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Advocacia pública - algumas reflexões

Advocacia pública - algumas reflexões

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Sumário: 1. Advocacia Pública. Aspectos peculiares. Abrangência. Administração pública e advocacia. 2. Advocacia Pública no Brasil. 3. Advocacia Pública e o novo Estatuto da Advocacia e da OAB. 4. Exercício da Advocacia Pública: procuratório, consultoria e assessoria jurídica. 5. A Independência Funcional e a Hierarquia Administrativa - as limitações ao exercício profissional. 6. Etica Profissional e a Advocacia Pública – a obrigação da defesa processual e o esgotamento das vias recursais. Os atos ilegais e sua defesa. 7. A Fazenda Pública em Juízo. Os privilégios – utilização pelo advogado. 8. As Perspectivas da Advocacia Pública.


1. A advocacia tem compromisso social, e tem uma função que extrapola a sua condição profissional e de defesa de interesses particulares, porque, além de indispensável à administração da Justiça (art.133,CF), é o advogado "defensor do estado democrático de direito, da cidadania, da moralidade pública, da Justiça e da paz social, subordinando a atividade de seu ministério à elevada função pública que exerce." (Código de Ética, art.2º).

Ainda tenha fundamento e compromisso com a comunidade, daí a consideração de "função pública", a advocacia pública propriamente é denominação que se contrapõe a advocacia privada, sendo parâmetros para sua distinção os interesses aconselhados ou patrocinados e os requisitos exigidos para seu exercício.

Diz-se advocacia pública aquela que aconselha ou patrocina interesses de pessoas jurídicas de direito público, interesses em que prevalece não a vontade do agente mas a da coletividade consagrada no ordenamento constitucional ou legal. (conf. SESTA, Mário Bernardo – A Advocacia de Estado. Posição Institucional. Revista de Informação Legislativa, n.117, p.191). Por tal circunstância, são esses interesses superiores aos dos particulares e indisponíveis pelos respectivos gestores, configurando regime jurídico que extrapola dos limites administrativos para impregnar o regramento processual, como adiante se examinará.

Os integrantes da advocacia pública têm vinculação funcional ao Estado, aqui utilizado em sentido genérico e incluindo as pessoas políticas federativas e as pessoas de direito público de natureza administrativa. Daí porque além de atenderem aos requisitos e condições para a advocacia, sendo obrigatoriamente inscritos na OAB, os advogados públicos submetem-se a processo seletivo público e estão regidos pelo Estatuto da Ordem e pelos estatutos e normas próprios aos servidores públicos e/ou a normas especiais que regerem os órgãos a que se vinculem.

Participante do gerenciamento de interesses públicos, no desempenho de atividades de consultoria e de assessoria, a advocacia pública tem localização no Poder Executivo, que detém praticamente o monopólio da atividade administrativa, e, pois, dirige o conjunto de órgãos e entidades componentes da Administração Pública.


2. No Brasil, a advocacia pública pela primeira vez foi delineada constitucionalmente há uma década, o que não exclui a sua existência em nível infraconstitucional, desde muito tempo, em organização que vem funcionando com pujança, nos Estados e em diversos municípios.

Com efeito, a advocacia pública foi, historicamente, decorrência da distinção entre o Príncipe e o Estado, de uma parte, e,ainda, entre o Estado-poder e o Estado-sociedade, submetendo-se a organização estatal à limitação da lei, distinguindo-se pelos interesses públicos a serem curados, na função de defesa direta dos interesses da sociedade e daqueles interesses indiretos uma vez que ao encargo de órgãos e entidades estatais foi atribuído seu gerenciamento.

A advocacia pública tem origem comum e conjunta ao hoje denominado Ministério Público, na expressão de DIOGO MOREIRA NETO "advocacia da sociedade", responsável por fiscalizar a aplicação da lei e curar os interesses difusos e coletivos (art.129, CF).

Assim, a evolução até o modelo hoje estabelecido tem início nos Estados-membros, mediante essa distinção do atuar jurídico, especializando as funções do Parquet, que, muitas vezes, se situava em incômoda circunstância entre a fiscalização da aplicação da lei, portanto, em atuação "custos legis" e a de advogado do Estado-administrador, parte no processo. Nesse caso, como conciliar a parcialidade do patrocínio de uma das partes com a natureza e necessária imparcialidade do fiscal da lei?

Esse impasse, talvez pela proximidade maior dos fatos e das partes neles envolvidos, foi sentido nos Estados-membros, que há mais de meio século têm vivenciado a experiência de um corpo de servidores especializados no patrocínio judicial e na orientação do aplicar, em situações concretas, os comandos legais, substância da função administrativa da AP. (Persistiu, até o advento da Constituição Federal de 1988, a representação judicial do Estado-membro pelo MP, para suprir deficiência de pessoal e de estrutura das Procuradorias. No Estado do Piauí, por exemplo, a Lei que transformou o Departamento Jurídico em Procuradoria Geral do Estado manteve a competência do MP para representação nas comarcas do interior, em razão de os Procuradores do Estado atuarem na capital – LD 91/73).

A experiência da advocacia pública como Advocacia de Estado, geralmente organizada em Procuradorias do Estado, demonstrou essa necessária especialização de funções, propiciando melhor acompanhamento da Administração Pública e melhor defesa judicial de interesses em conflito com os particulares.

A União somente organizou sua advocacia após a Constituição de 1988, que a delimitou. Anteriormente, o patrocínio dos feitos em que era parte a União era atribuição dos Procuradores da República, excetuados os que versavam matéria tributária, cometidos à Procuradoria da Fazenda Nacional, subordinada ao Ministério da Fazenda. A atividade de consultoria desvinculava-se inteiramente do procuratório, desempenhada, em nível de cúpula do Poder Executivo, pelo Consultor Geral da República, e, no plano ministerial, através de consultorias.

