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IPTU e ITR: molde normativo específico e critério material

IPTU e ITR: molde normativo específico e critério material

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A tributação isolada da posse e do domínio útil através do IPTU e do ITR é atípica e carente de requisitos exigidos pelos moldes normativos específicos destes impostos.

Resumo: O presente trabalho foi desenvolvido com o objetivo de avaliar, sob a ótica da Teoria da Regra Matriz de Incidência Tributária, os parâmetros estruturais específicos de validade do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR) e do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU), instituídos com base nos artigos 153, inciso VI e 156, inciso I da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB). Neste intento, a princípio, buscou-se elencar o rol dos mencionados parâmetros estruturais específicos relativos aos impostos de que se trata e, após isto, sintetizá-los de maneira a formar moldes normativos, nos limites dos quais deverão enquadrar-se os conjuntos de enunciados conotativos de comportamento componentes das regras matrizes de incidência tributária de cada um deles. Sintetizado o molde normativo, deu-se início ao cotejo dos enunciados inseridos no ordenamento jurídico brasileiro através dos artigos 29, 31, 32 e 34 do Código Tributário Nacional (CTN), veiculado pela Lei 5.172/1966, através dos quais se pretendeu exercer a competência estabelecida através do artigo 146, inciso III, alínea “a” da CRFB, no que se refere à definição, por meio de lei complementar, dos fatos geradores do ITR e do IPTU. Terminado este exercício, concluiu-se que os enunciados conotativos estruturais trazidos pelo CTN exorbitam os limites impostos pelas materialidades constantes dos artigos 153, inciso VI e 156, inciso I da CRFB, especificamente em relação à possibilidade de tributação da posse e do domínio útil através das espécies tributárias objetos deste trabalho, razão pela qual se deu início à apresentação dos entendimentos divergentes, bem como à refutação e crítica dos mesmos através de sua comparação com os argumentos construídos a partir da conclusão recém mencionada.

Pretende-se, dessa maneira, que o presente estudo sirva como elemento de adição à doutrina relativa ao tema do aspecto material dos impostos abordados e da função da CRFB na definição do mesmo.

Palavras – Chave: IPTU; ITR; Critério Material; Materialidade Constitucional; Molde Normativo Específico. Interpretação segundo o Critério Econômico.

Sumário: 1. INTRODUÇÃO. 2. MOLDE NORMATIVO E ENUNCIADOS CONOTATIVOS. 2.1 O caso dos impostos. 3. IPTU E ITR. 4. DA TRIBUTAÇÃO DA POSSE E DO DOMÍNIO ÚTIL. 4.1 A incidência isolada sobre os “direitos inerentes” à propriedade. 4.2 A propriedade como sinônimo de imóvel. 4.3 O postulado da interpretação econômica. 5. CONCLUSÕES. REFERÊNCIAS.


1 INTRODUÇÃO

No contexto do extenso rol de tributos instituídos pelo ordenamento jurídico constitucional brasileiro, alguns, por certo, se revelam mais presentes na vida cotidiana dos cidadãos, não restando dúvida que, dentre aqueles, situam-se o antigo ITR e, sobretudo, o IPTU.

A maior parte dos brasileiros, em sua rotina ordinária, terão contato razoavelmente limitado com a maior parte das espécies tributárias instituídas no contexto do Sistema Tributário Nacional, uma vez que estas terão suas abrangências limitadas a determinados tipos de atividade econômica. Como exemplos do grupo recém mencionado, podem ser citados: o imposto sobre serviços (ISS) em relação à prestação de serviços; o imposto sobre produtos industrializados (IPI) em relação à industrialização; ou a determinados tipos de fatos eventuais, tais como: o imposto sobre transmissões causa mortis e doações (ITCMD) em relação às transmissões a título gratuito e a Contribuição de Melhoria, em relação às valorizações imobiliárias decorrentes de obras públicas.

Há, entretanto, espécies tributárias nas quais a extensão dos seus efeitos atinge fatos de grande presença na vida cotidiana, seja de quem exerce atividade econômica, de quem trabalhe no lar ou de quem não exerce atividade alguma, como ocorre com: o imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza (IR), que incidirá sobre renda e aos proventos de qualquer natureza; o imposto sobre a propriedade de veículos automotores (IPVA), que incidirá sobre a propriedade de veículos automotores; e, no que mais nos interessa, o IPTU[1] e o ITR[2] [3], que incidirão, segundo o conhecimento popular e as disposições do CTN, sobre a propriedade, a posse e o domínio útil de bens imóveis urbanos e rurais.

De maneira semelhante à que ocorre com o IR, em relação à renda e aos proventos de qualquer natureza, as pessoas físicas e jurídicas de direito privado domiciliadas no Brasil, indiscriminada e anualmente, se vêm às voltas com o pagamento do IPTU ou do ITR, seja dos imóveis que lhes pertençam, seja daqueles pertencentes a outrem, nos quais residam ou exerçam suas atividades.

No que se refere a estes dois impostos, em comparação com os demais, a doutrina nacional já não tece grandes discussões, fato que reputamos ser decorrente: do impacto relativamente baixo que o IPTU e o ITR têm sobre a vida econômica dos nacionais; da razoável facilidade no exercício de verificação, por parte do Fisco, da presença dos signos presuntivos da ocorrência dos fatos jurídico-tributários que a maior parte da doutrina nacional considera correlatos a estas espécies; do grande período de tempo transcorrido desde que foram introduzidas, no sistema positivo nacional, as suas principais características que, de resto e ao longo das últimas décadas, não sofreram consideráveis modificações.

Nos parece, contudo, que uma questão relevante ainda merece ser discutida, a despeito de, acerca dela, reinar certa paz na doutrina tributária brasileira.

Trata-se da discussão acerca da hipótese ou das hipóteses de incidência tributária dos referidos impostos[4]. Mais especificamente, da - no mínimo aparente - discrepância existente entre os enunciados prescritivos extraíveis[5] a partir da leitura dos textos dos artigos 156, inciso “I” e 153, inciso “VI” da CRFB e dos textos dos artigos 29, 31, 32 e 34 do CTN[6].

Sobre tal tema discorreremos, pretendendo fazê-lo a partir dos ensinamentos do Professor Paulo de Barros Carvalho acerca da regra matriz de incidência tributária[7] e, sobretudo, a partir do cotejo dos critérios que a compõem em face do molde normativo geral e do específico, desenhados pelos enunciados conotativos estruturais sintetizáveis a partir da interpretação do Sistema Tributário Nacional e, de resto, do ordenamento jurídico brasileiro.


2 MOLDE NORMATIVO E ENUNCIADOS CONOTATIVOS

Conforme sugerido na introdução, nos parece útil que, antes de abordar, de forma direta, o tema proposto, façamos considerações acerca do posicionamento da regra matriz de incidência tributária de um tributo e, mais especificamente, de um imposto, dentro do Sistema Tributário Nacional, razão pela qual sugerimos um procedimento ideal através do qual seja desenhado um molde normativo específico “dentro” do qual deve a regra matriz se encaixar.

Salientamos, no entanto, que todas as regras matrizes de tributos devem obedecer a enunciados conotativos estruturais de ordem geral, ou seja, que digam respeito a qualquer tributo ou a determinado gênero de tributos (impostos, taxas etc), tal como a regra da imunidade recíproca[8] introduzida através do artigo 150, inciso “VI”, alínea “a”, da CRFB, razão pela qual, ao falarmos de molde normativo, estamos a sugerir o conjunto de enunciados conotativos estruturais relativos, de forma exclusiva, a determinado tributo.

Neste intento, passemos às mencionadas considerações.

A regra matriz de incidência tributária, em resumo, será formada a partir da síntese de uma série de enunciados conotativos introduzidos no sistema positivo através de leis e sistematizados segundo uma cadeia estrutural hierarquizada. Em seu contexto serão definidos os critérios por meio dos quais, nos eventos do mundo real[9], serão identificadas - ou não - notas distintivas da realidade que, analisadas através dos enunciados conotativos componentes da regra matriz de incidência tributária, autorizarão a autoridade competente a colher as devidas provas e, através da versão em linguagem competente, transformar o evento em fato jurídico tributário, originando, assim, a relação obrigacional tributária.

