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Natureza jurídica da redução certificada de emissão ou "crédito de carbono"

Natureza jurídica da redução certificada de emissão ou "crédito de carbono"

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Estuda-se a natureza jurídica da Redução Certificada de Carbono (RCE), popularmente chamada de “crédito de carbono”, avaliando a necessidade de regulamentação deste Mecanismo de Desenvolvimento Limpo – MDL, criado pelo Protocolo de Quioto para disseminação de tecnologias limpas.

RESUMO: Este artigo apresenta a caracterização da natureza jurídica da Redução Certificada de Carbono – RCE, popularmente chamada de "crédito de carbono". Seu objetivo foi demonstrar a necessidade de (maior) regulamentação deste Mecanismo de Desenvolvimento Limpo – MDL, criado pelo Protocolo de Quioto para disseminação de tecnologias limpas não só entre os países desenvolvidos, mas por todas as nações, tendo em vista a unidade do meio ambiente afetado pelo aquecimento global. Diversos doutrinadores e organizações que estudam o tema foram considerados, para então se chegar na classificação que se considerou a ideal, na atual conjuntura jurídica do tema no Brasil. Como conclusão, apresentou como possível considerar a RCE um bem móvel intangível ou incorpóreo, negociável através do contrato de cessão de direitos.

Palavras-chave: Protocolo de Quioto. Mecanismo de Desenvolvimento Limpo. Redução Certificada de Emissão. Crédito de carbono. Natureza jurídica.

ABSTRACT: This article presents the characteristics of the legal nature of Certified Carbon Reduction - CER, popularly called "carbon credits". His goal was to demonstrate the need for regulation of the Clean Development Mechanism - CDM, established under the Kyoto Protocol for the dissemination of clean technologies not only among developed countries, but for all nations, in order to drive the environment affected by warming. Several scholars and organizations who study the issue were considered, then reach for the classification it was considered ideal in the current situation of the legal issue in Brazil. In conclusion, presented as possible to considering the CERs movable asset or intangible, negotiable in the contract of assignment of rights.

Keywords: Kyoto Protocol. Clean Development Mechanism. Certified Emission Reduction. Carbon credits. Legal nature.


1 INTRODUÇÃO

Grandes transformações ocorridas no clima do Planeta nos últimos cem anos são causadas em boa parte pelo fenômeno conhecido como aquecimento global. Emissões de gases poluentes – os gases de efeito estufa, ou greenhouse gas (GHG) –, ficam concentrados na atmosfera, não permitindo que a radiação solar refletida volte para o espaço [01].

Como exemplos vivenciados no Brasil desse fenômeno atmosférico, podem ser citadas as secas na região amazônica e as enchentes e vendavais no sul e sudeste do país. Mas as previsões dão conta de que não param por aí os problemas a nível mundial, com o aumento da temperatura global [02], degelo da calota polar e elevação do nível do mar [03].

Assim, tanto os países desenvolvidos quanto os em desenvolvimento vêm sofrendo cada vez mais os efeitos da poluição do ar. E é obrigação de todos fazer algo nesse instante para preservação da vida às presentes e futuras gerações, ditames esses previstos no art. 225 da Constituição Federal de 1988.

No plano internacional, a Organização das Nações Unidas (ONU), através da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima (CQNUMC), ocorrida em 1992, objetivou a união de forças para minimizar as interferências do homem no clima.

Dentre as reuniões anuais ocorridas entre os países a partir de então, uma das mais importantes foi a 3ª Conferência das Partes (COP-3), em 12.1997, onde foi assinado o Protocolo de Quioto, que trouxe aos países desenvolvidos, partes do Anexo I da Convenção-Quadro, metas de redução de emissões de gases do efeito estufa (GHGs). Assim, sem a ratificação do acordo pelos EUA, e com a ratificação da Rússia, apenas em 2005 passou a vigorar o tratado. Essas metas de redução, em relação ao ano de 1990, deverão ser comprovadas pelas partes em 2012, para evitar multas e sanções.

Aos países em desenvolvimento, não-partes do Anexo I da Convenção, não existe compromisso de redução das emissões, mas estes podem auxiliar os países desenvolvidos a atingi-las. A modalidade que contempla essa atuação a países como o Brasil, China e Índia é o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), modalidade esta, aliás, proposta pelo Brasil à comunidade internacional. Desta forma, países desenvolvidos podem adquirir (comprar) créditos de reduções de emissões de GHG, obtidos através de projetos de MDL em países que não estão obrigados, pelo Protocolo de Quioto, a reduzir suas emissões de CO2 em relação a 1990.

Esses créditos foram batizados de Reduções Certificadas de Emissão (RCEs), mais conhecidos como créditos de carbono. Quantitativamente, cada tCO2e (tonelada de dióxido de carbono equivalente) que o projeto reduz ou deixa de emitir na atmosfera equivale a 1 crédito de carbono a ser certificado (RCE) e comercializado (TAKEDA, 2009).

Existe grande indefinição ainda acerca da natureza jurídica da RCE, sendo que diversos doutrinadores e também instituições públicas e privadas têm apresentado suas colaborações ao debate, a fim de identificar a correta classificação, para o Direito, do crédito de carbono.


2 AQUECIMENTO GLOBAL E OS GASES DE EFEITO ESTUFA

A partir da Revolução Industrial, iniciada na Inglaterra em meados do século XVIII e expandida pelo mundo no século XIX, a pressão do homem, suas indústrias e cidades sobre o meio ambiente tornou-se um fator de preocupação para a continuidade da vida no Planeta.

A preocupação em voga fora sempre o bem-estar material, sem pensar no equilíbrio ambiental. Contudo, nas últimas décadas do séc. XX passou-se a perceber a relação direta existente entre as catástrofes naturais cada vez mais constantes e a poluição ambiental.

Um dos fatores que despertou esse novo pensamento foi a constatação do degelo em ritmo acelerado nas calotas polares e, mais perceptível ainda a todos, o aquecimento global.

Relatório do Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC) – Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática, criado pela ONU para buscar consenso internacional sobre o assunto –, de 2007, demonstra que a temperatura média do Planeta Terra vem subindo 0,4 a 0,8 ºC ao ano, desde 1960. A década de 1990 foi indicada como a mais quente e 1998, o ano. Conclui ainda o IPCC que a temperatura média deverá subir 1,5 a 4,5 ºC se as emissões de CO2 dobrarem. Já o nível dos oceanos tende a subir 0,4 a 0,7 metros até 2100, com aumento dos eventos climáticos extremos. [04]

Porém, recente relatório apresentado pelo escritório britânico de meteorologia, o Met Office, confirma que a primeira década do século 21 foi até agora a mais quente desde 1850. A década do ano 2000 superou em 0,40 ºC a média de 1961-1990, de 14ºC. As informações foram divulgadas em Copenhague, em 08.12.2009, no segundo dia da COP-15, reunião da ONU que procura buscar um acordo de redução de gases estufa para o período posterior ao do Protocolo de Quioto, que expira em 2012. [05]

O efeito estufa faz com que o planeta fique aquecido o suficiente para que a vida continue. Contudo, a concentração demasiada de gases nocivos na atmosfera impede o excesso da radiação infravermelha retorne para o espaço, ocasionando o aquecimento global.

