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Cancelamento de restos a pagar

Cancelamento de restos a pagar

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Parecer sobre restos a pagar, tratando da possibilidade de serem cancelados os que estão inscritos até o ano de 2011, tanto processados quanto os não processados, e sobre sua prescrição após 5 anos.

 

RESTOS A PAGAR. CANCELAMENTO. PRESCRIÇÃO. “Restos a Pagar” inscritos até o ano de 2001, sejam eles “processados” ou “não processados”, devem ser cancelados em face do disposto no artigo 68, do Decreto nº 93.872/86. O cancelamento de empenhos, mesmo que em decorrência de previsão legal, não afastará a obrigação da Administração Pública de pagar tais débitos, sob pena de configurar-se seu enriquecimento sem causa. A legislação vigente prevê que prescreve em cinco anos a dívida passiva referente a “Restos a Pagar” (art. 70, da Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964).


 

CONSULTA

Encaminha-nos Prefeitura Municipal consulta nos seguintes termos:

“Qual o entendimento em relação ao cancelamento dos restos a pagar, podem ser cancelados ou não os que estão inscritos até o ano de 2011, tanto processados quanto os não processados?

Esses restos a pagar prescrevem depois de 05 anos?”


 

PARECER

A consulta refere-se expressamente a Restos a Pagar inscritos até o ano de 2001, ou seja, relativos àquele período então sob o efeito inicial das inovações introduzidas na matéria pela Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade na Gestão Fiscal - LRF). Posteriormente ao advento de tal novo regramento, este Centro de Estudos analisou as repercussões havidas em relação ao tema, merecendo transcrição parecer[1] no qual ficou bem contextualizada a questão, com relevo para o período específico apontado na consulta:

“A QUESTÃO DOS `RESTOS A PAGAR´

Esta é, sem dúvida, uma das mais complexas questões do nosso Direito Financeiro. A recente promulgação da Lei de Responsabilidade Fiscal poderia ter resolvido boa parte das indagações que esta questão tem suscitado; entretanto, os vetos do Sr. Presidente da República ao artigo 41 e alínea `a´ do inciso I do artigo 5º contribuíram para aumentar as  dúvidas sobre o assunto e por isso mesmo faz-se necessária uma análise mais detalhada  deste tema.

Inicialmente, é importante lembrar que a Lei federal nº 4.320/64, que há mais de três décadas vem regulamentando as normas gerais de Direito Financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços dos entes públicos, continua em pleno vigor e fixa, entre outros, dois princípios essenciais à análise da questão ora proposta.

O primeiro princípio (da anualidade) está no artigo 34, que assim define:

`Art. 34. O exercício financeiro coincidirá com o ano civil´.

O segundo princípio está expresso no artigo 35.

`Art. 35. Pertencem ao exercício financeiro:

I – as receitas nele arrecadadas; e

II – as despesas nele legalmente empenhadas´.

De pronto, isso significa que as despesas legalmente empenhadas no exercício de 2000 devem onerar a execução orçamentária daquele exercício, mesmo que venham a ser efetivamente pagas em 2001. Claro está que neste caso o legislador partiu da presunção de que os administradores, ao empenharem determinadas despesas, estariam amparados pela respectiva disponibilidade financeira; a responsabilidade do administrador público é inerente ao cargo que ocupa. Afinal, existe uma lei orçamentária estimando a receita e fixando as despesas para o exercício e, mais do que isso, existem regras bastante rígidas para a realização de qualquer despesa.

Como é sabido, as despesas públicas passam, principalmente, por quatro estágios: programação, empenho, liquidação e pagamento.

A programação, estabelecida até 30 dias após a publicação do orçamento, estimará um cronograma mensal de desembolso até o final do exercício (artigo 3º da Lei de Responsabilidade Fiscal).

Já o empenho, segundo o artigo 58 da Lei nº 4.320/64, `É o ato emanado de autoridade competente que cria ao Estado obrigações de pagamento pendente ou não de implemento de condição´.

E ainda o artigo 60 da citada Lei determina que: `É vedada a realização de despesa sem prévio empenho´.

Também o artigo 61 explicita: `Para cada empenho, será extraído um documento denominado ‘nota de empenho, que indicará o nome do credor, a especificação e a importância da despesa, bem como a dedução desta do saldo da dotação própria´.

Portanto, o empenho é um dos atos mais importantes da Administração Pública, pois garante e assegura o pagamento ao fornecedor e prestador do serviço; se o administrador público perceber, ao longo do exercício financeiro, que não terá condições de realizar a despesa autorizada no orçamento, porque a receita não está acompanhando as previsões orçamentárias, deverá, por ato próprio e nos montantes necessários, limitar os empenhos para evitar que, ao final do exercício restem despesas a pagar sem a devida provisão financeira; aliás, o artigo 9º da Lei de Responsabilidade Fiscal é muito claro neste sentido.

Assim, em tese, a existência da conta `restos a pagar´ só se justificaria para atender a alguns casos em que a `liquidação´ ou `pagamento´ da despesa estavam em fase de processamento ao encerramento do exercício.

Tomemos como exemplo o caso do fornecedor que entrega um determinado bem no final do exercício e o órgão público, que recebe a mercadoria, precisa verificar se ela atende às especificações constantes no contrato, e para isso necessita de alguns dias. Neste caso, estamos diante do procedimento de `liquidação´ da despesa que antecede o pagamento e que é assim definido pelo artigo 62 da Lei 4.320/64:

`Art. 63. A liquidação da despesa consiste na verificação do direito adquirido pelo credor, tendo por base os títulos e documentos comprobatórios do respectivo crédito.

§ 1º. Essa verificação tem por fim apurar:

I – a origem e o objeto do que se deve pagar;

II – a importância exata a pagar;

III – a quem se deve pagar a importância, para extinguir a obrigação.

§ 2º. A liquidação da despesa, por fornecimentos feitos ou serviços prestados, terá por base:

I – o contrato, ajuste ou acordo respectivo;

II – a nota de empenho;

III – os comprovantes da entrega do material ou da prestação efetiva do serviço´.

Mas pode acontecer que a despesa venha a ser `liquidada´ conforme o § 1º acima citado, mas conste no contrato de fornecimento do bem que o pagamento ocorrerá, por exemplo, no 10º dia após a entrega. Neste caso, dizemos que a despesa foi liquidada, mas ainda está pendente de pagamento.

O mesmo acontece, por exemplo, com a folha de pagamento do mês de dezembro, que só será paga no dia 5 do mês de janeiro do ano seguinte. Claro que os servidores prestaram seus serviços no mês de dezembro e, portanto, estas despesas de pessoal, obrigatoriamente, devem onerar a execução orçamentária do exercício financeiro encerrado em 31 de dezembro.