Basicamente, neste contexto, os enunciados legislativos exercerão duas funções umbilicalmente interligadas: oferecer os critérios formadores do prisma através do qual deverão ser interpretados os eventos do mundo fenomênico (enunciados conotativos de conduta) e estabelecer os requisitos de validade que devem estar presentes nas demais disposições (enunciados conotativos estruturais)[10].

A análise do sistema tributário brasileiro revela que os enunciados conotativos estruturais, responsáveis pela segunda função, ainda que, por serem introduzidos por veículos (“fontes formais do direito”)[11] de diferentes hierarquias, se encontrem distribuídos de forma difusa, desenham algo semelhante a um “molde normativo”, onde são estabelecidos os limites das situações no âmbito das quais poderá ocorrer a incidência tributária e, portanto, desenhados os parâmetros aos quais deverá amoldar-se a disposição instituidora válida.

De forma diversa, os enunciados conotativos de conduta, ainda que não sejam extraídos a partir de um único texto e que não sejam introduzidos no sistema através de veículos de uma única espécie, não são, ordinariamente, introduzidos por lei complementar[12] e, em nenhum caso, são trazidos diretamente pela CRFB.

Dessa maneira, faz-se plausível afirmar que, inobstante o fato de que enunciados de envergadura constitucional exercerão estrutural ingerência na formação da referida regra, enquanto critérios de validade e diretrizes interpretativas, a definição abstrata dos critérios básicos (material, subjetivo, etc) componentes da regra matriz de incidência tributária e do molde normativo dentro do qual deve cada um destes se amoldar, será realizada, via de regra, através de enunciados prescritivos de caráter infraconstitucional.

Nos parece certo, no entanto, que o molde normativo tenha dois graus posicionados em relação de hierarquia, uma vez que os enunciados conotativos estruturais introduzidos nos sistema através de lei complementar[13], para que componham o molde normativo, deverão “sobreviver” ao cotejo em face de enunciados introduzidos através do texto constitucional. Situação semelhante ocorre com os enunciados introduzidos através de leis ordinárias, que deverão “sobreviver” ao cotejo em face dos enunciados conotativos estruturais trazidos pela lei complementar.

A título de exemplo, considere-se o caso das contribuições de melhoria, nas quais os enunciados conotativos estruturais do texto constitucional e do texto da lei complementar definem um molde normativo no contexto do qual o ente federativo que, no exercício de sua competência legislativa tributária, queira instituir tributação por via desta espécie, deverá construir enunciado de comportamento nos termos do qual: o critério material seja a valorização imobiliária decorrente de uma obra pública; o critério temporal estabeleça momento posterior à conclusão da obra; o critério subjetivo, sob o ponto de vista do sujeito passivo, estabeleça como devedor alguém que tenha relação direta ou indireta com o critério material (contribuinte ou responsável); o critério quantitativo, no que se refere à base de cálculo, seja ela o valor correspondente à valorização do imóvel, em relação a alíquota, implique em razão inferior a 100% (limite individual); e, por fim, que não seja quantia correspondente ao tributo de tal monta que, somada aos montantes pagos pelos demais atingidos pela tributação por via desta espécie, implique em quantia superior ao valor total da obra (limite global).

É certo, no entanto, que nenhuma destas disposições, efetivamente, instituirá qualquer dos critérios da regra matriz de incidência tributária de determinada contribuição de melhoria, uma vez que estes, conforme sugerido, deverão ser introduzidos no sistema através de enunciados conotativos de conduta específicos, provenientes do ente federativo responsável pela realização da obra pública, razão pela qual se revela adequado afirmar que as disposições estruturais elencadas compõem um molde normativo limitador da validade das disposições instituidoras do tributo tratado no exemplo.

Dadas estas considerações, faz-se razoável concluir que, ao passo em que se mantenha dentro do molde normativo desenhado pelas disposições estruturais, o legislador é livre para definir os elementos e critérios constantes das disposições instituidoras de tributos e, por conseguinte, componentes das regras matrizes de incidência tributária correlatas; bem como que, no texto da CRFB, limitou-se o legislador a estabelecer regras estruturais de caráter mais geral, deixando que a regulação da maioria das disposições estruturais (definitivas do molde normativo) fosse introduzida no sistema através de veículos de envergadura infraconstitucional.

2.1 O caso dos impostos

É notável, contudo, que, no que se refere aos impostos, o texto constitucional contribuiu para a definição das características estruturais do gênero de forma mais exaustiva e específica, determinando, por exemplo: que a base de cálculo e a hipótese de incidência correlatas não poderão ser utilizadas na composição das regras matrizes de incidência tributária de taxas; reservando à lei complementar a competência para a definição estrutural da hipótese de incidência, da base de cálculo e do contribuinte de cada imposto; estabelecendo a regra geral segundo a qual a receita proveniente desta espécie tributária não poderá ser vinculada a despesa específica e, finalmente, enumerando as respectivas exceções.

Mais do que isto, no que mais nos interessa neste estudo e de forma diversa da que acontece com os demais tributos, o legislador constituinte enumerou as espécies tributárias pertencentes ao gênero dos impostos, dividindo a competência legislativa tributária correlata entre os entes federativos através da definição de “materialidades” nos limites das quais poderá cada um dos entes federativos eleger eventos determinados e abstrair em lei os respectivos signos presuntivos que, verificados no caso concreto, tornarão possível a regular versão em linguagem competente e, por conseguinte, a gênese do fato jurídico-tributário.

É certo, contudo, que a definição constitucional do que seriam as materialidades “dentro das quais” limitar-se-á o legislador complementar quando da definição do molde ideal de uma hipótese de incidência é um tanto quanto nebulosa, uma vez que o texto da lei maior limita-se a estabelecer que, a cada ente federativo, caberá a instituição de determinado “imposto”.

Sendo assim, faz-se necessário questionar qual é o conceito e, sobretudo, qual é a estrutura de uma “materialidade constitucional” relativa a determinado imposto, à qual estará jungido o legislador complementar quando do exercício de definição do molde normativo, especificamente no que se refere à hipótese de incidência. Portanto, questionar-se-á qual é o papel específico da lei maior nesta espécie de decisão intra-sistêmica[14].

Consideramos que a resposta a este questionamento pode ser atingida através da análise sistemática do texto constitucional, especificamente no que se refere ao subsistema constitucional tributário, através do qual são definidas as competências legislativas tributárias relativas aos impostos.

Este exercício, por óbvio, deverá ser norteado pela regra da supremacia da CRFB, pelos princípios da máxima efetividade, da força normativa da carta magna e, especialmente, do legislador racional[15].

Neste intento, pode-se perceber que, nas treze principais espécies de impostos, nas quais as materialidades se encontram definidas no texto da lei maior, o constituinte abstrai classes de fatos jurídicos[16] de ocorrência futura e possível, que podem ser sintetizados e demonstrados, individualmente, através da conjunção de um verbo e um complemento.

Assim ocorre, a título de exemplo, com o Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços de Transporte Interestadual, Intermunicipal e de Comunicação (ICMS), vez que são abstraídas as materialidades: circulação de mercadoria, prestação de serviço de transporte interestadual, prestação de serviço de transporte intermunicipal e prestação de serviço de comunicação; que, por sua vez, podem ser sintetizadas e demonstradas pelas seguintes conjunções de verbo e complemento: circular mercadoria de determinada espécie, prestar serviço de transporte interestadual, prestar serviço de transporte intermunicipal e prestar serviço de comunicação.

Note-se, ainda, que a síntese e a demonstração através da conjunção verbo + complemento poderão ser utilizadas mesmo nos casos em que a materialidade, a partir da qual se verificará o verbo, não conste expressamente no texto da CRFB, conforme se percebe em relação ao ISS, no qual, a despeito de o texto constitucional indicar, somente, que cabe ao Município instituir imposto sobre serviços de qualquer natureza (art. 156, “III”), entende-se que, através do texto da lei maior, se atribuiu ao município a competência para instituir imposto sobre a materialidade prestação de serviço que, por sua vez, podem ser sintetizada e demonstrada através da conjunção prestar serviço (verbo + complemento) de determinada natureza, uma vez que, por serviço, deve-se entender o equivalente intangível de um bem, o resultado de um processo e não um evento (este será a prestação de serviço)[17].

