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Cabimento do recurso de revista nas execuções fiscais

Cabimento do recurso de revista nas execuções fiscais

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Como conseqüência do princípio da segurança jurídica, deve-se conferir interpretação restritiva ao disposto no art. 896, § 2.º, da CLT, de modo que seja aplicável tão somente nas execuções de sentença. O cabimento do recurso de revista nas execuções fiscais deve ser regido pela regra do caput.

Sumário: 1. Introdução. 2. Recurso de revista: instrumento de concretização do princípio da segurança jurídica. 3. Restrição ao cabimento do recurso de revista nas execuções trabalhistas: corolário do princípio da razoável duração do processo. 4. O cabimento do recurso de revista nas execuções fiscais: análise à luz do conflito entre os princípios da segurança jurídica e da razoável duração do processo. 5. Conclusão. 6. Referências Bibliográficas.


1. Introdução.

Em face da expansão da competência da Justiça do Trabalho, promovida pela Emenda Constitucional n.º 45/2004, a questão concernente aos feitos executivos processados perante a Justiça do Trabalho passou a exigir maior atenção. Várias matérias foram atraídas para a competência dessa justiça especializada. E por conseguinte, foi igualmente transferida a competência referente à execução dos títulos executivos que representam direitos materiais relacionados a essas matérias.

É o que se verifica, por exemplo quanto à competência para julgamento das execuções fiscais fundadas em certidões de dívida ativa (título executivo extrajudicial) que consubstanciam créditos decorrentes de penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho (art. 114, VII, da Constituição Federal).

Ocorre que o tema sempre foi abordado sob a ótica das execuções fundadas em títulos executivos judiciais, que durante muito tempo predominaram, de forma mais significativa do que se verifica atualmente, sobre aquelas fundadas em títulos executivos extrajudiciais. Por conseqüência, a legislação aplicável, assim como a doutrina e a jurisprudência relacionadas, sempre trataram a questão sob o enfoque do primeiro tipo de execução.

Contudo, não há dúvidas de que em face das peculiaridades que ostentam, as execuções fundadas em títulos executivos extrajudiciais, a exemplo das execuções fiscais fundadas em certidões da dívida ativa, não podem ser tratadas de forma equiparada àquelas fundadas em títulos executivos judiciais, demandando tratamento consentâneo com as suas particularidades.

Nesse contexto emerge a importância do ensaio ora proposto, que tem por objetivo estudar o cabimento do recurso de revista especificamente nas execuções fundadas em títulos executivos extrajudiciais, notadamente as execuções fiscais. E considerando a deficiência da disciplina, seja legal, seja jurisprudencial, que cerca o tema, torna-se necessário o exame em face dos fundamentos principiológicos a ele relacionados.

Sabe-se que há muito caiu por terra a crença da infalibilidade do legislador, professada pelos jusfilósofos positivistas, deixando transparecer as falhas de um sistema jurídico pretensamente calcado na aplicação cega da lei.  Assim, ante a necessidade de se alargar o âmbito de interpretação da lei, com vistas a corrigir suas imperfeições, ganharam nova relevância os princípios jurídicos, vetores da atividade do intérprete e aplicador do direito na atualidade.

No concernente ao tema discutido no presente ensaio, merece destaque, inicialmente, o princípio da segurança jurídica, que tem por corolário a garantia de previsibilidade em torno da interpretação do direito e da conseqüente estabilização dos padrões de conduta que se espera dos indivíduos.

Justifica-se o enfoque porque o recurso de revista, principal via processual de acesso ao Tribunal Superior do Trabalho, assim como os demais recursos de natureza excepcional direcionados aos tribunais superiores, tem como objetivo precípuo preservar a uniformização da jurisprudência trabalhista em torno da interpretação da legislação federal. Constitui, pois, em última análise, instrumento de concretização do princípio da segurança jurídica.