Portanto, é para atender a casos assim que a legislação prevê a conta `restos a pagar´. Entretanto, em nosso País, a criatividade (para não dizer irresponsabilidade) dos administradores públicos não tem limite e, ultimamente, tem prosperado uma nova forma de `empréstimo compulsório´, que embora ilegal, é amplamente tolerado pela complacência dos Tribunais fiscalizadores e das autoridades responsáveis pela instauração da ação penal, prevista no Decreto-Lei nº 201/67. Trata-se do financiamento de déficits orçamentários anuais através da aplicação de `calote´ a fornecedores de bens e serviços e, às vezes, até aos próprios servidores, ou seja: gasta-se mais do que sabidamente se  poderia gastar e deixam-se para  o exercício seguinte o pagamento de salários e contas referentes ao exercício encerrado.

Como a conta `restos a pagar´ vinha sendo sistematicamente utilizada para financiar déficits orçamentários, tendo como conseqüência um aumento no endividamento público de curto e médio prazo, e ante a complacência dos órgãos  fiscalizadores, o governo federal, ao encaminhar o projeto original da Lei Complementar nº 101/00 (Lei de Responsabilidade Fiscal), procurou dificultar esse mecanismo, impondo limites, nos seguintes termos (redação original dos atuais artigos 41 e 42 da Lei de Responsabilidade Fiscal):

`Art. (...) Somente serão inscritas em restos a pagar as despesas empenhadas e efetivamente realizadas até o último dia do exercício financeiro, cuja liquidação se tenha verificado no próprio exercício ou possa ocorrer até o encerramento do primeiro mês do exercício seguinte.

§ 1º. Considera-se liquidada a despesa cuja contraprestação em bens, serviços ou obras tenha sido declarada como efetivamente executada e comprovada, mediante a apresentação da documentação respectiva.

§ 2º. No encerramento do exercício financeiro, o montante das inscrições em restos a pagar ficará limitado, em relação a cada um dos Poderes, de cada ente da Federação, ao valor resultante da soma.

I – do saldo da disponibilidade financeira do respectivo Poder, existente no último dia útil do exercício; e

II – do valor equivalente a cinco por cento do total das despesas correntes do respectivo Poder, efetivamente pagas no exercício.

§ 3º. No âmbito de cada Poder, adicionalmente ao disposto no parágrafo anterior, o limite de inscrições observará, ainda, as disponibilidades concernentes a cada órgão, fundo ou entidade e, quando for o caso, sua destinação por finalidade.

§ 4º. No último ano da legislatura e do mandato do Presidente da República, Governador de Estado ou Prefeito Municipal, conforme o caso, o Poder Legislativo e o Poder Executivo, respectivamente, não contrairão obrigação cuja despesa não possa ser paga no mesmo exercício financeiro ou, caso reste parcela a ser paga no exercício seguinte, que não tenha contrapartida suficiente de disponibilidade de caixa, não se aplicando, nesse caso, a norma do inciso II do § 2º.

§ 5º. Os empenhos não liquidados até o final do exercício financeiro ou que, preenchidos os requisitos, não tenham sido inscritos em restos a pagar, por força do disposto nos §§ 2º e 3º, serão cancelados no encerramento do exercício e, na hipótese de persistir o interesse do poder público ou o direito do credor, a despesa será regularmente orçada e empenhada no exercício subseqüente´ (grifamos).

A proposta inicial do governo federal era, portanto, bastante interessante e esclarecedora, pois ao menos definia o tamanho do “calote” que seria permitido durante o mandato (de até 5% do total das despesas correntes efetivamente pagas no exercício) e fixava um prazo para que os empenhos pudessem ser liquidados, que, no caso, seria até o dia 31 de janeiro do exercício seguinte. Todavia, no último ano de mandato, nenhuma despesa poderia ficar para o exercício seguinte, sem que houvesse dinheiro em caixa para honrar seu pagamento.

Por sua vez, o projeto de lei, que fixava as penas para os administradores que não respeitassem a Lei de Responsabilidade Fiscal, acrescentava ao Código Penal três artigos específicos para quem não acatasse as determinações sobre restos a pagar, conforme reproduzido a seguir:

`Art. 359-B. Promover, ordenar ou autorizar a inscrição em restos a pagar, de despesa que não tenha sido previamente empenhada ou liquidada ou que exceda limite estabelecido em lei.

Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos (NR).

Art. 359-C. Promover, ordenar ou autorizar a assunção de obrigação, no último ano do mandato ou legislatura, cuja despesa não possa ser paga no mesmo exercício financeiro ou, caso reste parcela a ser paga no exercício seguinte, que não tenha contrapartida suficiente de disponibilidade de caixa.

Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos (NR).

Art. 359-H. Deixar de ordenar, autorizar ou de promover o cancelamento do montante de restos a pagar inscrito em valor superior ao permitido em lei.

Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos´ (NR).

Entretanto, o Congresso Nacional resolveu alterar a redação original da proposta governamental, apresentando o seguinte substitutivo:

`Art. 41. Observados os limites globais de empenho e movimentação financeira, serão inscritas em Restos a Pagar:

I – as despesas legalmente empenhadas e liquidadas, mas não pagas no exercício;

II – as despesas empenhadas e não liquidadas que correspondam a compromissos efetivamente assumidos em virtude de:

a)            normas legais e contratos administrativos;

b)         convênio, ajuste, acordo ou congênere, com outro ente da Federação, já assinado, publicado e em andamento.

§ 1º. Considera-se em andamento o convênio, ajuste, acordo ou congênere cujo objeto esteja sendo alcançado no todo ou em parte.

§ 2º. Após deduzido de suas disponibilidades de caixa o montante das inscrições realizadas na forma dos incisos I e II do caput, o Poder ou órgão referidos no art. 20 poderá inscrever as demais despesas empenhadas, até o limite do saldo remanescente.

§ 3º. Os empenhos não liquidados e não inscritos serão cancelados´ (grifamos).

Por esta redação, entendemos nós que só poderiam ser inscritas em restos a pagar as despesas empenhadas até o limite das disponibilidades de caixa; os demais empenhos seriam cancelados; entretanto, este entendimento se complicava quando combinado com o inciso III, alínea “a”, do artigo 5º, que assim definia:

`Art. 5º. O projeto de lei orçamentária anual, elaborado de forma compatível com o plano plurianual, com a lei de diretrizes orçamentárias e com as normas desta Lei Complementar.

...

III – conterá reserva de contingência, cuja forma de utilização e montante, definido com base na receita corrente líquida, serão estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias, destinada ao:

a)                pagamento de restos a pagar que excederam as  disponibilidades de caixa ao final do exercício, nos termos do art. 41´.

