Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/23220
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Decisões transitadas em julgado e a inconstitucionalidade declarada posteriormente pelo STF.

Seria o art. 741, parágrafo único, do CPC a previsão da coisa julgada inconstitucional?

Decisões transitadas em julgado e a inconstitucionalidade declarada posteriormente pelo STF. Seria o art. 741, parágrafo único, do CPC a previsão da coisa julgada inconstitucional?

Publicado em . Elaborado em .

A regra do art. 741, parágrafo único, do CPC, repetida em outros dispositivos legais, aperfeiçoou o controle da constitucionalidade das leis e conferiu mais segurança jurídica ao sistema porque não há segurança na inconstitucionalidade.

1. Considerações preliminares

A possibilidade de existirem decisões judiciais que dispensam tratamento díspar a casos assemelhados[1] costuma ser justificada em razão do princípio do livre convencimento motivado do juiz. A aplicação do direito ao caso concreto, embora reconhecidamente não se dê num sistema dedutivo, que se opera pela lógica cartesiana, que atribuiria ao juiz apenas desvendar a única solução possível extraída do enunciado normativo[2], cria um ambiente de independência judicial, que é essencial à existência de um Estado de Direito. Os juízes julgam de acordo com suas consciências. No entanto, essa liberdade de interpretar as leis da República implica a possibilidade de tratar situações iguais de maneira desigual, afinal uma norma jurídica só existe quando interpretada[3]. E as variações de sentido por que um mesmo caso pode ser decidido por diferentes julgadores podem colocar em questionamento a justiça e a segurança das decisões judiciais, principalmente aos olhos dos destinatários das normas.

A preocupação com a uniformidade da aplicação do direito tem sido encarada, principalmente, sob o enfoque da administração da justiça. As diversas reformas porque passaram o CPC e os microssistemas processuais, ao longo das últimas duas décadas, consagraram mecanismos que valorizam a força do precedente e tendem a pacificar um mesmo entendimento. A súmula vinculante (CF art. 103-A); a súmula impeditiva de recurso (CPC art. 518, § 1º); o julgamento monocrático pelo Relator (CPC art. 557); o julgamento monocrático do Relator do agravo de instrumento que visa destrancar os recursos especial e extraordinário, quando o acórdão recorrido estiver em consonância com Súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal Superior (CPC art. 544, §4º, “c”); o julgamento por amostragem na repercussão geral (CF art. 102, § 3º c/c art. 143-B do CPC) e nos recursos repetitivos (CPC art. 543-C); o incidente de uniformização de jurisprudência nos tribunais (CPC art. 476); a afetação de competência nos Tribunais (art. 555, §1º do CPC); os embargos de divergência (CPC art. 546); o recurso especial fundado em divergência (CF art. 105, III, “c”); a improcedência prima facie (CPC art. 285-A); a dispensa de remessa necessária quando a sentença contra a Fazenda Pública estiver em acordo com a jurisprudência do STF e súmulas de tribunais superiores (CPC art. 475, § 3º); a sistemática dos processos coletivos (CDC c/c Lei nº 7.347/85), dos Juizados Especiais (Lei nº 9.099/95) e dos processos de natureza objetiva (Lei nº 9.868/99) foram concebidos para, em larga medida, racionalizar o uso da máquina judiciária, poupando-lhe da apreciação de casos semelhantes.

A jurisprudência também tem valorizado, cada vez mais, a força do precedente como forma de proteção da confiança do jurisdicionado no tráfego jurídico. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE nº 566.621/RS[4], assentou que a aplicação imediata de lei federal - no caso a Lei Complementar nº 118/2005 -  viola a segurança jurídica por contrariar a jurisprudência pacificada do STJ. O Superior Tribunal de Justiça[5], por sua vez, no julgamento do CC nº 107.635/PR[6], cancelou o verbete nº 358 de sua Súmula, por entender “competir ao STF a palavra final sobre competência, matéria tipicamente constitucional (art. 114 da CF)”.

Esses julgados são interessantes porque reconheceram que a  jurisprudência também gera segurança, pois os particulares e o Poder Público, inegavelmente, balizarão seus comportamentos pelo que vem sendo decidido pelos tribunais. Mas não só: o STF reconheceu a segurança emanada pela observância da jurisprudência do STJ – tribunal que lhe é hierarquicamente inferior – em matéria federal, ao passo que o STJ reconheceu que cabe ao STF dizer o que é a Constituição. É um importante paradigma, pois mais danoso do restringir a liberdade de julgar de modo diferente, é malferir a segurança,  quando se desrespeita as regras do jogo previamente estabelecidas: é o STF quem diz o que é constitucional, ao passo que o STJ é o guardião da legislação federal. E isso não significa contrapor segurança à justiça. 

Nesse contexto, a regra do art. 741, par único, do CPC, que foi repetida no art. 475-L, § 1º do CPC e, com algumas nuances, no art. 884 § 5º da CLT[7] e agora também no art. 511 § 5º no projeto do novo Código aprovado pelo Senado, parece ser a tentativa derradeira, durante a tramitação de um processo subjetivo, de uniformizar as decisões judiciais em matéria constitucional. É um espaço procedimentalmente adequado para participação e deliberação, no processo civil, sobre o respeito ao que o Supremo Tribunal diz que é a Constituição. Literalmente, a regra permitiu  ao devedor, na execução, obstar a pretensão do demandante porque seu título judicial, que se fundou em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais, ou que se fundou em interpretação ou aplicação tidas como incompatíveis com a  Constituição pelo STF, se tornou, segundo o texto legal, inexigível. Mas não só o devedor: acode a qualquer partes prejudicadas pela declaração destoante da constitucionalidade ou da inconstitucionalidade.

Nesse ensaio, irei me referir, principalmente, ao art. 741, par. único, do CPC, de modo a tentar reduzir, ao longo do texto, a quase inevitável repetição dos artigos ou da referência ao seu conteúdo.

Ao meu ver, regra do art. 741, par único, do CPC fortalecerá a Justiça como instituição, pois permitirá que o juízes tenham poder, a partir de previsão normativa expressa, para manter a supremacia da Constituição, nas hipóteses residuais de decisões idênticas que escapam aos mecanismos de uniformização e também protegerá a confiança dos jurisdicionados, porque se mantem uma das regras do jogo que dita que a Constituição não é senão aquilo que diz o Supremo Tribunal Federal.

 Embora inserida na disciplina de institutos processuais diferentes  – dos embargos à execução contra a Fazenda Pública (art. 741, par único, do CPC), dos embargos à execução trabalhista (art. 884 § 5º da CLT) e do incidente de impugnação do cumprimento de sentenças (art. 475-L, §1º do CPC) – sua aplicação guarda semelhanças e consequências de ordem processual e material que vão além da diferença procedimental entre eles. Para compreender sua incidência e principalmente as objeções que lhes são dirigidas, é preciso entender o quadro normativo no qual foi inserida – a execução civil – e a natureza das sentenças que podem ser desfeitas pelos efeitos rescisórios.

Com efeito, na execução, enfrenta-se uma crise do inadimplemento. Por isso, a atividade executiva tem sua estrutura voltada à satisfação, sem delongas desnecessárias, do direito do credor. In executivis, o demandante formula pedido para citação do réu para este cumprir a obrigação e não para se defender; o transcurso do prazo aberto pela citação tem como eficácia a ratificação do inadimplemento em lugar da revelia (CPC art. 580); embora haja certas doses de cognição[8], os atos típicos da função executiva são atos de sub-rogação e atos de coerção; o processo de execução é regido, dentre outros, pelo princípio do desfecho único, qual seja, a satisfação do direito do credor. Se o processo findar com solução diversa, dir-se-á que houve um desfecho anormal[9]; no processo executivo não se discutem questões de fundo atinentes à existência da obrigação exequenda, por força da eficácia abstrata atribuída ao título executivo; o exequente pode desistir do processo independentemente do consentimento do demandado, salvo se este tiver oposto embargos (CPC art. 569) etc. Se a ação estatal falhar na tentativa de debelar esta crise de adimplemento, principalmente em decorrência de fatores imputáveis à prestação jurisdicional, a própria legitimação da atividade jurisdicional restará comprometida. Não é à toa que Cândido Rangel Dinamarco[10] afirma, de forma contundente, que “executar é dar efetividade e execução é efetivação”. Talvez isso tenha criado objeções à repetição do parágrafo único do art. 741 do CPC no projeto d novo Código, como aquelas registradas numa das audiências públicas que antececederam a aprovação anteprojeto do novo CPC, conforme registros disponibilizados pelo Senado Federal[11].

Penso diferente. Entendo que a regra do art. 741, par único, do CPC, repetida em outros dispositivos legais, aperfeiçoou o controle da constitucionalidade das leis e conferiu mais segurança jurídica ao sistema porque não há segurança na inconstitucionalidade.

No Brasil, o tema tem sido tratado juntamente com a problemática da “coisa julgada inconstitucional”[12], sem dispensar-lhe a atenção merecida. Existem diferenças substanciais entre a relativização da coisa julgada inconstitucional e a aplicação do art. 741, par. único, do CPC. No primeiro caso, a sentença se formou regularmente e se discute se a injustiça nela contida – fruto de error in judicando – foi amparada pela autoridade da coisa julgada[13]; no segundo, a sentença também pode ter sido prolatada em consonância com as leis do processo, mas o desrespeito à Supremacia da Constituição não configura um mero error in judicando apagável pela eficácia sanatória da coisa julgada, porque, enquanto cada juiz é livre para aplicar o Direito mediante decisão motivada sobre a controvérsia que se formou em cada processo, a última palavra ao derredor da constitucionalidade de uma lei cabe ao STF, a quem compete guardar a Constituição. Trata-se, portanto, de uma coisa julgada incapaz de irradiar segurança.

A propósito, diz Gustav Radbruch[14] que

“[a] disciplina da vida social não pode ficar entregue, como é obvio, às mil e uma opiniões dos homens que a constituem na suas recíprocas relações. Pelo facto de esses homens terem ou poderem ter opiniões ou crenças opostas, é que a vida social tem de ser disciplinada duma maneira uniforme por uma força que se ache colocada acima dos indivíduos (…) Se ninguém pode definir dogmaticamente o justo, é preciso que alguém defina dogmaticamente o jurídico, estabelecendo o que se deve observar-se como direito”.