Nesse passo, sabe-se que o cabimento do recurso de revista depende, em regra, da demonstração de violação de dispositivo constitucional ou legal, ou de divergência jurisprudencial entre as Cortes Trabalhistas. É o que determina a regra prevista no art. 896 da Consolidação das Leis do Trabalho,  verbis:

Art. 896 - Cabe Recurso de Revista para Turma do Tribunal Superior do Trabalho das decisões proferidas em grau de recurso ordinário, em dissídio individual, pelos Tribunais Regionais do Trabalho, quando:

a) derem ao mesmo dispositivo de lei federal interpretação diversa da que lhe houver dado outro Tribunal Regional, no seu Pleno ou Turma, ou a Seção de Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, ou a Súmula de Jurisprudência Uniforme dessa Corte;

b) derem ao mesmo dispositivo de lei estadual, Convenção Coletiva de Trabalho, Acordo Coletivo, sentença normativa ou regulamento empresarial de observância obrigatória em área territorial que exceda a jurisdição do Tribunal Regional prolator da decisão recorrida, interpretação divergente, na forma da alínea a;

c) proferidas com violação literal de disposição de lei federal ou afronta direta e literal à Constituição Federal.

No entanto, nas hipóteses em que o recurso de revista é interposto contra acórdão proferido em sede de processo de execução, o cabimento do apelo é mais restrito, dependendo de demonstração de violação direta e literal da Constituição Federal, consoante determina o art. 896, § 2.º, da CLT, verbis:

Das decisões proferidas pelos Tribunais Regionais do Trabalho ou por suas Turmas, em execução de sentença, inclusive em processo incidente de embargos de terceiro, não caberá Recurso de Revista, salvo na hipótese de ofensa direta e literal de norma da Constituição Federal.

Assim, ao trazer norma que impõe restrição ao direito de recorrer e, portanto, possibilitar uma tramitação mais célere dos feitos em que for aplicável, é certo que o dispositivo em questão consagra concretização do princípio da razoável duração do processo, positivado no art. 5.º, LXXVIII, da Constituição Federal. É esse o segundo vetor principiológico de crucial relevância para a análise ora proposta.

Daí é possível concluir, preliminarmente, que a questão atinente ao cabimento do recurso de revista nos processos executivos encerra um conflito entre os princípios da segurança jurídica, de um lado, a fundamentar a ampliação da atividade judicial uniformizadora, e do princípio da razoável duração do processo, de outro, a restringir o direito de acesso ao Tribunal Superior do Trabalho.

Nesse contexto surge a seguinte questão: nas execuções processadas perante a Justiça do Trabalho, fundadas em títulos executivos extrajudiciais, notadamente as execuções fiscais fundadas em certidões da dívida ativa, o cabimento do recurso de revista deve submeter-se à regra prescrita no caput do art. 896 da CLT, privilegiando-se o princípio da segurança jurídica, ou à exceção prevista no § 2.º do citado artigo, privilegiando-se o princípio da razoável duração do processo?


2. Recurso de revista: instrumento de concretização do princípio da segurança jurídica.

Conforme referido linhas acima, na atualidade ruiu a crença de que o direito tem por fundamento único as leis. Se até o início do Século XX tinha maior relevância a atividade do legislador, que se pretendia capaz de prever e disciplinar em abstrato todas as relações sociais possíveis, hoje ressalta-se a importância do juiz, enquanto intérprete e aplicador do direito, cuja atividade, regida pela aplicação dos princípios constitucionais e dos direitos fundamentais, mostra-se essencial para a correção das deficiências das normas legisladas e, conseqüentemente,  da correta aplicação do direito ao caso concreto. Nos dizeres de Paulo Bonavides (2006, p. 15) “Dantes, a lógica da razão, com a regra, a lei, o código; daqui por diante, o humanismo das idéias, com o valor, o princípio, a Constituição”.

No entanto, em decorrência desse giro hermenêutico perpetrado pelo pós-positivismo verifica-se um acentuado acréscimo dos poderes do juiz que agora não mais se restringe aos estritos limites da lei, como antes propunha o positivismo clássico, encontrando limites em parâmetros abertos e de maior grau de abstração. De acordo com o magistério de Teresa Arruda Alvim Wambier (2008, p. 94):

Os parâmetros da decisão do juiz nos dias de hoje são bem mais nublados, difusos, incertos que os de outrora. Mas são os parâmetros com que contamos, que certamente são preferíveis ao subjetivismo  interno de cada magistrado, que levaria à ditadura do Judiciário.