Ora, a combinação destes dois dispositivos era realmente incongruente, pois o artigo 5º, ao prever a utilização da reserva de contingência para cobrir restos a pagar do exercício anterior, feria o princípio em que se assenta tal reserva que não possui conceito de saldo financeiro. Também, como justificou o Presidente da República no seu veto ao artigo 41 e especificamente a este dispositivo do artigo 5º, tal procedimento admitia a possibilidade de déficits orçamentários, `in verbis´:

`(...) Além disso, o dispositivo apresenta-se flagrantemente contrário à responsabilidade fiscal, na medida em que pressupõe a execução de despesas acima das disponibilidades financeiras do exercício.

Ademais, sendo a proposta orçamentária encaminhada ao Poder Legislativo quatro meses antes do encerrado o exercício financeiro, tornar-se-ia impossível prever o montante das despesas que seriam executadas sem a correspondente cobertura financeira.

Além das razões acima, o aludido dispositivo contraria outras disposições do presente projeto de lei complementar, que determinam a obtenção de superávits primário e nominal e dispõem sobre a compatibilização entre receita e despesa.

Por esses motivos, sugere-se a oposição ao veto à referida alínea por ser contrária ao interesse público´.

Com o veto integral ao artigo 41 e o veto à alínea `a´ do inciso III do artigo 5º, os restos a pagar ficaram sem regulamentação específica na LRF e, neste caso, prevalecem os princípios gerais que norteiam a Lei federal nº 4.320/64 e a Lei de Responsabilidade Fiscal, que, como já comentado, determinam, ao longo dos seus dispositivos, que as execuções orçamentárias devem ser equilibradas, evitando-se o surgimento de déficits imoderados e reiterados e, neste sentido, não há como transferir de um exercício para outros restos a pagar sem a correspondente disponibilidade de caixa.

Portanto, como bem enfatiza o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, em seu `Manual Básico´ sobre a Lei de Responsabilidade Fiscal:

`Assim, em 31 de dezembro, as despesas do exercício, não pagas, precisarão estar, todas elas, amparadas no ativo financeiro (conta caixa e bancos)´.

De outro lado, o artigo 42 manteve o espírito do projeto original do governo e é ainda mais restritivo, limitando, durante os últimos oito meses de governo – de maio a dezembro -, a celebração de contratos (obras, serviços, etc.) que se estendam além do mandato, salvo se existirem disponibilidades de caixa para fazer frente a estas obrigações que serão liquidadas no exercício seguinte.

A idéia é evitar que o mandatário, ao final de sua gestão, assuma contratos de obras e serviços que serão suportados pela Administração seguinte. Obviamente que esse dispositivo não surgiu à toa; a história recente tem mostrado do que são capazes os administradores públicos, em final de mandato, e as dificuldades enfrentadas pelos novos mandatários que, ao assumirem a Administração Pública, encontram as finanças totalmente comprometidas.

A combinação do `caput´ do artigo 42 com seu parágrafo único pretendia obrigar, já a partir do exercício de 2000, os administradores a deixar a `casa em ordem´ para os seus sucessores, pois todas as dívidas vencidas, mesmo as que  vinham se arrastando de exercícios anteriores, deviam ser consideradas como `encargos e despesas compromissadas´, a pagar até o final do exercício, para  fins de cálculo das disponibilidades de caixa consideradas no parágrafo único.

Claro está que as Prefeituras foram pegas de surpresa e a maioria delas não conseguiu atender às exigências do artigo 42 e, no desespero, para escapar das penalidades pessoais impostas pela nova legislação, muitos administradores adotaram `soluções mágicas´, tentando de todas as formas fechar o balanço de execução orçamentária de forma equilibrada. Uma das soluções mágicas encontradas foi o cancelamento de empenhos, a maior parte já liquidados e não pagos por absoluta falta de recursos financeiros. Isto, como já comentado, é `calote´ e, portanto, é ilegal, como veremos em seguida.


 

O CANCELAMENTO DE EMPENHOS

Como já comentado no tópico anterior, a despesa pública passa por várias fases, sendo o `empenho´ uma das fases mais importantes, pois, conforme dispõe o artigo 58 da Lei 4.320/64, `o empenho de despesa é o ato emanado de autoridade competente que cria para o estado obrigação de pagamento pendente ou não de implemento de condição´ (grifamos).

Na verdade, o empenho é uma reserva que o Poder Público faz ou uma garantia dada ao fornecedor ou prestador de serviço de que ele será pago, desde que cumpra com suas obrigações contratuais.

Ainda o artigo 59 da citada Lei 4.320/64 assim disciplina a questão do empenho:

`Art. 59. O empenho da despesa não poderá exceder o limite dos créditos concedidos.

§ 1º. Ressalvado o disposto no artigo 67 da Constituição Federal, é vedado aos Municípios empenhar, no último mês do mandato do Prefeito, mais do que o duodécimo da despesa prevista no orçamento vigente.

§ 2º. Fica, também, vedado aos Municípios, no mesmo período, assumir, por qualquer forma, compromissos financeiros para execução depois do término do mandato do Prefeito.

§ 3º. As disposições dos parágrafos anteriores não se aplicam nos casos comprovados de calamidade pública.

§ 4º. Reputam-se nulos e de nenhum efeito os empenhos e atos praticados em desacordo com o disposto nos parágrafos 1º e 2º deste artigo, sem prejuízo da responsabilidade do Prefeito nos termos do artigo 1º, inciso V, do Decreto-Lei nº 201, de 27 de fevereiro de 1967.

Art. 60. É vedada a realização de despesa sem prévio empenho´.

Algumas destas restrições, como já comentado, foram modificadas pelo artigo 42 da LRF, mas demonstram a preocupação do legislador com a questão.

Todavia, a simples emissão do empenho não cria a obrigação de pagamento e em certos casos os empenhos podem ser cancelados. Assim, tomemos como exemplo o caso da Prefeitura que contrata a execução de uma obra, emite a respectiva nota de empenho e aguarda o contratante a executá-la. Se, passado o prazo contratual, a empresa desistir de executar a obra ou executá-la de forma inadequada, tal contrato poderá ser rescindido e, neste caso, o respectivo empenho será cancelado.

Se, entretanto, a empresa executou a obra e esta foi regularmente recebida pela Prefeitura, dizemos que a despesa foi regularmente processada ou regularmente liquidada e, portanto, o próximo passo será o pagamento. Neste caso não existe a possibilidade de se cancelar o empenho, pois a despesa já foi processada ou liquidada e restou para o Poder Público a obrigação do pagamento.