Aliás, a Constituição vigente inseriu a advocacia pública entre as funções essenciais à Justiça, distinguindo, em seus artigos 131 e 132, a Advocacia da União da Advocacia dos Estados-membros e Distrito Federal, e nos artigos 133 e 134, a advocacia em geral e a destinada a dar assistência jurídica a pessoas carentes. Como a defesa judicial da União Federal, até então, era tarefa do Ministério Público Federal, o legislador constituinte possibilitou, mediante assinatura de prazo para tanto, que os Procuradores da República em atividade optassem entre permanecer integrando o Parquet e compor a Advocacia Geral da União (art.29, § 2º, ADCT,CF).

Somente com o advento da Lei Complementar n. 73/93, a Advocacia da União foi estruturada, englobando a Procuradoria da Fazenda Nacional, mantida em suas atribuições, e as Consultorias Jurídicas localizadas nos diversos Ministérios, a que foram acrescidos os Advogados da União, ubicados nas Procuradorias da União. A Lei Complementar estruturou de forma orgânica os já existentes e os criados cargos, de modo a abranger todo o conjunto dos servidores encarregados da consulta e do contencioso jurídico da União, bem assim de suas entidades administrativas de direito público.

Já os Estados-membros mantiveram sua advocacia, em geral organizadas em estrutura centralizadora das atividades próprias, revigoradas pela inserção constitucional, a lhes assegurar expressamente o exercício das funções de consultoria e de representação judicial. O artigo 132 da Carta Maior propiciou a unicidade das Procuradorias, malgrado o asseguramento da manutenção das Consultorias em funcionamento (art.69, ADCT,CF). Na abrangência da advocacia pública dos Estados-membros os órgãos jurídicos das autarquias e das fundações de direito público.

A par dos órgãos constitucionalmente referenciados, os Municípios têm organizado, quando em condições para tal, suas Procuradorias Jurídicas, exercidas em moldes semelhantes aos dos Estados-membros. A do município de Teresina, capital do Estado do Piauí, por exemplo, vem funcionando anteriormente à Constituição vigente, mas só em data recente recebeu a denominação e se estruturou organicamente como Procuradoria Geral do Município, inclusive no que se refere ao regime de seus membros, ditos Procuradores do Município.


3. O novo Estatuto da Advocacia e da OAB, que teve sua vigência em julho de 1994, não poderia deixar de regular a advocacia pública, diante do seu regramento constitucional.

Assim, ao dispor sobre os habilitados ao exercício da advocacia, em seu artigo 3º, estipulou no § 1º:

"Exercem atividade de advocacia, sujeitando-se ao regime desta lei, além do regime próprio a que se subordinem, os integrantes da Advocacia Geral da União, da Procuradoria da Fazenda Nacional, da Defensoria Pública e das Procuradorias e Consultorias Jurídicas dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e de suas respectivas entidades de administração indireta e fundacional."

Já anteriormente ao novo Estatuto, o Conselho Federal da OAB, em composição plena, decidiu pela sujeição dos integrantes da Advocacia Geral da União ao regime do Estatuto da Ordem, baseando-se no fato de as atividades por eles exercidas, ainda os subordinassem ao regime jurídico-administrativo decorrente de sua situação funcional na administração federal, configurarem atividade própria de advogado (Proc.CP 3.739/93, citado por Paulo Netto Lobo, em seus Comentários, cit., p.35).

A expressa determinação do vigente EAOAB, citada, a que somam outras, como as decorrentes de impedimento e incompatibilidade (arts. 28, 29 e 30), sinaliza para a vinculação dos integrantes da advocacia pública, em todas as esferas políticas, à OAB e sua submissão às normas estatutárias da profissão, aí incluídos prerrogativas, direitos e deveres.

Algumas dificuldades, entretanto, perpassam na prática dessa relação. Uma, que sobressai, diz respeito à aplicação, pela OAB, de pena disciplinar que importe suspensão do exercício profissional ou exclusão do seu Quadro de filiados. Ainda que se mantenham, em termos, os âmbitos de regramento, a exemplo da LC 73, de 10.02.93, que disciplinou a AGU, e da da Lei n.8.906, de 04.7.94 - EAOAB, constituindo este a lei geral e aquela a lei específica de uma parte da advocacia pública circunscrita à União Federal, tem-se a dificuldade de implemento da pena aplicada, no âmbito da relação funcional, vez que atingirá diretamente o exercício de cargo público. É que, de uma parte, a advocacia da União é advocacia pública, que é espécie do gênero advocacia, porque integra, na forma do art.133, CF, a administração da justiça e não se enquadra nas funções do MP e da Magistratura, e não pode deixar de integrar, sob pena de impossibilitado ficar o cumprimento da finalidade para a qual foi instituída; e, sendo advocacia, há que se enquadrar nas regras para o exercício dessa profissão, editadas pela União no cumprimento de sua competência constitucionalmente fixada (art.22, XVI, CF). De outra parte, as esferas – as da OAB, e do respectivo estatuto geral da advocacia, e da AGU são independentes e têm seu campo específico de aplicar as normas pelas quais cada uma dessas entidades são regidas.

Em possível confronto, o exercício do cargo pode, de fato, ter continuidade, mas em caso de aplicação da pena de suspensão ou de exclusão, poderá trazer por conseqüência representação, pela OAB, ao órgão público a que se vincule o advogado e, no que comportar, ao órgão do MP.

Certo, de outra forma não há como se compatibilizarem os dois regimes jurídicos de vertente comum.