Há uma dicotomia[15], pois, no discurso da “flexibilização da coisa julgada inconstitucional” porque os fundamentos para flexibilizar a res judicatae no caso de aplicação do art. 741, par. único, do CPC e nos casos de injustiça manifesta, em que há colisão de valores constitucionais, são distintos. Em ambos, persiste o recorrente embate entre justiça e segurança, mas nos casos sob a incidência da regra contida no par. único do art. 741 do CPC há um plus: visa-se escoimar a insegurança na aplicação do Direito[16].

Cuida-se, de fato, de uma regra inovadora, que guarda semelhança com o §79-2 do Bundesverfassungsgericht – a Lei Orgânica do Tribunal Federal Constitucional alemão. Nela, a execução, cujo título fundou-se em norma inconstitucional, pode ser obstada, mas o título é mantido intocável. Vale dizer: mantem-se a coisa julgada, mas se paralisa a sua eficácia, esvazia-se o seu conteúdo, que se torna inexigível.  Se adequadamente aplicada, a regra do par. único do art. 741 do CPC não trará riscos à estabilidade dos direitos, na medida em que é possível preservar os efeitos pretéritos das sentenças condenatórias infirmadas pelo vício, quando isso se fizer necessário, mediante a modulação dos efeitos temporais da inconstitucionalidade prescrita pelo art. 27 da Lei nº 9.868/99.

De todo modo, sua aplicação apenas se dará em hipóteses residuais, quando persistirão decisões singulares em discrepância com aquilo que foi decidido, em matéria constitucional, pelo Supremo Tribunal Federal.

Há inúmeros mecanismos para evitar essa incoerência no sistema. São as hipóteses, por exemplo, de julgamento dos recursos extraordinários, quando o art. 543-B do CPC fala em “multiplicidade de recursos fundada em idêntica controvérsia”. Nestes casos, o STF apreciará os recursos selecionados como representativos da controvérsia[17], mantendo os demais sobrestados nos Tribunais e Turmas Recursais dos Juizados, que serão julgados, posteriormente, na forma do art. 543-B §§ 1º e 2º do CPC.  Em tese, ao admitir a repercussão geral, o sistema não permitiria que casos idênticos tivessem julgamentos diferentes, pois os demais recursos aguardariam o julgamento do Supremo na instância a quo.

No controle concreto da constitucionalidade das leis, a uniformidade das decisões judiciais é amparada pela edição de Resolução pelo Senado Federal, quando notificado da decretação de inconstitucionalidade incidenter tantum pelo STF, que não apenas suspende, retroativamente[18], a execução da lei impugnada (CF art. 52, X), mas dá publicidade aos órgãos Judiciários da necessidade de observância do procedente sobre a constitucionalidade de lei, sob pena de afronta à autoridade da Corte Suprema.[19]

No entanto, apesar de todas essas inovações legislativas, é possível que o STF não aprecie uma questão constitucional que lhe seja levada num processo subjetivo, por faltar repercussão geral. Nesse caso, prevalecerá a norma que cada juiz  formulou para o caso concreto, muitas vezes idênticos, mas com solução díspar.

Outros exemplos também podem ser cogitados, em que se identificam “brechas” ao julgamento vinculante do Supremo, como a apreciação de recursos anteriores à Lei nº 11.418/2006, que instituiu o regramento da repercussão geral e o julgamento por amostragem; o juízo de admissibilidade negativo de recursos extraordinários, por razões de deficiência técnica; ou mesmo o descompasso entre o processo objetivo acerca da constitucionalidade de lei ou ato normativo e processo subjetivo em que discute sua aplicação, incidentalmente, sobre um caso concreto, porque no intervalo entre uma decisão e outra podem transcorrem muitos anos, sobrevindo uma série de decisões em casos concretos.

O primeiro exemplo traduz uma situação de direito intertemporal, que tenderá a desaparecer. Os demais revelam a utilidade da regra do art. 741, par. único, do CPC para hipóteses remanescentes, ao aperfeiçoar o controle de constitucionalidade brasileiro, que conjuga o modelo de fiscalização difusa e concentrada, com diferentes efeitos atribuídos a suas decisões. Permite-se, num último momento, aos juízes assegurar os valores substantivos previstos em norma constitucional, mediante a observância de procedimentos adequados de deliberação: a Constituição é aquilo que o Supremo diz ser para todos os brasileiros.

Efetivamente, o ajuizamento de ADI, ADC, ADPF ou ADI por omissão não coincide com a propositura de demandas individuais ou coletivas. Nem há, necessariamente, a previsão de suspensão automática dos processos subjetivos quando é proposta uma ação do controle abstrato. Existe previsão legal de suspensão de processos subjetivos, como efeito da medida cautelar, apenas para a ADC (art. 21 da Lei nº 9.868/99) e para a ADI por omissão (art. 12-F, § 1º da Lei nº 9.868/99). Nos demais casos de controle concentrado, a suspensão depende do juízo de cada julgador, ex vi do art. 265, IV, “a” do CPC. Pode, pois, escapar do efeito vinculando, um processo que tramite mais rápido que o processo objetivo, resultando numa sentença que, nem sempre, estará em consonância com a decisão do Supremo[20].

São, portanto, raríssimos os casos em que a regra do art. 741, par único, do CPC terá lugar. Ela é útil para defesa da Constituição, aperfeiçoando a fiscalização da constitucionalidade das leis e garantindo, ao mesmo tempo, a supremacia da Constituição e a uniformidade das decisões judiciais apenas em hipóteses residuais.  Em última análise, fortalecem-se o Estado Democrático de Direito e, ao contrário do que se teme, a segurança nas relações jurídicas. Por isso, não se pode falar da banalização do instituto ou do “vírus do relativismo” até porque a coisa julgada que se pretende aqui desconstituir é um ato que não é capaz de gerar segurança.


2. Das hipóteses de cabimento dos embargos do art. 741, I, II e par. único, do CPC

Embargar, do latim imbarricare, significa obstacular, impedir, opor resistência[21]. O executado que embarga opõe um obstáculo a uma execução, quer para se ver livre dela, quer para podar os seus excessos. É essa a finalidade precípua dos embargos e também a sua razão de ser.

Todavia, embora consagrada na seção sobre as defesas do executado, a compreensão da regra do par. único do art. 741 do CPC não se liga apenas à ideia de defesa, como pode parecer, ao equiparar à inexigibilidade o vício da decisão judicial fundada em lei inconstitucional. Trata-se de verdadeira pretensão, que ser exercida por via de ação, tal como a regra do art. 741, I do CPC.

O inciso I do art. 741 do CPC reza que os embargos poderão versar sobre “a falta ou nulidade de citação no processo de conhecimento, se a ação lhe correu à revelia”.

A citação é o ato de comunicação por excelência no processo civil. Por meio dela, noticia-se o réu do ajuizamento de uma demanda proposta contra ele, oportunizando-lhe uma a primeira chance para se defender. E como o contraditório deve ser entendido como, “de um lado, a necessidade de dar conhecimento da existência de ação e de todos os atos do processo às partes, e, de outro a possibilidade de as partes reagirem aos atos que lhes sejam desfavoráveis”[22], a citação é, portanto, o ato processual que primeiro realiza este princípio.

O réu citado não precisa, necessariamente, defender-se. Pode reconhecer a procedência do pedido demandante, pondo fim ao conflito, ou ainda deduzir algumas das respostas que lhes são facultadas, como são a contestação, reconvenção e exceções de parcialidade e incompetência relativa. Basta a sua regular cientificação. Bem observou Dinamarco[23] que

como o substrato ético e sistemático que legitima a sentença condenatória como título executivo é o fato de ser produzida por juiz estatal e depois de havarem sido franqueadas ao réu as mais amplas oportunidades de defender-se e participar em contraditório, é natural que não possam ter toda a eficácia e a firmeza de um título executivo as sentenças proferidas sem que essas oportunidades lhe hajam sido realmente oferecidas

A falta ou invalidade da citação representa vício formado durante o processo de conhecimento que, por sua gravidade, sobrevive à força sanatória da coisa julgada. É por isso que, com fundamento no inc. I do 741 do CPC, pode o demandante, a qualquer tempo, exercer sua pretensão de desconstituição desta invalidade “transrescisória”[24]. A essa pretensão deu-se o nome de querela nullitatis[25], que, no direito brasileiro, historicamente, ficou adstrita à hipótese do réu revel não citado[26].

Conquanto prevista como causa de pedir dos embargos, não se trata de mera exceção processual a ser usada apenas nos embargos ou incidente de impugnação de sentenças. Realmente, somente se poderá falar em defesa do executado, seja por embargos, seja por incidente de impugnação, quando houver execução. Existem ações de cunho não-condenatório, como as declaratórias e constitutivas, em que também pode ocorrer a falta ou invalidade da citação. De fato, as sentenças constitutivas criam, ao passo que as declaratórias certificam. Via de regra, não condenam e, consequentemente, não geram execução.  Mas poderão padecer do mesmo vício, porque a falta ou invalidade de citação é defeito que não está adstrito apenas às ações condenatórias. Nesse sentido, Adroaldo Furtado Fabrício[27] anota que

É preciso lembrar que nem todas as sentenças de procedência são passíveis de execução ensejadora dos embargos, mas só as condenatórias; que o prazo para embargar, mesmo havendo execução embargável, é peremptório e preclusivo; que os embargos eventualmente podem sofrer rejeição por defeitos de forma ou de legitimatio ad processum; que sentença, mesmo exeqüível, jamais venha a ser executada, permanecendo sobre a cabeça do condenado qual espada de Dámocles, a minar-lhe o crédito, o bom nome e a tranqüilidade.

É por isso que o inc. I do art. 741 do CPC veicula uma pretensão, que pode assumir a forma de embargos, rescisória, ação civil pública ou de qualquer outra demanda de conhecimento autônoma[28].

