos das pessoas envolvidas, que digam respeito a questões afetivo-comportamentais da dinâmica familiar, ocultas por trás das relações processuais, e que garantam os objetivos e o bem-estar da criança e/ou adolescente, a fim de auxiliar o juiz na tomada de uma decisão que melhor atenda às necessidades dessas pessoas.

Ademais, continua Silva (2003, p. 7) atentando para a importância da relação entre as ciências jurídicas e psicológicas:

Nos últimos tempos, observou-se uma profunda e importante comunicação entre a Psicologia e o Direito. Esse fenômeno deriva de uma necessidade, cada vez crescente, de se redimensionar a compreensão do agir humano, à luz dos aspectos legais e afetivo-comportamentais.

Cabe retornar à influência dos movimentos identificatórios que, segundo Cordeiro (2002, p. 123), estabelecem-se na gestação e que podem findar por incapacitar o genitor de exercer suas funções de pai se ele não tiver passado pelas fases de desenvolvimento da personalidade madura:

No que diz respeito aos movimentos identificatórios do marido ao feto, e para além, da identificação normal controlável, pode dar-se, à semelhança do que acontece com a grávida, uma identificação regressiva e incontrolável; o marido coloca-se numa atitude de dependência ‘fetal’ em rivalidade com o feto na disputa inconsciente ou pré-consciente do afecto da ‘mulher-mãe’ o que põe em risco as suas capacidades de ser pai bem como de manter o papel de marido, tentando transformar a relação conjugal numa relação narcísica, o que geralmente é mal suportado pela mulher.

À semelhança do que se passa na mulher grávida, as capacidades de identificação do marido à mulher, ao feto e à seu pai, isto é, a sua parenthood competence, devem ser avaliadas no quadro global do seu próprio desenvolvimento. Assim, a capacidade de exercer em boas condições a função paterna supõe que tenham processado normalmente as seguintes etapas no desenvolvimento: internalização de bons objectos parentais; resolução dos aspectos positivos e negativos do Édipo; equilíbrio Id/ Eu/ Super Eu e Ideal do Eu; luto dos imagos parentais na adolescência; predomínio da genitalidade sobre a oralidade; predomínio da relação objectal sobre a narcísica, nomeadamente com a mulher e o feto. (grifo nosso)

Corroborando o pensamento de Collucci (2008) [20]: "É muito freqüente o homem sofrer uma profunda regressão após o parto da mulher e entrar numa rivalidade inconsciente com o filho. Isso pode levá-lo a um estado depressivo", afirma o psiquiatra Mário Eduardo Pereira, professor da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).

Assim Kolb (1986, p. 137) afirma sobre a existência de distúrbios mentais no período puerperal, podendo refazê-lo viver momentos delicados de sua existência, além de uma indiferença, inclusive, à existência da criança:

Os distúrbios mentais podem estar associados com a gravidez ou o período pós-parto. Não existem, entretanto, quaisquer distúrbios mentais específicos relacionados com esses períodos. Material psicológico latente ou reprimido pode ser pressionado pela tensão necessária para manter a homeostase fisiológica e, pela situação emocionalmente significativa, mostrar-se demasiado grande para os recursos do ego do paciente, resultando na ocorrência de reações psicopatológicas. O que sua gravidez inconscientemente significa para a mãe é tão significativo quanto o nascimento do seu filho. Sem dúvida, reanima as velhas atitudes dos pacientes em relação a sua própria mãe e pode fazer reviver velhos complexos de agressão ou lesão corporal. Às vezes a paciente exprime ilusões indicadoras de hostilidade contra o marido ou o filho, assim refletindo um conflito que envolve a vida conjugal ou a maternidade. A rejeição da criança pode ser expressa por uma ilusão de que ela está morta, através de maus tratos ou pelo medo de que alguma coisa lhe aconteça. (grifo nosso)

Destarte, Silva (2003, p. 129) entende que o psicólogo deverá analisar o quadro do paciente e o impacto que pode gerar na criança pelas suas atitudes, além de sugerir as medidas que entenda necessárias:

O psicólogo deverá avaliar os motivos e fatores da estrutura de personalidade dos pais que ocasionaram a destituição do poder familiar que detinham, sejam por maus-tratos à criança seja por abuso sexual, negligência de cuidados básicos, sugerindo qual(is) a(s) medida(s) cabível(is) a ser aplicada(s) aos pais. Da mesma forma, deverá observar a convivência da criança no novo ambiente familiar ou no local onde se encontra, a fim de determinar o grau de influência e possíveis seqüelas das relações parentais no desenvolvimento de sua personalidade, bem como sugerir medidas para que ela se desenvolva plenamente.

Pontes (1993, p. 16) denomina a depressão pós-parto agravada, como uma psicose, e aduz: "Retornando ao termo científico, a Psicose Puerperal foi reconhecida como sendo uma doença, apesar de um quadro sintomatológico polimorfo, várias possibilidades etiológicas e terapias diversas".

Para Nunes, Bueno e Nardi (2000, p. 112), a psicose puerperal é caracterizada pelo agravamento da depressão: "È um quadro psicótico que ocorre após o parto e se caracteriza por delírios e depressão grave. Pensamentos de agressão ao recém-nato podem ocorrer. Inicia-se seis semanas após o parto".

Vale destacar a existência das doenças pós-parto no CID, entretanto, a classificação da psicose puerperal pode encaixar-se na CID-10, F-53, segundo Nunes, Bueno e Nardi (2000, p. 113), se atender aos seguintes requisitos: "Deve ser usada apenas para os transtornos no puerpério (iniciando dentro de seis semanas após o parto) e que não satisfaçam os critérios para outros transtornos".

A incapacidade de lidar e administrar os acontecimentos são de tal importância que se torna importante mencionar dois casos clínicos citados por Iaconelli (2011) [21]:

M., 30 anos, pai de gêmeos, vem para consulta com a esposa. Esta se mostra exausta com as incumbências de cuidar de dois bebês, acrescida da ausência do marido (além do trabalho, M. resolveu voltar a estudar desde sua gestação), da excessiva preocupação com a segurança das crianças, que se manifesta nas duras críticas que faz aos cuidados que a esposa lhes oferece. Ao longo da consulta, o que se apresentava como um possível quadro depressivo da esposa, revelou-se impotência diante da depressão não diagnosticada do marido. Este foi capaz de entrar em contato, pela primeira vez, com o pavor de ter tido gêmeos, ele mesmo gêmeo de um irmão falecido no 1º ano de vida. Seu irmão teve uma doença, cujo diagnóstico tardio custou-lhe a vida, mas permitiu que M. sobrevivesse, pois já sabiam o que fazer quando ele apresentou os primeiros sintomas. A identificação de M. com os gêmeos desencadeou o quadro depressivo cujos sintomas incluíam: evitar a família (iniciando a faculdade na época da gestação), hostilidade (nas duras críticas à esposa) e pensamentos mórbidos (pavor de que ocorresse algo com os bebês). A culpa diante de tais sentimentos, que M. não podia reconhecer, impedia que procurasse ajuda. M. recebeu tratamento, enquanto sua esposa, ao compreender a situação que não lhe dizia diretamente respeito, deixou de ser alvo da angústia de M. e pode apoiá-lo.

Não obstante o comprometimento do desenvolvimento sadio do infante, há uma sobrecarga para a mãe que se encontra responsável não só por sua integridade física e mental, bem como a da criança; entretanto encontra-se restrita à concorrência do exercício do poder familiar com o pai desta última.