4. Quando se fala em defesa do Estado, há que se esclarecer que Estado tem, nesse caso, sentido bem amplo, para, em modelo federativo como o nosso, abranger as pessoas políticas, bem assim, alguns órgãos em situações de, não personalizados, estarem em Juízo, e, ainda, as pessoas públicas de natureza administrativa, quais as autarquias e as fundações de direito público. A conotação que se dá a Estado, em geral, e que ora será dado, em particular no âmbito desta exposição, é a de interesses públicos indisponíveis, geridos por pessoas de natureza pública, submetidas a regime jurídico de direito público.

Esse regime jurídico de direito público, no plano administrativo, está embasado em dois princípios: o da supremacia do interesse público sobre o interesse privado e o da indisponibilidade dos interesses públicos. O da supremacia dos interesses públicos, de que decorrem privilégios como o da autoexecutoriedade dos atos administrativos e o da presunção de legalidade desses mesmos atos, com repercussão processual quanto à dispensa de autorização judicial para a execução decorrente da vontade estatal manifestada pelo agente público, na primeira indicação, e de inversão do ônus da prova, na segunda, para mera exemplificação, é princípio que traz particularidades e circunstâncias na forma de agir e no modo de o órgão ou ente administrativo situar-se nas relações jurídicas. Afirma-se, em considerando a supremacia dos interesses públicos, que a relação jurídica instaurada entre pessoa pública e pessoa natural ou jurídica privada apresenta verticalidade, na acepção de desigualdade entre as partes, com posicionamento superior da pessoa pública.

O princípio da indisponibilidade dos interesses públicos consiste na impossibilidade de o administrador agir segundo sua vontade, mas, ao contrário, restringir-se ao regulado no ordenamento jurídico, daí decorrendo os princípios da legalidade, da moralidade, da publicidade, da impessoalidade, e tantos outros em que se evidencie o princípio democrático de atendimento segundo critérios e normas uniformes e impessoais, não favorecendo nem perseguindo grupos ou pessoas, mas atendendo ao que o legislador, no exercício de sua competência, interpretou como o abstrato interesse da coletividade.

A defesa do Estado consiste exatamente na defesa dos interesses que a pessoa pública encarna e é vocacionada a realizar. E defesa, igualmente Estado, aí tem conotação de amplitude obrigatória, vez que se não pode restringir a patrocínio judicial ou extrajudicial em situações conflitivas. Ao contrário, significa toda a atividade tendente (direcionada) a propiciar as condições jurídicas necessárias à implementação dos interesses ao encargo dos órgãos e entes públicos.

Também, não há confundir defesa do Estado com defesa do Governo, se bem que, por vezes, possa ocorrer, quando, por exemplo, é questionada a quebra da legalidade ou da moralidade, ou de princípio outro de presença obrigatória na atividade administrativa. A autoridade, quando em evidência contraria princípios e/ou normas, extrapola suas funções e almeja finalidade diversa daquela posta ao órgão sob seu comando, a defesa poderá ser do governante, não do Estado, cujos interesses não se harmonizam com aqueles particulares do seu agente.

Esse é um dos impasses com que se defronta o integrante da advocacia pública.

A natureza mesma da profissão advocatícia exige de quem a exerce postura de independência face aos órgãos envolvidos na prestação jurisdicional. Inexiste hierarquia entre advogado, magistrado e membro do Ministério Público, postos em igual patamar, devendo-se mútuos respeito e consideração.

Ademais, ao advogado é cobrado comportamento pautado na legalidade, em que se insere a proibição de pleitear contra a lei (art.34, VI, EAOAB) e de concorrer para realização de ato contrário à lei ou destinado a fraudá-la (art. 34, XVII, EAOAB), além de a ética impor-lhe atuação com independência, honestidade, veracidade, lealdade, dignidade e boa-fé (art. 2º, II, Código de Ética).

Se assim é, o exercício profissional do advogado público não pode sofrer limitações decorrentes da hierarquia a impor-lhe tal ou qual opinião contra a qual o seu convencimento pautado no estudo e na pesquisa se insurge. Como fazer? Como se resolve a independência profissional no âmbito de uma estrutura em que se estipulam atribuições por força de lei e, pois, o detentor dessas atribuições tem o poder-dever de exercê-las?

De outra parte, é importante (para o raciocínio ora desenvolvido) lembrar que, na defesa do Estado em juízo, inexiste a obrigatoriedade da exibição do mandato procuratório específico (art. 12, CPC), vez que é a própria lei que cria o cargo de advogado público e indica os limites de atuação do respectivo titular ao fixar-lhe atribuições. Por tal razão, ao advogado público é defeso renunciar ao procuratório que exerce, a não ser nos casos previstos em lei, quando houver impedimento de atuar no processo, ocorrendo "in casu" substituição, o que igualmente ocorre se houver exoneração, demissão ou aposentadoria. Em caso de impedimento, deverá o advogado público dar ciência ao seu superior hierárquico.


5.Atuando segundo distribuição, o advogado público não escolhe processo nem pode escusar-se de atuar em processo a pretexto de violar sua consciência para o que é o justo agir da autoridade cujo ato é contestado judicialmente.

Nesse caso, sua independência funcional é posta em xeque? Sucumbe ao desafio da hierarquia administrativa?

Há que distinguir a função exercida. Se de defesa judicial ou extrajudicial, mas se defesa em sede litigiosa, não há como escusar-se o advogado público de exercê-la senão quando houver impedimento, nas circunstâncias previstas na lei. A escusa fundada em convencimento pessoal exclui-se, e, nesse particular, tem-se uma restrição a quem atua na advocacia pública comparativamente à amplitude da independência profissional na advocacia privada.