O aquecimento global pode ser conceituado como um aumento significativo da temperatura média da Terra em período relativamente curto, em razão da atividade humana. [06]

A Organização das Nações Unidas (ONU) reuniu em 9 de maio de 1992, na sua sede em Nova York, EUA, representantes e autoridades que tiveram a incumbência de preparar a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima (CQNUMC). Tal documento foi disposto para assinaturas durante a ECO-92, realizada na cidade do Rio de Janeiro, em junho do mesmo ano, e que visa, conforme se extrai dos seus art. 2º e 4º:

- Alcançar estabilização das concentrações de gases de efeito estufa, ou greenhouse gas (GHGs), na atmosfera;

- Formar sumidouros – florestamento e reflorestamento;

- A elaboração medidas para mitigar as emissões;

- Primar pelo desenvolvimento sustentável das nações;

- A cooperação e fixação de obrigações diferenciadas para países desenvolvidos (Partes do Anexo I da Convenção-Quadro) e aqueles em desenvolvimento.

Ratificaram este tratado internacional, até 03.12.2009, cento e oitenta e oito países e uma região econômica (Comunidade Econômica Européia) [07].

Sucessivos encontros anuais sobre este tema ocorreram. A Conferência das Partes (COP) – órgão supremo da Convenção-Quadro – reuniu-se, assim, em Berlim, Alemanha, em 1995; Genebra, Suíça, em 1996, até se chegar à mais importante com relação ao controle das emissões de GHGs, em 1997, na cidade Quioto, Japão.

Na COP-1, em Berlim, foi discutida a adequação da redução de emissões até o ano de 2000, para o patamar de emissão do ano de 1990. Iniciou-se um acordo, assim, entre as diversas autoridades internacionais envolvidas, até se chegar com o seu esboço em 1997, no encontro de Quioto.

A 3ª Conferência das Partes (COP-3) teve como resultado principal a elaboração do Protocolo de Quioto, que será tratado no tópico a seguir.


3. O PROTOCOLO DE QUIOTO

A COP-3 teve papel essencial na elaboração de políticas internacionais relacionadas ao controle do aquecimento global.

O Protocolo de Quioto, tratado internacional que contém vinte e oito artigos e dois anexos, concluído em 11.12.1997, chegou, enfim, à meta de emissão, conforme o § 1º do seu artigo 3:

1. As Partes incluídas no Anexo I devem, individual ou conjuntamente, assegurar que suas emissões antrópicas agregadas, expressas em dióxido de carbono equivalente, dos gases de efeito estufa listados no Anexo A não excedam suas quantidades atribuídas, calculadas em conformidade com seus compromissos quantificados de limitação e redução de emissões descritos no Anexo B e de acordo com as disposições deste Artigo, com vistas a reduzir suas emissões totais desses gases em pelo menos 5 por cento abaixo dos níveis de 1990 no período de compromisso de 2008 a 2012.

Esse parágrafo informa, basicamente, que os países industrializados constantes do Anexo I da Convenção-Quadro que ratificarem o protocolo devem reduzir suas emissões combinadas de gases de efeito estufa (GHGs) em pelo menos 5% em relação aos níveis de 1990, comprovando-os no primeiro período de compromisso, que vai de 2008 a 2012.

O protocolo apresenta no Anexo A os gases que contribuem para o efeito estufa e que, conjuntamente, formam o CO2e – dióxido de carbono equivalente.

3.1 Países partes do Protocolo

Aberto para assinatura em março de 1998, o documento somente pôde entrar em vigor noventa dias após a ratificação por no mínimo cinquenta e cinco Partes da Convenção-Quadro, incluídos países industrializados que juntos somassem 55% das emissões totais de CO2e em 1990.

Os EUA, maiores emissores de GHG, não ratificaram o protocolo. Então, somente, em 16 de fevereiro de 2005, com a ratificação da Federação Russa (segunda maior emissora de GHGs) ocorrida no final de 2004, é que o Protocolo de Quioto realmente entrou em vigor no âmbito internacional.

O protocolo conferiu aos países constantes do Anexo I da Convenção-Quadro a obrigação de reduzir suas emissões de GHGs ao patamar mínimo de 5% (cinco por cento) menor que o de 1990.

3.2 Instrumentos de mercado criados para redução dos GHGs

Como se pode perceber, dos cento e oitenta e oito países que ratificaram a Convenção-Quadro, apenas trinta e nove possuem obrigação de reduzir suas emissões – são as chamadas Partes do Anexo I da Convenção-Quadro.

Compreendendo que a mudança climática é um fenômeno global, e que a cooperação de todas as nações é necessária para se atingir o desenvolvimento sustentável, o Protocolo previu que parte das reduções de emissões de gases do efeito estufa podem advir de mecanismos adicionais de implementação, como:

- Implementação Conjunta;

- Mecanismo de Desenvolvimento Limpo;

- Comércio Internacional de Emissões.

No presente artigo interessa diretamente a apresentação do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), onde projetos de redução de GHGs podem ser desenvolvidos em países não-Partes do Anexo I, ou seja, que não são obrigados pelo Protocolo de Quioto a controlar seus níveis de emissões, como é o caso do Brasil, Índia e China, por exemplo.

Tal mecanismo adveio de adaptação de proposta brasileira ao tratado e encontra-se prevista no artigo 12 do Protocolo. Com ele, cada tCO2e – tonelada de dióxido de carbono equivalente – reduzida através de Projeto de MDL em país em desenvolvimento pode ser negociada com aqueles que possuem metas de redução obrigatórias, através das Reduções Certificadas de Emissão – RCEs.

Saliente-se que o MDL é o único instrumento que pode ser utilizado pelos cento e cinquenta países (em desenvolvimento) não-Partes do Anexo I que compõem a Convenção-Quadro – CQNUMC e que ratificaram o Protocolo de Quioto, para contribuir, de forma suplementar, com a redução de emissões de GHGs das Partes do Anexo I (países desenvolvidos) e, ao mesmo tempo, promover o desenvolvimento sustentável.

O órgão que supervisiona o MDL é o seu Conselho Executivo, sob a autoridade e orientação da Conferência das Partes na qualidade de Reunião das Partes (COP/MOP) no Protocolo de Quioto.

Cabe ainda informar que, conforme o § 9º do art. 12 do Protocolo, a participação no MDL pode envolver entidades privadas e/ou públicas, ou seja, pode ser apresentado projeto tanto por organismos públicos quanto privados (pessoas físicas ou jurídicas).

3.3 Novos compromissos de redução de emissão de GHGs

O grupo de trabalho denominado Ad Hoc Working Group on Further Commitments for Annex I Parties under the Kyoto Protocol (AWG-KP), esteve reunido durante a 15ª Conferência das Partes (COP-15), realizada de 7 a 18 de dezembro de 2009 em Copenhague, na Dinamarca, com o objetivo de definir os novos compromissos quantificados para as Partes do Anexo I da CQNUMC, para o período de 2012 em diante, conforme previsto no § 9º do art. 3 do Protocolo de Quioto.

A negociação quanto ao segundo período de compromissos, a vigorar a partir de 2012, não foi concluída pelo grupo ad hoc até a presente data.

Da mesma forma ocorreu com o Acordo de Copenhague [08], que foi assim apresentado, em 18.12.2009, no que tange às emissões de GHGs:

4. Partes do Anexo I comprometem-se a apresentar, individualmente ou em conjunto, a economia quantificada de emissões para 2020, a ser apresentada no formato dado no Apêndice I ao secretariado até 31 de janeiro de 2010, para elaboração de um documento. Partes do Anexo I que são Partes do Protocolo de Quioto poderão, assim, reforçar ainda mais a redução de emissões iniciada pelo Protocolo de Quioto. (...)

5. Não-Partes do Anexo I da Convenção irão implementar ações de mitigação, incluindo as que devem ser apresentadas ao secretariado, no formato apresentado no Apêndice II, até 31 de janeiro de 2010, para a elaboração de um documento, em consonância com o artigo 4.1 º e 4,7 e no contexto do desenvolvimento sustentável. (...)