A natureza desse vício – a decisão que aplica lei declarada inconstitucional pelo STF – suscita acirradas controvérsias. Há quem fale de inexistência; há quem fale de invalidade; e também há aqueles que afirmam tratar-se de ineficácia. De qualquer sorte, o importante é perceber que os planos da existência, validade e eficácia são diferentes uns dos outros. Naturalmente, espera-se que um fato, no mundo do Direito, exista, seja válido e eficaz. Mas as vicissitudes porque podem passar os fatos jurídicos criam inúmeras combinações destes planos: do lado de fatos que simplesmente não existem juridicamente, há tantos outros que existem, são válidos e ineficazes (negócio submetido a condição suspensiva); outros existem, são inválidos, mas eficazes (casamento putativo); outros ainda existem, são inválidos e são ineficazes (doação feita pessoalmente por absolutamente incapaz) e há, outrossim, aqueles que sequer passam pelo plano da validade: eles existem e simplesmente são eficazes ou não.[29]

Entendo que o defeito enunciado no inc. I do art. 741 do CPC – a falta ou invalidade da citação do réu revel – é vício que torna nula a sentença. Isto porque perfilho a corrente que situa a citação como pressuposto de validade do processo[30] [31], logo o defeito ou a ausência do ato citatório implicará a formação de vício no plano da validade. É também o que prescreve o art. 214 do CPC. Tanto é assim que a sentença proferida contra réu revel não citado irradia normalmente sua eficácia executiva e, se o vício não for detectado, os atos constritivos se consumarão. Se a sentença fosse um ato inexistente, sequer irradiaria efeitos. Mas por ser um ato processual inválido, produzirá efeitos até a decretação da nulidade.

Ressalte-se, ainda no caso do inc. I, que o direito brasileiro equiparou a inexistência e a invalidade da citação no que tange às consequências jurídicas[32], mas isso não significa que os planos da validade e existência se confundam.

Outra hipótese de cabimento dos embargos que interessa para compreensão do art. 741, par único, do CPC é a da inexigibilidade do título prevista no inc. II do art. 741 do CPC. Sua importância para este estudo reside na equiparação legal entre inexigibilidade e título que veicula solução inconstitucional.

O titulo será considerado exigível[33] quando o direito do credor não tiver seu exercício vinculado à condição ou termo – elementos acidentais do negócio jurídico – que subordinam sua eficácia. Ainda com relação à exigibilidade, mas em outros termos, vale ressaltar que o art. 572 do CPC assim dispõe: “quando o juiz decidir relação jurídica sujeita a condição ou termo, o credor não poderá executar a sentença sem provar que se realizou a condição ou ocorreu o termo”. Não é à toa que os arts. 614, III e 615, IV do CPC incumbem o exequente da prova da exigibilidade da obrigação.

Celso Neves[34] classifica a inexigibilidade em absoluta e relativa.

No primeiro caso, trata-se de extinção da exigibilidade; no segundo caso, de exigibilidade a termo não verificado. Ali dá-se a impossibilidade da execução com o título inexigível; aqui, a impossibilidade apenas futura do processo executório, porque a inexigibilidade ainda não se caracterizou

Levando a cabo a literalidade da equiparação feita entre o par. único e o inc. II do art. 741 do CPC, poder-se-ia considerar o caso da sentença que aplicou norma inconstitucional como exemplo de inexigibilidade absoluta, ao passo que, como inexigibilidade relativa, figura o negócio jurídico sujeito à condição ou a termo. Outrossim, não é tarde para ressaltar que, fundadas na mesma causa petendi, a doutrina traz os casos da decisão contra a qual foi interposto recurso com efeito suspensivo, de sentenças prolatadas contra a Fazenda Pública antes do reexame obrigatório e da falta de homologação do laudo arbitral antes da Lei nº 9.307/96[35].

Por fim, resta a hipótese de cabimento dos embargos do parágrafo único do art. 741 do CPC, que verbera: “para efeito do disposto no inc. II deste artigo, considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal ou em aplicação ou interpretação tidas por incompatíveis com a Constituição Federal”.

Assim como o inc. I, a regra do parágrafo único também veicula uma pretensão. Isto porque qualquer sentença, seja ela condenatória ou não, poderá se fundar em lei declarada inconstitucional. E, nos casos em que não houver a possibilidade de oposição de embargos, outras ações de conhecimento poderão ser propostas para rescindi-la, escoimando o vício.

Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça decidiu ser cabível ação civil pública para declarar a nulidade absoluta insanável de sentença causadora de prejuízo ao Erário[36]. Na mesma linha, no ano 2000, o STJ deu provimento a recurso especial em ação civil pública[37] ajuizada pelo Ministério Público, rescindindo sentença transitada em julgado há mais de cinco anos.

A natureza do vício da sentença inconstitucional acirra controvérsias na doutrina. Há quem entenda que é caso de nulidade absoluta da sentença, porque esta – assim como os atos do Poder Público em geral – pode incidir em inconstitucionalidade quando não se conformem com a Lei Maior. “Sendo, pois, caso de nulidade” – arremata Theodoro Jr.[38] – “a coisa julgada não tem o condão de eliminar a profunda ineficácia da sentença, que, por isso mesmo, será insanável e arguível a qualquer tempo”.

De outro lado, há doutrinadores que defendem que a sentença “inconstitucional” sequer seria acobertada pela coisa julgada material, por incorrer em impossibilidade jurídica, em virtude de enunciar efeitos impossíveis[39].

Já na construção de Araken de Assis[40], o dispositivo em análise excepciona a coisa julgada que, por força dele, assume a

incomum e insólita característica de surgir sub conditione: a qualquer momento, pronunciada a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo, em que se baseou o pronunciamento judicial, desaparecerá a eficácia do 467. E isso se verificará ainda que a Corte Constitucional se manifeste após o prazo de dois anos da rescisória

Também comungo dessa posição por entender que a coisa julgada que veicula lei declarada inconstitucional não concretiza o valor da segurança jurídica.


3. O conteúdo do princípio da segurança jurídica

O processo é uma marcha para frente que encontra seu fim na coisa julgada, consolidando uma decisão que pretende promover a pacificação do conflito apreciado pela Justiça. A coisa julgada e segurança são, pois, conceitos que caminham lado a lado. Aquela deve estar a serviço desta e por conta disso é que merece proteção. Efetivamente, a segurança jurídica é um dos valores almejados pelo ordenamento e a coisa julgada é uma de suas manifestações. Pode haver segurança fora da coisa julgada, mas a coisa julgada somente existe para conferir segurança. Se não fosse por isso, não haveria o menor sentido em atribuir imutabilidade ao comando decisório do julgado.

 A consagração normativa da coisa julgada revela a preocupação do legislador em preservar a estabilidade dos direitos, garantindo sua imodificabilidade frente à lei superveniente ou frente à possibilidade permanente de rediscussão da matéria, o que deixaria as portas da Justiça sempre abertas à incerteza. Justamente por essa peculiar capacidade de conferir segurança às relações jurídicas envolvidas pelos efeitos da sentença, a coisa julgada recebe legitimidade política e social.

César Novoa[41], jurista espanhol, afirma que a segurança jurídica só pode ser compreendida tomando em consideração a dimensão social do homem. Como característica humana, a segurança é a pretensão de todo sujeito de saber a que se sujeitar nas suas relações com os demais. Quando adjetivada de jurídica, é a idoneidade do Direito para alcançar esse fim.

Num aspecto amplo, a própria existência de uma ordem jurídica positiva é garantia de segurança. Todavia, não é possível se falar em segurança como derivação automática do ordenamento jurídico, sem levar em conta a existência de um Estado eticamente aceitável[42]. É a questão de saber se existe segurança na insegurança - como no exemplo no menino uruguaio mencionado acima - ou se existe segurança na inconstitucionalidade, como no caso do par. único do art. 741 do CPC. Neste particular, as noções de segurança e justiça se aproximam. Contudo, a segurança é um princípio e a justiça, um valor. Por isso, a primeira, dogmaticamente, não pode ser tratada como um valor inferior, que deve ser sacrificado numa situação de conflito.

Se a segurança é um princípio, ela deve ser usada como instrumento para realização de valores do ordenamento jurídico. A concepção da natureza principiológica à segurança resulta no reconhecimento de um direito à segurança jurídica, em todas as suas facetas: na previsão, na proteção da confiança e na aplicação[43], na medida das condições fáticas e jurídicas presentes no caso. Assim, a segurança jurídica pode ser encarada como um direito cujo objeto são as próprias normas jurídicas. É um limite do limite: recai sobre as normas criadoras dos institutos jurídicos e, ao mesmo tempo, é conteúdo de um direito do cidadão.

Por ser veiculada em norma de direito fundamental a coisa julgada, naturalmente, comporta restrições. Como não existem direitos absolutos e as situações conflitivas na complexa realidade social são muitas, a norma fundamental do art. 5, XXXVI da Constituição pode colidir com outros direitos veiculados em normas igualmente fundamentais e que precisarão ter uma solução que alcance a concordância prática entre ambos, sem nulificá-los, ainda que, no caso concreto, possam sofrer restrições em algumas situações. A regra do art. 741, parágrafo único, do CPC não trata de um “relativismo niilista” ou desvirtuamento do Estado de Direito, mas de uma restrição ao direito fundamental que prevê a garantia da coisa julgada, quando for estritamente indispensável para evitar o esvaziamento de outro direito fundamental da segurança jurídica[44].A segurança jurídica, pois, pode conflitar com a coisa julgada e restringi-la, quando isso se fizer necessário.   

Retornando ao conteúdo jurídico do princípio, precisa-se, ainda, dar resposta à indagação do que seja um Direito seguro, ou melhor, saber quando o Direito regula a realidade por meio de institutos que podem ser considerados seguros.

Neste aspecto, a segurança jurídica pode ser estudada por três ângulos: a segurança na previsão ou orientação, a segurança na aplicação e a proteção da confiança. Enquanto os dois primeiros são de índole objetiva, o último, de cunho subjetivo.  Ou, de acordo com Luís Roberto Barroso[45]

[a] ideia de segurança jurídica envolve três planos: o institucional, o objetivo e o subjetivo. Do ponto de vista institucional, a segurança refere-se à existência de instituições estatais dotadas de poder e de garantia, aptas a fazer funcionar o Estado de Direito, impondo-se a supremacia da lei e sujeitando-se a ela. Do ponto de vista objetivo, a segurança refere-se à anterioridade, das normas jurídicas em relação às situações as quais se dirigem, à estabilidade do Direito, que deve ter como traço geral a permanência e continuidade das normas e a não-retroatividade das leis, que não deverão produzir efeitos retrospectivos para colher direitos subjetivos já constituídos. E, do ponto de vista subjetivo, a segurança jurídica refere-se à proteção da confiança do administrado, impondo à Administração agir com coerência, lealdade e respeitando as legítimas expectativas do administrado

Deveras, a proteção da confiança consiste na previsibilidade e calculabilidade que os indivíduos podem ter com relação aos efeitos dos seus atos e dos atos do Poder Público. Mas só existirá essa confiança se a norma jurídica, em sua dimensão objetiva, for certa e previsível. Daí se estabelece uma ligação entre o aspecto subjetivo da segurança e seu lado objetivo.

