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A necessidade de expressa renúncia ao direito para adesão aos programas de parcelamento

A necessidade de expressa renúncia ao direito para adesão aos programas de parcelamento

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Existem limites à renúncia de direitos em matéria tributária. O contribuinte que tenha recolhido tributo declarado inconstitucional terá direito à restituição, independentemente de ter renunciado o direito de questioná-lo para obter parcelamento.

Questão sempre trazida à discussão nos meios jurídicos é a necessidade de renúncia ao direito de discutir o débito para adesão aos programas de parcelamento constante e periodicamente oferecidos pelo fisco (seja Federal, Estadual ou Municipal).

Deveras, existem aqueles que defendem que esta renúncia, aliada ao pedido de parcelamento com a confissão de dívida, é irretratável, analisando a questão sob o prisma civilista.

Os que adotam esta orientação arguem também o próprio conceito de renúncia, definido por CAIO MÁRIO como “a abdicação que o titular faz do seu direito, sem transferi-lo a quem quer que seja. É o abandono voluntário do direito”.

Porém, diante da atual ordem constitucional, o entendimento se mostra equivocado e não resiste a uma análise sob a ótica da primazia da Constituição.

Cabe pontuar que, diferentemente da esfera civilista, as obrigações tributárias não decorrem da vontade das partes, mas da lei.

Doutro giro, a Constituição Federal preconiza em seu artigo 5º, inciso XXXV que “nenhuma lesão ou ameaça a direito será excluída de apreciação do Poder Judiciário”.

Pois bem, feitas estas considerações, passamos a analisar alguns conceitos de obrigação na esfera civil e tributária para assinalar as diferenças e melhor conduzir a presente explanação.

Da obrigação civil - Para o Professor CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, "obrigação é um vínculo jurídico em virtude do qual uma pessoa pode exigir de outra uma prestação economicamente apreciável".

WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO conceitua obrigação da seguinte forma: "obrigação é uma relação jurídica, de caráter transitório, estabelecida entre devedor e credor e cujo objeto consiste numa prestação pessoal econômica, positiva ou negativa, devida pelo primeiro ao segundo, garantindo-lhe o adimplemento através do seu patrimônio".

Da obrigação tributária – O CTN ao tratar da obrigação tributária, em seu artigo 113, define a obrigação tributária, nos seguintes termos.

Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória:

Parágrafo 1º - A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente.

Parágrafo 2º - A obrigação acessória decorre da legislação tributária e têm por objeto as prestações positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos.

Parágrafo 3º - A obrigação acessória, pelo simples fato de sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária.

Verifica-se no caput do artigo que o CTN estabelece duas modalidades de obrigação, dividindo-as em principal ou acessória.

Nesta senda, enquanto a obrigação principal tem como objeto o pagamento de um tributo ou penalidade pecuniária, a obrigação acessória objetiva a realização obrigações de fazer ou não fazer, conforme descrito no parágrafo segundo. Explanando com maior clareza e abrangência o assunto ora tratado, LUIZ EMYGDIO tece as seguintes considerações:

“Vimos anteriormente, que obrigação é o poder jurídico pelo qual uma pessoa (sujeito ativo), com base na lei ou no contrato (causa), pode exigir de outra, ou de um grupo de pessoas (sujeito passivo), o cumprimento de uma prestação possível, lícita, determinável e possuindo expressão econômica (objeto). Partindo desse conceito genérico de obrigação, abrangendo, portanto, tanto a obrigação tributária principal quanto a acessória, podemos dizer que a obrigação tributária é o vínculo jurídico pelo qual o Estado com base na legislação tributária, pode exigir do sujeito passivo uma prestação tributária positiva ou negativa”.

Clarificadas as diferenças entre a obrigação na esfera civil e tributária, passa-se a abordar como exemplo condutor de raciocínio a prescrição no direito tributário para demonstrar em primeira análise por que a renúncia absoluta a direito obtida no momento da adesão ao parcelamento não é irrevogável.