Com base neste raciocínio, acreditamos: que, através do artigo 146, inciso “III”, alínea “b” da CRFB, foi atribuída ao legislador complementar, no que se refere ao “fato gerador dos impostos discriminados”, a função de definir signos presuntivos da ocorrência de fatos jurídicos enquadráveis nas materialidades constitucionais; que as materialidades constitucionais são abstrações de classes de fatos jurídicos futuros e possíveis que, com considerável grau de certeza, podem ser estruturados, sintetizados e demonstrados através de conjunções do tipo “verbo + complemento”; que o legislador complementar, quando do exercício de criação do perfil do critério material constante do molde normativo da regra matriz de incidência tributária de um imposto, está limitado, justamente, por estas conjunções.

A aplicabilidade deste modelo pode ser justificada ainda com base no ICMS, no qual, a partir da síntese e demonstração materialidade circulação de mercadorias na conjunção circular mercadoria, o legislador complementar, através dos artigos 2°, inciso “I” e 12, inciso “I” da Lei Complementar 87/96, define que o critério material da hipótese de incidência da espécie de que se trata será, dentre outros, a operação relativa à circulação de mercadoria, que será identificado no caso concreto através das notas distintivas: transferência de propriedade de mercadoria, a título oneroso.

Nestes termos, acreditamos estar demonstrado o procedimento ideal de formação do parâmetro de validade do critério material, constante do molde normativo da regra matriz de incidência tributária de determinado imposto, bem como estarem demonstrados os papéis exercidos pelo texto constitucional (definição da materialidade) e pelo texto da lei complementar (definição dos signos presuntivos da ocorrência do fato jurídico), sendo plausível afirmar que, com base neste molde composto de disposições estruturais, o legislador do ente federativo competente, ao criar os enunciados conotativos de conduta através dos quais será construída a regra matriz de incidência tributária respectiva, deverá, basicamente, repetir os termos da lei complementar no que se refere: ao critério material, à parte do critério subjetivo relativa ao contribuinte e à parte do critério quantitativo relativa à base de calculo.

Com base neste modelo, acreditamos que os limites das decisões intra-sistêmicas do legislador complementar e ordinário, quando do exercício de criação dos enunciados conotativos estruturais e de comportamento relativos aos impostos, estão bem definidos.


3 IPTU E ITR

Dadas a considerações tecidas nos tópicos anteriores, passaremos, neste momento, a construção do molde normativo da regra matriz de incidência tributária de duas espécies tributárias do gênero imposto discriminadas na CRFB, a partir do método recém proposto.

Trataremos, assim, do IPTU e do ITR, discriminados nos artigos 156, inciso “I” e 153, inciso “VI”, da CRFB.

Neste intento, partiremos do texto constitucional e, posteriormente, verificaremos as disposições estruturais contidas em lei complementares, de modo a que possamos desenhar os moldes normativos dentro dos quais devem se amoldar as regras matrizes de incidência tributária, para que sejam válidas.

A primeira observação a ser feita em relação ao molde ideal do IPTU, seguindo as premissas anteriormente apresentadas, é que o texto constitucional, estabelecendo um parâmetro específico de validade relativo à sujeição ativa e aos veículos de introdução deste tributo (isto acontece com todos os impostos) nos termos do qual, para que seja válida, a regra matriz de incidência tributária do IPTU incidente na área de determinado Município, deve ser introduzida no sistema através de lei municipal válida e o Município correspondente deve figurar como sujeito ativo[18].

Vale ressaltar, por oportuno, que sujeição ativa não se confunde com competência legislativa tributária, sendo esta a prerrogativa indelegável de, por meio da edição de textos legislativos, introduzir no direito positivo disposições estruturais e instituidoras de tributos, enquanto aquela pode ser definida como a competência administrativa tributária, uma vez que é a prerrogativa de receber (arrecadar) e exigir (promover execução) determinada prestação, no caso: o comportamento de pagar do sujeito passivo, bem como de verificar a regularidade do seu cumprimento (fiscalizar).

Neste sentido, no caso do IPTU, a competência legislativa tributária relativa a disposições estruturais de envergadura infraconstitucional deverá ser exercida concorrentemente pela União e pelo Município, enquanto a competência legislativa tributária relativa às disposições instituidoras e a competência administrativa tributária (sujeição ativa) caberão exclusivamente ao Município. No caso do ITR, a União será a única a legislar.

Sendo assim, é plausível sintetizar o primeiro parâmetro do molde normativo específico nos seguintes termos: os enunciados conotativos de conduta do IPTU devem ser introduzidos no sistema positivo através de leis municipais e o município competente deve figurar como sujeito ativo na regra matriz de incidência tributária.

Ainda em relação ao exercício da competência legislativa tributária, é possível extrair da carta magna, especificamente de seu artigo 150, § 1°, um parâmetro de validade especificamente relacionado ao IPTU, que pode ser apresentado da seguinte forma: a instituição do imposto ou as alterações do critério quantitativo da sua regra matriz de incidência tributária que impliquem em aumento na quantia a ele relativa, no que se refere às alíquotas, devem ser introduzidas no sistema no exercício financeiro anterior ao da cobrança e noventa dias antes desta; no que se refere à base de cálculo, devem ser introduzidas no sistema no exercício financeiro anterior ao da cobrança.

Além daqueles relativos às competências tributárias, é possível extrair, diretamente do texto constitucional, um terceiro parâmetro de validade da regra matriz de incidência tributária especificamente relativa ao IPTU, dessa vez relativo às alíquotas, ou seja, às razões do critério quantitativo.

Trata-se de parâmetro, também do molde normativo específico, desenhado a partir dos enunciados conotativos estruturais contidos no artigo 156, § 1°, incisos I e II, e no artigo 182, § 4°, inciso II, da CRFB, que pode ser sintetizado nos seguintes termos: as alíquotas do IPTU só poderão variar à razão do valor do imóvel, da localização, do uso e da magnitude da violação ao princípio da função social da propriedade.

Esgotadas os enunciados constitucionais especificamente relativos ao IPTU, passaremos aos textos constantes da lei complementar, no caso o CTN, lembrando que, a partir deste ponto, as disposições estruturais, para que sejam válidas, devem adequar-se aos termos dos enunciados, também estruturais, introduzidos no sistema através de veículos de envergadura superior, de maneira que, fora do texto constitucional, os critérios compositores do molde normativo têm, apenas, pretensão de validade, sendo certo que tal característica deverá ser verificada.

Dadas estas considerações, vê-se que o CTN, especialmente nos parágrafos do artigo 32, traz um parâmetro específico, direcionado ao critério espacial da regra matriz de incidência tributária a ser eventualmente composta pelo ente federativo competente, nos termos do qual: na zona urbana (critério espacial) não podem estar compreendidas áreas não compreendidas nos termos do § 2° ou nas quais não exista, ao menos, dois dos benefícios discriminados no § 1°.

Mais à frente, notamos mais um parâmetro específico do IPTU, ao qual deve amoldar-se a regra matriz de incidência tributária correlata, no artigo 33, caput e parágrafo único, através do qual se estabelece, já de forma sintetizada que: “a base do cálculo do imposto é o valor venal do imóvel” e que “na determinação da base de cálculo, não se considera o valor dos bens móveis mantidos, em caráter permanente ou temporário, no imóvel, para efeito de sua utilização, exploração, aformoseamento ou comodidade”.

Ainda no CTN, especificamente no artigo 32, consta um parâmetro específico, direcionado ao critério material, segundo o qual: a hipótese de incidência constante da regra matriz de incidência tributária deverá eleger como signos presuntivos do fato jurídico, que verificado poderá ensejar o lançamento, a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do Município.

Por fim, o artigo 34 do CTN “traz” o parâmetro específico, desta vez relativo ao critério pessoal, segundo o qual: a regra matriz de incidência tributária através da qual se pretende instituir o IPTU deve trazer como contribuinte o proprietário do imóvel, o titular do seu domínio útil ou o seu possuidor a qualquer título.