Pelo segundo aspecto - a previsão -, já de caráter objetivo, a segurança jurídica consiste, em linhas gerais, no conjunto de condições que tornam possível às pessoas a previsão dos efeitos que seus atos podem causar[46]. Pressupõe, pois, clareza, racionalidade e transparência dos atos do Poder Público, incluindo-se aí a lei[47]. Foi pela segurança jurídica que se cunhou o brocardo latino nullum crime, nulla poena sine lege e que, no campo processual-constitucional, foi concebida a coisa julgada.

De outro lado, um outro aspecto ainda pouco pensado consiste na segurança na aplicação. Em termos bastante esquemáticos, consiste no cumprimento do Direito por seus destinatários, principalmente pelos órgãos públicos. Diante de uma regra jurídica, há que se ver, primeiramente, sua compatibilidade com a Constituição.  Em seguida, poderá e deverá ser aplicada sobre os fatos da vida que se destinou a reger.

Em se tratando da segurança jurídica, não é diferente, embora o raciocínio deve ser adaptado em função da estruturação do direito à segurança, cujo objeto é o próprio sistema normativo. César Novoa[48], com precisão, destaca que

la aplicación de la seguridad jurídica no se lleva a cabo a través de un proceso de subsunción de un presupuesto de hecho en una norma jurídica sino a través del contraste de una norma jurídica, que es la Constitución, con una realidad jurídica – una norma o un ato de aplicación de la misma -, de la cual se puede predicar su condición de segura o insegura

A atuação da segurança jurídica na tarefa de aplicação do Direito vai além da simples verificação de incidência da norma sobre os fatos. Interpretar o direito infralegal é também interpretar a Constituição. É preciso não olvidar, diante do fenômeno da constitucionalização do Direito[49], que a Constituição é a Lei das leis e que qualquer ato normativo só vale na medida em que se conforma com ela. Aferir essa relação de compatibilidade entre as leis e a Constituição é, no direito positivo brasileiro, dever de todos os tribunais e configura, na outra face da moeda, o direito à segurança dos cidadãos. Outrossim, ao aplicar uma norma o intérprete deverá orientar seu sentido e seu alcance de acordo com os fins constitucionais.

Ao introduzir o ensaio, disse que o art. 741, parágrafo único, do CPC tem sua razão de ser na rescisão da coisa julgada por insegurança na aplicação Direito. Uma sentença pode ter sido prolatada em consonância com as leis do processo e se fundar em lei declarada inconstitucional. Mas o desrespeito à supremacia da Constituição não configura um mero error in judicando apagável pela eficácia sanatória da coisa julgada porque, enquanto cada juiz é livre para aplicar o Direito mediante decisão motivada sobre a controvérsia que se formou em cada processo, é o Supremo Tribunal Federal quem diz o que é a Constituição e quem tem a última palavra ao derredor da constitucionalidade de uma lei[50]. A decisão judicial deve guardar em si uma pretensão de universalização, que é, segundo Ana Paula de Barcellos, “exigência que decorre naturalmente do dever de isonomia aplicado à prestação da jurisdição”[51]. Destarte, aplicar lei inconstitucional ou deixar de aplicar lei constitucional são condutas violadoras da segurança no momento da aplicação do Direito.

É claro que os julgadores de outras instâncias não têm como prever o que será dito pelo Supremo e, por isso, proferirão decisões que, naturalmente, podem destoar daquilo que decidir o STF, a menos que os julgamentos dos processos subjetivos estejam sobrestados em função da concessão de medida cautelar na ADC, ADIN por omissão ou, nos demais casos, com base no art. 265, IV, a do CPC. Mas, é de se questionar a possibilidade de subsistência, em todo seu vigor, de institutos como a coisa julgada, o direito adquirido e o ato juridicamente imperfeito após a pronúncia da inconstitucionalidade com eficácia ex tunc. Gilmar Ferreira Mendes, ao dissertar sobre o efeito retroativo da Resolução Senatorial, já aventou que[52]

(...) afigura-se inconcebível cogitar-se de ´situações juridicamente criadas´ de ´atos jurídicos formalmente perfeitos`, com fundamento em lei inconstitucional. De resto, é fácil de ver que a constitucionalidade da lei parece constituir pressuposto inarredável de categorias como o direito adquirido e o ato jurídico perfeito.

É como se, numa linguagem figurada, a coisa julgada representasse o respeito às regras do jogo quando o jogo acabou, ao passo que a segurança jurídica requer, além disso, o respeito às regras do jogo antes deste começar.

No mesmo sentido, frisa Canotilho[53] que as ideias nucleares da segurança jurídica concentram-se ao derredor de dois conceitos:

(1) estabilidade ou eficácia ex post da segurança jurídica dado que as decisões dos poderes públicos uma vez adoptadas, na forma e procedimento legalmente exigidos, não devem poder ser arbitrariamente modificadas, sendo apenas razoável a alteração das mesmas quando ocorram pressupostos materiais particularmente relevantes; (2) previsibilidade ou eficácia ex ante do princípio da segurança jurídica que, fundamentalmente, se conduz à exigência de certeza e calculabilidade, por parte dos cidadãos, em relação aos efeitos jurídicos dos actos normativos.

É bem verdade que o sistema se preocupa com a retidão das decisões judiciais, pois a possibilidade de existência de decisões díspares sobre situações fáticas idênticas, como se fosse uma “álea judiciária”, é, do ponto de vista sociológico, comprometedora da credibilidade do Estado para resolver os conflitos do homem de forma igualitária[54].

De outro lado, inadmitir restrições à coisa julgada é aceitar que ela não sofre influências externas e colisões de outros direitos fundamentais, que é algo que vem sendo admitido até mesmo com relação às regras, que podem, numa antinomia concreta, ser “superáveis” (defeasibility), sem afetar a validade da norma. Nesses casos pontuais, a decisão individualizada pelo afastamento da norma enunciada no texto legal, “ainda que incompatível com a hipóteses da regra geral, não prejudica nem a propmoção da finalidade subjacente à regra, nem a segurança que suporta as regras, em virtude da pouca probabilidade de reaparecimento frequente de situação similar, por dificuldade de ocorrência ou comprovação”[55].

Portanto, a menos que se tenha o direito à coisa julgada como absoluto, não se pode deixar de aceitar sua restrição, como todo direito fundamental, quando houver uma intervenção estatal justificada, como aquela que se amparará na regra do art. 741, par. único, do CPC.


4. Repercussão no processo civil subjetivo

Essas considerações, que envolvem principalmente questões de relevo processual, são de importante valia na investigação científica do fenômeno jurídico, ainda mais porque o art. 741, par. único, do CPC positivou inovações, sem precedentes no direito brasileiro.

Em primeiro lugar, cumpre destacar que as hipóteses de cabimento dos embargos apenas diziam respeito a fatos ocorridos após a formação do título. A única exceção ficava por conta do inc. I do art. 741 do CPC, que trata da execução contra o réu revel não citado, que não despertou na doutrina os mesmos problemas que, agora, o art. 741, par. único, suscita. Há marcantes diferenças entre o inc. I e o parágrafo único deste artigo, nada obstante a disciplina daquele seja aproveitável, em larga medida, neste. Apenas para ilustrar as diferenças entre elas, impende ressaltar um detalhe sutil, mas de grande importância: o réu, no caso do inc. I, não exerceu seu direito de defesa, não apresentou em juízo, durante o processo de conhecimento, as exceções que possuía, até porque revel. Já no caso do parágrafo único não se cogita disso. Muitas vezes, o título executivo se formou de acordo com as leis do processo, em que tanto o autor, quanto o réu, puderam exercer seus direitos de ataque e defesa amplamente, suscitando questões cujo deslinde refletiu sobre a formação do objeto do processo. Se suscitada, por exemplo, uma questão constitucional, cuja natureza é questão prejudicial de mérito, as questões prejudicadas terão seu destino selado em função da resolução que se deu à questão constitucional. Isso não era sequer imaginado na hipótese do inc. I. Sem dúvida isso terá alguma repercussão sobre consequências despertadas pela desconstituição do julgado com base no art 741, par. único, do CPC.

Além disso, é preciso perquirir se existe e, caso afirmativo, qual seria o limite temporal para oposição dos embargos. Como o trâmite dos processos objetivos, no Supremo Tribunal Federal, nem sempre suspende[56] os inúmeros processos subjetivos que visam efetivar a norma cuja constitucionalidade é debatida, pode ocorrer que muitas decisões sejam proferidas e transitem em julgado, sem a manifestação definitiva do Supremo sobre a constitucionalidade da lei. Em outros casos, é possível que nem mesmo exista uma ação do controle concentrado ajuizada, enquanto várias decisões são proferidas com base em norma que, posteriormente, possa ser declarada inconstitucional. Ainda nesta hipótese, é preciso pesquisar se é possível embargar a execução a qualquer tempo, se o prazo é o mesmo da rescisória ou se há alguma outra espécie de limitação.

Cabe, outrossim, discorrer, após a decisão do Supremo que enseja a incidência dos embargos contra título fundado em lei inconstitucional, se a desconstituição do julgado é automática ou se, ao contrário, é necessário novo pronunciamento judicial a respeito da matéria, que pode, inclusive, dar outro sentido à decisão desconstituída, como exemplificarei adiante.

4.1. Quais decisões do Supremo Tribunal Federal ensejam a incidência do art. 741, par único, do CPC?

A regra em estudo alude à sentença fundada em lei declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal ou tida, em interpretação ou aplicação, como incompatível com a Constituição pelo mesmo Tribunal.