4 REDUÇÃO CERTIFICADA DE EMISSÃO

Passa-se agora a definir a Redução Certificada de Emissão (RCE), com o objetivo de analisar, mais adiante, sua natureza jurídica – o que significa esse instituto para o Direito – e as atividades negociais dela decorrentes, campo de atuação este nitidamente de direito privado.

O artigo 12 do Protocolo de Quioto é responsável por introduzir as premissas básicas da RCE. Segue, então, citação de seus principais parágrafos:

3. Sob o mecanismo de desenvolvimento limpo:

(a) As Partes não incluídas no Anexo I beneficiar-se-ão de atividades de projetos que resultem em reduções certificadas de emissões; e

(b) As Partes incluídas no Anexo I podem utilizar as reduções certificadas de emissões, resultantes de tais atividades de projetos, para contribuir com o cumprimento de parte de seus compromissos quantificados de limitação e redução de emissões, assumidos no Artigo 3, como determinado pela Conferência das Partes na qualidade de reunião das Partes deste Protocolo.

5. As reduções de emissões resultantes de cada atividade de projeto devem ser certificadas por entidades operacionais a serem designadas pela Conferência das Partes na qualidade de reunião das Partes deste Protocolo, com base em:

(a) Participação voluntária aprovada por cada Parte envolvida;

(b) Benefícios reais, mensuráveis e de longo prazo relacionados com a mitigação da mudança do clima, e

(c) Reduções de emissões que sejam adicionais as que ocorreriam na ausência da atividade certificada de projeto.

9. A participação no mecanismo de desenvolvimento limpo, incluindo nas atividades mencionadas no parágrafo 3(a) acima e na aquisição de reduções certificadas de emissão, pode envolver entidades privadas e/ou públicas e deve sujeitar-se a qualquer orientação que possa ser dada pelo conselho executivo do mecanismo de desenvolvimento limpo.

10. Reduções certificadas de emissões obtidas durante o período do ano 2000 até o início do primeiro período de compromisso podem ser utilizadas para auxiliar no cumprimento das responsabilidades relativas ao primeiro período de compromisso. (grifos nossos)

O protocolo, contudo, não trouxe a definição da RCE. Diversos autores que analisaram o tema procuraram apresentar, sob o seu enfoque, um conceito didático.

Para os advogados Haroldo Machado Filho e Bruno Kerlakian Sabbag, consiste na denominação oficial para o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, correspondendo a uma tonelada métrica de gás carbônico equivalente — CO2e que deixou de ser emitida à atmosfera ou que foi absorvida (MACHADO FILHO; SABBAG, 2009).

O ambientalista Antônio Gilson Gomes Mesquita [09] assenta que:

... o texto do protocolo prevê a criação do primeiro mercado internacional oficial para o comércio de créditos de carbono.

Os créditos de carbono são certificados outorgados às indústrias e às empresas que comprovadamente reduzam a emissão de gases causadores do efeito estufa durante a obtenção de seus produtos.

Maucir Fregonesi Júnior [10] conceitua assim a RCE:

RCE = trata-se de certificado cuja emissão é autorizada pelo Conselho Executivo do MDL (Bonn/Alemanha), correspondente ao volume de redução de emissões líquidas de gases de efeito estufa, gerado pelo projeto de MDL. É o chamado "crédito de carbono".

Uma unidade de RCE = uma tonelada métrica de dióxido de carbono equivalente, calculada de acordo com o Potencial de Aquecimento Global (Global Warming Potential – GWP).

O advogado Rodigo Sales também ateve-se à definição:

Uma "RCE" é um crédito emitido por um sistema eletrônico no âmbito do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo do Protocolo de Quioto (artigo 12 do Protocolo de Quioto, Parte A (1) (c) das Modalidades de MDL, Decisão 17/CP.7).

Cada RCE decorre de uma atividade de projeto e representa a verificação de redução de uma tonelada de gás de efeito estufa a partir de uma linha de base. (SALES, 2007)

Para Dahyana Siman Carvalho da Costa [11], são créditos gerados através de projetos confeccionados nos termos do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo – MDL, e que podem ser adquiridos por empresas, entidades ou países do Anexo I para atingir suas metas de redução de emissões.

De todos os conceitos acima expostos, pode-se extrair que a Redução Certificada de Emissão:

- É conhecida também como "crédito de carbono", denominação comum que nada tem haver com a sua natureza jurídica;

- Origina-se de um Projeto registrado no Conselho Executivo do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, cujo monitoramento atestou a redução nas emissões de GHGs;

- É emitida pelo Conselho Executivo do MDL, situado em Bonn, Alemanha, através de quantificação em sistema eletrônico;

- Equivale a 1 tCO2e –tonelada de dióxido de carbono equivalente – que deixou de ser emitida à atmosfera;

- É comercializável, podendo ser adquirida pelos países do Anexo I como parte dos compromissos específicos para reduzir a emissão de GHGs, conforme definido no Protocolo de Quioto.


5 INTERNALIZAÇÃO JURÍDICA NO BRASIL

5.1 Decretos e resoluções

A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima (CQNUMC), instrumento internacional pioneiro na preocupação com os efeitos do aquecimento global, foi assinado pelo Presidente brasileiro no mesmo ano de sua concepção, em 1992. Tal documento foi referendado no Congresso Nacional via Decreto Legislativo nº 01, de 03.02.1994, tendo sido promulgado pelo Decreto Presidencial nº 2.652, de 01.07.1998.

O Brasil aderiu ao Protocolo de Quioto através da assinatura do documento pelo Presidente da República, em 29.04.1998, tendo sido referendado no Congresso pelo Decreto-Legislativo nº 144/02 e ratificado pelo Governo brasileiro em 23.08.2002. E, finalmente, o Protocolo foi promulgado através do Decreto nº 5.445, de 12.05.2005.

O Decreto (sem número) de 07.07.1999 criou a Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima (CIMGC), dando-lhe a responsabilidade deapreciar pareceres e aprovar projetos que resultem em redução de emissões e que sejam considerados elegíveis para o MDL, como a Autoridade Nacional Designada (AND) competente brasileira, prevista nos Anexos F e G da Decisão nº 17 da 7ª Conferência das Partes (COP-7).

Em 11.09.2003, a Resolução nº 1 da CIMGC [12], com a apresentação dos procedimentos para o MDL, definiu formalmente a Redução Certificada de Emissão (RCE):

(b) Uma "redução certificada de emissão" ou "RCE" é uma unidade emitida em conformidade com o Artigo 12 e os seus requisitos, bem como as disposições pertinentes destas modalidades e procedimentos, e é igual a uma tonelada métrica equivalente de dióxido de carbono, calculada com o uso dos potenciais de aquecimento global, definidos na decisão 2/CP.3 ou conforme revisados subsequentemente de acordo com o Artigo 5;

5.2 Projetos de Lei Federal

Encontram-se em apreciação no Congresso Nacional diversos projetos de lei que tratam do crédito de carbono, a seguir descritos. Desde 2008 existe uma recomendação de comissão do Congresso Nacional para que a RCE seja inteiramente regulamentada, como segue:

Recomendações: Mercado de Carbono

37. Regulamentar o mercado de carbono, notadamente no sentido de estabelecer a natureza jurídica das Reduções Certificadas de Emissões (RCE), definindo o regime tributário aplicável à espécie, tomando o cuidado de não onerar excessiva e desnecessariamente esses títulos.

– Ao Poder Legislativo Federal. (CONGRESSO NACIONAL, 2008).