Nesse cenário merece destaque o princípio da segurança jurídica, positivado no art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal, um dos pilares de sustentação do estado de direito, que irradia seus efeitos sobre as três funções estatais básicas, quais sejam, a legislativa, a administrativa e a judiciária. No tocante ao conteúdo do princípio em foco, J. J. Gomes Canotilho (2003, p. 264) leciona que:

O princípio da segurança jurídica não é apenas um elemento essencial do princípio do estado de direito relativamente aos atos normativos. As idéias nucleares da segurança jurídica desenvolvem-se em torno  de dois conceitos: (1) estabilidade ou eficácia ex post da segurança jurídica dado que as decisões dos podres públicos uma vez adoptadas, na forma e procedimento  legalmente exigidos, não devem poder ser arbitrariamente modificadas, sendo apenas razoável a alteração das mesmas quando ocorram pressupostos materiais particularmente relevantes; (2) previsibilidade ou eficácia ex ante do princípio da segurança jurídica que, fundamentalmente, se reconduz à exigência de certeza e calculabilidade, por parte dos cidadãos, em relação aos efeitos jurídicos dos actos normativos. (destacou-se)

Para o estudo ora proposto, releva-se a eficácia do princípio da segurança jurídica sobre a atividade jurisdicional do Estado, especialmente no aspecto da previsibilidade, que constituiu um dos fundamentos precípuos dos recursos excepcionais direcionados aos Tribunais Superiores, dos quais é exemplo o recurso de revista para o Tribunal Superior do Trabalho.

Referido recurso, de fundamentação vinculada, tem por hipótese de cabimento a demonstração de que a decisão recorrida violou dispositivo de lei federal ou divergiu do entendimento adotado por outros tribunais trabalhistas. Com efeito, determina o art. 896 da Consolidação das Leis do Trabalho que:

Art. 896 - Cabe Recurso de Revista para Turma do Tribunal Superior do Trabalho das decisões proferidas em grau de recurso ordinário, em dissídio individual, pelos Tribunais Regionais do Trabalho, quando:

a) derem ao mesmo dispositivo de lei federal interpretação diversa da que lhe houver dado outro Tribunal Regional, no seu Pleno ou Turma, ou a Seção de Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, ou a Súmula de Jurisprudência Uniforme dessa Corte;

b) derem ao mesmo dispositivo de lei estadual, Convenção Coletiva de Trabalho, Acordo Coletivo, sentença normativa ou regulamento empresarial de observância obrigatória em área territorial que exceda a jurisdição do Tribunal Regional prolator da decisão recorrida, interpretação divergente, na forma da alínea a;

c) proferidas com violação literal de disposição de lei federal ou afronta direta e literal à Constituição Federal.

Das hipóteses de cabimento previstas no dispositivo citado depreende-se que o recurso nele disciplinado tem por objetivo permitir a uniformização da interpretação da legislação federal pela mais alta Corte trabalhista do país, evitando que se perpetuem entendimentos jurisprudenciais díspares em determinadas regiões.

A diversidade de entendimentos certamente enfraqueceria o grau de previsibilidade do direito que, conforme explicitado linhas acima, atualmente encontra fundamento não apenas no disposto nas leis mas também, em grande escala, na interpretação que a elas é dada pelos tribunais.

Nesse sentido, ensina  Teresa Arruda Alvim Wambier (2008, p. 245) que “Têm, os recursos especial e extraordinário, a função de preservar a ordem jurídica, evitando a dilaceração do sistema jurídico federal ou normativo federal, exercendo, assim, a sua função, que é a de tornar claras pautas de conduta.”.

Assim, não resta dúvidas de que o recurso de revista, apelo de natureza excepcional e de objetivo uniformizador, tem por escopo, em última análise, servir ao princípio da segurança jurídica, cujo conteúdo garante a uniformidade e a clareza do direito e a conseqüente previsibilidade das condutas pelos indivíduos.


3. Restrição ao cabimento do recurso de revista nas execuções trabalhistas: corolário do princípio da razoável duração do processo.

De acordo com o art. 5.º, LXXVIII, da Constituição Federal, incluído pela Emenda Constitucional n.º 45/2004, “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

O princípio da razoável duração do processo, insculpido no dispositivo constitucional em comento, tem por fundamento o princípio do acesso à justiça, enquanto acesso á ordem jurídica justa, princípio esse que encontra positivação no art. 5.º, XXXV, da Constituição Federal, nos seguintes termos: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

Sabe-se que a garantia do acesso à ordem jurídica justa deve ser efetiva, não se esgotando mediante simples previsão normativa de prestação da atividade jurisdicional. Com o objetivo de atingir a aludida efetividade foram implementadas nos países ocidentais ao longo do século XX diversas inovações, ora mediante alteração dos sistemas normativos processuais, ora por meio da atuação concreta do Estado, ora pela simples proposta de uma nova postura por parte dos aplicadores do direito.