O texto legal não faz referência a decisões em controle concentrado ou em controle difuso quando fala em “lei declarada inconstitucional”. Por outro lado, a menção à interpretação ou aplicação incompatíveis com a Constituição remete às técnicas de decisão utilizadas no controle da constitucionalidade, mais especificamente à interpretação conforme e à declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto.

Sempre que houver uma decisão do Supremo Tribunal Federal cuja importância transcenda os limites subjetivos da causa, seja uma decisão num processo objetivo ou mesmo em casos individualizados, como ocorreu no julgamento plenário do HC nº 82959-7/SP c/c Rcl 4335/AC, será possível manejar, nas hipóteses residuais, em que o sistema de uniformidade no controle de constitucionalidade falhar. O importante é garantir a supremacia da Constituição[57] , sem a qual não há segurança jurídica.

Com efeito, todas as regras e princípios que têm sede na Norma Normarum possuem dignidade constitucional e, portanto, devem ser respeitados pela legislação que lhes seja inferior. É verdade que o fenômeno da inconstitucionalidade não é tão simples quanto aparenta a mera inconformidade entre um ato normativo infraconstitucional e a Lei Suprema, mas, da singela ilustração, já se vê a seriedade com que, hodiernamente, se lida com a força normativa do texto magno, o que junto com a “consciência de Constituição”[58] tem colaborado para imprimir efetividade[59] a seus ditames e para dar vulto ao controle de constitucionalidade como mecanismo de preservação de Constituição e da efetividade de suas normas.

A inconstitucionalidade é um conceito de relação. Segundo Jorge Miranda[60], “é a relação que se estabelece entre uma coisa – a Constituição – e outra coisa – um comportamento – que lhe está ou não conforme, que com ela é ou não compatível, que cabe ou não no seu sentido”.

Cuida-se, como anota Gilmar Ferreira Mendes, de uma relação de índole normativa, que qualifica a inconstitucionalidade e que implica trazer, para seu conceito, a ideia de sanção à violação do texto constitucional [61]. E esta sanção, via de regra, é representada pela nulidade, comportando as atenuações que o Direito Positivo lhe conferir[62]. Segundo ele,[63]

dir-se-á constitucional o ato que não incorrer em sanção, por ter sido criado por autoridade constitucionalmente incompetente e sob a forma que a Constituição prescreve para a sua perfeita integração; inconstitucional será o ato que incorrer em sanção – de nulidade ou anulabilidade – por desconformidade com o ordenamento constitucional

A desconformidade com o Texto Constitucional é mais ampla do que o confronto entre disposições antagônicas da norma legal e da norma constitucional. A inconstitucionalidade também se revela em contrastes velados, que surgem na aplicação do direito ao caso concreto, afinal da interpretação do Texto Magno podem advir normas em diferentes sentidos, sendo que em apenas um deles ela seria tida como incompatível com a Constituição. Daí a importância das três técnicas de decisão para revelar o alcance do fenômeno da inconstitucionalidade, que são (i) a declaração da inconstitucionalidade seguida pela pronúncia da nulidade; (ii) a declaração da inconstitucionalidade, sem redução de texto; e, finalmente, (iii) a interpretação conforme a Constituição.

A primeira delas é a mais comum e decorre da nulidade como consequência primordial da inconstitucionalidade do ato. Muitas discussões já se travaram a respeito da nulidade como resultado natural da inconstitucionalidade, porém, prevalece o entendimento segundo o qual “o dogma da nulidade não constitui postulado lógico-jurídico de índole obrigatória, comportando soluções intermediárias, nos termos consagrados pelo ordenamento jurídico”[64].

Ratificando esta premissa, está a técnica de declaração da inconstitucionalidade, sem redução do texto. Nela, o âmbito de aplicação da norma é restringido na declaração de inconstitucionalidade, sem, no entanto, haver a expulsão do ato do ordenamento jurídico. Pode-se dar, como exemplo deste efeito, a aplicação de uma lei tributária em desrespeito ao principio da anterioridade, pois, neste caso, a inconstitucionalidade pode ser declarada, restringindo-se apenas o âmbito temporal de aplicação da norma, determinando que a mesma possa incidir no exercício financeiro subsequente, sem prejuízo, doravante, de sua constitucionalidade[65].

Quando se tratar de interpretação conforme a Constituição, o Supremo fixará um único sentido de interpretação, de acordo com o disposto na Constituição Federal, com base no qual a norma poderá ainda ser aplicada. Qualquer interpretação diversa será tida como inconstitucional.

Segundo Gilmar Mendes[66]

Ainda que se não possa negar a semelhança dessas categorias e a proximidade do resultado prático de sua utilização, é certo que, enquanto, na interpretação conforme a Constituição, se tem, dogmaticamente, a declaração de que uma lei é constitucional com a interpretação que lhe é conferida pelo órgão judicial, constata-se, na declaração de nulidade sem redução de texto, a expressa exclusão, por inconstitucionalidade, de determinadas hipóteses de aplicação (Anwendungsfälle) do programa normativo sem que se produza alteração expressa do texto legal.

São esses os casos de inconstitucionalidade que a regra do art. 741, par. único, do CPC trouxe no seu suporte fático, ao mencionar lei ou ato normativo declarados inconstitucionais ou tidos em interpretação ou aplicação como incompatíveis com a Constituição pelo STF.

4.2. Qual o momento para aplicação da regra?

Admitindo-se que a rescindibilidade de sentenças que aplicam leis inconstitucionais não está restrita aos embargos, resta outra indagação: até quando se poderá rescindi-las, já que a regra legal, ao contrário da ação rescisória, não trouxe nenhum marco temporal?

Existe dissenso doutrinário sobre sua utilização no tempo. De um lado, juristas como Cândido Rangel Dinamarco[67], Barbosa Moreira[68] e Alexandre Freitas Câmara[69], já se manifestaram no sentido de restringir a admissibilidade dos embargos do executado fundados no §5º do art. 884 da CLT e par único do art. 741 do CPC apenas nos casos em que a decisão de inconstitucionalidade, com eficácia erga omnes, for proferida pelo STF antes do trânsito em julgado da decisão embargada. Em outras palavras, o novel dispositivo seria apenas aplicável à execução provisória.

Em sentido mais amplo, doutrinadores como Eduardo Talamini[70], Araken de Assis[71] e Paulo Roberto Pimenta[72] não fazem esta restrição temporal – o prazo para embargar ou suscitar o incidente de impugnação de sentença - ao cabimento da regra.

Concordo com a tese ampliativa por duas razões principais. A primeira, porque uma sentença que aplica lei inconstitucional não é uma sentença segura. Se a coisa julgada não é capaz de irradiar segurança jurídica, não haverá motivos para mantê-la. A segunda razão é topográfica: se o legislado pretendesse criar uma regra para ser aplicada apenas à execução provisória, ele o teria feito na seção específica do Código (art. 475-O e seguintes) e não na disciplina dos embargos do devedor e do incidente à impugnação de sentenças.

Além disso, acrescente-se que os defeitos que maculam as decisões judiciais - quer sejam errores in procedendo ou in judicando - são passíveis de correção pelas vias recursais ordinárias e extraordinárias, observados, naturalmente, os requisitos específicos de cada via de impugnação. No entanto, quando se dá o trânsito em julgado de uma decisão, esses vícios, muitas vezes nulidades, transformam-se em rescindibilidades, cujo prazo fatal para sua desconstituição é de 2 anos (p. ex, a nulidade por incompetência absoluta é causa de rescisão do julgado, segundo o art. 485, II do CPC e as demais, genericamente, se enquadram como infração à lei, conforme inc. V)[73].

É aí que reside a importância do argumento que leva em consideração a localização da regra estudada. Se fosse mais um caso de rescindibilidade sujeita ao prazo fatal de dois anos, o legislador simplesmente teria acrescido uma nova causa de pedir ao art. 485 do CPC, que regulamenta a ação rescisória. Não raro, os tribunais costumam dar procedência aos pedidos de rescisão de julgados que infringiram o texto constitucional, com base no art. 485, V do CPC. Se se prestasse apenas para rescindir sentenças, a inserção do par. único no art. 741 do CPC se mostraria totalmente inócua. 

Se a execução de título executivo judicial, como regra[74], só tem início após o trânsito em julgado da decisão, isto revela, em primeiro lugar, que a aplicação do art. 741, par. único, do CPC não se adstringe, exclusivamente, à execução provisória. Outrossim, se algum prazo existe, este não é o biênio legal da rescisória. O vício decorrente da pronúncia da inconstitucionalidade pelo Supremo sobrevive ao trânsito em julgado da decisão e é, por esse motivo, que ao condenado é dado impugnar o título com os embargos e não exclusivamente pela via rescisória. Destarte, nada impede que, iniciada a execução definitiva, o executado que pretenda a rescisão do título fundado em norma inconstitucional oponha embargos com este fim.

De todo modo, a apesar das regras processuais terem aplicabilidade imediata, o par. único do CPC somente pode desfazer decisões judiciais transitadas em julgado a partir da vigência da Medida Provisória nº 2180-35/2001, porque antes dela não havia previsão normativa da regra no ordenamento brasileiro[75].

Com isso, pode-se sustentar que se trata de um vício transrescisório, que parece indicar a ampliação da querela nullitatis para além do seu confinamento histórico à falta ou nulidade de citação do réu revel, para também abarcar a hipótese da sentença que aplicou norma inconstitucional.

4.3. Rescisão automática ou necessidade de novo pronunciamento? E qual o prazo?

Admitida a rescindibilidade das decisões que aplicam lei inconstitucionais, surge uma outra questão de relevo na aplicação do art. 741, par. único, do CPC que está relacionada à estreita ligação entre o objeto do processo e a oposição dos embargos contra título fundado em lei inconstitucional. Basta que seja prolatada a decisão pelo STF ou editada a Resolução do Senado Federal para que seja julgado procedente o pedido dos embargos? Ou é necessário um novo pronunciamento judicial a respeito da matéria?

Em primeiro lugar, é preciso ter em mente que os embargos, como toda relação processual contenciosa, envolve sujeitos em dois polos opostos. Esta é a primeira premissa.  É certo que a tutela jurisdicional buscada pelos embargos satisfaz plenamente os interesses do executado, caso haja julgamento de procedência, pois este verá a execução, enfim, obstada. Poder-se ia, desta forma, cogitar da desnecessidade de um novo pronunciamento.