Pode ainda ser analisado um outro caso, citado também por Iaconelli (2011) [22]:

F., 35, pai de uma criança de 3 meses, primeiro filho, marca uma consulta de triagem na Clínica Social do Instituto de Psicologia Perinatal. Pelo telefone, fala que a esposa está com depressão puerperal devido a um suposto trauma ocorrido no parto. No dia da triagem, F. pede para entrar junto com a esposa, que carrega o bebê no colo. F. está visivelmente alterado, fala sem parar e impede que a mulher diga qualquer coisa. Descreve o parto como uma cesariana desnecessária e diz que seria capaz de atropelar o obstetra caso o visse na rua. O bebê parece saudável, faz um bom contato visual e permanece calmo. Na há indícios de DPP materna, o que ela demonstra é medo diante do descontrole do marido. O marido, por sua vez, se mostra maníaco e paranóico. Sua angústia se concentra na cena do parto, como cena irreparável. Mal estabelece contato com o bebê, embora fale da sua preocupação com o futuro dele, pois diz que ele (F.) "também teve uma mãe depressiva" (SIC). Foi encaminhado para atendimento na Clínica junto com a esposa, pois o tratamento incluía a possibilidade de serem separados para que a mulher pudesse formular sua própria queixa. No caso, dizia respeito a sua consternação diante do desequilíbrio do marido. Puderam ser atendidos pelo mesmo profissional e, posteriormente, alternaram os atendimentos com o intuito de configurar espaços terapêuticos próprios. A esposa foi alertada no sentido de buscar apoio na família, diante do quadro do marido. Neste caso, fica claro o uso inconsciente que o pai faz da esposa para evitar a eminência da cisão psicótica. O parto foi o evento desencadeador do quadro, na medida que o remetia ao insuportável da cena suposta de seu próprio nascimento.

Não é razoável atribuir a uma pessoa o dever de zelo e cuidado justamente pelo objeto de seu transtorno. Conforme explicitado no caso acima, descrito por uma Psicanalista, Mestre e Doutoranda em Psicologia, o paciente se apresentava maníaco e paranóico e a sua esposa consternada.

Dessa forma, é de fácil percepção que a depressão pós-parto é uma patologia com um quadro de sintomas, mesmo que polimorfo, com motivação também no âmbito de suas experiências sociais. Destarte, não é razoável consentir que uma criança experimente momentos traumáticos que venham a afetar o seu normal desenvolvimento. Essas seqüelas foram comprovadas por uma pesquisa científica de corte, com escala aprovada para o uso em homens, gerando estatísticas e conclusões efetivas. Desse modo, a ciência jurídica, que tem como fonte o fator social, não pode negligenciar essas informações.

A suspensão do poder familiar é uma medida legal que se impõe pelo quadro clínico do paciente e pelos danos que podem ser gerados na criança. O objetivo maior dessa intervenção estatal não é o desfazimento da unidade familiar, mas a sua proteção em sua inteireza, possibilitando o devido tratamento e o resguardo das respectivas.


4 BASE JURÍDICA PARA PROTEÇÃO DO GENITO

Com o intuito de compilar a principal legislação pertinente, para servir de fundamento jurídico da questão em voga, este capítulo destaca os dispositivos legais pertinentes à proteção da criança, objetivando atentar para a devida aplicação dos nossos preceitos legais e a formação de mais esse campo de proteção estatal, que lhe foi delegada constitucionalmente.

4.1 A Constituição Federal de 1988 como instrumento de tutela da entidade familiar e de resguardo dos genitos

Cumpre salientar a importância da família para o Estado, que, por ela é composta e que merece a devida tutela do Estado, haja vista a sua saúde envolver a de toda a sociedade, como bem salienta Gonçalves (2006, p. 1):

Já se disse, com razão, que a família é uma realidade sociológica e constitui a base do Estado. O núcleo fundamental em que repousa toda a organização social. Em qualquer aspecto em que é considerada, aparece a família como uma instituição necessária e sagrada, que vai merecer a mais ampla proteção do Estado.

Desse modo, a Constituição Federal de 1988 não desprezou as transformações sociais que ocorreram em nosso meio social, como no tocante ao Título II, Dos Direitos e Garantias Fundamentais, no Capítulo I, Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, positivou o avanço de uma das maiores transformações sociais, o da isonomia do homem e da mulher em igualdade de direitos e obrigações, bem como garantiu o direito à vida e à segurança, conforme art. 5º:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; [...]. (BRASIL, 1988).

Dessa forma, ao atribuir a ambos os genitores as mesmas prerrogativas, também lhes deu a incumbência, em igualdade de condições, de cuidados pelos seus filhos sob todos os aspectos, extensiva, inclusive ao exercício do poder familiar, como bem explanou Eduardo dos Santos (apud VENOSA, 2004, p. 319),enquanto este dissertava acerca do Direito lusitano, em situação análoga à nossa: "O poder paternal já não é, no nosso direito, um poder e já não é, estrita ou predominantemente, paternal. É uma função, um conjunto de poderes-deveres, exercidos conjuntamente por ambos os progenitores".

No texto da Carta Magna de 1988, no Título VIII, Da Ordem Social, Capítulo VII, referente Da Família, Da Criança, Do Adolescente e Do Idoso, o poder constituinte originário dedicou alguns artigos à proteção familiar e à tutela da criança, tendo em vista a relevância que a célula familiar tem na estrutura estatal, como bem anuncia o art. 226 do referido diploma legal: "A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado". (BRASIL, 1988).

Desse modo, devido à sua importância, o Estado incumbe o papel dessa proteção não somente a ele próprio, mas também à sociedade e à própria família, como uma forma maior de proteção da nossa infância e, ainda, inclui nesses deveres os direitos à vida, à convivência familiar, dentre outros, como explica o art. 227, da Constituição Federal de 1988:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (grifo nosso). (BRASIL, 1988).

Destarte, se o legislador positiva o direito da criança à convivência familiar, ao respeito, à saúde, além de buscar protegê-lo de toda forma de negligência e violência, é necessário, como meio de pesos e contrapesos que é o Direito, criar instrumentos para cessar ou inibir qualquer ato, omissivo ou comissivo. Nesse sentido, conforme art. 226, § 8º, da Carta Magna de 1988: "O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações". Com o fim precípuo de resguardar a boa convivência familiar e a saúde destas relações, para que os seus genitores possam exercer algumas de suas atribuições constitucionais, como preceitua a primeira parte do art. 229: "Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade". (BRASIL, 1988).

Como não poderia ser diferente, a nossa Carta Magna trouxe profundas modificações no seio familiar, desde a autonomia feminina, justificável pelo posicionamento que ela conquistou dentro da sociedade, até a isonomia entre estas e os pais de seus filhos no que tange à condução da educação de sua prole, como ensina Magalhães (2000, p. 312):

Já vimos em diversas oportunidades que a Constituição, em poucos artigos, determinou profundas alterações no Direito de Família. O art. 226, § 5º, estabeleceu a absoluta igualdade de direitos e deveres do homem e da mulher, referentes à sociedade conjugal. Como corolário dessa igualdade, não mais prevalece a decisão do pai em caso de divergência quanto ao exercício do pátrio poder, e somente a decisão judicial solucionará o impasse.

Desse modo, ao contrário do que enunciava o art. 380, da Lei nº 4.121, de 1962, não mais prevalece a vontade do genitor, mas ambas as decisões paternas têm o mesmo peso, servindo como meio de solucionar o impasse a decisão judicial, visando aos interesses do menor. (BRASIL, 2008c).