O mesmo não pode ser dito, porém, se o advogado público exercita consultoria jurídica, quando, então, orienta-se apenas e tão-somente segundo sua ciência e consciência, emitindo opinião com toda a largueza de seu descortínio. A mesma liberdade no atuar pode ser vislumbrada no desempenho da assistência jurídica, quando orienta a autoridade administrativa no seu agir segundo o direito.

Na prática, essas considerações podem não corresponder à realidade, tanto mais quanto mais forte se evidenciar a estrutura de hierarquia, com todos os seus consectários a interferir na discricionariedade técnica, e tanto mais fragilizadas forem a qualificação pessoal e as prerrogativas funcionais, com ênfase à privatividade. Pois é certo que se ao titular do cargo de advocacia pública, e somente a ele, estiver afeta a incumbência de emitir parecer e orientar os órgãos administrativos na prática de sua atividade, tal circunstância compromete-o definitivamente com os interesses públicos, ao tempo que garante a indispensável independência para seu desempenho conforme o Direito.


6. Como assinalado, é dever do advogado pleitear, segundo a lei, a moralidade, de boa fé, significando a abstenção, a contrário, de defender interesses em frontalidade à lei com o fito de protelar a consecução, pela parte ex adversa, de seu interesse juridicamente protegido.

Entretanto, é fato sabido e apregoado, inclusive pelos juízes da mais alta Corte de Justiça do País, que os órgãos públicos ensejam o amontoamento de processos e inviabilizam a prestação jurisdicional, em sede de recursos nos tribunais superiores. De igual forma, a execução de julgado contra a Fazenda Pública tem sido postergada, em intermináveis discussões, em que proliferam os incidentes e as modalidades recursais que se desdobram, de modo a parecer infindável o caminho processual. Significa dizer, os processos que envolvem o Estado nem conhecem a conciliação de interesses nem se desdobram sem que haja o esgotamento de todas as vias recursais.

Se é certo que o advogado público não se pode escusar a promover a defesa no processo que lhe for distribuído, é certo também que tem ele o dever funcional de utilizar todos os meios processuais ao seu alcance para a defesa. E, não raro, se identificam recursos meramente protelatórios.

É correta essa postura de o advogado público promover defesa em situações iguais, repetidamente decididas contra a AP? E recorrer infundadamente, com o objetivo de postergar o cumprimento da decisão judicial contrária ao Estado?

Certo que não é dado ao advogado público dispor dos interesses que lhe são confiados na defesa judicial dos órgãos públicos, porque são públicos ou assim considerados tais interesses. Daí a proibição de transigir, de fazer acordo, de deixar de recorrer ou de desistir de recurso interposto.

Ainda que, a seu juízo, o ato impugnado seja ilegal, ainda assim, sobrepõe-se o seu dever de ofício, e terá que defender judicial ou extrajudicialmente o ato, ainda pessoalmente constrangido.

Para o advogado público, o Estado é seu cliente, a quem está vinculado funcionalmente, e, pois, não tem a liberdade de deixar de aceitar o encargo de defesa ou de desistir do mandato. Seu mandato é outorgado pela lei, e lhe é outorgado no momento da posse. Sua liberdade, nesse particular, é restrita a permanecer no cargo ou dele se afastar. Se permanece ocupando o cargo público, tem o dever indeclinável de exercer as respectivas atribuições, exceção para o previsto no art.34, VI. EAOAB – "advogar contra literal disposição de lei", quando deve justificar-se perante a autoridade superior. Mas, por exemplo, em Mandado de Segurança impetrado contra o órgão ou entidade, se o advogado público entende ter o impetrante direito ao que pleiteia, deve sugerir à autoridade que reformule o seu ato ou providencie de modo a fazer valer o direito do administrado; se, ainda alertada, a autoridade mantém o ato, não autorizando o advogado a pôr fim ao processo, seu dever é dar-lhe continuidade.

Esse é o impasse, a que se não pode furtar.


7. No exercício da defesa judicial, o advogado público dispõe de circunstâncias diferenciadas para o seu desempenho. São os privilégios desfrutados pela Fazenda Pública. Estes foram direcionados para garantir meios de facilitação da defesa, considerada a supremacia dos interesses estatais face aos particulares, e ao acautelamento na proteção desses mesmos interesses, vez que indisponíveis pelo agente que os administra. Acresce-se a circunstância de que aos advogados públicos não é dado escolher processos, recebendo-os por distribuição e sem limite quantitativo.

Inicia-se esse elenco de privilégios processuais em Juízo privativo, através da Justiça Federal, para a União e suas autarquias, fundações de direito público e empresas públicas, em duas instâncias, e no plano do Estado e dos Municípios, as Varas da Fazenda Pública, consoante dispõem, em cada unidade federada, as respectivas leis de organização judiciária. Juízo privativo não se confunde com foro privilegiado, razão por que o Estado-membro pode ser demandado tanto na capital como no interior, e em qualquer Juízo quando inexistir Vara privativa (Edecl no Ag.92.717-PR, Rel.Min.Aldir Passarinho Jr., j.em 18.2.99)

A prescrição também apresenta prazos favorecedores ao Estado, estendidos às autarquias e fundações de direito público. Regulada pelo Decreto n.20.910/32, é qüinqüenal, e, se interrompida, nas situações previstas pelo CPC, recomeça a correr pela metade, da data do ato que a interrompeu, ou do ato do último ato do processo para a interromper (arts. 1º e 3º). A propósito, a interpretação jurisprudencial, sumulada pelo STF, assegurou o qüinqüênio legal, nas situações interruptivas (Súmula 383 : "A prescrição em favor da Fazenda Pública recomeça a correr, por dois anos e meio, a partir do ato interruptivo, mas não fica reduzida aquém de cinco anos, embora o titular do direito a interrompa durante a primeira metade do prazo,"). Tratamento mais diferenciado ainda se encontra na legislação previdenciária, a resguardar o interesse do órgão estatal gestor (Lei n.8.212/91, arts 45 e 46). No pagamento das custas, o CPC (art.27) assegura que o seja a final, pelo vencido, importando a desnecessidade de depósito recursal, no âmbito da Justiça do Trabalho (Dec.Lei n.779/69) e, de um modo geral, o preparo de recursos, até os Tribunais Superiores. Existem atenuações que antes de elidir, mantêm o tratamento desigual dado ao Estado no processo.