Isto, no entanto, não pode ser aceito.

Na formação do título judicial, a aplicação de norma inconstitucional, por mais das vezes, figurará somente na motivação da decisão. Isto porque a questão constitucional – nos processos subjetivos – é sempre uma questão prejudicial[76], não fazendo parte, portanto, do objeto do processo e, por essa razão, insuscetível de ser acobertada pela coisa julgada. Em poucos casos, a aplicação da norma inconstitucional aparecerá no decisório, p. ex., quando a parte é condenada a uma sanção proscrita do ordenamento jurídico, como a redução à condição de escravo em virtude do inadimplemento de dívida ou a prisão civil, fora dos casos em que ela é permitida[77]. Mesmo assim, a aplicação da norma inconstitucional, além de fazer parte do dispositivo, deverá, obrigatoriamente, ser arrazoada na decisão, sob pena de nulidade, conforme prescreve o art. 93, IX da CF.

Logo, o acolhimento, incidenter tantum, da inconstitucionalidade aventada no processo, justamente por ser a questão constitucional uma questão prejudicial, impedirá que sejam apreciadas, com independência,  as questões subordinadas a ela, pois é característica das questões prejudicadas terem seu teor influenciado pelo julgamento da questão que lhe é prévia[78]. Daí já se vê que, justamente por fazer parte das razões de decidir, a aplicação da norma inconstitucional pode ter peso diferenciado na solução final, conforme existam outros fundamentos em prol da tese vencedora. Em outras palavras, não é lícito privar o embargado de rediscutir essas questões levantadas no processo de conhecimento, cuja apreciação foi obstada pelo acolhimento da inconstitucionalidade.

Eduardo Talamini[79] elaborou dois exemplos bastante elucidativos sobre o tema:

(1º) O contribuinte pede a declaração da inexigibilidade do tributo, sob o fundamento de que a lei que o instituiu é inconstitucional. Essa ação meramente declaratória é julgada improcedente, e o contribuinte condenado em honorários. Posteriormente o Supremo declara em ação direta a inconstitucionalidade da norma. Caberão embargos à execução dos honorários, com amparo no art. 741, par. ún.? (2º) No curso de processo condenatório, o juiz, aplicando uma lei que proíbe a prova testemunhal naquela espécie de controvérsia, indefere o pedido de ouvida de testemunhas formulado pelo réu. No final, profere sentença de procedência do pedido, por não haver ficado provado o fato extintivo do direito do autor. Sobrevindo o reconhecimento da inconstitucionalidade da regra proibitiva de prova testemunhal, com eficácia erga omnes e ex tunc, a questão poderá ser suscitada nos embargos à execução?

Em face dessas duas hipóteses, é perceptível que a norma inconstitucional acolhida na sentença exequenda possa não ser causa determinante do resultado do julgado, como se visualiza, com bastante clareza, no exemplo nº 2. Ainda neste caso, se ficar constatado que a demanda seria julgada improcedente, independentemente da prova testemunhal, não há que se falar em desconstituição do título. Mas, obviamente, isso só é possível se for realizada a instrução para a colheita dos depoimentos testemunhais. Enfim, conquanto não prevista em lei, deve existir uma relação de causalidade entre o resultado alcançado pelo decisum e a lei inconstitucional.

Parece-me, como forma de preservar os interesses das partes e como maneira de evitar a desconstituição de decisões com intuitos meramente protelatórios, que uma nova manifestação judicial sobre a matéria é necessária. E essa manifestação, a depender da natureza do direito discutido em juízo, requererá a realização da atividade instrutória[80].

Daí surge um novo problema: como deve ser apreciado este “novo” fundamento? Nos próprios embargos? Nos autos do processo de conhecimento que deve, por conta disso, ser reaberto? Ou é preciso o ajuizamento de uma demanda autônoma de impugnação?

Em verdade, por se tratar de uma novidade no ordenamento jurídico de regramento incipiente, principalmente no que tange aos efeitos decorrentes da aplicação da novel regra, qualquer dos meios escolhidos será passível de críticas[81].

Acredito que a apreciação das questões incidentalmente  prejudicadas pela declaração da inconstitucionalidade no processo originário poderá ser feita, juntamente com a instrução, nos próprios embargos, em homenagem à celeridade processual. É bem verdade, como observou Celso Neves[82], que os embargos não se prestavam para discutir fatos que podiam ter sido alegados no processo de conhecimento, em virtude da eficácia abstrata emanada do título. O direito que assiste ao executado de impugnar a execução não tem a mesma amplitude do direito de defesa no processo de conhecimento. Os embargos serviam apenas para obstaculizar a execução. E só.

Essa observação se mostrou em perfeita consonância com o direito posto, até as alterações promovidas, inicialmente, pela Med. Prov. 2180-35/2001 na disciplina dos embargos. Após sua edição, o direito positivo recebeu nova conformação e, particularmente, somente no que se refere às peculiaridades do art. 741, par. único, do CPC, a impossibilidade de se rediscutirem certas matérias no bojo dos próprios embargos deve ser repensada.

Como visto, o art. 741, par. único, do CPC impõe a necessidade de rediscussão de algumas questões levantadas no processo de conhecimento. E isso não ocorria em nenhuma das hipóteses anteriores. Ora, se são mudados os objetivos, mudam-se também as formas[83]. Não há como se pensar em todas as alterações propiciadas pela nova regra, não só na execução e nos embargos, mas no processo civil como um todo, sem se remodelar a carga de eficácia da sentença de julgamento de procedência dos embargos, que não deve ser encarada, malgrado as controvérsias doutrinárias, apenas como constitutiva negativa. É preciso mais: faz-se mister o pronunciamento de um iudicium rescisorium, como sói acontecer nas ações rescisórias que prescindem de novo julgamento. De qualquer sorte, pode não se tratar de uma solução perfeita, mas é a mais adequada, enquanto não houver melhor disciplina de lege ferenda.

Convém anotar ainda que o regramento dado pelo §79-2 da Lei Orgânica do do Tribunal Federal Constitucional alemão não deve ser importado para o direito brasileiro, porque insuficiente. De acordo com a saída encontrada pelo direito alemão, a execução cujo título fundou-se em norma inconstitucional pode ser obstada, mas o título é mantido intocável. Não me parece, contudo, a solução mais adequada, até porque, muitas vezes, a execução merecerá prosseguir por outros motivos. Pense-se no exemplo do contribuinte que, numa ação de repetição de indébito, alega a inconstitucionalidade da norma instituidora da exação e a inocorrência do fato gerador da obrigação tributária. Em sendo acolhida a alegação de inconstitucionalidade pelo juiz da causa, por ser questão prejudicial de mérito, a cognição sobre a ocorrência ou não do fato gerador não será sequer realizada. Se firmada no Supremo a constitucionalidade da norma que estabeleceu a exação e, por conta disso, a Fazenda Pública opuser embargos, o contribuinte terá direito, ao menos, a ver a questão prejudicada – a ocorrência do fato gerador – apreciada judicialmente, porque, caso acolhida, sua pretensão de repetir o indébito ainda estará de pé. Esvaziar o conteúdo da coisa julgada e tornar-lhe simplesmente inexigível, por equiparação legal, embora útil em outras hipóteses, não serviria para o exemplo pensado. 

4.5. Nova pretensão nascida da decisão do STF e prazo para seu exercício.

Declarada a inconstitucionalidade de uma lei pelo STF e admitida e eficácia rescisória do parágrafo único do art. 741 do CPC, poderá a parte a quem aproveitar o pronunciamento do STF, veicular sua pretensão nos embargos?

É bastante comum se pensar em hipóteses em que a execução é obstada  pelos embargos do devedor. Por exemplo, quando é declarada inconstitucional pelo STF uma lei majoradora de tributo, o contribuinte, desde logo, pode abortar a cobrança a maior da exação nos embargos. Por outro lado, em se tratando da hipótese inversa: se declarada inconstitucional, numa situação concreta, a exação tributária em que o STF se posicionou pela constitucionalidade, poderá o credor, no caso a Fazenda Pública, cobrar as diferenças? E em qual prazo?

O problema não encontra solução positivada no atual CPC nem no anteprojeto do novo código. É possível se cogitar em duas soluções razoáveis: (i) impedir simplesmente a veiculação de pretensão nova, proscrevendo, no caso acima, que a Fazenda cobre as diferenças pretéritas, mas restitua a exação para fatos futuros; ou (ii) permitir-se-ia o exercício em juízo da pretensão nascida da declaração de inconstitucionalidade pelo Supremo, respeitados, contudo, os limites temporais da prescrição[84].

Uma vez admitida a nulidade da sentença e do processo que aplicou norma inconstitucional, se houve adimplemento da prestação, ainda que forçosamente, este pagamento torna-se indevido e outra parte passará a ter o direito de repetir o indébito, no prazo de 3 anos, ao teor do art. 206 § 3º, IV do CC. A pretensão de exercício desse direito, todavia, é fulminável pela força corrosiva do tempo, através da prescrição (ou decadência, para os direitos potestativos). Se não fosse assim, haveria muita insegurança na possibilidade de se reverter a qualquer instante, ainda que, passado muitos anos, o resultado do julgado. Nada impedirá, todavia, o ajuizamento da demanda e o eventual pagamento do indébito pela parte vencida, mas isso não passará de uma obrigação natural (CC art. 814), cuja peculiaridade é gerar a solutio retentio: o devedor pagar se quiser, se assim mandar sua consciência, mas se o fizer, não poderá reclamar o que pagou[85].

Muitas vezes, o descompasso entre o processo objetivo acerca da constitucionalidade do ato normativo e processo subjetivo que o aplicou deixa transcorrer muitos anos no intervalo compreendido entre uma decisão e outra. O decurso do tempo leva a segurança jurídica a se assentar no estado como os fatos se apresentam, como se fosse a poeira repousando sobre velhos móveis. Então,  começará um intricado dilema: é possível se falar em prescrição da pretensão antes mesmo que o pagamento indevido reste configurado com a prolação da decisão do Supremo?  Ou é admissível a oposição dos embargos ou de demanda autônoma antes mesmo da decisão do Supremo acerca da constitucionalidade da norma aplicada?