4.2 Código civil como legislação pertinente à suspensão do poder familiar em caráter suplementar

Ante tudo o que foi exposto, é importante dizer que para se conceituar e definir o poder familiar, a sua suspensão e como deve ser o seu exercício, deve-se mencionar, primeiramente, o princípio norteador, que se encontra no Decreto-lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 (LICC), em seu art. 5º, que diz: "Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum". (BRASIL, 2008a). Deve-se usar esse princípio nas medidas adotadas pelo magistrado, pois, no caso em voga, este tem uma ampla margem discricionária para adotar as providências que entender cabíveis para a proteção do menor e as causas de suspensão elencadas no Código Civil e no Estatuto da Criança e do Adolescente, que não são exaustivas, mas meramente exemplificativas, como relata Gonçalves (2006, p. 377):

A suspensão, deixada ao arbitrium boni viri do juiz, poderá assim ser revogada a critério dele. As causas de suspensão vêm mencionadas um tanto genericamente no art. 1.637 do Código Civil justamente para que o juiz munido de certa dose de arbítrio, que não pode ser usado a seu capricho, porém sob a inspiração do melhor interesse da criança. Desse modo, em vez de suspender o exercício do poder familiar, pode o magistrado, dependendo das circunstâncias, limitar-se a estabelecer condições particulares às quais o pai ou à mãe devem atender.

Assim, inicialmente, cumpre destacar que o poder familiar compete a ambos os pais, em condições de igualdade e enquanto os filhos forem menores. Conforme preceitua o nosso Código Civil: "Art. 1.630. Os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores". Desse modo, os genitos devem obediência aos pais, enquanto menores, e têm os pais o dever de, segundo ainda o referido diploma legal:

Art. 1634. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores:

I- dirigir-lhes a criação e educação;

II- tê-los em sua companhia e guarda;

III- conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;

IV- nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar;

V- representá-los, até os dezesseis anos, nos atos da vida civil, assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes suprindo-lhes o consentimento;

VI- reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;

VII- exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição. (BRASIL, 2008b).

Ao contrário da patria potestas, o poder familiar, atualmente, é concebido como um direito do filho perante a obrigação dos pais de zelar pelos seus interesses, nestes incluídos sua integridade física, mental e moral. Afinal, nessa fase da vida, tem-se uma criança absolutamente incapaz de exercer qualquer ato da vida civil devido à sua tenra idade, como explana Rui Ribeiro de Magalhães (2000, p. 303):

Ao entrar em vigor, o Código Civil Brasileiro imprimiu ao instituto do pátrio poder uma feição diferente daquela dada pelo Direito Romano e assimilado pelo Direito Português. Ele passou a ter uma característica tutelar, exercendo-se em benefício do filho que, em razão da menoridade, necessita ter os seus passos guiados e orientados, e não mais em proveito do pai, como era nas legislações citadas.

Assim, nesse lapso temporal da depressão pós-parto, tem-se, também, essa situação agravada pela patologia do genitor, motivo que justifica a intervenção da atividade estatal, na proteção do menor, pela ausência gerada pelo seu pai e pelo transtorno psicológico. Hoje, com uma característica mais benéfica quando for reclamada a suspensão do poder familiar paterno: a possibilidade do exercício exclusivamente pela genitora, medida que beneficia o menor. Assim impõe o art. 1.631 do Código Civil: "Durante o casamento e a união estável, compete o poder familiar aos pais; na falta ou impedimento de um deles o outro o exercerá com exclusividade". Restando ao direito subjetivo recorrer ao Judiciário quando houver divergência, arremata o parágrafo único do referido dispositivo legal: "Divergindo os pais quanto ao exercício do poder familiar, é assegurado a qualquer deles recorrer ao juiz para a solução do desacordo". (BRASIL, 2008b).

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), em caso semelhante, reafirmou a decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, mantendo a suspensão do poder do seu genitor, pela recusa deste de se submeter ao tratamento psiquiátrico e as conseqüências negativas que acarretavam para o menor, suspendendo, inclusive, o direito de visitas do pai ao seu filho nesse período, conforme trecho do Acórdão (Recurso Especial nº 776.977 – RS (2005/0142155-8):

Em sua decisão, a ministra Nancy Andrighi, relatora do processo, sustentou que ao menor, hoje com nove anos de idade, pela perspectiva de proteção integral conferida pelo ECA, assiste o direito à convivência familiar, incluindo a presença do pai, desde que tal convívio não provoque na criança perturbações de ordem emocional, que foram comprovadas nas instâncias anteriores, após as visitas paternas. A ministra destacou, ainda, que, para minimizar tal efeito nocivo, sempre pensando no bem-estar da criança, impõe-se apenas uma condição para que as visitas do pai sejam restabelecidas: ele se submeter ao tratamento psiquiátrico conforme determinado pelo TJ/RS. (BRASIL, 2008e).

Não é de difícil compreensão que o intuito dessa medida não é o afastamento do genitor do ambiente familiar ou de seu convívio com o infante, mas um convívio saudável, de forma a beneficiar toda a unidade familiar sem a geração de traumas ou consequências. Entratanto, havendo incidência de qualquer dessas hipóteses, o Código Civil legitima uma possível intervenção, nos moldes do seu art. 1.637:

Se o pai ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Público, adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha. (BRASIL, 2008d).

Nesse sentido, Silva (2003, p. 124):

Embora os pais tenham determinação para decidir o modo de assistir, criar e educar os filhos, é preciso observar as regras sociais, cabendo à Justiça dirimir eventuais conflitos e divergências de interesses referentes à família. O novo Código Civil também estabelece dispositivos referentes ao exercício do poder familiar, nos arts. que vão desde o de nº 1.630 até o de nº 1.634.

Desta forma, o referido diploma legal positivou o direito do infante de ter suspenso o poder familiar de seus pais quando lhe trouxer algum tipo de malefício, tanto pessoalmente quanto patrimonialmente. Ante tudo o que foi exposto, a nossa legislação constitucional e infraconstitucional não só legitima essa proteção do infante como estabelece as situações em que o Poder Público deverá intervir, os seus princípios e o procedimento a ser adotado para uma possível suspensão do poder familiar.

4.3 Estatuto da Criança e do Adolescente protegendo, reafirmando e estabelecendo diretrizes para a tutela do menor, em caso de incapacidade do genitor masculino e/ ou inconveniência para o genito

Com o advento da Constituição Federal de 1988, em que se traçava um norte para o assunto da infância e da juventude, foi editado o Estatuto da Criança e do Adolescente, que, segundo Alves (2005, p. 07):

A CF de 1988, ainda que anterior à Convenção sobre os Direitos da Criança, utilizou como fonte o projeto da normativa internacional e sintetizou aqueles preceitos que mais tarde seriam adotados pelas Nações Unidas. Uma vez imposto um novo rumo pela Constituição, editou-se a Lei de n. 8.069, de 13 de julho de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que também deveria concentrar a tarefa de manter perfeita identidade com a Convenção da ONU. (grifo original)

Dada a relevância do tema e a movimentação social que aconteceu em todo o mundo, o poder constitucional originário de 1988, pela primeira vez, reconheceu a criança como sujeito de direitos e a declinou uma especial proteção, consoante art. 1º do Estatuto da Criança e do Adolescente: "Esta Lei dispõe sobre a proteção integral da criança e ao adolescente". Na realidade, trata-se de uma conquista social que tem por objetivo proteger o infante em suas relações com a sua família, regulamentando, ainda, o procedimento para a suspensão do poder familiar – procedimento que não constava no Código Civil de 1916. Assim esclarece Magalhães (2000, p. 313):

A Lei nº 8.069, de 31 de dezembro de 1990, denominada de Estatuto da Criança e do Adolescente, inspirada na nova roupagem que a Constituição deu ao tema, regulamentou os direitos e deveres que envolvem as relações da família e do Estado para com a criança e o adolescente. Especificamente em relação ao pátrio poder, ela não inovou, mantendo as mesmas disposições do Código Civil quanto ao direito material, porém regulamentou o procedimento da suspensão e perda do pátrio poder, a partir do art. 155.