Prescrição no Direito Tributário - Matéria de ordem pública, a prescrição no Direito Tributário possui efeito diferente da prescrição civil. Como explica Luiz Emygdio:

“A prescrição, no direito tributário, atinge não só o direito de ação da fazenda Pública, mas também o próprio crédito tributário porque é causa de sua extinção (CTN, art. 156 V). Ademais, a prescrição provoca também a extinção da obrigação tributária, em razão do §1º do art. 113 do CTN rezar que a obrigação tributária extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente.”

Em outro momento, o mestre assim trata da decadência:

“Assim, a decadência ocorre quando o fisco não constitui, no prazo legal, o crédito tributário pelo lançamento, implicando, portanto, na extinção deste direito e, em conseqüência, impedindo que o Estado exerça seu poder de tributar. Na realidade, legislador contempla uma hipótese curiosa porque diz que a decadência extingue o crédito tributário (CTN, art.156, V), que, na verdade, não nasceu, já que não ocorreu o lançamento.

Desta forma, parece lógico que, considerando a premissa norteadora deste artigo, resta superado de que na hipótese ocorreu o lançamento.

Sendo assim, restaria somente a hipótese da prescrição e destarte, forçoso concluir que se um contribuinte confessar crédito tributário prescrito, esta é matéria de ordem pública apta a autorizar a revisão da confissão, não obstante qualquer renúncia do particular.

Inclusive, caso fosse realizada por um contribuinte a confissão de crédito tributário extinto, inexigível, tal fato autorizaria, inclusive, pleito de ressarcimento dos valores pagos.

Os efeitos da confissão e da renúncia no Direito Civil – Os que defendem a validade da renúncia em questão baseiam-se no princípio arcaico do pacta sunt servanda. Porém, mesmo os aficionados desta linha de pensamento devem reconhecer que tal premissa principiológica foi bastante relativizada com o advento da Constituição de 88 e do Novo Código Civil.

Da coercitividade como vício na vontade – Oportuno destacar que as confissões e renúncias obtidas no momento de adesão ao parcelamento correntemente servem a obstar um processo de cobrança (administrativo/judicial), com níveis diferentes de sanções previstas.

Caso o tributo exigido se encontre em fase de cobrança judicial (execução), com as medidas expropriatórias inerentes a este procedimento e que o contribuinte esteja sofrendo v.g. penhoras livres (online), constrições sobre bens e meios de produção e anotações em registros de imóveis, é relativamente esperado que este contribuinte se sinta compelido a aceitar uma condição de parcelamento oferecida pelo fisco, somente a fim de diminuir os efeitos da privação em seu patrimônio.

Em outras palavras, é natural que o empresário que tenha sofrido bloqueio (por exemplo) em sua conta corrente de determinado montante (necessário para continuidade de sua atividade) se sinta premido pelas circunstâncias a realizar o parcelamento na condição oferecida pelo Fisco com o objetivo único de ver seus recursos desbloqueados o quanto antes e assim poder continuar suas atividades.

Por outro lado, podemos considerar também que, em virtude da boa-fé do contribuinte, este não considera inicialmente (muito menos no momento “redentor” da realização do parcelamento) que o Estado está lhe exigindo montante indevido ou prescrito, por exemplo.

Porém, vamos considerar a hipótese deste contribuinte descobrir que, no meio do montante confessado existe multa em valor significativo e acrescido de juros; também que esta multa é indevida, abusiva (por não ter amparo legal) e passível de anulação no Judiciário; que confessou ser devedor de exação há muito prescrita; que confessou ser devedor de tributo do qual jamais fora contribuinte; que confessou tributo pago (de posse do comprovante) ou que não praticou o fato gerador da exigência confessada. Lembrando que esse contribuinte renunciou a direito/confessou dívida inexistente apenas para se livrar da privação em seu patrimônio que está a lhe fazer falta na consecução de suas atividades?

Tais considerações são feitas porque, quando começa o procedimento judicial, muitas vezes não se possui o conteúdo do procedimento administrativo que ensejou a exigência, com seus fundamentos e razões, com o detalhamento dos dispositivos invocados pela fiscalização e dos meandros do lançamento.