Com base nas referidas inovações, Mauro Cappelletti e Bryant Garth (1988, p. 31) identificaram três tendências de densificação do princípio do acesso à ordem jurídica justa, à quais atribuíram o nome de ondas renovatórias de acesso à justiça. A primeira, tinha por objeto o provimento dos meios necessários ao efetivo acesso ao poder judiciário. A segunda, dedicava-se à proteção judicial dos interesses transindividuais. Por fim, a terceira onda visava difundir a necessidade de adequada prestação jurisdicional.

Com efeito, a terceira onda renovatória nasceu da observação de que a disponibilização dos meios necessários para o acesso ao judiciário, individual ou coletivamente, não era suficiente, por si só, para garantir que a atividade jurisdicional fosse adequadamente prestada, de modo que, na prática, fossem cumpridos os seus objetivos (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 67 et. seq.). Se pelas inovações introduzidas pelas ondas renovatórias anteriores foi possível alcançar o efetivo acesso ao judiciário, de forma individual ou coletiva, o que se busca pela nova tendência é o acesso efetivo à ordem jurídica justa.

O exercício da jurisdição passou a ser analisado sob a ótica dos consumidores do serviço jurisdicional, interessados em que as soluções oferecidas pelo judiciário efetivamente ponham fim aos conflitos levados ao seu conhecimento e produzam da maneira mais célere, eficaz e útil os resultados práticos visados (Cf. WATANABE, 1988, p. 128). Desse novo ponto de vista decorre que o adequado exercício da atividade jurisdicional deve levar em conta tanto aspectos formais, buscando-se a celeridade na tramitação dos processos e atribuição de eficácia às decisões, quanto aspectos substanciais, mediante decisões dotadas de maior utilidade prática.

Quanto à necessária celeridade na tramitação dos feitos, há de se reconhecer que a efetivação intempestiva de um direito em muito pouco difere da sua negativa. Muitos são os direitos que não podem permanecer desprovidos de eficácia por longo período, sob pena de colocarem em risco a subsistência de seus titulares e a própria utilidade da prestação visada.

Além disso, a morosidade na prestação jurisdicional propicia o tratamento anti-isonômico dos jurisdicionados, na medida em que os custos e prejuízos advindos da maior duração do processo atingem mais severamente aqueles que detêm menos recursos financeiros (MARINONI, 1993, p. 33).

Por esse motivo, sob a influência da terceira onda de acesso à justiça, sustenta-se a necessidade de se imprimir maior celeridade à tramitação dos processos, bem assim à prolação e ao cumprimento das decisões. Para tanto, faz-se necessária a adoção de uma nova postura pelos juízes, voltada para simplificação e agilidade na prestação jurisdicional, bem assim a implementação de ações pelo Estado no sentido de aperfeiçoar a organização e a estrutura do poder judiciário, e de promover reformas legislativas voltadas, por exemplo, à criação de vias alternativas de pacificação social, tais como a conciliação e a arbitragem, à valorização do princípio da oralidade nos procedimentos, ao enxugamento dos sistemas recursais e à previsão de tutelas sumárias de urgência.

Nesse contexto, quaisquer previsões legais que restrinjam o cabimento de recursos, mormente daqueles direcionados aos Tribunais Superiores, que em regra são interpostos em momento já avançado da tramitação do processo, por diminuírem o volume de processos naquelas Cortes e abreviarem o tempo gasto para a solução da demanda, relacionam-se diretamente com o princípio da razoável duração do processo.

Exemplo de restrição desse tipo que, por constituir objeto do presente ensaio, merece maior atenção neste momento, é aquela prevista para o cabimento do recurso de revista nos feitos executivos processados perante a Justiça do Trabalho.

A restrição ao cabimento do recurso de revista na fase executiva, no processo trabalhista, inicialmente mais ampla, foi introduzida no ordenamento jurídico pela Lei n.º 5.442/68 que acrescentou § 4.º ao art. 896 da CLT. Mencionado dispositivo determinava que:

Das decisões proferidas pelos Tribunais Regionais ou por suas Turmas, em execução de sentença, não caberá recurso de revista para o Tribunal Superior do Trabalho.