Acrescentou ainda uma série de direitos que têm que ser resguardados pela família do genitor, conforme art. 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente:

É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. (BRASIL, 2008d).

Esse dever de zelo pelas crianças foi uma inovação trazida por aquele diploma legal, bem como pela nossa Constituição Federal de 1988, pois reconheceu a criança como sujeito de direitos, mas incapaz de exercê-los pela sua menoridade. Assim leciona Zimmermann (2006, p. 720):

Em princípio, a compreensão da extrema necessidade dos direitos do menor é um fato altamente válido e necessário. Afinal de contas, houve época em que a criança era uma espécie de pequeno homem, assumindo responsabilidades incompatíveis com a sua tenra idade. A juventude vivia uma espécie de servidão à maturidade, preparando-se o jovem exclusivamente para ser velho. E, assim, os jovens não tinham como aproveitar devidamente este momento curto da existência humana, porque não tinha tempo para ‘viver a vida’.

Entretanto, cumpre ressaltar que, na atualidade, os infantes têm os mesmos direitos fundamentais relativos à pessoa humana, sendo-lhe acrescentada a proteção integral, conforme dispõe o art. 3º.

A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. (BRASIL, 2008d).

Essa proteção mais ampliada e diferenciada é devido ao processo de formação de sua personalidade, assim estabelece o art.15 do Estatuto da Criança e do Adolescente: "A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civil, humanos e sociais garantido na Constituição e nas leis". Enfatizando essa proteção, o art. 70, do mesmo diploma: "É dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente". Ademais, acrescenta e esclarece, em seu dispositivo 18: "É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor".

Logicamente, nesses direitos, está incluso o direito ao respeito, que se apresenta como a proteção da criança em um sentido mais amplo, conforme preceitua o art. 17 do Estatuto da Criança e do Adolescente: "O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e o adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais".

Cumpre destacar que é um direito previsto no mesmo diploma legal, em seu art. 16, inciso V, o direito a conviver no ambiente familiar: "Art. 16 O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos: [...] V- participar da vida familiar e comunitária, sem discriminação".

Conforme retro mencionado, o poder familiar é um instituto jurídico que tem ambos os pais legitimados, isonomicamente, para o seu exercício, nos termos em que dispuser a Lei, assim aduz o art. 21 do mencionado Estatuto: "O pátrio poder será exercido, em igualdade e condições, pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência".

Pereira (1999, p. 240) aduz: "Como desdobramento do princípio da isonomia estabelecido no art. 226, § 5º da Constituição, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069 de 1990) estabelece no art. 21 que ‘o pátrio poder será exercido igualmente pelo pai e pela mãe’".

Entretanto, existem hipóteses em que a suspensão poderá ser decretada, conforme enuncia o art. 24: "A perda e a suspensão do pátrio poder serão decretadas judicialmente, em procedimento contraditório, nos casos previstos na legislação civil, bem como na hipótese de descumprimento injustificado dos deveres e obrigações a que alude o Art. 22".

As referidas hipóteses do art. 22 consistem em: "Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse deste, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais".

Assim, a suspensão para ser decretada judicialmente tem que respeitar os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório:

Art. 24. A perda e a suspensão do pátrio poder serão decretadas judicialmente, em procedimento contraditório, nos casos previstos na legislação civil, bem como na hipótese de descumprimento injustificado dos deveres e obrigações a que alude o Art. 22. (BRASIL, 2008d).

Ademais, diante do que foi exposto, não é de difícil compreensão que essa intervenção no exercício possa ocorrer, quando o caso em voga reclamar a proteção do infante, segundo esclarece Magalhães (2000, p. 308): "O pátrio poder, tal como foi concebido pela nossa legislação, admite essa intervenção, que se dará sempre na proteção dos interesses do filho menor".

Destarte, uma possível intervenção do Poder Público, nessa relação familiar, não é, sobremaneira, para afastá-lo de seus membros, mas, sim, com o intuito de salvaguardar principalmente o genito de problemas em seu desenvolvimento. Atitude esta que encontra respaldo na Constituição Federal vigente e encontra dispositivos que a garantem no Código Civil e no Estatuto da Criança e do Adolescente.


5 AÇÃO CIVIL COLETIVA

Definir os direitos individuais homogêneos, esclarecer a legitimidade do Ministério Público e a sua aplicação para a defesa daqueles direitos com o fito de fundamentar sua aplicação para uma solução jurisdicional mais ampla, célere e justa. Observados, naturalmente, os princípios da legalidade, do contraditório e do devido processo legal.

5.1 Os direitos Individuais homogêneos particularmente considerados

O Direito como ciência social que é tem que acompanhar as necessidades da sociedade em que está inserido. Assim, a atividade legislativa não se exaure no momento da elaboração das leis, mas tem que se adequar às mutações constantes a que está exposto e para prestar a tutela jurisdicional devida e efetiva tem que atender aos reclames da sociedade.

Dentro deste contexto foram desenvolvidos os chamados direitos individuais homogêneos, conforme esclarece o Código de Defesa do Consumidor (CDC):

Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;

III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum. (BRASIL, 2010).

Neste diapasão, Didier Júnior (2010, p. 76) explica:

O legislador foi além da definição de direitos difusos e coletivos stricto sensu e criou uma nova categoria de direitos coletivos (coletivamente tratados), que denominou direitos individuais homogêneos (art. 81, par. Ún., III, do CDC). A gênese dessa proteção/garantia coletiva tem origem nas class actions for damages, ações de reparação de danos à coletividade do direito norte-americano.

Assim, os direitos individuais homogêneos são uma categoria distinta dos direitos difusos, pois estes têm a característica de serem indetermináveis e, também, se distinguem dos transindividuais, pois estes são de natureza indivisível, ou seja, de modo contrário àqueles. Deste modo leciona o singular Teori Albino Zavascki:

Direito coletivo é direito transindividual (=sem titular determinado) e indivisível. Pode ser difuso ou coletivo stricto sensu. Já os direitos individuais homogêneos são, na verdade, simplesmente direitos subjetivos individuais. A qualificação de homogêneos não desvirtua essa sua natureza, mas simplesmente os relaciona a outros direitos individuais assemelhados, permitido a defesa coletiva de todos eles. `Coletivo’, na expressão `direito coletivo’ é qualificativo de ‘direito’ e por certo nada tem a ver com os meios de tutela. Já quando se fala em `defesa coletiva’ o que se está qualificando é o modo de tutelar o direito, o instrumento de sua defesa (Teori Albino Zavascki, Defesa de direitos coletivos e defesa coletiva de direitos cit., Revista de processo, n. 78, p. 33).

Deste modo resta esclarecido que a homogeneidade decorre não da coletividade, mas da similitude entre os referidos direitos. Por decorrerem de direitos semelhantes, é preocupação da doutrina a otimização da prestação jurisdicional, conforme salienta Marinoni (2010, p. 300):

Os direitos individuais homogêneos, contrariamente ao que ocorre com as duas outras espécies de direito já examinadas, são em verdade direitos individuais, perfeitamente atribuíveis a sujeitos específicos. Mas, por se tratar de direitos individuais idênticos (de massa), admitem - e mesmo recomendam, para evitar decisões conflitantes, com otimização da prestação jurisdicional do Estado – proteção coletiva, através de uma única ação. Assim, deve ser porque tais direitos são uniformes (nascem de um mesmo fato-gênese ou de fatos iguais), permitindo, então, solução unívoca.