Discorrendo o elenco dos projetos em trâmite na Câmara, o PL 493/07 define a natureza jurídica do crédito de carbono como um valor mobiliário, negociados na BM&F, sob supervisão da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Possui como apensos os PLs 261/07, 354/07, 494/07 e 594/07.

Dispõe assim o PL 493/07:

Art. 4º - Enquanto título, as RCEs, possuem natureza jurídica de valor mobiliário para efeito de regulação, fiscalização e sanção por parte da Comissão de Valores Mobiliários – CVM, sujeitando-se portanto ao regime da Lei 6.385 de 07 de dezembro de 1976.

Parágrafo Único - Após aprovação pela Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima, a CVM fica responsável pelo registro e validação das entidades operacionais designadas.

Art. 6º - No intuito de facilitar a liquidez dos títulos, a CVM fará impor certa padronização dos contratos e a concentração das transações em mercado de bolsa através da Bolsa de Mercadorias e Futuros – BM&F, situada na Bolsa de Valores do Estado do Rio de Janeiro – BVRJ.

O PL 261/07 também busca disciplinar o tema:

Art. 7º O Mercado Brasileiro de Redução de Emissões – MBRE será operacionalizado em bolsas de mercadorias e futuros, bolsas de valores e entidades de balcão organizado, autorizadas a funcionar pela Comissão de Valores Mobiliários – CVM.

Já o PL 354/07 institui a Política Brasileira de Atenuação do Aquecimento Global, cria o MBRE e autoriza a CVM a regulá-lo. O PL 494/07 institui incentivos fiscais às pessoas físicas e jurídicas que invistam em projetos de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo – MDL que gerem Reduções Certificadas de Emissões – RCEs. O PL 594/07 equipara a Redução Certificada de Emissão (RCE) a valor mobiliário, para os fins que determina a Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976:

Art. 3º A CVM expedirá as normas necessárias ao registro e à negociação de RCE.

Todos os projetos listados acimageraram o Substitutivo aos projetos de lei nºs 493, 494, 594 e 1.657, de 2007, da relatoria do Deputado Antonio Carlos Mendes Thame, com outro substitutivo adotado pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, em 02.04.2008.

Esse novo texto dispõe sobre a Redução Certificada de Emissão (RCE), prevê sua negociação nos mercados de bolsa ou de balcão organizado, estabelece incentivos fiscais às pessoas que invistam em projetos de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) que gerem RCE e autoriza a constituição de Fundos de Investimento em Projetos de MDL. A RCE está assim tratada no projeto:

Art. 1º Esta lei dispõe sobre a Redução Certificada de Emissão (RCE) e prevê sua negociação nos mercados de bolsa ou de balcão organizado.

Art. 2º A RCE constitui uma unidade padrão de redução de emissão de gases de efeito estufa, correspondente a uma tonelada métrica de dióxido de carbono (CO2) equivalente, calculada de acordo com o Potencial de Aquecimento Global, definido na Decisão nº 2 da Conferência das Partes nº 3 (COP-3) ou conforme revisado subsequentemente, de acordo com o art. 5º do Protocolo de Quioto.

Art. 3º A RCE pode ser negociada em bolsas de mercadorias e futuros, bolsas de valores ou entidades de balcão organizado autorizadas a funcionar pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

§ 1º As RCE’s estão sujeitas aos ditames da Lei 6.385 de 1976 quando ofertadas publicamente.

Art. 4º As operações de RCE são isentas de tributação de qualquer natureza.

Paralelamente a estes, existe o PL 2.027/07, que define a titularidade das RCEs provenientes da área de geração de energia elétrica, da seguinte forma:

Art. 1º. Os direitos ou benefícios financeiros provenientes de créditos de carbono certificados por autoridades nacionais certificadoras e dos certificados de redução de emissões, originados por empreendimentos habilitados e contratados no âmbito de programas governamentais de incentivo ao uso de energia elétrica gerada por fontes alternativas, serão apropriados para comercialização exclusivamente pelo empreendedor, desde seu credenciamento e certificação.

5.3 Lei Federal nº 12.187/2009

Existia ainda em andamento o PL 18/07 e seus oito apensos [13], tratando da obrigatoriedade de redução de emissões de GHGs no país.

A Comissão Especial da Câmara dos Deputados destinada a analisar o Projeto de Lei nº 18/07, que instituiria a Política Nacional sobre Mudança do Clima – PNMC, aprovou em 27.10.2009 o seu texto substitutivo, tendo o Senado Federal inserido emendas no Projeto de Lei da Câmara nº 283, de 2009, para inserção de metas voluntárias de redução de GHGs.

O projeto retornou à Câmara em 25.11.2009, onde teve a redação final assinada em 09.12.2009.

Assim, em 29 de dezembro de 2009, o Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva sancionou o texto que viria a gerar a Lei nº 12.187, publicada no Diário Oficial da União em edição extra do dia 30.12.2009.

Traz a Lei nº 12.187/2009 os seguintes dispositivos, que procuram encaminhar a definição da natureza jurídica do "crédito de carbono":

Art. 9º. O Mercado Brasileiro de Redução de Emissões – MBRE será operacionalizado em bolsas de mercadorias e futuros, bolsas de valores e entidades de balcão organizado, autorizadas pela Comissão de Valores Mobiliários – CVM, onde se dará a negociação de títulos mobiliários representativos de emissões de gases de efeito estufa evitadas certificadas.

Art. 12. Para alcançar os objetivos da PNMC, o País adotará, como compromisso nacional voluntário, ações de mitigação das emissões de gases de efeito estufa, com vistas em reduzir entre 36,1% (trinta e seis inteiros e um décimo por cento) e 38,9% (trinta e oito inteiros e nove décimos por cento) suas emissões projetadas até 2020.

Parágrafo único. A projeção das emissões para 2020 assim como o detalhamento das ações para alcançar o objetivo expresso no caput serão dispostos por decreto, tendo por base o segundo Inventário Brasileiro de Emissões e Remoções Antrópicas de Gases de Efeito Estufa não Controlados pelo Protocolo de Montreal, a ser concluído em 2010.

Assim, da ausência total de legislação abordando a Redução Certificada de Emissão, passa-se, de 30.12.2009 em diante, a ter um instrumento legal definindo-a como título mobiliário.


6 DISCUSSÕES ACERCA DA NATUREZA JURÍDICA DA RCE NO BRASIL

6.1 Definição de natureza jurídica

Antes de se adentrar à análise da natureza jurídica do "crédito de carbono", mister trazer à baila a própria essência do que significa esse termo.

Conforme ensina Antônio Álvares da Silva, a natureza jurídica de um instituto é a atividade metodológica pela qual se determinam os seus elementos jurídicos essenciais e gerais, ou seja, aqueles elementos que se subtraem como denominador constante no elenco das normas que o definem no campo do Direito (SILVA, 1986).

Desempenha relevo importantíssimo na teoria do direito, já que classificar o bem jurídico em uma certa categoria lhe acarreta funções e características próprias deste grupo.

Alexandre Freitas Câmara, em sua obra "Lições de Direito Processual Civil", informa que, quando se procura a natureza jurídica de um instituto, o que se pretende é fixar em que categoria jurídica o mesmo se integra, ou seja, de que gênero aquele instituto é espécie (CÂMARA, 2003).

Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho ensinam ainda que:

Indagado a respeito da natureza jurídica de determinada figura, deve o estudioso do direito cuidar de apontar em que categoria se enquadra, ressaltando as teorias explicativas de sua existência. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2002)

Portanto, de modo bem simples, nada mais significa a natureza jurídica de um instituto do que responder à incógnita: "o que significa isto para o direito?".