Negar o pagamento de uma despesa regularmente processada ou liquidada, sem que haja uma justificativa legal, é `calote´. O Poder Público não pode, de ofício, sem qualquer justificativa, cancelar um crédito a que o fornecedor tem direito por um contrato que foi integralmente cumprido e liquidado. Tal procedimento configura crime de responsabilidade.

O que aconteceu, em dezembro/2000, foi que vários Prefeitos, assustados com o rigor do artigo 42 da Lei de Responsabilidade Fiscal e com o crime tipificado no artigo 359-C do Código Penal (redação dada pela Lei federal nº 10.028/2000), optaram por cancelar empenhos referentes a despesas que tinham sido legalmente processadas, sem qualquer justificativa, a não ser o fato de a Prefeitura não ter recursos em caixa para poder ordenar o seu regular pagamento. Aqui, mais uma vez, os Executivos Municipais demonstraram o seu despreparo para a vida pública, ao confundirem a pessoa física do agente público com a pessoa jurídica do Município.

Ora, as obrigações do Município regularmente constituídas para com terceiros continuarão a existir, até que sejam pagas, independentemente de quem estiver ocupando o cargo de Prefeito, e tais obrigações devem, obrigatoriamente, constar no Balanço Patrimonial do Município. O cancelamento unilateral de empenhos, referentes a despesas já processadas, não tem o condão de fazer desaparecer as dívidas do Município para com terceiros.

Vejamos o teor de alguns artigos da referida Lei nº 4.320/64, que tratam da compatibilização dos direitos e obrigações do Município:

`Art. 88. Os débitos e créditos serão escriturados com individuação do devedor ou do credor e especificação da natureza, importância e data do vencimento, quando fixada´.

`Art. 90. A contabilidade deverá evidenciar, em seus registros, o montante dos créditos orçamentários vigentes, a despesa empenhada e a despesa realizada, à conta dos mesmos créditos, e as dotações disponíveis´.

`Art. 92. A dívida flutuante compreende:

I – restos a pagar, excluídos os serviços da dívida;

II – os serviços da dívida a pagar;

III – os depósitos;

IV – os débitos de tesouraria.

Parágrafo único. O registro dos restos a pagar far-se-á por exercício e por credor, distinguindo-se as despesas processadas das não processadas´(grifamos).

`Art. 93. Todas as operações de que resultem débitos e créditos de natureza financeira, não compreendidas na execução orçamentária, serão também objeto de registro, individuação e controle contábil´.

Naturalmente que a lei impõe ao Chefe do Executivo uma série de obrigações e é inimaginável que este, através de um decreto ou de um simples despacho, ordene ao contador que providencie o `desaparecimento´, na contabilidade do Município, de dívidas (restos a pagar) para com determinados  fornecedores, pelo simples fato de não querer ser acusado  por uma gestão orçamentária deficitária.

Neste caso, tanto o decreto como o despacho, por si só, jamais poderão produzir os efeitos pretendidos, isto porque são desprovidos de fundamento legal, por contrariarem as normas que disciplinam a matéria (Lei 4.320; 64, Lei Complementar nº 101/00 e Lei federal 8.666/93).


 

PROCEDIMENTO DAS NOVAS ADMINISTRAÇÕES

Embora o exercício financeiro tenha se encerrado em 31/12/2000, caberá aos atuais integrantes da Administração Municipal, que assumiram os cargos em 1º/1/2001, elaborar os relatórios previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal (relatório resumido da execução orçamentária e relatório de gestão fiscal), além de elaborar os balanços orçamentário, financeiro e patrimonial e os respectivos quadros demonstrativos, previstos na Lei federal nº 4.320/64.

Os relatórios, os balanços e as demonstrações financeiras e patrimoniais devem ser elaborados de acordo com as normas legais em vigor, ou seja, a Lei nº 4.320/64 e a Lei Complementar nº 101/00.

Sob este enfoque, os artigos 48 a 50 da LRF, parcialmente reproduzidos a seguir, são bastante elucidativos:

`Art. 48. São instrumentos de transparência da gestão fiscal, aos quais será dada ampla divulgação, inclusive em meios eletrônicos de acesso público: os planos, orçamentos e leis de diretrizes orçamentárias; as prestações de contas e o respectivo parecer prévio; o Relatório Resumido da Execução Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal; e as versões simplificadas desses documentos.

Art. 49. As contas apresentadas pelo Chefe do Poder Executivo ficarão disponíveis, durante todo o exercício, no respectivo Poder Legislativo e no órgão técnico responsável pela sua elaboração, para consulta e apreciação pelos cidadãos e instituições da sociedade´ (grifamos).

`Da Escrituração e Consolidação das Contas

Art. 50. Além de obedecer às demais normas de contabilidade pública, a escrituração das contas públicas observará às seguintes:

I – disponibilidade de caixa constará de registro próprio, de modo que os recursos vinculados a órgão, fundo ou despesa obrigatória fiquem identificados e escriturados de forma individualizada;

II – a despesa e a assunção de compromisso serão registrados segundo o regime de  competência, apurando-se, em caráter complementar,  o resultado dos fluxos financeiros pelo regime de caixa;

...

V – as operações de crédito, as inscrições em restos a Pagar e as demais formas de financiamento ou assunção de compromissos junto a terceiros, deverão ser escrituradas de modo a evidenciar o montante e a variação da dívida pública no período, detalhando, pelo menos, a natureza e o tipo de credor;´ (grifamos).

Assim, é inadmissível que determinações dos ex-Prefeitos na forma de decretos ou de despachos administrativos,  ao apagar das luzes dos seus mandatos, expedidos em absoluta desconformidade com leis nacionais que regulamentam a matéria, sejam considerados válidos pela atual Administração, que tem a incumbência de garantir  a transparência da gestão fiscal, através da elaboração dos já citados Relatórios.

Nesse sentido, uma despesa legalmente empenhada e liquidada no exercício de 2000, mesmo que só vá ser paga em 2001, deve, obrigatoriamente, ser considerada como despesa do exercício de 2000 para todos os fins, conforme determina o artigo 50, inciso II, da LRF acima reproduzido, pouco importando se o ex-Prefeito, através de um decreto expedido no  último dia de mandato, determinou o cancelamento  de tal empenho para que este não onerasse o saldo da conta Restos a Pagar.

Da mesma forma que a folha de pagamento de dezembro de 2000 e o 13º salário do exercício de 2000 devem, obrigatoriamente, onerar a execução orçamentária de 2000, mesmo que o  ex-Prefeito não tenha autorizado a emissão do respectivo empenho naquele exercício, afinal como  reza o artigo 18, § 2º, da LRF:

`Art. 18. ...

...

