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Classificação indicativa: Brasília destruindo famílias

Classificação indicativa: Brasília destruindo famílias

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Os fundamentos da decisão do STF (negação da classificação indicativa porque os pais têm discernimento) são contraditórios com os da decisão perseguida pelo Congresso (negação da palmada porque os pais não têm discernimento).

Das temporadas em que a frequentei em missão sindical ou de trabalho, conclui: -artefato arquitetônico frio e distante, Brasília é a "Ilha da Fantasia". Dá bizantinos debates, argumentos grandiloquentes, pletora de teorias absurdas, visionarismos de botequim. Tudo descolado do piso das fábricas, desconhecedor do chão de esgotos das favelas, ignorante das gretas de terra nordestinas ou desdenhoso da lama de encostas serranas. Sapatos de verniz federal impedem aos pés deputados a pele encourada dos que pisam o real chão do povo descalço.

Vi decisões de Brasília parindo desastres políticos e criminosos abandonos sociais que condenam mães à lágrima. Baixa umidade atmosférica mais baixa humildade humana, parecem favorecer fluidos esotéricos que proliferam no Planalto, aumentando ilusões de ótica da paisagem sem horizonte. Pessoas ficam desorientadas. Dali o Brasil tem sido pródigo no dinamitar ferramentas indispensáveis à proteção de crianças e adolescentes.

Após o Congresso começar debates sobre a lamentável Lei da Palmada (v. "Palmada ou Cassetete", na internet), vem desastrosa ADIN impetrada pelo serviçal PTB. No STF foram proclamados 04 votos contra o artigo 254 do ECA, que tenta eficácia a duas previsões constitucionais. A necessidade de classificação indicativa (Art. 21, XVI) e a proteção integral à criança e ao adolescente (Art. 227). Prevê sanções às empresas difusoras que exibirem programas fora dos horários recomendados, ou sem o alerta da faixa etária apropriada. Argumentos do relator Toffoli: a seleção de programas que podem ser assistidos pelas proles cabe aos pais; e se é indicativa a classificação, é sugestão, não pode ser punido seu descumprimento. Ora, se é assim, vamos permitir livre acesso a sexy shops, zoofilia exposta nas calçadas, tudo a critério dos pais! E que pais? Toffoli parece desconhecer que hoje proliferam pais de 16 anos e mães de 12! E os de 20 a 30, educados já sem âncoras e freios, entregam as crias aos avós! Isso quando não temos avós de 30 anos!

O Ministro Joaquim Barbosa pediu vistas para melhor avaliar o caso. Torçamos para que divirja e que o julgamento seja revertido! Não sendo assim, o lobby das rádios e TV’s sairá vencedor, com as pródigas campanhas para combater o que entendem ser "censura". Com marqueteiros em geral, invocam "liberdade de expressão" como direito invencível. Ora, não existem direitos absolutos, já se proclamou tantas vezes! E a "liberdade de expressão" – numa era de marketing publicitário criminoso, lixo ávido, alimentador de falsas necessidades; em dias de programação audiovisual tóxica, a fomentar superficialidade, sexismo e consumo – não pode continuar a ser observada, ingenuamente, como fosse a sagrada liberdade pela qual se constituíram democracias e direitos, na garantia de voz aos jornais que expressavam minorias, financiados por cotizações de idealistas e trabalhadores. Os tempos são outros e, na concentrada imprensa da notícia-espetáculo e da manchete paga, os idealistas foram expulsos ou comprados pelo mercado.

É ridículo e perigoso o contrassenso. Se a família tem autoridade e discernimento efetivo a ponto de poder decidir sem apoio quanto à programação audiovisual dos filhos, terá necessariamente que ter o poder de, inclusive, exercitar a palmada educativa contra a qual Brasília se movimenta no Congresso Nacional. Os fundamentos da decisão do STF (negação da classificação indicativa porque os pais têm discernimento) são contraditórios com os da decisão perseguida pelo Congresso (negação da palmada porque os pais não têm discernimento).

De tão contraditórias, ouso rogar todas as vênias para dizer que ambas as decisões (caso se concretizem como apontado) estão erradas! Precisamos da palmada e precisamos da classificação indicativa! Os jovens são adestrados pela mídia para a violência, como se vê das brigas, agressões, bulying e assassinatos em escolas. Essa mídia baseada em inconfessos interesses de mercado, precisa ser controlada. A classificação indicativa é o mais necessário e brando dos controles possíveis.

Erro grave, típico da "Ilha da Fantasia" e do campo esotérico das teorias do Direito, desconhecer que, em seara infanto-juvenil, como na ecologia, decisões se regem pelo princípio da precaução. Estabelecido pela Declaração da ECO/92 (princípio 15), tal princípio prevê - grosso modo e em linguagem popular - que, se algo pode dar errado, não deve ser feito.

Acho que muita coisa já está dando errado na relação audiovisual x formação da psique infanto-juvenil. Vejam meu artigo "O Cavaleiro das Trevas Explode a Classificação Indicativa", onde relato a perplexidade de ver pais (a quem o Ministro Toffoli concede discernimento inexistente), levando filhos de 03, 05 anos de idade a filme com classificação etária que deveria ser de 14 anos. Isso quando há pais na casa! Isso quando a criança não possui 04 ou 05 "pais" diferentes e, não raro, divergentes! O Congresso, o STF e a sociedade brasileira não podem desconhecer essa realidade. Aceitando essas decisões da Ilha da Fantasia, estamos desenhando belo manual de como destruir famílias já frágeis. Reajam, pais, famílias, igrejas, jovens, juízes, pessoas de bem!


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAÚJO, Denilson Cardoso de. Classificação indicativa: Brasília destruindo famílias. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3136, 1 fev. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20995. Acesso em: 19 abr. 2024.