Assim, parte-se do entendimento de que a natureza jurídica do crédito de carbono deve ser contemplada desde a classificação mais ampla, até chegar à sua identificação individual.

6.1 Classificação básica da RCE

Primeiramente, impende salientar que a RCE é objeto de direito, sendo útil ao homem e possuindo expressão econômica, afinal pode ser negociado por pessoas que desenvolvam projetos de redução de gases maléficos e causadores do efeito estufa, com partes que sejam obrigadas a comprovar essa redução, de acordo com o Protocolo de Quioto.

Estas características permitem classificar o "crédito de carbono" como um bem. Segundo Venosa (2006), bem resumidamente é aquilo que traz utilidade ao homem e que possui valor pecuniário.

Ocorre ainda distinguir os bens corpóreos dos incorpóreos, sendo que os primeiros são dotados de existência física, material, e os segundos imateriais, que só podem ser compreendidos pela inteligência humana. Venosa (2006) afirma também que bem incorpóreo é aquele que não possui existência material, e sim jurídica, verdadeiro direito.

A par destes conceitos, é possível adiantar ainda que a RCE consiste em um registro eletrônico, conforme determina o parágrafo 2 do Apêndice D da Decisão 17/CP.7 da Conferência das Partes relativas ao MDL [14], in verbis:

2. O registro do MDL deve ter a forma de uma base de dados eletrônica padronizada que contenha, entre outras coisas, elementos de dados comuns pertinentes à emissão, titularidade, transferência e aquisição de RCEs.

Este registro confirma a real redução de emissões de GHGs da atmosfera, conferindo o direito ao seu possuidor de negociá-la. Contudo, não possui existência tangível, material, mas comporta estimação pecuniária, podendo ser objeto de negociação entre partes. Assim, enquadra-se a Redução Certificada de Emissões como um bem incorpóreo ou intangível.

A definição entre bem material (corpóreo) ou imaterial (incorpóreo) não foi abarcada no Código Civil, porém é amplamente utilizada pela doutrina civilista, entre eles Sílvio de Salvo Venosa, no conceito acima exposto.

O Código Civil de 2002 adotou a seguinte classificação legal dos bens, em seu Capítulo I, do Livro II:

- art. 79 a 84: bem imóvel ou móvel;

- art. 85: bem fungível ou infungível;

- art. 86: bem consumível ou inconsumível;

- art. 87 e 88: bem divisível ou indivisível;

- art. 89 a 91: bem singular ou coletivo;

- art. 98 a 100: bem público ou particular.

A RCE, como direito que representa um "crédito de carbono" para o seu titular, é bem móvel para efeito legal, nos termos do art. 83, inciso III, do Código Civil, in verbis:

Art. 83. Consideram-se móveis para os efeitos legais:

I - as energias que tenham valor econômico;

II - os direitos reais sobre objetos móveis e as ações correspondentes;

III - os direitos pessoais de caráter patrimonial e respectivas ações. (grifos nossos)

Isso ocorre porque a RCE é um bem imaterial que exprime direitos e tem representação pecuniária, assim como acontece com o fundo de comércio, os direitos autorais, os créditos em geral, ações, entre outros.

A conceituação como bem móvel agrega diversos efeitos práticos à RCE, dentre eles:

- pode ser alienada independentemente de outorga do cônjuge e de forma livre, sem necessidade de escritura pública;

- não está sujeita ao imposto de transmissão (ITBI);

- pode ser objeto de penhor;

- a hasta pública ocorre através de leilão.

É ainda bem fungível, conforme o art. 85 do Codex, pois podem substituir-se por outros da mesma espécie, qualidade e quantidade.

É inconsumível (art. 86), comportando uso reiterado, sem a destruição imediata da sua substância, e indivisível (art. 87), pois seu fracionamento prejudica o uso a que se destina; é a unidade básica de registro eletrônico da redução de GHGs.

Caracteriza-se ainda por ser um bem singular (art. 89), que são aqueles que, mesmo reunidos, se consideram de per si, independentemente dos demais. O registro eletrônico do "crédito de carbono", mesmo quantificando diversas RCEs, se consideradas individualmente, cada uma delas tem valor próprio.

Não custa ainda repetir que, conforme o § 9º do art. 12 do Protocolo, a participação no Mecanismo de Desenvolvimento Limpo pode envolver entidades privadas e/ou públicas, ou seja, podem ser apresentados projetos tanto por organismos públicos quanto privados (pessoas físicas ou jurídicas).

Então, para completar a classificação ofertada pelo Código Civil, considera-se bem particular (art. 98) que pode pertencer tanto a pessoa física quanto jurídica. Contudo, se for obtida por pessoa jurídica de direito público interno, será classificada como bem público.

Assim, tendo como base a classificação doutrinária e a enumeração das classes de bens promovida pelo Código Civil de 2002, a Redução Certificada de Emissões pode ser considerada um bem:

- intangível (imaterial);

- móvel;

- fungível;

- inconsumível;

- indivisível;

- singular; e

- particular ou público.

6.2 Classificações da RCE suscitadas pelos estudiosos do tema

Como demonstrado nos tópicos anteriores, o tema "Natureza Jurídica da RCE", apesar de alguns decretos editados pelo Governo Federal, não possuía a mínima regulação no Brasil, até o advento da Lei nº 12.187/2009.

A indefinição que existia quanto às características da Redução Certificada de Emissão para o Direito é percebida nos textos produzidos pelos doutrinadores e instituições públicas e privadas que buscaram delimitá-la. As controvérsias são extremas, a ponto de ser considerada ora um bem imaterial, ora uma mercadoria, ora uma prestação de serviço, como será visto no decorrer deste subitem.

Com isso, mister coletar todas as informações até então disponíveis sobre a concepção jurídica do "crédito de carbono" e procurar apontar a direção que mais se coaduna com a doutrina e a legislação civilista em vigor.

6.2.1 Serviço

O Banco Central do Brasil (Bacen), através da Circular nº 3.291, de 08.09.2005, que alterou o Regulamento do Mercado de Câmbio e Capitais Internacionais, instituiu um canal de ingresso de recursos decorrentes do "crédito de carbono", classificando da seguinte forma a Redução Certificada de Emissões:

Natureza da Operação: Serviços Diversos - Créditos de Carbono 29/(NR) – Código: 45500 [15]. (grifo nosso)

O Código Civil de 2002 regula as relações de prestação de serviço, como se pode perceber nos artigos iniciais do capítulo próprio:

Art. 593. A prestação de serviço, que não estiver sujeita às leis trabalhistas ou à lei especial, reger-se-á pelas disposições deste Capítulo.

Art. 594. Toda a espécie de serviço ou trabalho lícito, material ou imaterial, pode ser contratada mediante retribuição.

A definição jurídica de serviço, no direito pátrio, pode ser encontrada no Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), que prevê, em seu art. 3º, § 2º: tratar-se de qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.

O posicionamento econômico, como o adotado pelo Bacen, entende serviço como a circulação de bens imateriais ou incorpóreos. Porém, o posicionamento jurídico define prestação de serviços como uma obrigação de fazer, regulada no Código Civil.

A jurisprudência adotava o conceito econômico de serviço até a decisão do Supremo Tribunal Federal (RE 116.121/SP) em 11.10.2000. Desde então, serviço passou a ser compreendido como obrigação de fazer.

Entende o Bacen que o importante é o serviço prestado através de um Projeto de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), implementado para reduzir as emissões de GHGs.