Está, dessa maneira, enumerado o rol de parâmetros específicos e pretensamente válidos que, unidos, formarão o molde normativo ao qual deverá adequar-se a regra matriz de incidência tributária do IPTU, para que seja válida.

No entanto, nos parece que alguns dos parâmetros apresentados não “sobrevivem” integralmente ao exercício de verificação de sua validade a partir do cotejo dos mesmos em face dos enunciados conotativos estruturais extraíveis do texto da lei maior.

Ocorre que, conforme mencionado anteriormente, os enunciados conotativos estruturais que compõem o molde normativo específico, funcionando como parâmetros de validade aos quais devem se adequar os enunciados conotativos de conduta componentes da regra matriz de incidência tributária, como não poderia deixar de ser, não podem violar o quanto estabelecido pelos enunciados conotativos estruturais introduzidos no sistema através de veículos de envergadura hierarquicamente superior.

Em razão disto, afirmamos que o molde normativo específico de cada espécie do gênero imposto deve ser construído a partir de seu enunciado estrutural mais cogente, ou seja, daquele que, no texto constitucional, escolhe uma materialidade, cujos fatos jurídicos correlatos podem ser sintetizados através da junção de um verbo e de um complemento e que funcionam como enunciados estruturais específicos, de segundo grau, aos quais deve adequar-se qualquer outro parâmetro constante do molde normativo específico.

No caso do IPTU, acreditamos estar presente tal disposição no artigo 156, inciso I, no qual a CRFB determina que o IPTU deve incidir sobre a propriedade predial e territorial urbana, fatos jurídicos que podem ser sintetizados nas seguintes orações, formadas por um verbo acompanhado de um complemento: “ser proprietário de prédio urbano” e “ser proprietário de terreno urbano”.

Conforme aduzimos anteriormente, a síntese na fórmula verbo + complemento é fundamental, uma vez que esta deverá figurar como critério material da regra matriz de incidência tributária através da qual se pretende exercer a exação, sendo da lei complementar a função de definir qual será o critério espacial, qual será o critério temporal e quais serão os signos presuntivos da ocorrência do critério material, sendo certo que as decisões intra-sistêmicas decorrentes de tal exercício não podem violar ou desvirtuar os enunciados conotativos estruturais auferíveis do texto constitucional.

No caso concreto, conforme sugerimos e antes de qualquer consideração, é notável e inquestionável que, pelo menos sob o ponto de vista literal, há discrepância entre os enunciados conotativos estruturais auferíveis a partir do artigo 156, inciso “I”, da CRFB, e do artigo 32 do CTN, uma vez que aquele fala da materialidade propriedade de prédio ou terreno urbano enquanto este define como notas distintivas da realidade a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do Município.

De igual maneira, também goza de tais características a afirmação de que existe, pelo menos a princípio, discrepância entre os enunciados conotativos estruturais auferíveis a partir dos artigos 153, VI e 156, inciso “I”, da CRFB e dos artigos 29, 31, 32 e 34 do CTN, uma vez que o possuidor a qualquer título e o titular do domínio útil não tem relação pessoal e direta com o fato jurídico ser proprietário de prédio ou terreno urbano ou com o fato jurídico ser proprietário de terreno rural[19].

Segundo o artigo 1.228 do Código Civil de 2002 (CC), veiculado pela Lei 10.406/2002, proprietário é aquele “que tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”, modificando, portanto, muito pouco o que se estabelecia através do artigo 524 do Código Civil de 1916 (Lei 3.071/1916), segundo o qual a “lei assegura ao proprietário o direito de usar, gozar e dispor de seus bens, e de reavê-los do poder de quem quer que injustamente os possua”.

De início, dos mencionados dispositivos, podemos concluir, por corolário lógico e sem maiores dificuldades que, na medida em que o proprietário tem o direito de reaver o bem do possuidor ou do detentor a título injusto, a propriedade, a posse e o domínio são coisas diferentes.

A fim de ressaltar esta diferença, pode-se notar que o artigo 1.196 do vigente CC define que possuidor é “todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade”, razão pela qual o conceito de propriedade é não só diferente, mas mais amplo e, portanto, dotado de mais notas distintivas do que o conceito de posse; bem como é possível perceber que o artigo 1.225 do mesmo diploma sequer inclui a posse no rol de direitos reais, do qual o primeiro e principal item é a propriedade.

Outra sorte não merece o domínio útil que, apesar de não ser expressamente definido pelo CC, é incluído no rol dos bens passíveis de penhora, trazido pelo artigo 1.473, no qual também consta a propriedade, razão pela qual está a tratar-se de coisas diferentes.

Também neste sentido, a doutrina clássica nacional, na medida em que Orlando Gomes define sinteticamente o direito de propriedade, citando Windscheid, como “a submissão de uma coisa, em todas as suas relações, a uma pessoa” (GOMES, 2002, p. 97), e que Miguel Maria de Serpa Lopes o caracteriza como sendo o direito que “congrega em torno de si todas as demais categorias de Direitos Reais sobre a Coisa Alheia, os quais giram em seu derredor”, bem como sendo o que se situa na “posição de centro de irradiação de todos os demais direitos reais” (LOPES, 2001, p. 76).

Nestes termos, tratando-se de diferentes poderes sobre a coisa e, portanto, de diferentes fatos jurídicos, acreditamos, conscientes de que a CRFB, ao limitar a competência legislativa tributária relativa aos impostos, abstrai fatos jurídicos e não apenas bens, que carecem de validade os enunciados conotativos estruturais que estabelecem como signos presuntivos dos fatos jurídicos do IPTU e do ITR a posse e o domínio útil, e que definem como contribuinte do imposto o possuidor a qualquer título e o titular de domínio útil, introduzidos no sistema através do CTN, uma vez que exorbitam os limites estabelecidos pelo enunciado estrutural que define a materialidade a ser tributada, introduzido no sistema através do texto constitucional.

Nos parece que esta seja a conclusão necessária, tendo em vista as premissas escolhidas que, por sua vez e salvo melhor juízo, revelam-se, aos nossos olhos, perfeitamente adequadas ao Sistema Tributário Nacional e, de resto, ao sistema positivo brasileiro.

Semelhante a este, inclusive, é o entendimento de Leandro Paulsen.

Entendemos que o art. 32 do CTN, no que desborda do conceito de propriedade, é incompatível com o texto constitucional. De fato, note-se que é a riqueza revelada pela propriedade que é dada à tributação. Assim, não se pode tributar senão a propriedade e senão quem revele tal riqueza. A titularidade de qualquer outro direito real revela menor riqueza e, o que importa, não foram os demais direitos reais previstos constitucionalmente como ensejadores da instituição de impostos.” (PAULSEN, 2008, p. 711).

É certo, no entanto, que há manifestações em sentido contrário, fundadas em diferentes argumentos e provenientes de mentes infinitamente mais hábeis e consagradas do que a nossa, razão pela qual, rogadas as devidas vênias, ousaremos enfrentá-las de maneira a sustentar, tanto quanto seja possível, a plausibilidade da nossa posição.


4 DA TRIBUTAÇÃO DA POSSE E DO DOMÍNIO ÚTIL

4.1 A incidência isolada sobre os “direitos inerentes” à propriedade

De início, abrindo o rol dos entendimentos segundo os quais a tributação da posse e do domínio útil através do IPTU e do ITR, há a posição sustentada por Hugo de Brito Machado, segundo o qual os “direitos inerentes” à propriedade estariam sujeitos à incidência dos impostos de que se trata (MACHADO, 2007, p. 364).

Aduz o mencionado mestre que, ao falar da propriedade, a CRFB está a abranger a posse e o domínio útil, que seriam seus elementos, razão pela qual entende que não estando concentrados em uma só pessoa os elementos da propriedade ou se esta pessoa é imune ou isenta seria possível que a tributação recaísse sobre a posse ou sobre o domínio útil.

Com todo o respeito, nos parece que, sendo o “fato gerador” suficiente e necessário, conforme se estabelece a partir do artigo 114 do CTN[20], a tributação isolada de algum dos seus elementos violaria o segundo requisito, de maneira que se estaria a tributar a partir de fato atípico.