Importante destacar o aspecto da identidade do fato-gênese, pois embora se busque a tutela coletiva, não se pode olvidar que a violação ou ameaça à lesão de direito é perfeitamente apreciável, assim ensina Marinoni (2010, p. 300):

Estes direitos individuais homogêneos, portanto, não são transindividuais, mas nitidamente individuais. Também não são indivisíveis, permitindo perfeita identificação da porção correspondente a cada um dos interessados. Poderia, assim, cada um dos lesados buscar a reparação de seu efetivo prejuízo. Porém, por inúmeras circunstâncias – dentre as quais sobressai, muitas vezes, a exigüidade do dano experimentado pelos sujeitos individualmente, ainda que a soma total seja relevante – é mais apropriado a proteção coletiva.

Para finalizar essa relevância, Didier Júnior (2010, p. 77) aponta:

Ou seja, o que têm em comum esses direitos é a procedência, a gênese na conduta comissiva ou omissiva da parte contrária, questões de direito ou de fato que lhes conferem características de homogeneidade, revelando, nesse sentir, prevalência das questões comuns e superioridade na tutela coletiva.

Embora se saiba que se trate de uma criação jurídica, a sua importância reside justamente na possibilidade de uma efetiva prestação jurisdicional, possibilitando a celeridade processual e o devido processo legal. Neste sentido, explicita Didier Júnior (2010, p. 76):

A importância prática desta categoria é cristalina. Sem sua criação pelo direito positivo nacional não existiria possibilidade de tutela coletiva de direitos individuais com natural dimensão coletiva em razão de sua homogeneidade, decorrente da manifestação/padronização das relações jurídicas e das lesões daí decorrentes. A ‘ficção jurídica" atende a um imperativo do direito, realizar com efetividade a Justiça frente aos reclames da vida contemporânea. Assim, "tal categoria de direitos representa uma ficção criada pelo direito positivo brasileiro com a finalidade única e exclusiva de possibilitar a proteção coletiva(molecular) de direitos individuais com dimensão coletiva(em massa). Sem essa expressa previsão legal, a possibilidade de defesa coletiva de direitos individuais estaria vedada."( GIDI, Antonio. Coisa Julgada e litispendência em ações coletivas, p. 20.) são Paulo: Saraiva, 2005.

Assim, embora se trate de uma coletivização, não se pode esquecer que para o requerimento desta medida faz-se necessária a adoção de uma situação abrangente- embora possa posteriormente ser individualizado. Neste sentido Didier Júnior (2010, p. 77) aduz:

Nessa perspectiva, o pedido nas ações coletivas será sempre uma "tese geral" que beneficie, sem distinção, os substituídos. As peculiaridades dos direitos individuais, se existirem, deverão ser atendidas em liquidação de sentença a ser procedida individualmente.

Destarte, importante individualizar a circunstância que se pretende levar a juízo, para a sua apreciação, para que se possibilite o conhecimento devido da tese-geral que pode, embora tratada de uma forma coletiva, na fase de liquidação de sentença exaurir as peculiaridade de cada caso.

Situação perfeitamente aplicada ao caso da depressão pós-parto masculina, pois pelo que foi amplamente exposto anteriormente, o que vulnera nesta patologia são direito fundamentais, em especial, dos impúberes, tais como o direito à vida, à saúde (incluído neste a mental), à dignidade da pessoa humana e ao convívio social.

5.2 A legitimidade do Ministério Público na Ação Coletiva

Conforme o explicitado, a família ganhou especial atenção do Estado, não só por reconhecer nela a sua menor unidade constitutiva, mas também por envolver direitos fundamentais indisponíveis. Ademais atribuiu aos pais o munus público, não podendo mais ser interpretado como um simples direito dos genitores, o poder familiar e, na sua ausência, cabe o Ministério Público o dever de zelar por referidos direitos.

Neste diapasão, não podemos esquecer que, inclusive, no micro sistema das ações coletivas o Parquet é legitimado extraordinário para a defesa dos direitos individuais homogêneos, conforme o Código de Defesa do Consumidor:

Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;

III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.

Art. 82. Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente:

I - o Ministério Público; [...]

Logo, a sua legitimidade é concorrente e extraordinária e o instrumento processual hábil não é a Ação Civil Pública (ACP), conforme Theodoro Júnior (2010, p. 515):

A legitimação extraordinária concedida às pessoas do art. 82 do Código de Consumidor, em se tratando de tutela dos direitos individuais homogêneos, não é ampla, sendo, tão-somente, "restrita à ação coletiva de responsabilidade por danos individualmente sofridos por consumidores" [23]. Isto, porém, não se faz por meio da ação civil pública, como já se firmou.

Reconhecendo e deferindo o tratamento devido a esta instituição essencial à função jurisdicional, o poder originário de 1988 positivou em seu art. 127: "O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis."

Consoante este entendimento, vale lembrar o dispositivo do Código Civil:

Art. 1.637. Se o pai, ou a mãe abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Público, adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha. (grifo nosso)

Referidos direitos são tão importantes que encontram respaldo na Declaração Universal dos Direitos Humanos, tais como:

A Assembléia  Geral proclama 

A presente Declaração Universal dos Diretos Humanos como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se esforce, através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universais e efetivos, tanto entre os povos dos próprios Estados-Membros, quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição.   

Artigo I

Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão  e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade.   

Artigo III

Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.

Artigo  VII

Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.   

Artigo XXII

Toda pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e à realização, pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade.

Artigo XXV

1. Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle.   
2. A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozarão da mesma proteção social.

Artigo XVIII

Toda pessoa tem direito a uma ordem social e internacional em que os direitos e  liberdades estabelecidos na presente Declaração possam ser plenamente realizados.

Artigo XXIV

1. Toda pessoa tem deveres para com a comunidade, em que o livre e pleno desenvolvimento de sua personalidade é possível.   

2. No exercício de seus direitos e liberdades, toda pessoa estará sujeita apenas às limitações determinadas pela lei, exclusivamente com o fim de assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer às justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática. 

3. Esses direitos e liberdades não podem, em hipótese alguma, ser exercidos contrariamente aos propósitos e princípios das Nações Unidas. (BRASIL, 2011).

Assim, por serem direitos individuais homogêneos que transcedem o ordenamento jurídico pátrio, dada a sua importância e encontra respaldo, inclusive, na Daclaração Universal de Direitos Humanos, a mencionada instituição encontra-se devidamente respaldada para requerer ao magistrado a adoção da medida que lhe pareça pertinente para a segurança do menor, e não exclui a possibilidade do pedido de suspensão do poder familiar.

5.3 A adequação entre a prestação da tutela jurisdicional e a tutela de direito material

O acesso à justiça é aparentemente simples, porém envolve fatores complexos e aplicação que requer um maior cuidado, por se tratar não só do acesso ao Poder Judiciário, mas a devida prestação da tutela jurisdicional com todos os meios a ela inerentes.

É cediço que o processo é um meio de realização do direito material, quando sofre lesão ou ameaça a direito, mas para a realização da justiça é necessário que seja assegurado não só o direito de ação bem como o direito de ter do Estado as providências necessárias para o atendimento de suas necessidades, bem como para a promoção do sentimento de pacificação social - que é um dos objetivos do Direito.