Quanto à documentação instrutiva de petições, em Juízo, foi dispensada, em data recente, a autenticação de cópias reprográficas às pessoas públicas (MP 1770, art.24).

No que tange ao procedimento, realça a dilação de prazos, favorecendo a defesa, concedido o quádruplo do prazo normal para contestar e o dobro para recorrer 9art.188,CPC), estendido tal benefício a autarquias e fundações públicas (art.10, Lei n.9469, de 10.7.97). Recentemente, foi promovida alteração do prazo para ajuizamento de Ação Rescisória, mediante a MP 1798, cuja eficácia foi suspensa por liminar concedida pelo STF, em sede de ADIn (ADIn 1910-DF) proposta pelo Conselho Federal da OAB. Reeditada com alterações mas retornando ao alargamento de prazo para rescisória, foi objeto de nova ADIn (autor: PT), que, em razão de nova reedição da MP, teve seu objeto prejudicado.

Um dos aspectos que mais realçam a cura legal aos interesses do Estado diz respeito ao duplo grau de jurisdição e ao processo especial de execução. O duplo grau de jurisdição, regrado no artigo 475 do CPC, recentemente estendido às autarquias e fundações públicas (Lei n.9469/97), obriga a remessa de ofício à instância superior pelo Juiz que tiver proferido sentença contra a Fazenda Pública, ocorrendo, assim, reexame necessário da decisão quando inexista recurso voluntário. Esse privilégio traz o corolário da impossibilidade de reforma com agravamento para a pessoa pública, consagrada por jurisprudência mansa e pacífica.

O processo especial de execução está posto em sede constitucional (art.100 e §§,CF), e apoia-se no princípio da indisponibilidade dos interesses públicos a que se vincula o privilégio da impenhorabilidade dos bens públicos. Em sendo assim, a Fazenda Pública não pode ser submetida a execução forçada, mas, pelo contrário, seus débitos carecem de dotação orçamentária para que sejam liquidados. Destarte, a execução contra a Fazenda Pública, regulada pelo artigo 730 do CPC, inclui, ao final, a expedição de Precatório Judicial, que será incluído no orçamento do exercício seguinte, se apresentado ao órgão responsável pelo pagamento até o dia 1º de julho. Os precatórios, segundo o mandamento constitucional, serão pagos pela ordem cronológica, excetuando-se os de natureza alimentícia. Ao contrário da opinião de alguns no sentido da inaplicabilidade de precatório aos créditos de natureza alimentícia, o entendimento da jurisprudência emitido pelo Supremo, relativamente ao artigo 100 da CF, é no sentido de que somente se afasta do preceito maior a ordem cronológica relativamente aos precatórios de diferente natureza. (Veja-se, a propósito, decisão do STF relativamente ao artigo 128 da Lei n.8.213/91, que dispensava precatório em pagamento de benefícios previdenciários)

Lembrem-se outras condições especiais deferidas ao Fisco, mediante legislação própria à execução, baseada em certidão de dívida fiscal, com fulcro na Lei n.6.830/80. Nesse caso, tem-se situação inversa, quando a Fazenda Pública é autora, e se cerca de privilégios, a iniciar-se pelo próprio título executivo, emitido unilateralmente pelo Estado, e com presunção de sua legalidade.

Por serem de atualidade e de relevância nas recentes reformas da legislação processual civil, merecem exame, ainda perfunctório, os institutos da ação monitória e da tutela antecipada na sua aplicação à Fazenda Pública.

Na discussão que se instalou a propósito da aplicabilidade, ou não, da Ação Monitória contra a Fazenda Pública, as opiniões estão divididas.

O argumento daqueles que entendem inaplicável repousa em que essa modalidade de procedimento possibilita a formação de título executivo sem sentença, contrariando os privilégios da Fazenda Pública, que exigem sentença de mérito, em duplo grau de jurisdição. (Nesse sentido, HUMBERTO THEODORO JR. – in "As Inovações no Código de Processo Civil", 6ª ed.,Forense,1996,p.80, para exemplo). Acresce-se outro aspecto relevante, ao de que que nesse procedimento, a não interposição de embargos ou sua extemporaneidade importam confissão ficta da obrigação, convertendo-se, de imediato, em título executivo, pelo reconhecimento tácito do direito material do credor. Ora, essa confissão ficta é inaplicável à Fazenda Pública, mercê da indisponibilidade dos seus direitos, consoante preceitua o artigo 320, II, do CPC, sumulado, no que concerne a interposição de embargos à execução, pelo TFR (Súmula 256).

Em sentido da aplicabilidade, os que assim entendem procuram conciliar os privilégios da pessoa pública no âmbito desse procedimento, como o faz, v.g., ADA PELLEGRINI GRINOVER, para quem seria possível o benefício do prazo para contestar e o reexame se sucumbente, e, ainda, a submissão a precatório, vez que o procedimento monitório apenas constituiria o título executivo, efetivada a execução na forma do art.730, do CPC (in "Ação Monitória", Revista Consulex, n. 6:24-28,p.28)

(Apesar do dispositivo processual comum, indicado, existe entendimento no âmbito da Justiça do Trabalho da aplicabilidade à Fazenda Pública da confissão ficta).