§ 2º. A despesa total com pessoal será apurada, somando-se a realizada no mês de referência com as dos onze imediatamente anteriores, adotando-se o regime de competência´ (grifamos).

É por isso que, mesmo que venham a ser pagas no presente exercício, as despesas de pessoal do exercício anterior, devem onerar as dotações daquele exercício e, também, devem ser computadas no respectivo mês de competência, para fins de apuração dos limites de gastos com pessoal.

(...)


 

A ORDEM CRONOLÓGICA DE PAGAMENTOS

A obrigatoriedade de se respeitar a ordem cronológica de pagamentos, impedindo-se, assim, o favorecimento de credores da Fazenda Pública, está inserida em nosso ordenamento constitucional desde 1934.

A Lei federal nº 8.666/93 (Lei de Licitações e Contratos) trata a questão nos seguintes termos:

`Art. 5º. Todos os valores, preços e custos utilizados nas licitações terão como expressão monetária a moeda corrente nacional, ressalvado o disposto no art. 42 desta Lei, devendo cada unidade da Administração, no pagamento das obrigações relativas ao fornecimento de bens, locações, realização de obras e prestação de serviços, obedecer, para cada fonte diferenciada de recursos, a estrita ordem cronológica das datas de suas exigibilidades, salvo quando presentes relevantes razões de interesse público e mediante prévia justificativa da autoridade competente, devidamente publicada.

§ 1º. Os créditos a que se refere este artigo terão seus valores corrigidos por critérios previstos no ato convocatório e que lhes preservem o valor.

§ 2º. A correção de que trata o parágrafo anterior, cujo pagamento será feito junto com o principal, correrá à conta das mesmas dotações orçamentárias que atenderam aos créditos a que se referem.

§ 3º. Observado o disposto no caput, os pagamentos decorrentes de despesas cujos valores não ultrapassem o limite de que trata o inciso II do art. 24, sem prejuízo do que dispõe seu parágrafo único, deverão ser efetuados no prazo de até 5 (cinco) dias úteis, contados da apresentação da fatura´[2] (grifamos).

Isto significa que os `restos a pagar´, referentes a exercícios anteriores, devem ser pagos antes das novas compras ou contratações, ressalvadas as `relevantes razões de interesse público´, que devem ser justificadas e devidamente publicadas no Diário Oficial do Município ou do Estado.

Assim, se, por exemplo, o Município tem uma dívida com um determinado posto de gasolina pelo fornecimento de combustível referente ao exercício de 2000 e, neste momento, celebra um novo contrato de fornecimento com outro posto, em tese, não poderá quitar as despesas pelo fornecimento com o novo posto, sem antes quitar as obrigações referentes ao antigo contrato. Isto vale, naturalmente, para outros tipos de dívidas referentes a obras, serviços e fornecimento de materiais. Não importa se o contrato anterior foi assinado pelo ex-Prefeito, o que conta é que o devedor é a pessoa jurídica do Município. Esta é, com certeza, mais uma questão que irá exigir verdadeiros malabarismos nos Municípios que deixaram `restos a pagar´ sem a correspondente disponibilidade de caixa.” (grifos no original, negritos nossos).

Posteriormente, o mesmo tema foi retomado em diversos estudos resultantes em pareceres, sem alterações significativas.

O conteúdo deste estudo delineia o contexto que envolveu o tema então e ainda agora abrange a situação trazida pela consulente, indicando no sentido da solução de suas dúvidas, mormente considerando se tratarem de inscrições ocorridas até 2001, o que implica em indispensável observância às ponderações acima.

Ao enfrentar a tormentosa questão que se apresentava aos Municípios, a Corte de Contas paulista apontou o posicionamento cauteloso, na análise de cada caso concreto, a ser necessariamente adotado nos julgamentos dos procedimentos adotados pelas Administrações jurisdicionadas para cumprimento da nova LRF, em resposta a “Consulta sobre cancelamento de empenhos em exercícios anteriores” (TC-016367/026/01), com voto do Conselheiro Renato Martins Costa, aprovado pelo Tribunal Pleno em sessão de 19 de setembro de 2001[3], do qual resulta reforçado o entendimento deste CEPAM quanto à impossibilidade de ser admitido que o Poder Público descumpra suas obrigações de pagamento nas hipóteses de efetiva prestação de serviços ou fornecimentos por seus contratados, em que pese a indispensabilidade de cumprimento da inovação legal:

“Louvo, desde já, a iniciativa de Sua Excelência, o Sr. Presidente - Conselheiro Edgard Camargo Rodrigues, que sensível às incertezas aflitivas dos atuais Prefeitos e muito provavelmente daqueles que forneceram bens ou prestaram serviços ao Poder Público sem receber a contraprestação pecuniária devida, resolveu que esta Corte deveria se debruçar sobre a questão a fim de traçar orientação visando a correta aplicação da lei.

Não se trata de tarefa simples, mas buscarei situar os Srs. Conselheiros na conjuntura vivida à época em que a solução do cancelamento ou anulação dos restos a pagar e dos empenhos foi adotada, tentando não me afastar do tema central pretendido, que é dar aos Prefeitos desses Municípios e aos demais gestores que levaram a cabo tal medida, orientação que satisfaça o interesse público e os demais princípios que regem a Administração.(...)

A análise do Tribunal, em qualquer caso, deve passar pela análise de cada hipótese, verificando a concretude das ações empreendidas.O mesmo cuidado, o da verificação do caso concreto, deverá ser adotado quando do exame dos atos praticados pelo Administrador que deu causa a situação ora estudada.De qualquer forma, uma certeza nos resta: a impropriedade do mecanismo de cancelamento do empenho por meio do Decreto, prejudicando aqueles que de boa fé prestaram os serviços ou forneceram bens ao Poder Público e ainda retirando, indevidamente, do passivo, despesas realizadas que, de fato, deveriam onerar o orçamento de 2000.”     

Neste passo, para a seqüencia da análise afigura-se importante relembrar-se, adicionalmente ao quanto já expedido pelo colega citado, alguns conceitos e as fases do procedimento, em linguagem, dentro do possível, de fácil compreensão, aplicáveis às situações abrangidas pela consulta, objetivando uniformização de entendimentos, o que se prestará a trazer elementos complementares para o afastamento das dúvidas da consulente.

Restos a pagar”, como visto, são despesas empenhadas e não pagas dentro do respectivo exercício financeiro, ou seja, até 31 de dezembro, conforme prevê expressamente o artigo 36[4], da Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, reafirmado no artigo 67[5], do Decreto nº 93.872, de 23 de dezembro de 1986.[6]

A conceituação de “restos a pagar” tem conexão com os estágios de execução da despesa pública, ou seja, empenho, liquidação e pagamento. O empenho[7] representa o estágio inicial da despesa pública, do qual decorrem os restos a pagar. Assim, após a emissão do empenho, torna-se impositivo à Administração Pública o oportuno desembolso financeiro, ou seja, após o fornecedor, no caso de aquisição de material, ou o prestador dos serviços, preencher os requisitos legais para a autorização de pagamento.