Sob este prisma, explanar aspectos do acesso à justiça vislumbrando a adequação da tutela jurisdicional à tutela do direito material, haja vista, embora ramos distintos da ciência Jurídica, não se pode olvidar que se inter-relacionam num sentido de dependência – embora sejam diferentes.

O Estado ao avocar a competência de dizer o direito, com o fim de promover a paz social por meio da realização da justiça, e a limitação, permitida somente em algumas hipóteses legais, da autotutela restringiu o poder judicante às suas normas legais. Para tanto, utilizou-se de meios pré-definidos para garantir a segurança jurídica de seus jurisdicionados e lançou mão de recursos para ilidir o abuso de autoridade e ampliar o acesso ao Judiciário, em princípios elevados a nível constitucional, tais como: princípio da legalidade, do devido processo legal, da inafastabilidade da jurisdição, da adequação e da fungibilidade, dentre outros. Assim esclarece Marinoni (2010):

O art. 5o, XXXV, da Constituição Federal, afirma que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito". Entende-se que essa norma garante a todos o direito a uma prestação jurisdicional efetiva.

A sua importância, dentro da estrutura do Estado Democrático de Direito, é de fácil assimilação. É sabido que o Estado, após proibir a autotutela, assumiu o monopólio da jurisdição. Como contrapartida dessa proibição, conferiu aos particulares o direito de ação, até bem pouco tempo compreendido como direito à solução do mérito.

A concepção de direito de ação como direito a sentença de mérito não poderia ter vida muito longa, uma vez que o julgamento do mérito somente tem importância – como deveria ser óbvio – se o direito material envolvido no litígio for realizado - além de reconhecido pelo Estado-Juiz. Nesse sentido, o direito à sentença deve ser visto como direito ao provimento e aos meios executivos capazes de dar efetividade ao direito substancial, o que significa direito à efetividade em sentido estrito.

Deste modo, deve-se inicialmente esclarecer o que a doutrina mais arrazoada entende por acesso à justiça para delimitar este aspecto de modo mais preciso. Assim, para Cintra, Grinover e Dinamarco (2009, p. 33):

Acesso à justiça não se identifica, pois, com a mera admissão ao processo, ou possibilidade de ingresso em juízo. Como se verá no texto, para que haja o efetivo acesso à justiça é indispensável que o maior número possível de pessoas seja admitido a demandar e a defender-se adequadamente (inclusive em processo criminal), sendo também condenáveis as restrições quanto a determinadas causas (pequeno valor, interesses difusos); mas para a integralidade do acesso à justiça, é preciso isso e muito mais.

A ordem jurídico-positiva (Constituição e leis ordinárias) e o lavor dos processualistas modernos têm posto em destaque uma série de princípios e garantias que, somados e interpretados harmoniosamente, constituem o traçado do caminho que conduz as partes à ordem jurídica justa. O acesso à justiça é, pois, a idéia central a que converge toda a oferta constitucional e legal desses princípios e garantias. Assim, (a) oferece-se a mais ampla admissão de pessoas e causas ao processo (universalidade da jurisdição), depois (b) garante-se a todas elas (no cível e no criminal) a observância das regras que consubstanciam o devido processo legal, para que (c) possam participar intensamente da formação do convencimento do juiz que irá julgar a causa (princípio do contraditório), podendo exigir dele a (d) efetividade de uma participação em diálogo -, tudo com vistas a preparar uma solução que seja justa, seja capaz de eliminar todo resíduo de insatisfação. Eis a dinâmica dos princípios e garantias do processo, na sua interação teleológica apontada para a pacificação com justiça.

Pode-se inferir, que a doutrina moderna a concebe não só como o direito de ação, mas como esse direito amplamente concebido, o devido processo legal, o princípio do contraditório e efetividade de uma participação em diálogo. Nesta esteira, Dinarmarco esclarece, citando Kazuo Watanabe (2009, p, 35), que:

Acesso à justiça é acesso à ordem jurídica justa (ainda, Kazuo Watanabe), ou seja, obtenção de justiça substancial. Não obtém justiça substancial quem não consegue sequer o exame de suas pretensões pelo Poder Judiciário e também quem recebe soluções atrasadas para suas pretensões, ou soluções que não lhe melhorem efetivamente a vida em relação ao bem pretendido. Todas as garantias integrantes da tutela constitucional do processo convergem a essa promessa-síntese que é a garantia do acesso à justiça assim compreendido.

Destarte, fica claro que é necessário mais do que simplesmente ter direito ao ingresso com a ação, mas faz-se necessário a adoção de medida processual adequada às necessidades do requerente, por isso, que a tutela jurisdicional adequada é para Melo (2009):

A tutela jurisdicional adequada seria assim aquele que o Estado despende ao jurisdicionado, cumprindo adequadamente os objetivos pleiteados. É a entrega ao cidadão do provimento jurisdicional mais adequada a situação posta em conflito, com o intuito de resolver completamente a lide.

A idéia de tutela jurisdicional adequada parte da máxima chioveniana de que o processo, através do Estado, deve dar tudo aquilo e exatamente que se pleiteia.

Com isso, não basta que haja apenas tutela jurisdicional, ou seja, não é suficiente que o Estado por meio da jurisdição estabeleça uma solução. É imprescindível que esta solução seja, de fato, adequada aos reclamos daquele que dela necessita.

O objetivo da chamada tutela jurisdicional adequada, diante desses argumentos, é o de fornecer aquela prestação jurisdicional que solucionará a lide no plano do direito material. Em outras palavras, dando essa conotação à tutela, o Estado pretende não só fornecer um caminho para solução, mas efetivamente solucionar o problema a ele colocado.

Isto porque as normas processuais são instrumento para resguardar o direito material, e sua validade no plano prático, deve ser vislumbrado de acordo com a capacidade de atingimento de seu objetivo, como esclarece Souza (2009):

Como é sabido, todo o direito processual nada mais é do que um instrumental posto a serviço da realização do direito material, de modo que nada vale termos normas de natureza material extremamente avançadas, como são, por exemplo, no Brasil, de um modo geral, as normas previstas na Constituição Federal em matéria de proteção a direitos, ou a legislação ambiental em vigor ou, ainda, o Código de Defesa do Consumidor ou o Estatuto da Criança e do Adolescente. Todas estas normas jurídicas têm conteúdo extremamente avançado, buscando realmente a transformação da sociedade brasileira em uma sociedade mais justa e solidária. Entretanto, de nada adianta a existência dessas normas se não existirem mecanismos aptos a atuarem em caso de sua violação. É aí que entra o acesso à justiça, pois precisamos de um instrumento que nos garanta que, em caso de violação ou simples ameaça de violação a nossos direitos, temos aonde nos socorrer, podemos exigir o cumprimento forçado da norma violada ou a atuação da sanção pelo descumprimento.

Consoante este entendimento, Machado (2009) afirma:

Quanto aos escopos do processo, o problema do escopo jurídico parece-nos merecer especial atenção. Ao passo que toda a doutrina processual tende atualmente a ressaltar o caráter instrumental do processo, considerando fundamental que dedique-se a tutelar adequadamente os direitos de quem mereça tutela, parcela considerável dos processualistas insiste em recusar que a tutela dos direitos possa figurar dentre os escopos do processo. Referimo-nos particularmente à postura adotada por Dinamarco, que em sua obra fundamental dedicou-se a negar a possibilidade de incluir a tutela dos direitos no rol dos escopos do processo. Até porque o processo teria, segundo o eminente processualista, apenas um escopo jurídico, consistente em atuar a vontade do direito. Essa postura, entretanto, contrasta com as cada vez mais acentuadas tendências a aproximar o direito processual do direito material e a submeter todo o processo, bem como a teoria processual, a uma revisão orientada pelo ideal da efetividade.