Assim, é possível que o sujeito passivo que não tenha assessoria tributária especializada (o que é comum, tendo em vista o custo elevado na contratação destes profissionais), sofra de relativa desorganização administrativa e que saiba somente “que está sendo cobrado por alguma coisa que deixou de pagar” e por derradeiro, forçado pelas necessidades sempre presentes na vida dos empresários/contribuintes (como as mencionadas anteriormente), opte, para resolver seu problema imediatamente, por realizar o parcelamento sem discutir judicialmente a exigência.

Pronto, feita está a renúncia/confissão referente à exigência que viola o princípio da verdade material; que não possui amparo legal (que lhe dá validade) ou inexigível (pela prescrição, por exemplo).

Feitas estas considerações e caminhando para uma conclusão, resta ainda abordar um último aspecto relevante a ser considerado.

Do direito de petição - Vejamos a hipótese de existirem no crédito tributário confessado (com renúncia ao direito de discutir o débito para o fim do parcelamento) vícios ou nulidades que autorizam o exercício do direito de petição ao Judiciário. Diante deste quadro, em nosso entender, assegurado está o acesso ao Judiciário, sob pena de, a se entender de maneira diversa, apresentar óbice ao direito de petição, que possui abrigo constitucional.[1]

Posicionamento na Jurisprudência - Diante de todo o exposto e da leitura das ementas a seguir transcritas, temos que as manifestações de vontade abordadas nas presentes linhas (renúncia/confissão) não são irrevogáveis quando a exação não encontra amparo legal:

“TRIBUTÁRIO. 1. CONFISSÃO DE DÉBITO PARCELAMENTO ADMINISTRATIVO. DISCUSSÃO JUDICIAL. A confissão de débito, feita como condição do respectivo parcelamento administrativo, não impede sua discussão, porque a obrigação tributária resulta de lei, nada valendo o crédito tributário que dela destoe...” (TRF4, 1ª Turma, MS 92.04.34874-7, DJU em 17.11.93)

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO DECRETADA DE OFÍCIO. ALEGAÇÃO DE RENÚNCIA EM VIRTUDE DE CONFISSÃO DE DÍVIDA. IMPOSSIBILIDADE. APELAÇÃO IMPROVIDA.

1. Uma vez consumada a prescrição e, consequentemente, extinto o crédito tributário, posterior pedido de parcelamento não implica na renúncia prevista no art. 191 do CC, pois a prescrição em matéria tributária é regulada pelo art. 156, V, do CTN.

2. Precedentes do STJ e desta Corte Regional: RESP 1161958, 200902050140, MAURO CAMPBELL MARQUES, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE: 1.9.2010; AG111468/SE, DESEMBARGADOR FEDERAL MANOEL ERHARDT, Primeira Turma, JULGAMENTO: 15/09/2011, PUBLICAÇÃO: DJE 22.9.2011 - Pág. 85.

3. Apelação improvida.

ACÓRDÃO - AC540350/SE (24/05/2012) Origem: Tribunal Regional Federal - 5ª Região - Classe: Apelação Civel - AC540350/SE - Número do Processo: 200085000039164 - Data do Julgamento: 17/05/2012 - Órgão Julgador: Primeira Turma

TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. PARCELAMENTO. EXCLUSÃO. CONSUMAÇÃO DO LAPSO PRESCRICIONAL. RENÚNCIA À PRESCRIÇÃO TRIBUTÁRIA. INAPLICABILIDADE DO ART. 191 DO CC.

1. As exclusões da devedora dos parcelamentos REFIS e PAES se deram em 27/08/03 e 10/05/05, respectivamente (CDA's 51.4.10.000097-77, 51.6.10.000481-22, 51.6.10.000483-03 e 51.4.10.000105-11). Porém, a presente execução fiscal foi proposta em 16/07/10, portanto após o prazo quinquenal de cinco anos contado por inteiro a partir das datas das rescisões.