Ocorre que a vedação teve como conseqüência indesejada transformar as decisões proferidas em segundo grau de jurisdição nos processos executivos trabalhistas em decisões proferidas em última instância, o que fez surgir a polêmica do cabimento do recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal diretamente dessas decisões, sem que o feito passasse pela apreciação do Tribunal Superior do Trabalho.

Com vistas a solucionar esse problema, no ano de 1987 o Tribunal Superior do Trabalho editou a Súmula n.º 266, reabrindo a possibilidade de interposição do recurso de revista, nos seguintes termos:

A admissibilidade do recurso de revista interposto de acórdão proferido em agravo de petição, na liquidação de sentença ou em processo incidente na execução, inclusive os embargos de terceiro, depende de demonstração inequívoca de violência direta à Constituição Federal.

Finalmente, legalizando o entendimento já consagrado pela Súmula em referência, foi editada a Lei n.º 9.756/98 que introduziu o § 2.º no art. 896 da CLT, segundo o qual:

Das decisões proferidas pelos Tribunais Regionais do Trabalho ou por suas Turmas, em execução de sentença, inclusive em processo incidente de embargos de terceiro, não caberá Recurso de Revista, salvo na hipótese de ofensa direta e literal de norma da Constituição Federal.

Muito embora o dispositivo citado refira-se a decisões proferidas em execução de sentença, o que inicialmente pode levar à conclusão de que a restrição nele contida aplica-se somente às execuções fundadas em títulos executivos judiciais, o fato é que permanece vigente a Súmula n.º 266, pela qual a norma aplica-se em face de quaisquer acórdãos proferidos em agravo de petição. 

Considerando que este último é o recurso cabível tanto nas execuções fundadas em títulos executivos judiciais, quanto naquelas fundadas em títulos executivos extrajudiciais, à luz da Súmula nº 266 do TST a limitação pode ser aplicada indistintamente em ambas as espécies de execução.


4. O cabimento do recurso de revista nas execuções fiscais: análise à luz do conflito entre os princípios da segurança jurídica e da razoável duração do processo.

A execução trabalhista fundada em títulos executivos extrajudiciais, a exemplo das execuções fiscais que visam à cobrança de penalidades administrativas impostas aos empregadores, apresenta significativas peculiaridades quando comparada com aquela fundada em títulos executivos judiciais, principalmente no que diz respeito, em cada caso, ao momento da discussão judicial acerca do direito material representado pelo título e à profundidade das matérias passíveis de discussão na fase executiva.

Daí porque a decisão acerca do tratamento dispensado a um e outro tipo de feito executivo, inclusive no que diz respeito às eventuais restrições à interposição de recursos, deve ser precedido de acurada análise, constituindo atitude evidentemente irresponsável o simples tratamento de ambas as hipóteses como se fossem uma só.

Frise-se que a discussão sobre o tema ganhou maior relevância na nova conjuntura jurídica brasileira, em que a Justiça do Trabalho teve sua competência consideravelmente ampliada pelas alterações introduzidas no art. 114 da Constituição Federal pela Emenda Constitucional n.º 45/2004.

Várias matérias anteriormente submetidas a outros ramos do poder judiciário entraram agora na competência dessa Justiça Especializada, o que veio a aumentar a proporção de execuções por títulos executivos extrajudiciais em relação àquelas voltadas ao cumprimento das sentenças trabalhistas. Exemplo disso é a norma introduzida pelo art. 114, VII, da Constituição Federal.

E levando-se em conta que a maior parte da disciplina legal e do entendimento jurisprudencial que cercam a questão foi desenvolvida anteriormente à citada alteração do texto constitucional, período em que predominavam de forma ainda mais evidente as execuções fundadas em títulos executivos judiciais, nem os tribunais, nem a lei, tratam adequada e suficientemente a matéria.

A deficiência do tratamento legal e jurisprudencial dispensado à disciplina na contemporaneidade justifica uma releitura à luz fundamentos principiológicos que orientam a inovação e a interpretação do sistema jurídico processual brasileiro.

Com efeito, sabe-se que as normas jurídicas apresentam-se, em regra, como enunciados dotados da generalidade e abstração imprescindíveis à abrangência da maior quantidade possível de situações sob seu âmbito de regulamentação. E por não disporem de densidade suficiente para a imediata aplicação aos casos concretos, dependem da atividade interpretativa de seus aplicadores.