Note-se a dificuldade e, mesmo, a desvirtuação substancial do procedimento monitório no caso de ser utilizado contra a Fazenda Pública, apontando a sua inadequação, a que se acresce o fato de inexistir previsão de normas aplicáveis, considerado o processo executivo específico regrado no mesmo Código de Processo Civil e as apontadas peculiaridades da presença do Estado em relações jurídicas materiais e processuais.

Nesse tratamento privilegiado, ressalte-se a proibição da concessão de liminar contra a Fazenda Pública em mandado de segurança quando vise à reclassificação ou equiparação de servidores públicos, ou concessão de aumento ou extensão de vantagens (art.5º da Lei n.4.348/64), quando para o fim de pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias (art.1º, § 3º, da Lei n.5.021/66), em procedimento cautelar ou em quaisquer outras ações de natureza cautelar ou preventiva, sempre que a tutela puder ser concedida via mandado de segurança (art.1º da Lei n.8.437/92.

Também, a concessão de efeito suspensivo ao recurso voluntário ou "ex officio" de sentença contra pessoa pública ou seus agentes que importe na outorga ou acréscimo de vencimentos ou reclassificação (art.7º da da Lei n. 4.348/64 e art.3º da Lei n. 8.437/92).

De outra parte, a tutela antecipada, no que diz respeito à sua aplicação à Fazenda Pública, também longe está de acordo entre os doutrinadores e operadores do Direito. Vejamos.

A recente reforma legislativa, visando a agilizar a prestação jurisdicional tem na alteração do artigo 273 do CPC uma das importantes, para alguns a mais importante, modificações no processo de conhecimento e no sistema processual, adotando-se a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional de mérito. Segundo os requisitos e circunstâncias configurados, necessário que o Juiz se convença de que existe a presença concomitante do "fumus boni iuris" e do "periculum in mora", e, ainda, estando presente a verossimilhança do alegado, fique caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu (Lei n.8.952/94). A tutela antecipada, na abalizada observação de LUÍS GUILHERME MARINONI, "é fruto da visão da doutrina processual moderníssima, que foi capaz de enxergar o equívoco de um procedimento destituído de uma técnica de distribuição do ônus do tempo do processo... "Preserva-se, assim, o princípio de que a demora do processo não pode prejudicar o autor que tem razão e, mais do que isso, restaura-se a idéia - que foi apagada do cientificismo de uma teoria distante do direito material - de que o tempo do processo não pode ser um ônus suportado unicamente pelo autor."(in "A Antecipação da Tutela na Reforma do Código Civil", Malheiros, 1995,p.19).

Preservada em seus interesses, a Fazenda Pública submete-se à tutela antecipada?

As opiniões, tão logo editada a lei que delineou esse novo instrumento processual, dividiram-se quanto à sua aplicabilidade contra as pessoas públicas, mercê dos privilégios que cercam seus interesses, acatados na legislação processual, conforme se delineou, ainda perfunctoriamente. Reside exatamente nesses privilégios, com destaque para o reexame obrigatório de sentença e para a submissão ao sistema do precatório a condenação da obrigação de dar (pagamento), o argumento daqueles que rechaçam a aplicação desse instituto contra a Fazenda Pública. De outra parte, porém, "legem habemus" regulando essa aplicação, o que significa a absorção, pelo direito positivo, do instituto malgrado os privilégios recordados. Com efeito, foi editada Medida Provisória - de n.1.570, de 26.3.97, posteriormente transformada na Lei n.9.494, de 10.9.97. Entretanto, uma como a outra foram consideradas inconstitucionais, em sede de controle difuso, com a conseqüente concessão de tutela antecipada pelas instâncias ordinárias da Justiça Federal, enquanto outras instâncias ordinárias, a que se acresceu o Superior Tribunal de Justiça, negavam a mesma tutela na consideração da constitucionalidade dessas mesmas normas restritivas. Assim, objeto de ação para controle concentrado junto ao Supremo Tribunal Federal - ADC 4-6, foi concedida medida liminar para sustar a concessão de liminares que tenham por fundamento a constitucionalidade ou inconstitucionalidade do artigo 1º da Lei n.9.494/97. (j.em 11.02.98, pub.no DJ de 23.5.99, seção 1, p.2) (A propósito, em percuciente exame crítico do "decisum" em sede de liminar, o advogado CICERO FERNANDES indica a perplexidade, a que me associo, instalada pela concessão de liminar, em razão da natureza da decisão buscada no processo, que valerá como lei nova, que não pode retroagir, além de não poder desconstituir decisões antes dela proferidas, por contrariar os meios processuais vigentes em nossa legislação. In Lex jstf, V.244:5-10)

Reconhece-se, destarte, no ordenamento jurídico, a existência da disciplina de concessão de tutela antecipada contra a Fazenda Pública, fazendo concluir que, atualmente, considerada a legislação e a decisão da mais alta Corte de Justiça do País, tem aplicabilidade contra a Fazenda Pública o instituto da antecipação da tutela com as restrições configuradas para a concessão de liminares e para o cumprimento de decisões judiciais, segundo já examinado.

Ainda na abordagem de novos instrumentos processuais e sua aplicabilidade a litígios envolvendo pessoas públicas, há que ter referência a arbitragem, recentemente estruturada na Lei n.9.307, de 23.9.96, que deu modelagem nova a antigo instituto processual.