Liquidação[8] é o estágio subseqüente, correspondendo à constatação do direito adquirido por parte do credor, em conformidade com a documentação comprobatória do respectivo crédito (aqui em sentido, técnico, de tornar líquido, indiscutível), posteriormente ao fornecimento do bem e ou à prestação do serviço contratado. Não confundir com “liquidar” no sentido de quitar, pagar, que é outra etapa.

Pagamento[9] consiste no estágio final do processo de despesa, implicando na extinção da contraprestação do adquirente/contratante ao cumprimento do objeto da avença, tendo como pressuposto essencial o prévio ateste correspondente.

Somente na eventual hipótese de não concretização do pagamento no exercício civil em curso, desde que não ocorra a anulação do empenho (prevista como possível em expressas hipóteses legais[10]), apresenta-se a hipótese de inscrição em “restos a pagar”, a ser processada com observância de determinados procedimentos e parâmetros, que veremos.

Os “restos a pagar” podem caracterizar-se, no momento de sua inscrição, como “processados”, ou seja, despesas nas quais o credor já adimpliu suas obrigações na avença dentro do próprio exercício civil do empenhamento da despesa, encontrando-se pendente somente o pagamento pelo contratante, ou “não processados”, isto é, aquelas despesas nas quais ainda não ocorreu, quando da inscrição, a prestação dos serviços ou o fornecimento avençados, configurando-se como ilíquidas, pois não estão preenchidos os requisitos para o ateste de seu implemento.

A inscrição em “restos a pagar” de despesas empenhadas e não pagas (objetivando pagamento futuro), a ocorrer no encerramento do exercício civil (caso não sejam tais empenhos anulados naquelas já referidas hipóteses dos incisos do artigo 35, do Decreto nº 93.872/86), ocorrerá segundo a classificação acima e pelo valor específico da despesa ou por seu valor estimado, caso não esteja previamente definido (exemplificativamente, quando variável em decorrência de sua natureza, como no caso em que seja dependente de medição, em execução de obra).

Não é admitida a inscrição em “restos a pagar” sem que exista a suficiente disponibilidade de caixa garantidora para tal finalidade. Na utilização da disponibilidade de caixa deverão ser considerados os recursos e despesas compromissadas a pagar até o final do exercício, observadas as disposições contidas no art. 42 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 (LRF)[11], em sendo o caso.

Os “restos a pagar processados”, assim como os “restos a pagar não processados” que venham a ser objeto de pagamento, obviamente, terão cancelada sua inscrição, com a respectiva exclusão .

O cancelamento também deverá ser realizado nos casos de concretização da prescrição qüinqüenal[12] (caso não tenham incidido as hipóteses de causas impeditivas, suspensivas ou interruptivas de prescrição - no caso, em tese, arts. 199 e 202, da Lei federal 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil), e nas hipóteses de erro quando da inscrição ou de fato superveniente, devidamente demonstrado e justificado, que impossibilite o pagamento.

As despesas inscritas como “restos a pagar não processados”, cuja validade anteriormente estendia-se até 31 de dezembro do exercício subseqüente[13], por força de alteração trazida pelo recentíssimo Decreto nº 7.654, de 23 de dezembro de 2011, passaram a ter validade até o dia 30 de junho do segundo exercício subseqüente; conforme expressamente prevê a norma atual, não sendo liquidados neste novo prazo, devem ser cancelados (como já o deviam, naquele prazo anteriormente vigente).

Considerando a sua expressiva repercussão e que notícias, inclusive oriundas da governamental “Agencia Brasil”, divulgaram erroneamente a data de publicação do normativo no DOU[14], dificultando sua localização, afigura-se conveniente sua transcrição:

“Art. 1º  O art. 68 do Decreto nº 93.872, de 23 de dezembro de 1986, passa a vigorar com a seguinte redação: 

Art. 68.  A inscrição de despesas como restos a pagar no encerramento do exercício financeiro de emissão da Nota de Empenho depende da observância das condições estabelecidas neste Decreto para empenho e liquidação da despesa.

 1º  A inscrição prevista no caput como restos a pagar não processados fica condicionada à indicação pelo ordenador de despesas.

§ 2º  Os restos a pagar inscritos na condição de não processados e não liquidados posteriormente terão validade até 30 de junho do segundo ano subseqüente ao de sua inscrição, ressalvado o disposto no § 3º.

§ 3º  Permanecem válidos, após a data estabelecida no § 2º, os restos a pagar não processados que:    

I - refiram-se às despesas executadas diretamente pelos órgãos e entidades da União ou mediante transferência ou descentralização aos Estados, Distrito Federal e Municípios, com execução iniciada até a data prevista no § 2º; ou    

II - sejam relativos às despesas:   

a)            do Programa de Aceleração do Crescimento - PAC

b) do Ministério da Saúde; ou    

c) do Ministério da Educação financiadas com recursos da Manutenção e Desenvolvimento do Ensino.     

§ 4º  Considera-se como execução iniciada para efeito do inciso I do § 3º:    

I - nos casos de aquisição de bens, a despesa verificada pela quantidade parcial entregue, atestada e aferida; e    

II - nos casos de realização de serviços e obras, a despesa verificada pela realização parcial com a medição correspondente atestada e aferida.    

§ 5º  Para fins de cumprimento do disposto no § 2º, a Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda efetuará, na data prevista no referido parágrafo, o bloqueio dos saldos dos restos a pagar não processados e não liquidados, em conta contábil específica no Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal - SIAFI.

§ 6º  As unidades gestoras executoras responsáveis pelos empenhos bloqueados providenciarão os referidos desbloqueios que atendam ao disposto nos §§ 3º, inciso I, e 4º para serem utilizados, devendo a Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda providenciar o posterior cancelamento no SIAFI dos saldos que permanecerem bloqueados.    

§ 7º  Os Ministros de Estado, os titulares de órgãos da Presidência da República, os dirigentes de órgãos setoriais dos Sistemas Federais de Planejamento, de Orçamento e de Administração Financeira e os ordenadores de despesas são responsáveis, no que lhes couber, pelo cumprimento do disposto neste artigo.    

§ 8º  A Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda, no âmbito de suas competências, poderá expedir normas complementares para o cumprimento do disposto neste artigo.

Art. 2º  A exigência prevista no § 1º do art. 68 do Decreto nº 93.872, de 1986, não se aplica à inscrição no exercício financeiro de 2011.