 Se uma sentença aplicar norma cuja constitucionalidade é discutida em sede de controle abstrato é possível demandar com fulcro no art. 741, par. único, do CPC, com raciocínio similar ao que é feito na denunciação da lide quanto ao interesse de agir do denunciado. Todavia, esse novo processo (juntamente com a execução, se for o caso dos embargos) deve ser suspenso, para aguardar a manifestação do STF, configurando uma nova possibilidade de interesse de agir superveniente.

Mais uma vez, surgirá o problema da prescrição, pois o art. 202 do CC reza que o curso desse prazo extintivo só pode ser interrompido uma única vez. No entanto, este é um problema que deve ser repensado tendo em vista o processo de execução como um todo, pois, na estrita literalidade deste dispositivo (CC art. 202, I c/c par. único), após o desfecho do processo de conhecimento a prescrição tornaria a fluir. É como se o juízo das execuções tivesse que correr contra o tempo para obter sucesso em sua atividade e, na prática, a maior parte dos processos executivos seriam extintos anomalamente, por causa da prescrição. Ou se levará a cabo esta solução radical ou então, neste particular, as disposições do Código serão transformadas em letra morta.

Nos casos de sentenças meramente declaratórias, a superveniência de declaração de inconstitucionalidade não oferece maiores embaraços, pois as ações declaratórias visam apenas certificar uma situação, não causando insegurança o seu manejo a qualquer tempo. As sentenças declaratórias, a qualquer tempo em que sejam proferidas, trazem certeza. A segurança decorre de a sentença existir como fato jurídico, por isso, não há necessidade de limitação do prazo de seu exercício. São, pois, ações imprescritíveis.

Já no que diz respeito às ações constitutivas, o marco a ser respeitado é o prazo de decadência, quando houver previsão legal. As sentenças constitutivas criam, extinguem ou modificam uma situação jurídica contra alguém que esteja num estado de sujeição. Basta um “rescindo a sentença”, “anulo o lançamento do imposto”, “dissolvo o casamento”. Como não há uma prestação pelo sujeito passivo, os direitos potestativos não podem ser violados. Esgotam-se no próprio exercício. Logo, a única preocupação que o passar do tempo desperta está na existência de marcos temporais de decadência, quando houver tal previsão legal[86]. Afora isso, também são imprescritíveis. De qualquer modo, trata-se de efeitos que merecem regulamentação de lege fereda, respeitando-se a segurança jurídica que decorre da observância da jurisprudência reiterada, em cada caso concreto.


5. Conclusões

1)  A regra do art. 741, par único, do CPC, que foi repetida no art. 475-L, § 1º do CPC, no art. 884 § 5º da CLT e agora no art. 496 § 4º do anteprojeto do novo Código de Processo Civil, aperfeiçoou a fiscalização de constitucionalidade brasileira, reforçou a Supremacia da Constituição e garantiu a uniformidade de tratamento para situações idênticas pelas decisões judiciais e tem aplicação apenas em hipóteses residuais;

2) A regra é comumente tratada na temática da coisa julgada inconstitucional. No entanto, há uma dicotomia no discurso, pois os fundamentos para flexibilizar a coisa julgada no caso de aplicação do art. 741, par. único, do CPC e nos casos de injustiça manifesta, em que há colisão de valores constitucionais, são distintos. Em ambos persiste o recorrente embate entre justiça e segurança, mas nos casos sob a incidência da regra contida no par. único do art. 741 do CPC há um plus: a insegurança na aplicação do Direito;

3) Segurança e coisa julgada são conceitos que caminham lado a lado. Aquela deve estar a serviço desta e por conta disso é que merece ser protegida. Pode haver segurança fora da coisa julgada, mas a coisa julgada somente existe para conferir segurança.  Assim, se a coisa julgada fundada em lei declarada inconstitucional ou tida em interpretação ou aplicação incompatíveis´com a Constituição pelo STF não é capaz de gerar segurança jurídica, não haverá  empecilhos em “relativizar” a coisa julgada com base no art. 741, par. único, do CPC;

4) Com efeito, o conteúdo jurídico do princípio da segurança se desdobra em três: a segurança na previsão ou orientação, a segurança na aplicação e a proteção da confiança. Esta última, em termos bastante esquemáticos, consiste no cumprimento do Direito por seus destinatários, principalmente pelos órgãos públicos. Diante de uma regra jurídica, o juiz deve observar, primeiramente, sua compatibilidade com a Constituição.  Em seguida, poderá e deverá ser aplicada sobre os fatos da vida que se destinou a reger. Aferir essa relação de compatibilidade entre as leis e a Constituição é, no direito positivo brasileiro, dever de todos os tribunais e configura, na outra face da moeda, o direito à segurança dos cidadãos. Destarte, aplicar lei inconstitucional ou deixar de aplicar lei constitucional são condutas violadoras da segurança no momento da aplicação do Direito;

5)  A regra do art. 741, par único, do CPC pode ter aplicação tanto na execução provisória, quanto na execução definitiva, quanto após o prazo da rescisória. Primeiro, porque se a regra apenas estivesse adstrita à execução provisória, o legislador da Med. Prov. nº 2180-35/2001 teria promovido alterações na seção específica do Código. Tampouco é caso de rescindibilidade, pois o entendimento pretoriano firmou-se no sentido de que é possível desconstituir uma sentença que infringiu as prescrições constitucionais com supedâneo no art. 485, V do CPC. A repetição da mesma regra no par. único do art. 741 do CPC, além de inócua, revelar-se-ia inútil. Destarte, com base neste último dispositivo, a demanda pode ser ajuizada mesmo após a expiração do prazo fatal de dois anos da rescisória, assim como ocorre com o inc. I do art. 741 do CPC, porquanto o vício que contamina a decisão sobrevive ao trânsito em julgado e por essa razão é dado ao executado impugná-la com os embargos e não exclusivamente com a rescisória. Seria mais adequado, portanto, se o legislador equiparasse o par. único do 741 do CPC ao inc. I do mesmo dispositivo, admitindo, expressamente, a ampliação da pretensão da querela nullitatis para além de seu confinamento histórico ao caso da falta ou invalidade da citação do réu revel;

6)  As peculiaridades despertadas pela aplicação da regra do par. único do art. 741 não foram estudadas, plenamente, na hipótese do inc. I, até porque isto não era possível. Enquanto no caso do par. único, o demandado pode participar ativamente do processo, influindo no seu objeto, no inc. I isso é inconcebível, até porque revel o réu. Desta maneira, a casuística trará situações em que a execução embargada não merece findar anomalamente, principalmente nos casos em que for declarada a inconstitucionalidade incidenter tantum e o STF pugnar pela constitucionalidade da lei, pois poderão existir outros fundamentos que autorizem o prosseguimento da execução, mas cuja apreciação foi influenciada pelo acolhimento da inconstitucionalidade, que é questão prejudicial de mérito. É o exemplo da oposição de embargos pela Fazenda Pública contra sentença que a condenou à repetição de indébito por ser inconstitucional uma exação por ela cobrada, embora tenha o contribuinte, na mesma demanda, alegado a inocorrência do fato gerador. Este último argumento merecerá, sem dúvida, nova apreciação. Por isso a saída empregada pelo §79-2 do Bundesverfassungsgericht, que permite a interrupção da execução mantendo-se inalterado o título, não deve ser importada para o direito brasileiro. Segundo as mesmas razões, a simples oposição dos embargos não impõe a rescisão automática do julgado. Necessário, pois, novo pronunciamento;

7) Pontue-se que os embargos são a via adequada para impugnação de título executivo judicial que, comumente, é a sentença cível condenatória. Todavia, decisões com outro conteúdo como as constitutivas e declaratórias também podem aplicar norma inconstitucional e, contra elas, não são cabíveis os embargos do executado por falta de interesse - adequação. Isto, na verdade, quer indicar para a persistência da pretensão do par. único do art. 741 do CPC como demanda autônoma que pode assumir a forma de embargos do devedor ou de outro meio processual de impugnação, como a ação civil pública, a ação popular, ação declaratória de nulidade, ação rescisória etc;

8)  Por fim, mesmo sendo possível o manejo da pretensão contida no par. único do art. 741 do CPC, existem limitações impostas pelo tempo. Cuidou-se da consagração de um vício transrescisório e não de um caso a mais de imprescritibilidade da pretensão. Assim, uma vez decretada pelo STF com eficácia erga omnes e ex tunc a inconstitucionalidade da lei cujo título executivo declarou constitucional, o executado terá o direito de repetir o indébito, cujo prazo prescricional é de três anos. Em se tratando do exercício de direitos submetidos à decadência, o prazo para desfazimento da sentença constitutiva é o mesmo. Em se tratando de sentenças meramente declaratórias, por não gerarem insegurança, não há qualquer limitação;

9)  O projeto do novo código civil que tramita no Congresso Nacional repete a regra do art. 741, parágrafo único, do CPC, o que trará os mesmos e novos desafios na aplicação dessa regra que aperfeiçoou a fiscalização de constitucionalidade no direito brasileiro.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMORIM FILHO, Agnelo. “Critério Científico para Distinguir a Prescrição da Decadência e para Identificar as Ações Imprescritíveis”, Revista dos Tribunais, out. 1960, vol. 300;

ASSIS, Araken. “Eficácia da coisa julgada inconstitucional”, Revista dialética de direito processual, nº 4, julho de 2003;

____. Manual do processo de execução. 8ª ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2002;

ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 7ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007;

BARBOSA MOREIRA, José Carlos. “Considerações sobre a chamada ´relativização` da coisa julgada material”, Revista dialética de direito processual, nº 22, janeiro, 2005;

BARCELOS, Ana Paula de. Ponderação, racionalidade e atividade jurisdicional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005;

BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção de um novo modelo. 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2010;

____. Interpretação e aplicação da Constituição. 7ª ed., São Paulo: Saraiva, 2009;

____. “Novos paradigmas e categorias da interpretação constitucional”. In: Marcelo Novelino (org.), Leituras complementares de direito constitucional: teoria da Constituição. Salvador: Ed. JusPodivm, 2009, p. 175.