Sendo assim, nos parece que a incidência sobre a posse e sobre o domínio útil, nos termos propostos, carece de fundamento legal, razão pela qual revelar-se-ia como exação ilegal.

4.2 A propriedade como sinônimo de imóvel

Dentre os entendimentos segundo os quais é apenas aparente a antinomia existente entre os enunciados conotativos estruturais extraíveis do artigo 153, inciso VI, da CRFB da República e dos artigos 29 e 32 do CTN, destacaremos, de início, aquele que tem por fundamento a afirmação de que o termo propriedade, constante do mencionado dispositivo constitucional, não fora adotado em seu sentido técnico-jurídico e sim no sentido de “patrimônio imobiliário” ou ‘imóvel”.

De maneira a fundamentar esta posição, é comum a afirmativa segundo a qual a mesma decorreria de uma interpretação sistemática da CRFB da República, sobretudo quando avaliado o artigo 153, § 4°, inciso I, no qual, segundo estes mestres, o texto constitucional atribui à expressão “propriedades improdutivas” o significado: imóvel improdutivo.

Comungam deste entendimento: Luís Fernando de Souza Neves (2007, pp. 1098-1099), Aires Fernandino Barreto (1991, p. 228), José Francisco e Marcelo Pellegrina (2001, pp. 467-468).

Segundo o que entendemos, propõe-se que, diferentemente do que se vê nos demais impostos discriminados, não se verificaria, no caso do IPTU e do ITR, abstração constitucional de materialidades na delimitação da competência legislativa tributária relativa a impostos e sim, unicamente, abstração de um determinado tipo de bem.

Isto posto, faz-se imperioso concluir que, segundo os que comungam deste entendimento, por determinação constitucional, a decisão intra-sistêmica cujo resultado será vertido em texto e introduzido no sistema positivo através de lei complementar, gravitará em torno do conceito de imóvel e, somente por tal circunstância, será limitada, motivo pelo qual a tributação da posse e do domínio útil através do IPTU e do ITR seria perfeitamente válida e o modelo que propomos, de todo, inócuo.

De início, não nos parece tão evidente e acertada a conclusão relativa ao termo “propriedades improdutivas”, utilizado pelo texto constitucional, razão pela qual passamos a sustentar em sentido contrário, com base no fato de que o imóvel, por ser um bem no sentido técnico-jurídico e, mais do que isso, por ser uma coisa inanimada que, em si, nada produz, sendo certo que a produtividade não decorre do bem, mas do uso, da fruição ou da disposição do mesmo.

Igualmente, parece-nos certo que, nos termos ora refutados, a lei complementar tributária poderia atribuir a função de aspecto material da hipótese de incidência do IPTU e do ITR a qualquer abstração de fato jurídico que gravitasse em torno do conceito de imóvel, utilizando-se para tanto dos mais diversos verbos e complementos, por mais absurdo que possa parecer o resultado de tal exercício.

Em outras palavras, desde que existisse previsão em lei complementar tributária, nada impediria que a hipótese de incidência do IPTU fosse, por exemplo, a implosão de um imóvel, a pintura de um imóvel, a limpeza de um imóvel, etc[21].

Tal raciocínio, em verdade, tem por base a talvez mais básica regra argumentativa do discurso jurídico, enquanto modalidade do discurso prático geral, segundo a qual se “x” e “y” são semelhantes em relação aos aspectos relevantes, que no caso se resumem ao verbo ser e ao termo imóvel, o que se aplica a “x” também pode ser aplicado em relação a “y”[22].

Com efeito, não nos parece razoável aceitar que a CRFB, quando da delimitação das competências legislativas tributárias, tenha trazido unicamente o conceito de “imóvel” sem aceitar que, conseqüentemente, a lei complementar está autorizada a escolher e abstrair qualquer fato jurídico que guarde relação com tal conceito e erigi-la à qualidade de aspecto material da hipótese de incidência.

Do nosso ponto de vista, o termo “propriedade improdutiva” foi utilizado no sentido de exploração das prerrogativas inerentes ao direito de propriedade de forma contrária às diretrizes trazidas através do princípio da função social da propriedade, tal como alguém que: não promove a utilização do bem (uso); extrai seus frutos de forma predatória, exagerada ou danosa a terceiros (fruição); ou, por fim, deixa de transferir a propriedade a alguém que promova a sua utilização (disposição).

Nos parece, ainda, que a própria análise do texto integral do enunciado extraível do artigo 153,  § 4°, inciso I da CRFB resulte em conclusão favorável à nossa posição, pois, ao desestimular a manutenção de propriedades improdutivas, o bem imóvel em si, se mantém (não desaparece), sendo certo que o que se desestimula a manter-se é a exploração das prerrogativas do direito de propriedade por indivíduo que não promova o adequado uso do bem.

Ademais, ainda que assim não fosse, não nos parece razoável que, em virtude de uma utilização atécnica de determinada expressão no texto de um diploma legal, possa se justificar o raciocínio segundo o qual em todos os demais momentos em que a expressão foi usada, ou apenas naqueles em que haja dúvida, não se quis dar a mesma o seu sentido técnico-jurídico, sobretudo quando tal expressão é utilizada na definição de um instituto  e no contexto de um subsistema onde reine a utilização de significados técnico-jurídicos.

De igual maneira, em nossa opinião, considerar que a discriminação constitucional de competência para instituir a regra matriz de incidência tributária do IPTU deve gravitar em torno de um bem (imóvel) e que a construção da regra matriz de incidência tributária dos demais deva gravitar em torno de materialidades (circulação de mercadorias, prestação de serviços, produção industrial, etc), antes de ser o resultado de uma interpretação sistemática, implica em desvirtuar tal método e ignorar a existência do subsistema constitucional tributário.

Em resumo, aceitar a idéia que ora se refuta seria concluir que, em um contexto de divisão de competência legislativa entre os entes federativos, no qual há outros onze institutos pares construídos com conceitos técnico-juridicos e cujos “núcleos” são materialidades (classes de fatos jurídico de ocorrência futura e possível), o IPTU e o ITR são institutos construídos com linguagem coloquial cujos núcleos são bens, é, a mais não poder, desarrazoado.

4.3 O postulado da interpretação econômica

Ainda considerando que a discrepância entre os enunciados constantes do artigo 156, inciso I da CRFB da República e do artigo 32 do CTN é apenas aparente, já se posicionou o Superior Tribunal de Justiça[23] e se posicionam doutrinadores extremamente respeitados, tal como Sacha Calmon Navarro Coêlho (2010), Ricardo Lobo Torres (2009), Kiyoshi Harada (2009), Aliomar Baleeiro e Misabel Derzi (2008).

Basicamente, segundo o que verificamos, estes mestres entendem que, não só as leis tributárias, mas também os dispositivos constitucionais que dizem respeito às materialidades sujeitas à tributação por meio de impostos, devem ser interpretadas segundo um postulado específico, que podemos definir com o da interpretação segundo o critério econômico, através do qual seria possível qualificar como inexistente a discrepância apontada.

Ademais, avaliam o potencial efeito social da tributação da propriedade urbana e rural por via dos impostos discriminados na CRFB, para, com base nas conclusões sobre tais efeitos, interpretar o texto da lei maior de forma mais ou menos extensiva.

Neste sentido, Sacha Calmon Navarro Coêlho (2010), em seu Curso de Direito Tributário Brasileiro, após rebater o entendimento segundo o qual “o pressuposto da incidência é o imóvel” e a conceituação do IPTU e de qualquer outro imposto como “imposto real”, bem como depois de tecer considerações sobre o conceito técnico-jurídico dos termos propriedade, posse e domínio útil à luz do CC; questiona se o CTN teria criado um conceito específico e diverso da “acepção civilística”.

Em resposta, o ilustre mestre soteropolitano, baseando-se em Hensel, segundo o qual “em certas situações (sobretudo com relação a impostos sobre o patrimônio ou a renda), pode-se entender de equiparar quem tenha o “domínio econômico” do objeto com o proprietário”, afirma que “situações fáticas atenuam” o “princípio” extraível do artigo 110 do CTN e que a sua “interpretação é extensiva” (COÊLHO, 2010, pp. 326-332).