No entanto, o empreendedor não visa à prestação de um serviço, mas sim obter a certificação das suas reduções de emissão. A RCE, sem dúvida, o objeto visado pelo Projeto de MDL, não se sobressaindo o serviço em si, mas o produto gerado – o "crédito de carbono".

Assim, face à imensa predominância do produto "crédito de carbono", frente ao trabalho de aplicação do projeto de MDL que reduz emissões, o qual tem caráter nitidamente secundário nesse contexto, descabe a definição da RCE como serviço.

6.2.2 Ativo financeiro ou derivativo

Para a ONG norte-americana Friends of Earth, a RCE é fundamentalmente um comércio de derivativos, em sua maioria vendidas em contratos futuros (SCHEIDT, 2009).

A legislação brasileira, no entanto, não define o que venha a ser derivativo. No site da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), encontra-se apenas a definição econômica para o termo:

Denominação genérica para operações que têm por referência um ativo qualquer, chamado de "ativo base" ou "ativo subjacente" (que em geral é negociado no mercado à vista). Derivativos usualmente têm uma data de vencimento. Exemplos de derivativos são opções de compra/venda, futuros e swaps. [16]

Justificam os seguidores desse entendimento o fato de ser objeto de negociação não o registro efetuado junto ao Conselho Executivo do MDL, em Bonn, na Alemanha, mas um "espelho" comercializável desse registro, tratando-se de um ativo derivativo de outro ativo financeiro (MACHADO FILHO; SABBAG, 2009).

Contudo, não sendo um conceito jurídico ou legal, não é possível concordar em definir a natureza jurídica da RCE como derivativo do registro efetuado junto ao Conselho Executivo do MDL.

Além disso, conforme afirma o diretor da CVM, Otavio Yazbek, em seu parecer acerca do tema aqui exposto [17], a finalidade do derivativo não é tanto transferir o bem em si, mas sim "travar" o preço de venda (ou de compra) deste bem em uma data futura.

Imprópria, desta forma, a definição da RCE como derivativo, pois o seu valor pecuniário não resulta de nenhum outro ativo que se encontre subjacente, não deriva, o que obsta sua subsunção à categoria dos derivativos, que caracterizam-se por ser uma variação de uma oferta existente.

6.2.3 Commodity

Outro conceito inexistente em nossa legislação pátria, a commodity é palavra de origem inglesa, que significa mercadoria. Na economia, é o produto em estado bruto, com preço variável e importância comercial, como o café, por exemplo.

A CVM o define como mercadoria em geral, matéria-prima, passível de padronização quanto à quantidade, qualidade, ponto de entrega, prazo de entrega etc [18]. É um bem com existência física, corpóreo e fungível.

O Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do RE 203.705-SP (DJ de 29.10.1999), já apontou que à mercadoria é atribuída a designação genérica de coisa móvel que possa ser objeto de comércio por quem exerce mercancia com frequência e habitualidade.

Por representar no meio econômico um bem com existência física, que se sujeitará à distribuição para consumo, a commodity dissocia-se da concepção da RCE, bem eminentemente incorpóreo.

Da mesma forma discorda-se do entendimento do professor Antonio Lorenzoni Neto, quando qualifica os créditos de carbono como commodities ambientais, operados através de contrato de compra e venda (LORENZONI, 2009).

Sendo a RCE um bem intangível, mesmo que relacionada à temática do meio ambiente, a negociação de tal bem ocorre no âmbito do Direito Civil, que inclusive apresenta a compra e venda apenas como instrumento contratual possível quando o objeto seja bem corpóreo. Fora disso, o negócio jurídico aplicável deve ser outro, a priori tratar-se de cessão de direitos.

6.2.4 Título de crédito

A classificação da RCE como título de crédito é apresentada pelo advogado Gustavo Contrucci e pelo professor Lúcio Flávio Siqueira de Paiva [19]. O primeiro defende não se tratar de um bem, mas um direito, um crédito, adquirido através de um título – a RCE, que pode ser negociado mediante cessão ou endosso (CONTRUCCI, 2008).

Já Lúcio Flávio discorre a RCE como um Certificado de Redução de Emissões, que tem como órgão emissor e devedor o Conselho Executivo do MDL, sediado em Bonn, na Alemanha, e como credor o proponente do Projeto e titular do certificado.

Segundo o renomado doutrinador italiano Cesare Vivante, título de crédito é o documento necessário para o exercício do direito, literal e autônomo, nele mencionado (MARTINS, 1998).

O art. 887 do Código Civil de 2002 apresentou definição de acordo com o ensinamento de Vivante:

Art. 887. O título de crédito, documento necessário ao exercício do direito literal e autônomo nele contido, somente produz efeito quando preencha os requisitos da lei.

Nesse instrumento, há sempre uma obrigação do emissor e um direito do detentor.

Os princípios básicos do título de crédito – legalidade, cartularidade, autonomia – não coincidem com os da RCE. A legislação é quem determina o que vem a ser título de crédito, haja vista a força executiva conferida a tal instrumento, bem como indica seus elementos necessários. No Brasil, a RCE ainda não foi discutida no plano legislativo.

O título de crédito consiste na cártula, no documento físico em si, pouco importando a origem negocial desse documento. A legislação que o rege define a sua forma, os dados mínimos que devem estar redigidos, o direito que ele representa – ordem ou promessa de pagamento.

O crédito de carbono, registro eletrônico representativo da redução de emissão de GHGs junto ao organismo internacional que o controla, não tem feição física, documental, e além disso, não representa ordem ou promessa de pagamento em moeda.

A RCE não é um título que pode ser livremente repassado, pois é um registro eletrônico. Sua forma de comercialização dá-se por meio de contrato, ou seja, não há emitente de um título negociável, tampouco devedor e credor. Existe uma equivalência monetária, mas não uma obrigação pecuniária em si.

Assim, a autonomia e a literalidade exigidas no âmbito do Direito Civil não restam preenchidos pela Redução Certificada de Emissão.

6.2.5 Valor mobiliário

A BM&FBOVESPA S.A. – Bolsa de Valores, Mercadorias e Futuros – vem considerando o crédito de carbono como valor mobiliário, intermediando a compra e venda nos mercados a vista e a termo, através de leilões (BM&FBOVESPA, 2009).

O presidente da Comissão de Direito Ambiental da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio de Janeiro (OAB-RJ), Flávio Hamed, defende que, juridicamente, o crédito de carbono é um valor mobiliário, por ser um certificado (GANDRA, 2009).

Apenas aqueles documentos constantes da legislação própria – Lei nº 6.385/76 – e não excluídos expressamente, é que são considerados valores mobiliários, como segue:

Art. 2º São valores mobiliários sujeitos ao regime desta Lei:

I - as ações, debêntures e bônus de subscrição;

II - os cupons, direitos, recibos de subscrição e certificados de desdobramento relativos aos valores mobiliários referidos no inciso II;

III - os certificados de depósito de valores mobiliários;

IV - as cédulas de debêntures;

V - as cotas de fundos de investimento em valores mobiliários ou de clubes de investimento em quaisquer ativos;

VI - as notas comerciais;

VII - os contratos futuros, de opções e outros derivativos, cujos ativos subjacentes sejam valores mobiliários;

VIII - outros contratos derivativos, independentemente dos ativos subjacentes; e

IX - quando ofertados publicamente, quaisquer outros títulos ou contratos de investimento coletivo, que gerem direito de participação, de parceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros.

§ 1º Excluem-se do regime desta Lei:

I - os títulos da dívida pública federal, estadual ou municipal;

II - os títulos cambiais de responsabilidade de instituição financeira, exceto as debêntures.