Art. 3º  Aos restos a pagar não processados inscritos no exercício de 2010, aplica-se o disposto neste Decreto, exceto a exigência prevista no § 1º do art. 68 do Decreto nº 93.872, de 1986[15].

Art. 4º  Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 23 de dezembro de 2011; 190º da Independência e 123º da República.” [16] (negritamos). 

Após o referido cancelamento (agora em 30 de junho do segundo exercício subseqüente, ou nos casos anteriores, em 31 de dezembro do exercício subseqüente), eventual pagamento que venha a ser reclamado, sempre observada a prescrição qüinqüenal[17], deverá ser atendido à conta de dotação destinada a despesas de exercícios anteriores[18].

Deve ser ressaltado que é vedada a nova inscrição de mesmos empenhos em “restos a pagar”. O reconhecimento de eventual direito do credor far-se-á por meio da emissão de nova Nota de Empenho, no exercício de reconhecimento, à conta de despesas de exercícios anteriores, respeitada a categoria econômica própria. Também na hipótese de “restos a pagar” com prescrição interrompida, assim considerada a despesa cuja inscrição em restos a pagar tenha sido cancelada, mas ainda vigente o direito do credor, também poderão ser pagos à conta de despesas de exercícios anteriores, igualmente respeitada a categoria econômica própria[19].

Interessante, finalmente, ressaltar orientação constante do Manual SIAFI (Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal), elaborado pela Secretaria do Tesouro Nacional, em face de sua aplicabilidade, por extensão, ao caso presente, que é no sentido de que:.

“3.4.4 - No âmbito do Poder Executivo os Restos a Pagar inscritos em exercícios anteriores a 2001 (inclusive), com exceção dos programas mencionados no Decreto n. 4.561/2002[20], não poderão conter saldos, uma vez que os mesmos deveriam ter sido cancelados até 31/12/2003”[21](negritamos)..

Isto posto, respondendo objetivamente as questões trazidas na consulta:

1)            “Qual o entendimento em relação ao cancelamento dos restos a pagar, podem ser cancelados ou não os que estão inscritos até o ano de 2001, tanto processados quanto os não processados?”

Considerando-se que a pergunta refere-se especificamente àqueles “restos a pagar” inscritos até o ano de 2001, cabe concluir que, sejam eles “processados” (relembrando: despesas nas quais o credor já havia adimplido suas obrigações na avença dentro do próprio exercício civil, encontrando-se pendente, quando da inscrição, somente o pagamento pelo contratante) ou “não processados” (ou seja: despesas nas quais ainda não teria, quando da inscrição, ocorrido a prestação dos serviços ou o fornecimento avençados, configurando-se como ilíquidas, posto que até então não haviam preenchido os requisitos para o ateste de seu implemento), a solução encontra-se na orientação imediatamente acima transcrita, da Secretaria do Tesouro Nacional, no sentido de que deveriam ter sido cancelados até de 31 de dezembro de 2003, em face do disposto no artigo 68, do Decreto nº 93.872/86 (seja sob seu texto original, seja sob a redação dada pelo Decreto nº 6.708, de 23 de dezembro de 2008, que previam sua validade até 31 de dezembro do ano subseqüente[22]), motivo pelo qual, mais que podem, devem ser cancelados, tendo presente, ainda, o quanto exposto anteriormente neste estudo.

Entretanto, em relação às despesas não pagas, merece ser reafirmado o entendimento deste CEPAM, anteriormente transcrito, no sentido de que:

“Negar o pagamento de uma despesa regularmente processada ou liquidada, sem que haja uma justificativa legal, é `calote´. O Poder Público não pode, de ofício, sem qualquer justificativa, cancelar um crédito a que o fornecedor tem direito por um contrato que foi integralmente cumprido e liquidado. Tal procedimento configura crime de responsabilidade.

O que aconteceu, em dezembro/2000, foi que vários Prefeitos, assustados com o rigor do artigo 42 da Lei de Responsabilidade Fiscal e com o crime tipificado no artigo 359-C do Código Penal (redação dada pela Lei federal nº 10.028/2000), optaram por cancelar empenhos referentes a despesas que tinham sido legalmente processadas, sem qualquer justificativa, a não ser o fato de a Prefeitura não ter recursos em caixa para poder ordenar o seu regular pagamento. Aqui, mais uma vez, os Executivos Municipais demonstraram o seu despreparo para a vida pública, ao confundirem a pessoa física do agente público com a pessoa jurídica do Município.

Ora, as obrigações do Município regularmente constituídas para com terceiros continuarão a existir, até que sejam pagas, independentemente de quem estiver ocupando o cargo de Prefeito, e tais obrigações devem, obrigatoriamente, constar no Balanço Patrimonial do Município. O cancelamento unilateral de empenhos, referentes a despesas já processadas, não tem o condão de fazer desaparecer as dívidas do Município para com terceiros.”[23](negritamos).

Ou seja, o cancelamento de empenhos, mesmo que em decorrência de previsão legal, em situações nas quais não incidam as hipóteses de concretização da prescrição qüinqüenal (o que pode ter ocorrido, considerando o fato de que se cuidaria de inscrições anteriores a 2001, conforme já afirmado, caso não tenham incidido as hipóteses de causas impeditivas, suspensivas ou interruptivas de prescrição - no caso, em tese, arts. 199 e 202, da Lei federal 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil), assim como de erro quando da inscrição ou de fato superveniente, devidamente demonstrado e justificado, que impossibilite o pagamento, ou qualquer outra justificativa legalmente admissível, não afastará a obrigação da Administração Pública de pagar tais débitos, sob pena de configurar-se seu enriquecimento sem causa. Consoante anteriormente mencionado, eventual pagamento que venha a ser reclamado, deverá ser atendido à conta de dotação destinada a despesas de exercícios anteriores[24].

Este entendimento encontra-se em consonância com o posicionamento do E. Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, manifestado no já anteriormente referido voto do Conselheiro Renato Martins Costa[25]:

O credor tem o direito líquido e certo de receber pela parcela dos serviços que prestou, enquadrando-se tal ocorrência, também, dentro daquelas em que a Administração atual deverá corrigir o curso definido pelo Decreto de final de mandato.

(...)

No entanto, dentro dos limites legais de ampliação das despesas e das metas de sua redução, creio devam os Srs. Prefeitos buscar o reempenhamento como rota corretiva dos atos praticados no exercício passado.”(negritamos)

2)            “Esses restos a pagar prescrevem depois de 05 anos?”

Sim, pois a legislação vigente prevê expressamente a ocorrência da prescrição qüinqüenal dos “restos a pagar”, nos seguintes termos:

“Art. 70. Prescreve em cinco anos a dívida passiva relativa aos Restos a Pagar.” (Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964) [26].