Cita a afirmação do também baiano Aliomar Baleeiro, segundo o qual há a “realidade de que milhares ou milhões de fazendas e sítios, no Brasil, ocupam terras públicas ou particulares de terceiros, já que seus possuidores não têm título hábil ou o título não se filia a uma cadeia sucessória até o dia do desmembramento do patrimônio público” (COÊLHO, 2009, p. 379), com o que, inclusive, concorda Ricardo Lobo Torres (2009) ao afirmar que a tributação da posse via IPTU é possível pois “na estrutura fundiária do País, avultam os casos de mera ocupação de áreas devolutas e ainda não discriminadas”.

Considera, ainda, que a intenção do legislador da lei complementar seria atingir o proprietário, o “quase proprietário” e o que “aparentava ser o proprietário”, razão pela qual não poderia ser tributada qualquer posse, mas somente aquela de titularidade da pessoa que poderia vir a se tornar a proprietária; bem como que este mesmo legislador teria tomado a posse e a enfiteuse “como “signos presuntivos” de um direito de propriedade tributável”, afirmando ser a posse um “fato gerador por extensão”.

Acerca da enfiteuse, que afirma ser o "mais amplo direito real sobre coisa alheia", aduz, invocando Amilcar Falcão, que “o fato gerador de um tributo é um fato de conteúdo econômico a que a lei atribui relevância jurídica” e, com base nestas considerações e em demais características da enfiteuse, afirma que o CTN “vislumbra no direito real do enfiteuta o conteúdo mesmo do direito de propriedade com um minus irrelevante”.

Apresenta minucioso estudo sobre o conceito técnico-jurídico dos termos propriedade, posse e domínio útil à luz da doutrina clássica e finaliza afirmando inexistir antinomia, no particular, entre a CRFB e o CTN.

De maneira semelhante e com resultado idêntico, posicionam-se Aliomar Baleeiro e Misabel Derzi (2008), na tradicional obra Direito Tributário Brasileiro, escrita por aquele e atualizada por esta.

Inicialmente, avaliando o artigo 110 do CTN, Aliomar Baleeiro afirma que, a despeito de não constar de forma expressa, há no CTN, de forma subjacente, indicativo de que as “leis fiscais” devem ser interpretadas segundo o postulado da “interpretação segundo o critério econômico”. Aduz, no entanto, que este diploma legal é “tímido” quanto a tal postulado e que não o erige à categoria dos princípios básicos, ao contrário do que ocorre com o postulado da primazia dos conceitos do Direito Privado (BALEEIRO, 2008, pp. 687-693).

Em nota, Misabel Derzi, após tecer considerações de ordem histórica acerca do postulado de que se trata, afirma que, implicitamente, o artigo 110 do CTN “Parte do pressuposto de que nomes não são uma definição, apenas referem o objeto, cuja conotação (sentido preciso) somente vem traçada em contexto mais amplo. Ele determina assim, nos casos em que o nome se presta às relevantes funções de definir ou limitar competências, a cristalização da denotação e da conotação completa que tenha segundo os moldes do campo jurídico privado de onde foi extraído”.

Mais à frente, tratando especificamente do IPTU, Aliomar Baleeiro, com base no postulado da interpretação segundo o critério econômico, afiram não ser “duvidosa a constitucionalidade da aplicação do imposto ao possuidor sem título de domínio” (BALEEIRO, 2008, pp. 243-247)[24].

Comentando tal afirmação, Mizabel Derzi (2008) sustenta que, em verdade, aquilo que se definiu como interpretação econômica, tem por objetivo a interpretação teleológica da norma tributária, sob o prisma do princípio da igualdade.

Sustenta, no entanto, que não podem configurar fatos geradores do IPTU a posse a qualquer título, mas somente aquela que “pode vir a se converter em propriedade”; bem como que o domínio útil “somente e tributável por ser uma quase-proprieade”.

Argumenta, por fim, que por ser a posse uma exteriorização e o domínio útil uma propriedade “efetiva”, “econômica” e “quase plena”, não há invalidade no artigo 32 do CTN.

Também neste sentido, Kiyoshi Harada (2009) sustenta que os artigos 32 e 34 do CTN não padecem de inconstitucionalidade, uma vez que o entendimento do termo propriedade, no texto constitucional, não deve ser entendido em seu sentido jurídico e com abstração do seu aspecto econômico.

Rogadas as devidas vênias, não nos parece que seja assim, vez que, segundo o que entendemos, os argumentos segundo os quais o enunciado extraível do artigo 156, inciso I, da CRFB da República deve ser interpretado através do que definimos como postulado da interpretação segundo o critério econômico e que resulta na aceitação da validade dos artigos 32 do CTN, ainda que respeitáveis, fundam-se em premissas contrárias ao que se dispõe através da carta magna.

Inicialmente, faz-se necessário ressaltar que, conforme leciona Eros Roberto Grau[25], os enunciados informadores da interpretação/aplicação do direito em determinado sistema positivo devem ser sintetizados, ainda que seus componentes se encontrem implícitos ou dispersos em seus textos, razão pela qual faz-se necessário concluir que, para que fosse reconhecida a existência, no contexto do ordenamento jurídico brasileiro, do postulado da interpretação segundo o critério econômico, fazia-se necessário que o mesmo fosse introduzido no sistema, ainda que de forma implícita, por algum veículo capaz de fazê-lo, o que não ocorre.

Mais do que isso, para que servisse ao fim pretendido, qual seja, o de exercer a função de diretriz interpretativa da lei maior, o postulado de que se trata teria de ser sintetizado a partir de seu texto, uma vez que, no sistema positivo brasileiro, não se interpreta a CRFB segundo parâmetros estabelecidos em lei[26]. Tanto uma quanto outra são interpretadas a partir de parâmetros extraíveis, implícita ou explicitamente, a partir da carta magna e somente dela, sob pena de restar violada a  regra da supremacia da CRFB.

O sistema constitucional brasileiro não só impõe a supremacia absoluta do texto magno, como garante o respeito a tal regra através da instituição da jurisdição constitucional, bem como determina que a interpretação dos textos ordinários (infraconstitucionais) seja feita através das diretrizes constitucionais (postulado da interpretação conforme a CRFB) e de forma a conferir a maior efetividade possível aos enunciados dela extraíveis (princípios da máxima efetividade e da força normativa da CRFB)[27].

Dessa forma, a interpretação dos dispositivos constitucionais, tal como sustentamos ao tratar do molde ideal, deve ser realizada a partir de elementos constantes da própria CRFB, que irão transcendê-la direcionando a interpretação dos enunciados infraconstitucionais.

Nestes termos, no que se refere ao IPTU, nos parece claro que, quando no texto constitucional, a despeito dos mais de vinte anos de existência do artigo 32 do CTN e da diferença existente entre os conceitos de propriedade, posse e domínio nos termos dos Códigos Civis de 1916 e de 2002, se estabelece (artigo 156, inciso I) que o IPTU e o ITR incidirão sobre a propriedade e não sobre a posse ou o domínio útil, optou-se por não tributar estas materialidades por via destes impostos.

Ainda neste intento, é notável que ao estabelecer que a chamada competência residual pode ser exercida pela União de forma exclusiva e mediante lei complementar, a lei maior desautoriza, de plano,  a extensão das materialidades por ela discriminadas através de métodos interpretativos, reservando tal exercício ao poder constituinte derivado, sendo certo que se assim não fosse as materialidades se resumiriam a diretrizes e o enunciado extraível do artigo 154, inciso I da CRFB da República, seria inócuo.

Faz-se interessante, neste momento, mencionar que, antes do advento da Emenda Constitucional número 33/2001, o Supremo Tribunal Federal declarou que não incidiria ICMS na importação de bens por pessoa física ou jurídica que não seja contribuinte do imposto (Súmula 660), decisão que deu ensejo à reforma do artigo 155, § 2°, inciso IX, alínea “a”, fazendo nele constar que o ICMS seria devido nas importações de bens ou mercadorias importadas por pessoas físicas ou jurídicas, contribuintes ou não.

De que inconstitucionalidade padecia o artigo 2°, § 1°, inciso I da Lei Complementar 87/96 antes do advento Emenda Constitucional 33/2001 e da Lei Complementar 114/2002?