A tipicidade novamente vem à baila no que se refere a incluir novo instituto em uma classificação específica. A Lei nº 6.385/76 é quem dita o rol dos documentos que representam um valor mobiliário. A RCE, porém, nunca faz parte dele, nem se encaixava nos seus incisos VIII ou IX.

A Comissão Mista Especial sobre Mudanças Climáticas do Congresso Nacional analisa atualmente vários projetos de lei, tendo um deles definido a RCE como valor mobiliário (CONGRESSO NACIONAL, 2008).

O certificado de valor mobiliário, segundo a lei já mencionada, sujeita-se às regras e condições definidas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que disciplina sua circulação.

A CVM, através de parecer emitido pelo diretor Otavio Yazbek, apresentou comunicado informando que a RCE não é valor mobiliário, derivativo ou título de investimento coletivo, não estando sujeita à Lei nº 6.385/76, tratando-se sim de um ativo (CVM, 2008).

Não havendo, assim, legislação tratando da natureza jurídica da RCE como valor mobiliário, descabe a sua classificação como tal.

6.2.6 Bem intangível ou incorpóreo

O coordenador-geral de Mudanças Globais de Clima do Ministério da Ciência e Tecnologia, José Domingos Miguez, apóia a decisão de ser a RCE um ativo intangível, transacionável eletronicamente [20], posição também defendida por Haroldo Machado Filho e Bruno Kerlakian Sabbag (MACHADO FILHO; SABBAG, 2009).

A Associação Brasileira das Empresas do Mercado de Carbono (Abemc) e a Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) consideram a RCE um ativo intangível das empresas, comercializável através de contrato de cessão, segundo Flavio Gazani, presidente da Abemc e Gustavo Kelly Alencar, gerente jurídico empresarial-tributário da Firjan (BOTELHO, 2009; FIRJAN, 2009).

Para Hugo Netto Natrielli de Almeida, trata-se de um bem incorpóreo, imaterial e, mais ainda, um ativo intangível puro, pois a sua natureza ou seu valor não derivam de outro ativo, sendo operável através de cessão de direitos (ALMEIDA, 2005).

Alan da Motta, especialista em Direito Ambiental pela PUC-MG, entende como sendo bem intangível ou incorpóreo, por não obter existência material, e sim abstrata, com valor econômico, sendo um certificado com natureza anômala (MOTTA, 2008).

Assim, confirma-se a opinião dos autores supracitados, onde a Redução Certificada de Emissões pode ser enquadrada perfeitamente como um bem jurídico da categoria dos imateriais (incorpóreos).

Um dos indicativos favoráveis a esse entendimento é o de que, apesar da Receita Federal do Brasil continuar estudando o tema, em resposta à Consulta Pública nº 59/2008, formulada perante a Superintendência da Receita Federal do Brasil da 9ª Região (Paraná e Santa Catarina) e publicada no Diário Oficial da União de 07.04.2008, entendeu-se que a comercialização da RCE se dá através de cessão de direito para o exterior (BAETA; BARROS, 2008) [21].

Assim, analisando o entendimento exposado pela Receita Federal, perfeitamente cabível a classificação da sua natureza jurídica como bem intangível, pois o "crédito de carbono" é realmente negociado através de cessão de direitos, ao contrário de sua possível classificação como serviço ou commodity, por exemplo.

Não é outro o pensamento de Werner Grau Neto:

A ausência de fungibilidade e vinculação do certificado à atividade de MDL; a existência de equivalência monetária, e não obrigação pecuniária em si; e a inexistência de uma prestação de serviço, e sim a realização de uma cessão de crédito, são elementos a afastar a consideração do certificado como commodity, título mobiliário ou prestação de serviços.

Assim, pende entre bem incorpóreo e valor mobiliário a classificação para o certificado de emissões reduzidas. [22]

6.2.7 Títulos mobiliários e a criação do Mercado Brasileiro de Redução de Emissões

A Lei Federal nº 12.187, de 29.12.2009, que instituiu a Política Nacional sobre Mudança do Clima, trouxe, em seu artigo 9º, interessante inovação no trato da redução de emissões de GHGs.

Dispõe o citado artigo:

Art. 9º. O Mercado Brasileiro de Redução de Emissões – MBRE será operacionalizado em bolsas de mercadorias e futuros, bolsas de valores e entidades de balcão organizado, autorizadas pela Comissão de Valores Mobiliários – CVM, onde se dará a negociação de títulos mobiliários representativos de emissões de gases de efeito estufa evitadas certificadas.

Assim, a partir da publicação da lei, em 30.12.2009, a Comissão de Valores Mobiliários será responsável por autorizar as bolsas do mercado financeiro a negociarem títulos mobiliários vinculados a "créditos de carbono", formando o chamado Mercado Brasileiro de Redução de Emissões.

É possível notar, portanto, que a inovação legislativa supracitada criou um novo método, interno, a nível nacional, de quantificar os "créditos de carbono". Contudo, não tem ligação com a RCE emitida pelo Conselho Executivo do MDL, em Bonn, na Alemanha.

Isso porque, em nenhum momento, refere-se a lei publicada às emissões reduzidas quantificadas conforme o Protocolo de Quioto. Se o legislador quisesse relacionar as emissões evitadas que geram títulos mobiliários e são negociados no Mercado Brasileiro de Redução de Emissões, teria-o feito expressamente, o que não ocorreu.

A legislação pátria não conceitua o que vem a ser título mobiliário, sendo considerado como todo instrumento que encerre direitos de crédito. Cita Gabriel Sister que os títulos mobiliários necessariamente correspondem a uma obrigação pecuniária a ser cumprida por quem o emite (SISTER, 2008).

Além disso, as características dos títulos mobiliários são bem semelhantes à dos títulos de crédito, o que levou alguns autores, como Roberto Quiroga Mosquera, a dizer que o conceito de título mobiliário está contido no de título de crédito (MOSQUERA, 1999).

Portanto, fica bem claro que os títulos mobiliários operacionalizados através do Mercado Brasileiro de Redução de Emissões, em bolsas de valores, por exemplo, terão o controle da CVM porque correspondem a uma obrigação pecuniária daqueles que os emitem.

Já com relação ao "crédito de carbono" comprovado junto ao Conselho Executivo do MDL, na Alemanha, este órgão não tem obrigação de convertê-lo em valor monetário. Não há, assim, caracterização de título mobiliário na emissão do registro da RCE. O Conselho Executivo apenas o emite, não o compra nem o negocia.

A inovação legislativa supracitada, como demonstrado, não tratou nem atingiu a natureza jurídica do "crédito de carbono" criado pelo Protocolo de Quioto, que continua sendo a de um bem intangível ou incorpóreo.

6.2.8 Considerações

Como exposto até o momento, a lacuna existente hoje na legislação brasileira sobre a natureza jurídica da Redução Certificada de Emissões acaba por intimidar ou até mesmo impedir um maior número de projetos de MDL, em virtude da insegurança jurídica gerada até então.

O Conselho Federal de Contabilidade, através da sua Comissão de Responsabilidade Socioambiental, está estudando método padronizado de contabilização da RCE, conforme se defina qual a sua natureza jurídica (CFC, 2009).

Encontra-se em análise no Supremo Tribunal Federal (STF), o Mandado de Segurança nº 26.326, o primeiro caso prático de disputa pelos créditos de carbono no Brasil. Tal processo, sem conteúdo decisório até o momento, encontra-se em vista ao Procurador Geral da República desde 20.04.2007. [23]


7 NEGOCIAÇÃO JURÍDICA DA RCE

Somente após efetuada a classificação básica da natureza jurídica da RCE, é que se consegue estabelecer as relações contratuais que poderá ela ensejar.