Ocorre que a aludida abstração resulta na impossibilidade da correta interpretação dos textos normativos, quando isoladamente considerados, uma vez que a pobreza semântica de uma determinada norma, tomada fora do contexto jurídico ao qual pertence, ora dá margem a interpretações inadequadas às finalidades do sistema normativo, ora impossibilita que se chegue ao significado que melhor atende a essas finalidades.

É exatamente nesse ponto que emerge a importância dos princípios jurídicos enquanto diretrizes interpretativas, na medida em que impõem a aplicação, ao caso concreto, da solução que melhor corresponde aos valores fundamentais do sistema normativo neles enunciados. Assim, “[...] em relação às normas de abrangência mais restrita, os sobre (princípios) exercem uma função interpretativa, na medida em que servem para interpretar normas construídas a partir de textos normativos expressos, restringindo ou ampliando seus sentidos.” (ÁVILA, 2006, p.98)

Conforme já exposto acima, a questão atinente ao cabimento do recurso de revista nas execuções fiscais que tramitam na Justiça do Trabalho encontra baliza especialmente em dois princípios, quais sejam, o da segurança jurídica e o da razoável duração do processo, enquanto corolário do princípio do acesso à ordem jurídica justa.

O primeiro sinaliza no sentido de ampliar ao máximo as hipóteses de cabimento dos recursos aos tribunais superiores, de modo a maximizar a uniformização do entendimento jurisprudencial em torno da interpretação da legislação federal e da Constituição. Já o segundo orienta no sentido de se restringir ao máximo possível as hipóteses de cabimento de quaisquer recursos, com vistas a promover a tramitação mais célere do feito. Por certo, a garantia da máxima eficácia a um desses princípios isoladamente levaria, na hipótese sob análise, ao aniquilamento do outro. Está-se, portanto, diante de um conflito principiológico.

Ocorre que os conflitos entre princípios não comportam solução por meio das regras clássicas usualmente aplicadas na solução de conflitos normativos, pautadas por critérios de tempo, hierarquia e especialidade. A utilização dessas regras, leva obrigatoriamente à declaração de invalidade de uma norma em detrimento da outra. Já no tocante aos princípios, ensina  Robert Alexy (2008, pp. 93-94):

As colisões entre princípios devem ser solucionadas de forma completamente diversa. Se dois princípios colidem – o que ocorre, por exemplo, quando algo é proibido de acordo com um princípio e, de acordo com o outro, permitido –, um dos princípios terá que ceder. Isso não significa, contudo, nem que o princípio cedente deva ser declarado inválido, nem que nele deverá ser introduzida uma cláusula de exceção. Na verdade, o que ocorre é que um dos princípios tem precedência em face do outro sob determinadas condições. Sob outras condições a questão da precedência pode ser resolvida de forma oposta. Isso é o que se quer dizer quando se afirma que, nos casos concretos os princípios têm pesos diferentes e que os princípios com o maior peso têm precedência. Conflitos entre regras ocorrem na dimensão da validade, enquanto as colisões entre princípios  - visto que só princípios válidos podem colidir – ocorrem, para além dessa dimensão, na dimensão do peso.

É certo que a restrição prevista no art. 896, § 2.º, da CLT, é justificável no tocante às execuções fundadas em títulos executivos judiciais, cuja formação depende de um prévio processo de conhecimento em que as questões concernentes ao direito material cristalizado no título são ampla e longamente discutidas e decididas, não sendo passíveis, em regra, de nova apreciação na fase executiva. É o que se depreende do disposto no art. 884, § 1.º, da CLT, segundo o qual  “A matéria de defesa será restrita às alegações de cumprimento da decisão ou do acordo, quitação ou prescrição da divida”.

Nesse caso, a limitação ao cabimento do recurso de revista, vai ao encontro do que preceitua o princípio da razoável duração do processo, positivado no art. 5.º, LXXVIII, da Constituição Federal, princípio esse que apresenta maior relevância nesse tipo de execuções, já que a prévia discussão da matéria de fundo no processo de conhecimento  associada à estreiteza dos limites que cercam os debates durante a fase executiva, constituem óbice a profundas agressões ao princípio conflitante, qual seja, o da segurança jurídica.