Deste modo vislumbramos de forma clara e lógica que o acesso à justiça implica não só no direito de requerer a prestação jurisdicional, mas uma ação positiva do ponto de vista de resolução do conflito, e um entrelaçamento com as normas de direito processual que têm que ser eficaz para a proteção contra lesão ou ameaça a direito material. Assim, mais uma vez devemos recorrer a mais conceituada doutrina sobre o que vem a ser ação de direito material, citando Machado (2009):

O conceito de ação de direito material tende a ser resgatado, pois pensar o processo a partir do direito material exige o encontro de um ponto de contato entre os dois planos. No âmbito da dogmática pode enfrentar dificuldades a idéia de que o processo realiza ou tutela direitos, mas isto se deve a uma defasagem conceitual. Em realidade, o processo (deve) realiza(r) ações de direito material, que por sua vez podem não corresponder a direitos subjetivos (26). Assim, a pretensão à adequada tutela jurisdicional é pretensão não simplesmente a uma sentença, mas a uma sentença que em caso de procedência realize a ação de direito material.

Corroborando este pensamento, Didier Júnior (2010, p. 40):

O princípio da inafastabilidade garante uma tutela adequada à realidade de direito material, ou seja, garante o procedimento, a espécie de cognição, a natureza do provimento e os meios executórios adequados às peculiaridades da situação de direito material. Do princípio da inafastabilidade, é possível retirar-se o princípio da adequação da tutela jurisdicional. Também é possível retirá-lo do direito fundamental a um processo devido: processo devido é processo adequado. Lembre-se que o devido processo legal é uma cláusula geral, de onde se podem retirar outros princípios, tal como o da adequação. Há quem entenda, ainda, que o princípio da adequação decorre do princípio da efetividade, também esse corolário do devido processo legal.

E a referida interferência é de tamanha importância que há corrente doutrinária que defende que o órgão jurisdicional pode proceder à essa adequação, por se tratar de direito fundamental, mesmo sem anterior previsão legislativa. Didier Júnior. (2010, p. 41) esclarece:

Há, porém, quem defenda a possibilidade de órgão jurisdicional proceder à adequação judicial mesmo sem anterior previsão legislativa. Se a adequação do procedimento é um direito fundamental, cabe ao órgão jurisdicional efetivá-lo, quando diante de uma regra procedimental inadequada às peculiaridades do caso concreto, que impede a efetivação de um direito fundamental(à defesa prévia, à prova, à efetividade etc.). É como afirma Humberto Ávila, referindo-se ao devido processo legal , do qual é preciso lembrar, se extrai o princípio da adequação: " No plano da eficácia direta, os princípios exercem uma função integrativa, na medida que justificam agregar elementos não previstos em subprincípios ou regras. Mesmo que um elemento inerente ao fim que deve ser buscado não esteja previsto, ainda assim o princípio irá garanti-lo. Por exemplo, se não há regra expressa que oportunize a defesa ou abertura de prazo para manifestação da parte no processo- mas elas são necessárias-, elas deverão ser garantidas com base direto no princípio do devido processo legal.

Destarte, acessar a justiça compreende não só o que foi posto legalmente, mas transcede o formalismo exarcebado para alcançar o fim objetivado, que é a promoção da paz social e a justiça.

Vislumbrar o acesso a justiça é mais do que recorrer ao que está posto positivamente. Para efetivá-la é necessário uma compreensão do Direito como um todo, para que se possa alcançar o fim desejado, com a satisfação da prestação jurídica adequada e a efetivação do serviço estatal com eficiência, observando sempre o direito material.

Quando o requerente recorre ao Poder judicante quer mais do que simplesmente ingressar com ação, quer participar de todo o processo, de forma ampla, podendo defender os seus direitos e influenciar no convencimento do magistrado, quer quando tiver a tutela que seja adequada ao pedido que foi formulada e quer, ainda que o pedido não seja deferido em sua totalidade, saber que lhe foi oportunizada a chance. Por sua vez, o Estado tem que ter o procedimento previamente estabelecido, e quando isso não existe, deve, ainda assim, resguardar o direito do jurisdicionado.

A atividade legislativa fixa os limites judicantes, mas isso não impede que ele na prática adeque o processo às suas reais necessidades, pois caso contrário a sentença não seria apta a resguardar o que foi pedido. Afinal, o objetivo é sempre buscar a tutela do direito material, por meio das normas adjetivas, ou seja, processuais.

5.4 Aplicação da Ação Coletiva para a defesa dos direitos individuais homogêneos

Observando a tendência processual, que inclui os processos coletivos e a observância da prestação jurisdicional coletiva, a exposição de motivos do Anteprojeto do Código de Processo Coletivo Brasileiro (BRASIL, 2008b) dispõe:

Os processos coletivos passaram a servir de instrumento principalmente para os denominados novos direitos, como o do meio ambiente e dos consumidores, desdobrando-se, ainda, em estatutos legislativos específicos, como a Lei n. 7.853, dispondo sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência; a Lei n. 7.913, para proteção dos investidores em valores mobiliários; a Lei n. 8.069, para a defesa das crianças e dos adolescentes; a Lei n. 8.429, contra a improbidade administrativa; a Lei n. 8.884, contra as infrações da ordem econômica e da economia popular e a Lei n. 10.741, dispondo sobre o Estatuto do Idoso, prevendo expressamente a defesa coletiva dos respectivos interesses e direitos. (grifo nosso)

Embora sejam novos direitos, não podemos dizer que são direitos novos, posto que na Declaração Universal dos Direitos Humanos, na parte preambular temos que:

Preâmbulo

Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo, [...]

Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta, sua fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos dos homens e das mulheres, e que decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla, Considerando que os Estados-Membros se comprometeram a desenvolver, em cooperação com as Nações Unidas, o respeito universal aos direitos humanos e liberdades fundamentais e a observância desses direitos e liberdades,   Considerando que uma compreensão comum desses direitos e liberdades é da mais alta importância para o pleno cumprimento desse compromisso,

Tudo isso porque, naturalmente, os direitos fundamentais antecedem quaisquer outros direitos, afinal direito à vida, à saúde, à dignidade, são direitos referentes à própria formação do indivíduo. Após o seu desenvolvimento os demais se desenvolvem consequentemente. Logo, o que mudou não foram os direitos, mas a forma como eles são tratados, ou seja, coletivamente.

Assim, o instrumento processual hábil para a defesa dos referidos direitos não é a Ação Civil Pública, conforme ensina Theodoro Júnior (2010, p. 298):

Os direitos individuais homogêneos, embora não sejam, por razões óbvias, definidos como transindividuais, também podem ser tutelados por meio da ação coletiva, inclusive com a possibilidade da utilização de medida específica, delineada a partir do art. 91 do CDC. Esteprocedimento determinado - que pode ser empregado sem prejuízo de qualquer outro- se justifica porque a lesão a interesses de massa possuem especificidades que impõem a adaptação de procedimento às suas necessidades. É nesse sentido que o art. 81 do CDC afirma, em seu parágrafo único, inciso III, que "a defesa coletiva será exercida quando se tratar de interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum" (grifo nosso).

Esta tendência encontra-se positivada no at.1º do Anteprojeto do Código de Processo Coletivo Brasileiro:

Art. 1º. Da tutela jurisdicional coletiva Para a defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos são admissíveis, além das previstas neste Código, todas as espécies de ações e provimentos capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela.