2. A prescrição no direito tributário é regulada pelo CTN, que prevê a extinção do crédito tributário pela consumação do lapso prescricional (art. 156, V, do CTN). Tendo a obrigação tributária origem e extinção ex lege, a confissão de débito realizada pelo contribuinte seria, apenas, causa de interrupção, (art. 174, parágrafo único, IV, do CTN), se o lapso prescricional estiver em curso por ocasião do reconhecimento da dívida e não em renúncia à prescrição (art. 191 do CC).

3. Os outros créditos tributários (CDA's 51.4.05.001243-80 e 51.4.09.000607-20) foram constituídos por declaração da contribuinte em 31/05/04 e 31/05/05, também alcançados pela prescrição

4. Apelação e remessa oficial improvidas.

ACÓRDÃO - APELREEX16450/SE (19/04/2012) - Origem: Tribunal Regional Federal - 5ª Região - Classe: Apelação / Reexame Necessário - APELREEX16450/SE - Número do Processo: 00034209620104058500 - Data do Julgamento: 12/04/2012 - Órgão Julgador: Primeira Turma

PROCESSUAL CIVIL - TRIBUTÁRIO - EXECUÇÃO FISCAL – PARCELAMENTO ACORDADO - ALEGADA VIOLAÇÃO DOS ARTS. 174 DO CTN, E 191 DO CC - INEXISTÊNCIA - PRESCRIÇÃO CONSUMADA.

1. O preenchimento de termo de confissão de dívida para fins de parcelamento do débito não tem o condão de restabelecer o direito do Fisco de exigir o crédito extinto pela prescrição.

2. Precedentes: AgRg no REsp 1087838/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 23.4.2009, DJe 19.5.2009; REsp 812669/RS, Rel. Min. José Delgado, Primeira Turma, julgado em 17.8.2006, DJ 18.9.2006.

Agravo regimental improvido.

AgRg no REsp 1116753 / 2009/0007075-1 - Relator(a) Ministro HUMBERTO MARTINS (1130) - Órgão Julgador - T2 - SEGUNDA TURMA - Data do Julgamento 06/04/2010.


Conclusão

Destarte, conclui-se que existem limites à renúncia de direitos em matéria tributária, tendo em vista a diferença existente entre a interpretação civilista e tributária do instituto da obrigação e seus reflexos. Isto porque é equivocado analisar a questão considerando a obrigação tributária como sujeita à vontade das partes, porquanto a obrigação tributária decorre de lei.

Tanto é assim, que o contribuinte que tenha recolhido tributo declarado inconstitucional, com lei que o instituiu despida de vigência e eficácia e segundo a doutrina que preconiza the inconstitucional statute is not law at all, terá direito à restituição.

Portanto, conclui-se que a renúncia, enquanto manifestação de vontade, em se tratando de matéria tributária, não subsiste sem lei que forneça o necessário suporte à exigência fiscal.

Logo, havendo conflito entre a força da manifestação de vontade (renúncia de direitos) para adesão a um programa de parcelamento, quando a obrigação tributária confessada apresente vícios que autorizem a revisão judicial, prevalece a legalidade, posto que é pilar de sustentação da obrigação tributária.


Bibliografia

PEREIRA, Caio Mário da Silva, Instituições de Direito Civil, v. I.

PEREIRA, Caio Mário da Silva, Instituições de direito civil. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 10. V. 2.

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. 29. ed. São Paulo: Saraiva: 1997, p. 08. V. 4.

ROSA JR., Luiz Emydio F. da. Manual de Direito Tributário e Direito Financeiro: Jurisprudência Atualizada. 14ª ed. atual. e aum., Rio de Janeiro – São Paulo, Ed. Renovar, 2000.


Notas

[1] Artigo 5º (...) XXXIV – são a todos assegurados, independentemente de pagamento de taxas:

a)                   O direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder.



Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAUJO, Renata Alcione de Faria Villela de. A necessidade de expressa renúncia ao direito para adesão aos programas de parcelamento. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3276, 20 jun. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22057. Acesso em: 23 abr. 2024.