Hipótese diferente verifica-se nas execuções fundadas em títulos executivos extrajudiciais, hoje mais freqüentes na Justiça do Trabalho em razão da ampliação da competência dessa Justiça Especializada pela Emenda Constitucional 45/2004. Aqui a ânsia desenfreada de imprimir celeridade à tramitação dos processos pode dar ensejo ao severo comprometimento do princípio da segurança jurídica.

Nesses feitos, eventuais controvérsias em torno do direito material cristalizado no título jamais foram objeto de discussão judicial, razão pela qual as lides daí decorrentes serão resolvidas em sede de embargos à execução, processo de conhecimento autônomo em que a possibilidade de apreciação da matéria é ampla. É o que determina o art. 745, V, do Código de Processo Civil, de aplicação subsidiária ao processo do Trabalho, ao dispor que, com relação à execução fundada em título executivo extrajudicial, o devedor poderá, nos embargos, alegar “qualquer matéria que lhe seria lícito deduzir como defesa em processo de conhecimento”.

E em razão da maior amplitude do âmbito de discussão nesses feitos, adquire maior peso o princípio da segurança jurídica, já que a perpetuação de entendimentos jurisprudenciais regionalizados em torno das questões federais debatidas,  que decorreria da restrição disposta no art. 896, § 2.º, da CLT, inviabilizaria a precisa delimitação da previsibilidade em torno da interpretação do direito e, conseqüentemente, traria um risco elevado de insegurança jurídica em torno de um maior número de matérias.

Assim, por todo o exposto, deve-se conferir interpretação restritiva ao art. 896, § 2.º, da CLT, de modo a limitar sua aplicação nas execuções de sentença, estritamente nos termos previstos textualmente pelo dispositivo. Por conseguinte, nas execuções fundadas em títulos executivos extrajudiciais, a exemplo das execuções fiscais, o cabimento do recurso de revista deve ser regido pelo disposto no art. 896, caput, da CLT, que prevê hipóteses mais amplas de cabimento, privilegiando o princípio da segurança jurídica de demonstrada preponderância nesse caso.


4. Conclusão.

Considerando que o tema atinente ao cabimento do recurso de revista nas execuções processadas perante a Justiça do Trabalho, fundadas em títulos executivos extrajudiciais, notadamente as execuções fiscais que visam à cobrança de penalidades administrativas impostas aos empregadores, encerra, em última análise, um conflito entre os princípios da segurança jurídica e da razoável duração do processo, a questão deve ser resolvida à luz da doutrina de Robert Alexy, pela qual os conflitos principiológicos são resolvidos por meio da ponderação, atribuindo-se maior valor a um dos conflitantes em face das peculiaridades do caso concreto.

E considerando-se as particularidades que cercam a execução por título executivo extrajudicial, quando comparada com aquela fundada em título executivo judicial, ostenta maior peso o princípio da segurança jurídica, principalmente em face da maior abrangência da matéria passível de discussão naquele primeiro tipo de feito e da inexistência de prévia discussão judicial do direito material representado pelos títulos respectivos.

Como conseqüência da aplicação do princípio da segurança jurídica, deve-se conferir interpretação restritiva ao disposto no art. 896, § 2.º, da CLT, de modo que seja aplicável tão somente nas execuções de sentença. Assim, o cabimento do recurso de revista nas execuções fiscais deve ser regido pela regra do caput do citado art. 896.


5. Referências Bibliográficas

BONAVIDES, Paulo. O direito à paz como direito fundamental da quinta geração. Interesse Público, Porto Alegre, ano 8, n. 40, p. 15-22, novembro 2006.

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim Wambier. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória. 2. ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008.

PINTO, José Augusto Rodrigues. Execução Trabalhista. 11. ed., São Paulo: Editora LTR, 2006.

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional. 7 ed., Coimbra: Livraria Almedina. 2003.

CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988.

WATANABE, Kazuo. Acesso à justiça e sociedade moderna. In: GRINOVER, A. P.; DINAMARCO, C. R.; WATANABE, K. (Coord.). Participação e processo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1988.

MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil. O acesso à justiça e os institutos fundamentais do direito processual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1993. 


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Inácio André de. Cabimento do recurso de revista nas execuções fiscais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3344, 27 ago. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22484. Acesso em: 19 abr. 2024.