A arbitragem, como se sabe, é meio pacífico de solução de litígios, ou busca de justiça mediante consenso. Sua aplicação está posta na composição entre partes relativamente a direitos patrimoniais disponíveis (arts. 1º e 2º), de modo que, sobrevindo no curso da arbitragem controvérsia sobre direito indisponível, suspender-se-á o juízo arbitral, com remessa das partes ao Poder Judiciário (art.25).

Ora, sabendo-se que são indisponíveis os direitos relativos a interesses públicos, a depender de norma legal para tanto, segue-se que a adoção da arbitragem à Fazenda Pública dependerá de lei que o possibilite. Aliás, nesse particular, pronunciou-se o Tribunal de Contas da União, condicionando a adoção do juízo arbitral por pessoa pública à autorização legislativa. Assim, indiscutível, na atualidade, a aplicação nas concessões de serviço público, por força do disposto no artigo 23 da Lei n. 8.987, de 13.02.95. O mesmo não ocorre, a meu sentir, relativamente a contratos administrativos em geral, como defendem juspublicistas, mercê do que foi anteriormente dito relativamente aos interesses públicos gerenciados pelo poder público (a propósito, DIOGO DE FIGUEIREDO MOREIRA NETO, in RDA 209:81-90; LEON FREDJA SZKLAROWSKY, in RDA 209:105-107; CAIO TACITO, in RDA 210:111-115).


8. De todas as ponderações até aqui expendidas, demonstra-se, de uma parte, a situação especial e diferenciada do Estado na relação processual, como decorrência do regime jurídico-administrativo, de natureza pública; de outra parte, a especificidade da advocacia de Estado, nas diferentes esferas políticas, mormente a federal e as estaduais. Esteve-se diante do que foi e do que hoje é, ou seja, de como anteriormente estava delineado e como se apresenta nos dias atuais.

Cumpre, entretanto, avançar mais. E, pois, colocar os rumos que estão postos e que se abrem à atuação da advocacia pública, diria mesmo serem perspectivas que praticamente constituem imposição das mudanças por que passa a advocacia, de um modo geral, mediante as condições mesmas da sociedade que lhe conferiram nova maneira de estar e de ser como profissão e, pois, indicaram novo modo de desempenho ao seu profissional, e às novas modalidades do atuar estatal, a que se acrescenta, no que pertine ao tema enfocado, reformulação do próprio conteúdo que firma a noção de justiça. Ressalte-se, por necessário, que essas mudanças ocorrem, quase sempre, sem saltos e sem alterações bruscas ou desvinculadas de uma realidade social que, ainda mutante, guarda um substrato de ligação ao passado.

A advocacia estatal, sem deixar de curar a defesa do Estado, evoluiu das suas tradicionais funções - procuratório e consultoria, mercê da complexidade dos problemas da gestão pública, transformando-se seja em finalidade, seja em suas modalidades, seja, ainda, em suas características operacionais.

No primeiro aspecto, deu-se ênfase à juridicidade integral da ação administrativa, evoluindo, no dizer de DIOGO MOREIRA NETO, do interesse material da Administração Pública até o interesse público imaterial, consoante expresso comando lançado no art.37,caput, e no art.70, caput, da Constituição Federal. No segundo aspecto, ou seja, em suas modalidades, constituem a representação judicial e a consultoria núcleo de um conjunto de funções, que se distribuem em três tipos de atividades: a orientação, a defesa e o controle jurídicos da atividade administrativa. É ainda o citado administrativo que explicita essas funções, indicando a orientação jurídica bipartida em assistência e consultoria, sendo esta função principal exercida com autonomia e em beneficio imediato da própria ordem jurídica, enquanto a assistência é "função ancilar e de apoio, exercida sem autonomia e em benefício de um órgão de decisão administrativa." (in "A Advocacia de Estado e as novas competências federativas", Rev.de Informação Legislativa, n.129: 275-279) No plano da defesa jurídica, a evolução é marcada pela defesa dita integral, que inclui a judicial e extrajudicial. A terceira e nova função, reputada a mais importante, pelas modalidades de que se pode revestir, sinaliza para um acompanhamento simultâneo da atividade administrativa.

Nessa mesma linha de novidade na visão e na compreensão da advocacia pública, analisa SERGIO DE ANDREA FERREIRA a inserção constitucional na qualidade de função esssencial à Justiça, interpretando Justiça além da prestação jurisdicional para açambarcar uma atuação justa do mecanismo estatal. (in "Comentários à Constituição", v.3,Freitas Bastos, p.12).

Quanto às características operacionais, apresentam-se, com crescente nitidez, a discricionariedade técnica, a despolitização, a privatividade e a independência funcional. Verdade é que nem todas essas características estão, hoje, explícitas na advocacia de Estado, em suas instâncias federativas, tais a privatividade e a independência funcionais. A propósito, opinião discordante de ADILSON DE ABREU DALLARI no sentido da atenuação da privatividade contida no artigo 132 da Constituição Federal, considerando que se limita a "tarefas usuais e corriqueiras de consultoria e representação judicial" e não se incompatibiliza "com a contratação esporádica de advogados para determinados serviços" indicando para tanto "assuntos de grande repercussão política, correspondentes a programas ou prioridades determinadas exatamente pela superestrutura política eleita democraticamente pelo corpo social" que requerem "o concurso, ou de assistentes jurídicos nomeados para cargos de provimento em comissão, ou a contratação temporária de profissionais alheios ao corpo permanente de servidores." Apesar de toda a boa argumentação, como de se esperar, do renomado professor e jurista, não convencem as razões, pelo fato de que as decisões políticas são e devem continuar sendo da autoridade, restando aos procuradores das pessoas públicas a indicação do "iter"ou "modus faciendi" segundo o Direito.