É o parecer.

janeiro de 2012


Notas

[1] Parecer CEPAM nº 20.005, de 17 de abril de 2001

[2] No original como nota no seguinte teor: “§ 3º acrescido ao art. 5º pela Lei nº 9.648, de 27.5.98 (DOU de 28.5.98)”

 

[3] Site “http://www.tce.sp.gov.br/lrf-con-16367-026-01.shtm”

[4] “Art. 36. Consideram-se Restos a Pagar as despesas empenhadas mas não pagas até o dia 31 de dezembro distinguindo-se as processadas das não processadas.” - Lei 4.320/64.

[5] “Art. 67. Considerem-se Restos a Pagar as despesas empenhadas e não pagas até 31 de dezembro, distinguindo-se as despesas processadas das não processadas.” - Decreto 93.872/86.

[6] À míngua de regulamentação específica local, entende-se pela aplicabilidade subsidiária das orientações emanadas da Secretaria do Tesouro Nacional, por intermédio do Manual do SIAFI (Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal) em relação à referida lei e decretos federais, posto que, em especial a primeira, regra também os procedimentos municipais

[7] “Art. 23. Nenhuma despesa poderá ser realizada sem a existência de crédito que a comporte ou quando imputada a dotação imprópria, vedada expressamente qualquer atribuição de fornecimento ou prestação de serviços, cujo custo excede aos limites previamente fixados em lei.” e “Art. 24. É vedada a realização de despesa sem prévio empenho.” - Decreto 93.872/86

[8] “Art. 36. A liquidação da despesa consiste na verificação do direito adquirido pelo credor ou entidade beneficiaria, tendo por base os títulos e documentos comprobatórios do respectivo crédito ou da habilitação ao benefício.” - Decreto 93.872/86.

[9]  “Art. 62. O pagamento da despesa só será efetuado quando ordenado após sua regular liquidação.” - Lei 4.320/64.

[10] “Art. 35. O empenho de despesa não liquidada será considerado anulado em 31 de dezembro, para todos os fins, salvo quando: I - vigente o prazo para cumprimento da obrigação assumida pelo credor, nele estabelecida; II - vencido o prazo de que trata o item anterior, mas esteja em cursos a liquidação da despesa, ou seja de interesse da Administração exigir o cumprimento da obrigação assumida pelo credor; III - se destinar a atender transferências a instituições públicas ou privadas; IV - corresponder a compromissos assumido no exterior.” - Decreto 93.872/86.

[11] “Art. 42. É vedado ao titular de Poder ou órgão referido no art. 20, nos últimos dois quadrimestres do seu mandato, contrair obrigação de despesa que não possa ser cumprida integralmente dentro dele, ou que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem que haja suficiente disponibilidade de caixa para este efeito.” - Lei complementar nº 101/2000 (LRF).

[12] “Art. 70. Prescreve em cinco anos a dívida passiva relativa aos Restos a Pagar.” - ver artigo 206, § 5º, inc. I, da Lei federal 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil 

[13] Redações anteriores: Decreto 93.872/86: “Art. 68. A inscrição de despesas como Restos a Pagar será automática, no encerramento do exercício financeiro de emissão da Nota de Empenho, desde que satisfaça às condições estabelecidas neste Decreto, e terá validade até 31 de dezembro do ano subseqüente.”; posteriormente alterada, pelo Decreto nº 6.708, de 23 de dezembro de 2008, passando a ser: “Art. 68.  A inscrição de despesas como restos a pagar será automática, no encerramento do exercício financeiro de emissão da Nota de Empenho, desde que satisfaça às condições estabelecidas neste Decreto para empenho e liquidação da despesa. Parágrafo único.  A inscrição de restos a pagar relativa às despesas não processadas terá validade até 31 de dezembro do ano subseqüente.” (negritamos).

[14] http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2012-01-02/governo-prorroga-restos-pagar, http://www.correiodoestado.com.br/noticias/governo-prorroga-restos-a-pagar-nao-liquidados_137210/, http://www.dci.com.br/Governo-prorroga-restos-a-pagar-5-404208.html, etc

[15] “§ 1º  A inscrição prevista no caput como restos a pagar não processados fica condicionada à indicação pelo ordenador de despesas.”

[16] efetivamente “publicado no DOU de 26.12.2011, retificado em 27.12.2011 e em 29.12.2011”

[17] Nota 9

[18] “Art. 69. Após o cancelamento da inscrição da despesa como Restos a Pagar, o pagamento que vier a ser reclamado poderá ser atendido à conta de dotação destinada a despesas de exercícios anteriores.” - Decreto 93.872/86.

[19] Ver nota 18

[20] Relaciona programas e ações federais no âmbito de saúde, abastecimento e saneamento - site “https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/d4561.htm”

[21] site “https://gestaomanualsiafi.tesouro.fazenda.gov.br/pdf/020000/020300/020317”

[22] ver nota 12

[23] Parecer CEPAM nº 20.005, de 17 de abril de 2001

[24] ver nota 17

[25] ver nota 4 - (TC-016367/026/01) - “Consulta sobre cancelamento de empenhos em exercícios anteriores”

[26] ver art. 206, § 5º, inc. I, da Lei federal 10.406/2002 - Código Civil  

 


Autor

  • Guilherme Luis da Silva Tambellini

    Guilherme Luis da Silva Tambellini

    Graduado em Direito pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente é Chefe de Gabinete do Secretário da Fazenda do Estado de São Paulo. Integrou a Assessoria Jurídica do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (Gabinete Conselheiro Sidney Beraldo), foi Gerente Jurídico da Fundação Padre Anchieta (TV Cultura e Rádio Cultura de São Paulo). Foi Dirigente da Controladoria Interna e integrou também o corpo Técnico-Jurídico da Coordenadoria de Assistência Jurídica, e Procurador Jurídico, todos da Fundação Prefeito Faria Lima/CEPAM. Foi Assessor Técnico dos Gabinetes dos Secretários da Fazenda e Transportes Metropolitanos do Estado de São Paulo, Chefe de Gabinete da Secretaria da Habitação do Estado de São Paulo, além de Secretário Executivo e Membro do Conselho de Defesa dos Capitais do Estado-CODEC, da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo. Foi também Membro dos Conselhos de Administração da CDHU/SP e da EMTU/SP e do Conselho Fiscal da COSESP/SP, assim como Dirigente da Consultoria Jurídica da Banespa - Serviços Técnicos e Administrativos.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TAMBELLINI, Guilherme Luis da Silva. Cancelamento de restos a pagar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3171, 7 mar. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21202. Acesso em: 25 abr. 2024.