Padecia por estabelecer que a importação de bens ou mercadorias por não contribuinte era signo presuntivo da hipótese de incidência do ICMS a despeito da CRFB não mencionar expressamente tal hipótese.

Dessa maneira, nos parece, tendo em vista a vinculação do exegeta aos princípios do legislador racional e da supremacia da CRFB, que o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional, se manifestaram no sentido de que as materialidades discriminadas no texto constitucional devem ser interpretadas de forma absolutamente estrita.

Se assim não fosse, não seria necessário reformar a CRFB e a Lei complementar, bem como não seria adequado o entendimento apresentado na súmula 660 do STF, uma vez que, poder-se-ia interpretar a materialidade constitucional pelo critério econômico, considerando como hipótese de incidência “por extensão” a entrada de mercadoria ou bem quem não era contribuinte, uma vez que expressão econômica do tá fato é idêntica àquela da entrada realizada por contribuinte.

O que se nota do texto constitucional, aos nossos olhos e acerca da expressão econômica dos fatos jurídicos tributários, é que a lei maior determina que fatores econômicos devem ser considerados quando da definição do montante a ser suportado pelo contribuinte e não na interpretação das materialidades nela discriminadas, conforme se depreende do seu artigo 145, § 1°.

Com efeito, no nosso entender, do texto da CRFB da República não se extrai qualquer elemento capaz de sequer sugerir que os seus “enunciados tributários”, sobretudo quando se prestam a limitar as competências legislativas tributárias dos entes federativos, devam ser interpretados segundo o critério econômico; tampouco que o conceito de propriedade seja entendido de maneira a que nele estejam incluídos a posse e o domínio útil.

Noutro giro, nos parece que a mera existência do artigo 110 do CTN, segundo a qual, nos casos em que a CRFB da República tenha feito menção a instituto de direito privado quando da limitação de competências, não poderá a lei tributária alterar a definição, o conteúdo e o alcance de tal instituto, representa, inquestionavelmente, o fato de que o postulado da interpretação segundo critério econômico não está presente no ordenamento jurídico nacional.

Aceitar entendimento contrário, no nosso entender, implica em tornar absolutamente inócuo o enunciado estrutural introduzido no sistema normativo através do artigo 110 do CTN, ao absoluto arrepio do princípio do legislador racional; bem como em aceitar que o alcance do texto constitucional poderá ser modificado através de critérios interpretativos introduzidos no sistema através de veículo de envergadura infraconstitucional, restando sem qualquer efeito os princípios da máxima efetividade, da supremacia e da força normativa da CRFB.

Parece-nos, nestes termos, que avaliar o aspecto econômico das classes de fatos juridicos eleitos, através da CRFB, à função de materialidades passíveis de tributação por via de impostos, seja prerrogativa exclusiva do constituinte, sendo certo que, a partir da decisão intra-sistêmica tomada por este, vertida em texto escrita e aposta na lei maior, a avaliação feita pelo legislador deve ser estritamente jurídica e, portanto, alheia a aspectos econômicos ou políticos não expressos na CRFB, sob pena de restar autorizada a transcendência dos limites do seu poder intepretativo, que é, por certo, essencialmente vinculado.

Em sentido semelhante, afirma Alfredo Augusto Becker[28] que a “doutrina da intepretação do Direito Tributário segundo realidade econômica”, em verdade, é responsável pela “demolição do que há de jurídico do Direito Tributário” (BECKER, 2007, p. 136).

Em arremate, ousamos parafrasear este notável mestre, afimando, como ele, que a doutrina da intepretação do Direito Tributário, segundo  realidade econômica, é filha do maior equívoco que tem impedido o Direito Tributário evoluir como Ciência Jurídica”, sendo o maior equívoco, justamente, “a contaminação entre pincípios e conceitos jurídicos e pincípios e conceitos pré-jurídicos (econômicos, financeiros, políticos, sociais, etc.)” (BECKER, 2007, p. 42)


5 CONCLUSÕES

Dadas as considerações e, mais do que isso, dadas as premissas adotadas e os argumentos que a partir delas foram construídos, nos parece que, por implicação lógica, chegamos às seguintes conclusões:

1.                  A regra matriz de incidência tributária de cada espécie, além de sujeitar-se aos enunciados conotativos estruturais aplicáveis a todos tributos, deve “sobreviver” ao cotejo em face de um molde normativo específico, formado por  enunciados conotativos estruturais aplicáveis somente a ela;

2.                  A construção do molde normativo dos impostos discriminados na CRFB da República deve ser iniciada a partir da materialidade lançada em seu texto, na qual fora abstraída uma classe de fatos jurídicos de ocorrência futura e possível, sintetizáveis, individualmente, na conjunção de um verbo e um complemento, a qual estará jungido o legislador complementar no exercício de criação do “fato gerador” de determinado imposto;

3.                  Os enunciados conotativos estruturais constantes dos artigos 29, 31, 32 e 34 do CTN e, de resto, os enunciados que neles se fundam, não se amoldam aos parâmetros de segundo grau, constantes dos moldes normativos específicos do IPTU e do ITR;

4.                  A tributação isolada da posse e do domínio útil através do IPTU e do ITR é atípica e carente de requisitos exigidos pelos moldes normativos específicos destes impostos;

5.                  O conceito de propriedade constante dos artigos 153, inciso VI e 156, inciso I, da CRFB da República foi utilizado em sua acepção técnico-jurídica;

6.                  O postulado da interpretação segundo o critério econômico não se presta a cumprir a função de parâmetro interpretativo da CRFB, por não estar nela previsto.


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Notas

[1] Art. 32, CTN: O imposto, de competência dos Municípios, sobre a propriedade predial e territorial urbana tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do Município.

[2] Art. 29, CTN: O imposto, de competência da União, sobre a propriedade territorial rural tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel por natureza, como definido na lei civil, localização fora da zona urbana do Município.

[3]Aliomar Baleeiro, às folhas 321 a 327 de sua notável obra Uma Introdução à Ciência das Finanças (2006) faz uma excelente apresentação dos aspectos histórico, técnico e econômico do ITR, informando, inclusive, que suas raízes podem ser encontradas na Roma antiga.

[4] A despeito de o CTN tratar, indiscriminadamente, o evento do mudo fenomênico e sua abstração em enunciados prescritivos sob a alcunha “fato gerador”, utilizaremos neste trabalho, por questões práticas, os termos hipótese de incidência tributária, trazido por Geraldo Ataliba (2006) e fato jurídico tributário, trazido por Paulo de Barros Carvalho (2007).

[5]O termo “enunciados extraíveis” deve ser interpretado cum grano salis, uma vez que, em verdade, o exegeta não extrai o sentido preexistente de um texto pois a eles adiciona elementos informativos decorrentes de sua pré-compreensão, de seu exercício intelectivo e do discurso no contexto do qual a interpretação se realize, chegando Eros Grau a destacar o caráter alográfico do direito (2009).

[6]Por questões práticas, trataremos, de forma direta, apenas dos artigos 29 e 32 do CTN, ou seja, das hipóteses de incidência. É certo, no entanto, que, considerando que o CTN, em seu artigo 121, parágrafo único, inciso I, define que o contribuinte é aquele que tem relação pessoal e direta com o “fato gerador”, ao tratarmos das hipóteses de incidência constantes dos artigos 29 e 32, estamos, indiretamente, a também tratar dos artigos 31 e 34, que seguirão a mesma sorte daqueles.

[7]O termo regra matriz de incidência tributária será usado por diversas vezes neste trabalho, sendo certo que este representa um método que propicia mais clareza na composição do conjunto de normas através das quais se “tributa” determinados eventos. Para aqueles que não reputem útil o manejo de tal conceito, basta, neste trabalho, entender por regra matriz de incidência tributária o recém mencionado conjunto de normas.

[8] Acreditamos ser adequada a classificação das normas trazida por Humberto Ávila (2009), segundo o qual regras “são normas imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência, sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte e nos princípios que lhe são axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição normativa e a construção conceitual dos fatos”,  princípios “são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação  demandam uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção”  e postulados “são normas imediatamente metódicas que estruturam a interpretação e aplicação de princípios e regras mediante a exigência, mais ou menos específica de relações entre elementos com base em critérios”.