Os recursos que têm valor econômico ou são suscetíveis de valoração econômica devem ser considerados bens jurídicos e, para ocorrer sua transmissibilidade pela via contratual, precisam obedecer a natureza jurídica deste bem comercializável.

O tratado internacional, que criou o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo e a quantificação da redução de emissão de 1 (uma) tCO2e, que corresponde a 1 (uma) RCE, possuindo esta valor econômico, estabeleceu que parte destas RCEs geradas seriam suscetíveis de comercialização; logo, se percebe que a Redução Certificada de Emissões trata-se de um bem in commercio.

In casu, o detentor do projeto de MDL entrega (comprova a redução de) 1 tCO2e ao Conselho Executivo do MDL, que em troca lhe (emite eletronicamente o crédito de) 1 RCE. O detentor da RCE, por sua vez, transfere-a a um terceiro, aqui podendo ser empresa sediada em país do Anexo I da Convenção-Quadro, por exemplo, que lhe paga por este direito. O país do Anexo I beneficiado com a RCE comprovará, junto ao Conselho Executivo do MDL, que pertence ao seu país tal direito obtido com a redução de 1 tCO2e, estando, assim, conforme com o Protocolo de Quioto.

A priori, poderia se dizer tratar de um típico contrato de compra e venda.

Contudo, a compra e venda, espécie contratual prevista nos art. 481 a 532 do Código Civil, segundo Clóvis Beviláqua, citado por Cíntia Rosa Pereira de Lima, é:

(...) o contrato pelo qual uma pessoa se obriga a transferir a outra o domínio de uma coisa determinada, por certo preço em dinheiro ou valor fiduciário equivalente. (...) A palavra coisa não é tomada em sua acepção genérica, abrangendo as coisas materiais e imateriais. Domínio é a propriedade das coisas corpóreas. A alienação dos outros direitos denomina-se, antes, cessão. (PEREIRA; 2008)

Como o negócio jurídico acima avençado envolve, na verdade, um bem incorpóreo – a RCE –, não é possível enquadrá-lo como contrato de compra e venda, visto que inexiste domínio, mas sim posse sobre o bem imaterial.

O que ocorre, na verdade, é que a parte pode transacionar o direito indicado na RCE, e como todo direito, pode ser este fruto de apropriação.

Desta forma, o crédito de carbono pode ser negociado num contrato similar ao de compra e venda, qual seja o de cessão de direitos referentes à RCE, onde o cedente transfere a RCE a título definitivo ao cessionário, com a aplicação de diversos princípios daquele contrato.


8 CONCLUSÃO

Várias são as atividades que devem ser desenvolvidas pela comunidade internacional para combater o aquecimento global.

A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, fortalecida após a ECO-92, no Rio de Janeiro, definiu como objetivo final alcançar a estabilização das concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera num nível que impeça uma interferência antrópica perigosa no sistema climático.

Urge, portanto, um novo recomeço da humanidade – quiçá seja ela considerada a Revolução Ambiental – de criação de mecanismos que levem à consecução desse objetivo.

Como se pode observar, foi feita a apresentação da Redução Certificada de Emissão - RCE, popularmente denominada de "crédito de carbono", sendo que este mecanismo é apenas um dos instrumentos de auxílio existentes para conter o aquecimento global.

A sua disciplina jurídica em nossa pátria, porém, é mínima, restringindo-se à internalização dos tratados internacionais, a decretos federais e a pouco mais de uma dezena de projetos de lei em andamento no Congresso Nacional.

A definição da natureza jurídica do "crédito de carbono" encontra-se em pleno debate, e, concordando com as opiniões proferidas por uma parte das organizações e doutrinadores estudiosos do tema, conclu-se confirmando as hipóteses iniciais, pela sua classificação como um bem móvel intangível ou incorpóreo, negociado através do contrato de cessão de direitos referentes à RCE gerada eletronicamente pelo Conselho Executivo do MDL, em Bonn, na Alemanha.


REFERÊNCIAS

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Notas

  1. WIKIPÉDIA. Efeito estufa. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Efeito_estufa> Acesso em 20 set.2009.
  2. BORTHOLIN, Érica; GUEDES, Bárbara Daniela. Efeito Estufa. Universidade de São Paulo. Disponível em: <http://educar.sc.usp.br/licenciatura/2003/ee/Efeito_Estufa.html> Acesso em 20 set.2009.
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  4. Disponível em: <http://www.ipcc.ch>.
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  6. Disponível em: <http://ambiente.hsw.uol.com.br/aquecimento-global.htm> Acesso em 16 dez.2009.
  7. Dados obtidos em: <http://unfccc.int/files/kyoto_protocol/status_of_ratification/application/pdf/kp_ ratification_20091203.pdf> Acesso em 11 dez.2009.
  8. Versão em inglês disponível em: <http://unfccc.int/2860.php> Acesso em 21 dez.2009.
  9. Aquecimento global e o mercado de créditos de carbono, disponível em: < http://www.rebea.org.br/ acoes/tecendo/ponto_010.pdf> Acesso em 21 dez.2009.
  10. Tributação de operações com crédito de carbono, disponível em: <www.siqueiracastro.com.br/ downloads/maucir_fregonesi.ppt> Acesso em 21 dez.2009.
  11. Mercado de "créditos de carbono", disponível em: <http://br.monografias.com/trabalhos905/ mercado-creditos-carbono/mercado-creditos-carbono.shtml> Acesso em 09 nov. 2009.
  12. As Resoluções da CIMGC, em número de nove até o momento, poder ser encontradas na página do Ministério da Ciência e Tecnologia, em: http://www.mct.gov.br/index.php/content/view/14797.html .
  13. PLs nº 479/07, 759/07, 1.378/07, 2.056/07, 2.843/08, 3.258/08, 3.535/08 e 5.999/09.
  14. Disponível em: <http://www.mct.gov.br/upd_blob/0012/12919.pdf> Acesso em 19 jan.2010.
  15. Disponível em: <http://www.mct.gov.br/index.php/content/view/14801.html> Acesso em: 21 set.2009.
  16. Disponível em: <http://www.portaldoinvestidor.gov.br/Serviços/Glossario/tabid/160/Default.aspx> Acesso em 04 dez.2009.
  17. Disponível em: <http://www.cvm.gov.br/port/infos/carbono%20-%20Voto%2007.07.09.doc> Acesso em 04 dez.2009.
  18. Disponível em: <http://www.portaldoinvestidor.gov.br/Serviços/Glossario/tabid/160/Default.aspx> Acesso em 04 dez.2009.
  19. Disponível em: <http://www.gmpadvogados.com.br/gerenciador/upload/publicacoes/Cr_ditos%20 de%20Carbono%20-%20Natureza%20Jur_dica.pdf> Acesso em 7 dez.2009.
  20. Extraído de artigo eletrônico de Fortes (2008).
  21. A Consulta Pública nº 59/2008 da Delegacia Fiscal da 9ª Região (PR e SC) decidiu que sobre os valores percebidos com a comercialização da RCE incide o IRPJ, sendo isentos do PIS/Pasep e da Cofins os valores sobre a operação de cessão para o exterior.
  22. Questões pendentes do Protocolo de Kyoto, publicado no Jornal Valor Econômico, de 13.08.2008.
  23. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente= 2476131> Acesso em 17 dez.2009.

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MEDEIROS JUNIOR, Mauro Evaristo. Natureza jurídica da redução certificada de emissão ou "crédito de carbono". Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3107, 3 jan. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20766. Acesso em: 23 abr. 2024.