É verdade que situações especiais existem, como se pode considerar aquela em que houver necessidade de parecer sobre matéria relevante e altamente especializada. Porém, o juízo de conveniência deverá ser do órgão jurídico público.

Aliás, no que diz respeito aos Estados-membros, o entendimento jurisprudencial do Pretório Excelso foi expresso, em liminar concedida em ADIn (ADIn n.881, proposta pela OAB contra Lei Complementar editada pelo Estado do Espírito Santo, instituidora de cargos comissionados de Assessor Jurídico no Poder Executivo), mas bem discutido o assunto e em argumentação delineada de modo a vislumbrar a segurança da decisão definitiva de mérito, pelos Ministros Celso de Mello e Néri da Silveira. O primeiro, relator da ADIn, focalizou em forma e conteúdo precisos que "o conteúdo normativo do art.132 da Constituicão da República revela os limites materiais em cujo âmbito processsar-se-á a atuação funcional dos integrantes da Procuradoria Geral do Estado e do Distrito Federal. Nele contém-se norma que, revestida da eficácia vinculante e cogente para as unidades federadas locais, não permite conferir a terceiros – senão aos próprios Procuradores do Estado e do Distrito Federal, selecionados em concurso público de provas e títulos – o exercício intransferível e indisponível das funções de representação estatal e de consultoria jurídica do Poder Executivo... Essa prerrogativa institucional, que é de ordem pública, encontra assento na própria Constituição Federal. Não pode, por isso mesmo, comportar exceções nem sofrer derrogações que o texto constitucional sequer autorizou ou previu."

Ambas, privatividade e independência funcional, são características vislumbradas implicitamente no regramento constitucional.

A mais importante vertente posta ao advogado, hoje e para o futuro, é a prevenção de litígios.

Particularmente, para o advogado público, não somente se coloca esse papel, a que já está sendo chamado, mormente no plano das procuradorias estaduais e distrital, ao cumprimento de atribuições de consultoria e de assessoria jurídicas, significando dizer o exame de atos já praticados ou em fase de preparo para ser emitido. No cumprimento dessas tarefas, reservado está à advocacia pública a vocação natural do controle, por sinal, claramente delineada em Constituições de Estados, a exemplo da Constituição do Estado do Piauí, consoante seu artigo 151:

"A lei complementar, referida no artigo anterior, estabelecerá: I......omissis......II -... e, nos limites das funções próprias do órgão, as suas respectivas atribuições, dentre as quais as seguintes: a) fixar a interpretação da Constituição, das leis, dos acordos e convênios e demais atos normativos, a ser uniformemente seguida pela administração estadual; b) assistir o Governador no controle interno da legalidade dos atos da administração pública estadual, mediante: 1) o exame de propostas, anteprojetos e projetos a ela submetidos; 2) o exame de minutas de edital de licitação, contratos, acordos, convênios ou ajustes que devem ser assinados pelo Governador, pelos Secretários de Estado ou outras autoridades indicadas em lei; 3) a proposta de declaração de nulidade de ato administrativo praticado na administração direta; 4) a elaboração de atos,quando determinada pelo Governador do Estado; c) coordenar as atividades de assessoramento jurídico dos órgãos integrantes da Advocacia Geral do Estado;..."

Esse delineamento constitucional possibilita efetivo controle sobre a atividade administrativa do Poder Executivo, em abrangência tal a permitir o seja em caráter preventivo, simultâneo e "a posteriori" ou repressivo, no plano da juridicidade. Esse controle abrangente, que atende a um ideal de alcance de cumprimento dos princípios constitucionalmente traçados para a administração estatal, é vocação a que se não podem furtar as pessoas políticas federativas. No particular, os Estados-membros encontram-se bem mais avançados que a União, que ainda não dispõe de uma advocacia unificada, o que, entretanto, não impedirá que os advogados, procuradores e assistentes jurídicos possam desempenhar a contento a importante tarefa de realizar a Justiça, em sentido concreto, e não esgotada na atividade jurisdicional.

É preciso evoluir, construindo bem a principiologia da atividade administrativa pública, na defesa dos verdadeiros interesses do Estado que não podem deixar de ser, pena de traição ao povo, detentor do poder que cria, modela e garante a vida estatal, o interesse coletivo.

Para tanto, imperioso é transformar o entendimento de administradores e de advogados públicos para uma visão nova, que exclui toda forma de personalismo. E SERGIO DE ANDREA FERREIRA expressa com precisão essa nova visão referenciada: "Na instância administrativa, seja contenciosamente, ou não, a "vitória" da administração pública será a execução justa da lei, mesmo que, para isso, tenha de reconhecer que errou, e modifique, revogue, anule seus atos, supra suas omissões. A justiça - num sentido ainda mais amplo e profundo do que aquela cuja realização está entregue ao judiciário - é obrigação do administrador público, e para ele também serve, na sua realização, a simbologia de Têmis." (cit)

É a esse modo de atuar da Administração Pública que o advogado emprestará o seu valioso contributo e nele repousa a extrema valorização da advocacia pública, no exercício de orientação e controle da atividade administrativa, o que lhe propiciará intervir na construção dos valores consagrados em nossa Carta Republicana, mormente a observância dos princípios insculpidos no artigo 37, com ênfase à moralidade, de cujo alcance dependem a efetividade da ordem jurídica democrática e a fruição por todos dos atributos da cidadania.


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Informações sobre o texto

Artigo elaborado a partir de palestra proferida no VIII Congresso de Advogados de Mato Grosso do Sul, julho/99. Texto publicado na Revista da Justiça Federal do Piauí nº 1, vol. 1, jul/dez 2000

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OMMATI, Fides Angélica. Advocacia pública - algumas reflexões. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 51, 1 out. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2111. Acesso em: 27 abr. 2024.