Art. 2º. Objeto da tutela coletiva A ação coletiva será exercida para a tutela de:

I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

II – interesses ou direitos coletivos, assim entendidos os transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular um grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;

III – interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os direitos subjetivos decorrentes de origem comum.

Esta visão que despreza o individualismo da prestação judicial é uma tendência que há de ser observada pela sua eficácia. Tem que ser acrescido o fato da sentença ter eficácia erga omnes, conforme dispõe o Código de Defesa do Consumidor:

Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa julgada:

I - erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento valendo-se de nova prova, na hipótese do inciso I do parágrafo único do art. 81;

II – ultra partes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo improcedência por insuficiência de provas, nos termos do inciso anterior, quando se tratar da hipótese prevista no inciso II do parágrafo único do art. 81;

III - erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81. (grifo nosso)

Auxilia no entendimento da extensão dos efeitos desta sentença Araújo Filho (2000, p. 116):

Não por outra razão se determinou no CDC, art. 103, III, que a sentença terá eficácia erga omnes. Ou seja, como anotou a doutrina os titulares dos direitos individuais serão "abstrata e genericamente beneficiados.

Tal ingerência se justifica pela relevância do direito material em epígrafe. Objetivar uma tutela jurisdicional não só justa, mas apta a coibir a lesão e/ou ameaça a direito existente é o fim do direito se o entendermos como uno e indivisível. Não podemos relevar a segundo plano o fato do sistema de freios e contrapesos que é o Direito: assim o direito ao convívio familiar, a saúde em sua plenitude, ao exercício do poder familiar, bem como da proteção do Estado tem que ser harmoniosa e razoável. Entretanto tem que ser realizado de um modo eficaz ao ponto de não permitir o perecimento do objeto da ação, pela ausência da celeridade processual, e nem tão discrepantes suas sentenças ao ponto de gerar o inconformismo no âmbito social.

Assim, se todas as ações derivam de um fato comum, eles podem comensurados, os direitos individuais homogêneos restam caracterizados e o nosso ordenamento jurídico positivou um micro-sistema que permite a individualização na fase de liquidação. Se foram discriminados os legitimados, o objeto da ação e o procedimento a ser adotando- observando princípios constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e o contraditório. Nada mais lógico do que aplicar a opção processual que o nosso ordenamento jurídico dispõe. Afinal, o que se busca é a adequação da tutela de direito processual à tutela do direito material tão amplamente discutida.


6 CONCLUSÃO

O poder familiar, instituto jurídico de importância incomensurável, é definido na atualidade como um direito dos infantes, que são sujeitos de direito com o advento da Constituição Federal de 1988, em contraposição à obrigação dos genitores, que têm o dever legal de zelar pela sua integridade física e moral até que atinjam a maioridade ou que sejam emancipados na forma da Lei. Assim, são os pais que vão conduzir a sua educação, zelar pela sua saúde, respeito, e protegê-los de toda e qualquer forma de agressão.

Essa conceituação é resultado da evolução da própria família, que teve o conceito da antiga patria potestas transformado no poder familiar atual. Transformação esta necessária para acompanhar as modificações sociais e melhor estabelecer o exercício devido deste instituto jurídico de importância tão salutar.

Atribuir o exercício isonomicamente a ambos os pais é uma conquista dos infantes, pois, na incapacidade de um, o outro o exerce em igualdade de condições sem que o genito sinta maiores impactos e as decisões a serem tomadas possam ser mais bem discutidas.

Desse modo, as modificações na sociedade e a descoberta de novas patologias nos genitores, pela importância que resta ao poder familiar, devem ser observadas na medida em que podem afetar os impúberes. Assim, não é diferente com a depressão pós-parto masculina, doença essa que teve comprovação científica, que distancia o genitor do lar conjugal, dificulta a criança de um vínculo do pai com o bebê, expõe a criança a maiores agressões físicas pelo pai e que pode gerar distúrbios comportamentais, neurológicos e até motores. É de salutar importância citar que as referidas assertivas não se tratam de meras suposições, mas de pesquisa científica com estatísticas, inclusive.

O presente trabalho monográfico objetiva a proteção da criança quando o seu genitor se encontrar em depressão pós-parto masculina, como meio de salvaguardá-la, pois, conforme a pesquisa realizada pelas universidades de Bristol e Oxford, é verificável a duplicidade de incidência de distúrbios comportamentais em crianças filhos de pais com depressão pós-parto masculina. Essas crianças apresentam um déficit de atenção e sociabilidade, estando a referida proteção presente na nossa Constituição Federal, ao dispor que é um dever do Estado, inclusive por meio do Ministério Público, proteger a criança de toda forma de agressão, com dispositivo no Código Civil que se o pai ou a mãe abusar do poder familiar poderá ter ele suspenso ou extinto, e no nosso Estatuto da Criança e do Adolescente ao se referir ao direito ao respeito, reafirmando o direito à integridade psíquica e moral.

Destarte, o presente trabalho vem reclamar a devida atenção do assunto pela importância do tema, cumprindo ressaltar a decisão do Superior Tribunal de Justiça, que manteve a decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul de suspender o exercício do poder familiar paterno, bem como o direito de visita, enquanto o genitor não se submetesse a tratamento médico. Expondo e apontando o cabimento da Ação Coletiva como instrumento processual apto a prestar a devida tutela processual cabível, com todos os meios a ela inerentes.

Almeja-se, dessa forma, por meio da sanidade mental do genitor, restabelecer a ordem dentro do âmbito familiar para que o convívio ocorra da melhor forma possível e o genito possa desenvolver-se sem ser acometido por nenhum transtorno, pois, consoante o exposto, ainda que tenra a sua idade, verifica-se que já foram estabelecidos os movimentos identificatórios entre o genito e o seu pai. Experiência esta que o infante desfrutará para toda a sua vida e que posteriormente poderá também reproduzir na sua futura paternidade ou maternidade. Trata-se de evitar a repetição continuada e atos gerados por experiências tão traumáticas a ponto de afetar o desenvolvimento da personalidade de um sujeito em desenvolvimento.

Destarte, no caso em voga, o Ministério Público tem o dever Constitucional de intervir na relação familiar e tutelar o infante quando restar provado que o seu genitor está acometido pela presente doença, pois, conforme psiquiatras citados, a patologia pode incapacitar o genitor não só de exercer as suas atribuições de marido, como também de pai. Nos casos clínicos apresentados, ficou claro o desequilíbrio causado no ambiente familiar e toda a proteção jurídica positivado e que o Estado se omite de acionar.

Desse modo, a legislação impõe a intervenção estatal dispondo até o procedimento a ser adotado. Com a possibilidade da suspensão do poder familiar do pai, pelo tempo necessário para o seu restabelecimento, e o deferimento de uma maior autonomia à genitora para resguardar o seu filho, tomar as medidas que entender necessárias, sem a preocupação de ter que se submeter as situações vexatórias como por exemplo seqüestro de incapaz.

O objetivo é aplicar a Ação Coletiva, como refere-se à defesa dos direitos individuais homogêneos, com todo o procedimento estabelecido, por ser do mais lídimo direito a prestação de uma tutela jurisdicional justa, eficaz e a tempo hábil – permitindo a individualização e apreciação de cada caso que será analisado.


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  23. Teori Albino Zavascki, op. Cit.,p. 156.

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BARROS, Kathleen Persivo Fontenelle. Ação coletiva para a defesa dos direitos individuais homogêneos dos filhos de pai depressivo pós-parto . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3091, 18 dez. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20622. Acesso em: 19 abr. 2024.