[9] Segundo Paulo de Barros Carvalho eventos são os “fatos da chamada realidade social, enquanto não forem constituídos na linguagem jurídica própria” (apud. DE SANTI, Eurico Marcos Diniz. “Norma, Evento, Relação Jurídica, Fontes e Validade no Direito”. in Curso de Especialização em Direito Tributário: Estudos Analíticos em homenagem a Paulo de Barros Carvalho. Coordenação: Eurico Marcos Diniz de Santi. Rio de Janeiro, Forense, 2007, p. 26.

[10]Construímos tais conceitos a partir dos ensinamentos de Paulo de Barros Carvalho, segundo o qual enunciados conotativos são aqueles que se projetam “para o futuro, selecionando marcas, pontos de vista, linhas, traços, caracteres, que não se refiram a um acontecimento isolado, mas que se prestem a um número indeterminado de situações”, as normas de  comportamento “estão diretamente voltadas para a conduta das pessoas” e as normas de estrutura referem-se aos “comportamentos relacionados à produção de novas unidades deôntico-jurídicas” (CARVALHO, 2007, p. 146). Norberto Bobbio também segue esta linha, ao diferenciar normas de conduta de normas de estrutura ou competência, definindo esta últimas como as que “prescrevem as condições e os procedimentos por meio dos quais são são emanadas normas de conduta válidas” (BOBBIO, 2008, p. 186).

[11]Segundo Paulo de Barros Carvalho “regra jurídica alguma ingressa no sistema do direito positivo sem que seja introduzida por outra norma, que chamaremos, daqui avante, de “veículo introdutor de normas”” (CARVALHO, 2008, p. 393). Acerca deste conceito, Tárek Moysés Moussalem afirma “todos esses termos (emendas Constitucionais, leis complementares, etc) também são denotações, da equivocada palavra-de-classe, fontes formais do direito. Equivocada porque gera embaraço na compreensão do fenômeno: as “fontes formais” não são criadoras de normas. Basta relembrarmos a lição de Lourival Vilanova: as normas não são extraídas de outras normas por inferência-dedutiva. Daí Paulo de Barros Carvalho cunhar precisamente a expressão “instrumentos introdutórios de normas” ou “veículos introdutores de normas” em detrimento da voz “fontes formais” para designar as fórmulas que a ordem jurídica estipula para introduzir regra no sistema”. (MOUSSALEM, 2006, p.124).

[12]Há exceções a esta regra, uma vez que, nos termos do artigo 154, inciso I da CRFB da República, os chamados impostos residuais terão seus enunciados conotativos estruturais introduzidos no sistema através de lei complementar.

[13]Segundo o artigo 146, inciso III da CRFB, as “normas gerais de direito tributário” que aqui definimos como enunciados conotativos estruturais, serão introduzidos no sistema através de lei complementar.

[14] Utilizamos aqui um termo alcunhado por Gregorio Robles para definir as decisões (atos de fala capazes de gerar texto novo) produtoras de novo texto jurídico, diferentes da decisão extra-sistêmica ou constituinte que cria ou constitui o ordenamento, sem a qual não há CRFB (ROBLES, 2005).

[15]Segundo Inocêncio Mártires Coelho “se o legislador real é racional – inclusive e, sobretudo, o constituinte – não se podendo duvidar dessa premissa, nem submetê-la a testes de refutação, impõe-se a conclusão lógico-descritiva de que o ordenamento jurídico, que ele institui à sua imagem e semelhança, também ostenta esse predicado, com todas as suas benéficas consequências” (COELHO, 2007, p. 99).

[16]Geraldo Ataliba ensina que o aspecto material de uma hipótese de incidência (que, conforme sustentamos, tem seu perfil definido já no texto constitucional) é “a imagem abstrata de um fato jurídico:propriedade imobiliária, patrimônio, renda, produção, consumo de bens, prestação de serviços” (ATALIBA, 2006, p. 107).

[17] Por todos, verificar a obra de Gustavo da Silva Amaral, ISS – Materialidade de sua Incidência. in Curso de Especialização em Direito Tributário: Estudos Analíticos em homenagem a Paulo de Barros Carvalho. Coordenação: Eurico Marcos Diniz de Santi. Rio de Janeiro, Forense, 2007, pp. 483-498).

[18] No caso do ITR deve se tratar de lei federal, a incidência se dará em todo território nacional e o sujeito passivo será a União, caso esta exerça a competência administrativa tributária, ou o município, caso este exerça as atividades inerentes a esta competência.

[19] Considerando que contribuinte é um conceito cuja definição da essência é norma geral de direito tributário e, por conseguinte, será introduzida no sistema através de lei complementar, faz-se necessário concluir, nos termos do artigo 121, inciso “I” do CTN, que é contribuinte aquele que tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador.

[20]Artigo 114, CTN: Fato gerador da obrigação principal é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência.

[21] Se é possível que o aspecto material da hipótese de incidência seja a posse de um imóvel, dado o fato de que, na prática, aquela possui relação com este e existe previsão em lei complementar; é também possível que o aspecto material da hipótese de incidência seja a implosão de um imóvel, pois, na prática, aquela também se relaciona com este, desde que exista previsão em lei de igual envergadura.

[22]De forma semelhante ao que sustentamos, mas com muito mais propriedade, Robert Alexy esboça regra argumentativa segundo a qual “Todo falante que aplique a um predicado F a um objeto A deve estar disposto a aplicar F também a qualquer objeto igual a A em todos os aspectos relevantes” (2008, pp. 191-192).

[23] “Examinando-se o art. 34 do CTN, pode-se ter uma errônea ideia, por apontar o artigo como contribuinte o possuidor a qualquer título” “O certo é que somente contribui para o IPTU o possuidor que tenha animus domini” “Assim, jamais poderá ser chamado como contribuinte do IPTU o locatário ou comodatário” (STJ, 2ª Turma, REsp 325.489/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ 24/02/2003”; “A posse tributável é a que exterioriza o domínio, não aquela exercida pelo locatário ou pelo comodatário, meros titulares de direitos pessoais limitados em relação à coisa. Gozando a proprietária de imunidade tributária, não se pode transferir ao locatário a responsabilidade do pagamento do IPTU” (STJ, 1ª Turma, Resp 40.240-9-SP, 1993) Nos parece que o último julgado favorece a nossa tese, uma vez que, caso fosse possível tributar a posse, a questão da imunidade do proprietário seria irrelevante.

[24]Se refere à Constituição de 1967.

[25]“Isso permite a perfeita compreensão de que princípios gerais de direito – princípios implícitos, existentes no direito pressuposto – não são resgatados fora do ordenamento jurídico, porém descobertos no seu interior” (GRAU, 2009. p. 47).

[26]José Afonso da Silva, tratando das leis complementares, afirma que a sua “função é de mera complementaridade, disso não podem desbordar. Nem se há de servir delas para interpretar a CRFB ou qualquer de suas normas.” (SILVA, 2008, p. 245).

[27]Acerca destes princípios, ver BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da CRFB. 6 ed. 4 Tiragem. São Paulo, Saraiva, 2008; COELHO, Inocêncio Mártires. Interpretação Constitucional, 3 ed. São Paulo, Saraiva, 2007 e HESSE, Konrad. A Força Normativa da CRFB. Porto Alegre, Sergio Fabris, 1991.

[28] Becker, na obra mencionada neste artigo, faz severas críticas ao que chama de “doutrina hermenêutica da realidade econômica”, sobretudo no §2º, Capítulo “III”, segunda parte.


Autor

  • Marcos de Andrade Stallone

    Marcos de Andrade Stallone

    Graduação em Direito pela Universidade Católica do Salvador (2008), especialização em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (2010) e especialização em Direitos Humanos, Teoria e Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2012). Atualmente é sócio do escritório Tawil, Ribeiro e Stallone Advocacia e Consultoria e professor da Faculdade Metropolitana de Camaçari.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

STALLONE, Marcos de Andrade. IPTU e ITR: molde normativo específico e critério material . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3327, 10 ago. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22366. Acesso em: 25 abr. 2024.