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 9ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2004, vol. II;

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 3ª ed., Coimbra: Almedina, 1998;

CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 18ª ed., São Paulo: Malheiros, 2002;

CLÈVE, Clemerson Merlin. A fiscalização abstrata de constitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1995;

DIDIER JR, Fredie. “Objeto da cognição judicial”, Revista dialética de direito processual, nº 6, setembro de 2003;

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 2ª ed., São Paulo: Malheiros, 2005, vol. I;

____. Relativizar a Coisa Julgada Material. In: Carlos Valder do Nascimento (coord.) Coisa Julgada Inconstitucional. 2ª ed., Rio de Janeiro: América Jurídica, 2002;

FABRÍCIO, Adroaldo Furtado. “Réu revel não citado, ´querela nullitatis` e ação rescisória”, Revista do processo, nº 48, out-dezembro, 1987;

FARIAS, Cristiano Chaves de. “Um alento ao futuro: novo tratamento da coisa julgada nas ações relativas à filiação”. In: Fredie Didier Jr. (Coord.). Relativização da coisa julgada: Enfoque crítico. Salvador: JusPodivm, 2004;

FURTADO, Paulo. Execução. 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 1991;

GOMES, Orlando. Contratos. 25ªed., Rio de Janeiro: Forense, 2002;

MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da existência. 10ª ed., São Paulo: Saraiva, 2000;

MENDES, Gilmar. Controle de constitucionalidade: aspectos jurídicos e políticos, São Paulo: Saraiva, 1990;

NERY JR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 7ª ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002;

NEVES, Celso. Comentários ao código de processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 1999, vol. VII;

NOVOA, César Garcia. El pincipio de seguridad jurídica en materia tributaria. Madrid: Marcial Pons, 2000;

PIMENTA, Paulo Roberto Lyrio. “Embargos à execução e decisão de inconstitucionalidade – Relatividade da coisa julgada – CPC art. 741, parágrafo único – MP 2.180”, Revista Dialética de Direito Processual, nº 2, maio de 2003;

RADBRUCH, Gustav. Filosofia do direito. 6ª ed., Coimbra: Arménio Armado, 1979;

REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 24ª ed., São Paulo: Saraiva, 1999;

SILVA, Virgílio Anfoso da. “O conteúdo essencial dos direitos fundamentais e a eficácia das normais constitucionais”, Revista de Direito do Estado, n. 4, 2006;

TALAMINI, Eduardo. Coisa julgada e sua revisão. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005;

____. “Embargos à execução de título judicial eivado de inconstitucionalidade (CPC art. 741, par. ún.)”, In: DIDIER JR., Fredie (org.). Relativização da coisa julgada: enfoque crítico. Salvador: Ed. JusPodivm, 2004;

TESHEINER, José Maria. Pressupostos processuais e nulidades no processo civil. São Paulo: Saraiva, 2000;

THEODORO JR. Humberto. Curso de direito processual civil. 36ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003, vol. II;

WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1987.


Notas

[1]O art. 301 §2º do CPC adotou a teoria da tri eadem, que considera idênticas ações que tenham as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido. Ao me referir a casos assemelhados, apego-me à teoria da identidade da relação jurídica, que vê na pretensão jurídica deduzida em juízo o elemento que aproxima as causas ao ponto de reputá-las semelhantes, sem que necessariamente os três elementos da demanda – partes, pedidos e causa de pedir – coincidam integralmente,

[2]BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 7ª ed., São Paulo: Saraiva, 2009, p. 281.

[3]Não é raro, por exemplo, em decisões colegiadas, haver votos em sentido divergentes sobre a mesma situação de fato. A propósito, vide o julgamento do STF no HC 73662/MG, Rel. Min. Marco Aurélio Mello.

[4]RE nº 566.621/RS, Rel. Minª Ellen Gracie, j. 05.05.2010

[5]O STJ admitiu a possibilidade de anular uma decisão, ainda que isso não seja pedido no recurso especial, quando o STF entender que a norma aplicada no acórdão do Tribunal não foi recepcionada pela Constituição, devolvendo-se o processo à instância a quo para nova decisão, sem aplicação da norma inconstitucional. Cf.  REsp nº 945.461/MT, Rel. Minª Nancy Andrigh, j. 15.12.2009.

[6]CC nº 107.635/PR, Rel. Min. Luiz Fux, j. 17.03.2010

[7]Trata-se da redação originária trazida pela Medida Provisória nº 2180-35/2001, que ainda está em vigor. Com efeito, a A Emenda Constitucional nº 32/2001 trouxe uma regra que criou as esdrúxulas figuras das Medidas Provisórias “definitivas”, cuja incidência já se esgotou, vale dizer, sob a atual ordem constitucional não mais existirão Medidas Provisórias que sobrevivam além do interstício de 120 dias. A fórmula encontrada  inserta no art. 2º da EC nº 32 foi estender a vigência das Medidas Provisórias editadas anteriormente à publicação da referida Emenda, até que outra Medida Provisória a revogue ou até deliberação do Congresso Nacional sobre o assunto. Na prática, essas Medidas de urgência, com força de lei, ganharam uma estabilidade normativa semelhante as das leis, pois apenas deixam de viger quando outra lei o ato normativo superior dispuserem de forma diversa.

[8]Na execução, o juiz exerce atividade de cognição, p. ex, ao averiguar a validade dos atos de constrição praticados, bem como ao determinar sua correção (CPC art. 667, I), quando rejeita a oferta por preço vil ou quando autoriza a alienação antecipada de bens. Enfim, a execução não é uma atividade cega e mecânica, não obstante seja sua finalidade precípua a realização prática do direito do exequente. Aliás, a existência de doses de cognição é inerente a qualquer processo como percebeu Kazuo Watanabe ao afirmar que “inexiste ação em que o juiz não exerça qualquer espécie de cognição”. Cf. WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1987, p. 37.

[9]O desfecho único é um princípio específico da execução civil, que não exclui outros como o due process of law, a motivação das decisões judiciais, o juiz natural etc. Uma análise mais acurada dos princípios regentes do processo civil brasileiro é encontrada em NERY JR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 7ª ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.

[10]DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 2ª ed., São Paulo: Malheiros, 2005, vol. IV, p. 37.

[11] Na 4ª audiência pública, realizada em março de 2010, antes da aprovação pelo Senado Federal, fez-se a seguinte crítica, que transcrevo ipsis liteeris: “Quer dizer, você tem o cidadão que se submete a um demanda processual de natureza administrativa, com direito de fundo administrativo ou tributário, ultrapassa dez anos de tramitação judicial, o seu processo transita em julgado, quando chega na fase de cumprimento do julgado ou na execução, ele se depara com uma regra que está no Parágrafo Único, inserido em 2001 pela Medida Provisória 2180, que afirma que se alguém tiver aquela decisão por inconstitucional, esta decisão não precisa ser cumprida porque o título executivo não é mais judicial, ele não configura mais título executivo judicial. Então esse Parágrafo Único do art. 741 que afirma, e em especial e ele traz uma pegadinha na época, que eu não sei como é que passou isso. É uma pegadinha, porque ele diz: olha, se o Supremo Tribunal Federal disser que é inconstitucional, você não pode cumprir, até aí poderíamos discutir, ainda que haja coisa julgada material, poderíamos discutir o caráter constitucional no controle concentrado, enfim, tudo bem, agora no finalzinho ele diz ou de interpretação tidas por qualquer pessoa inconstitucional, por inconstitucionais. Mas o que é isso? Aí você chega e diz para a parte: ´Olha, o Juiz daquela Vara`, com perdão, com respeito às decisões da magistratura, nós sabemos que há decisões para todas as áreas, aí chega, de repente magistrado, ele, pessoa física, ele como intelectual do direito tem a opinião de que aquela decisão é inconstitucional, e ele vai afirmar que é inconstitucional na fase da execução, porque infelizmente o artigo, se você usar a interpretação literal, permite essa posição. Então eu peço a V. Exas. encarecidamente que quanto a este ponto adotem alguma providência para que este aspecto seja retirado em definitivo do art. 741, ou pelo menos o seu Parágrafo Único lá do Código de Processo Civil”. Disponível em:  http://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/Anteprojeto.pdf

[12]Talvez o exemplo mais emblemático da coisa julgada inconstitucional diga respeito ao conflito entre o comando de uma sentença numa ação de investigação de paternidade já transitada em julgado que contrarie o resultado de exame de DNA realizado posteriormente.  Num exemplo apresentado por Eduardo Couture - que trabalhou com o conceito da coisa julgada delinquente -, um menino uruguaio não teve sua paternidade reconhecida por seu legítimo pai, um rico fazendeiro daquela região dos Pampas, porque este estava de conluio com o advogado do menor. A sentença foi proferida e, naturalmente, transitou em julgado, negando o reconhecimento à paternidade. A coisa julgada transformou a verdade biológica numa verdade proibida no processo. E, como o Direito só existe em função do homem, admitir-se essa situação seria sucumbir a formalismos que, neste caso, mostram-se inúteis em face do princípio maior que norteia toda a atividade jurisdicional que é a busca pela justiça. Por fim, conclui que se fossem fechados os caminhos para a desconstituição da coisa julgada em hipóteses como esta, acabaria sendo outorgada uma carta de cidadania e legitimidade à fraude processual e às formas delituosas no processo. Há quem chegue, inclusive, a propor que nas ações relativas ao estado das pessoas, a coisa julgada se forma secundum eventum probationis. Cf. FARIAS, Cristiano Chaves de. “Um alento ao futuro: novo tratamento da coisa julgada nas ações relativas à filiação”. In: Fredie Didier Jr. (Coord.). Relativização da coisa julgada: Enfoque crítico. Salvador: JusPodivm, 2004, p. 81.

[13]O Estatuto do Tribunal Penal Internacional, que foi incorporado ao direito pátrio pelo Decreto Presidencial nº 4388/2002, já previu, apesar do princípio da complementariedade, nos seus art. 17 à 20 algumas possibilidades de desfazimento da coisa julgada favorável ao réu em processos criminais, independente de prazo, ante a gravidade dos crimes praticados contra a humanidade.

[14]RADBRUCH, Gustav. Filosofia do direito. 6ª ed., Coimbra: Arménio Armado, 1979, p. 177-8

[15]Conquanto não se trate da mesma hipótese, até porque a previsão da regra do art. 741, par único, do CPC sequer existia à ocasião, o STF já julgou que não prevalece a coisa julgada contra a Constituição de 1988, em especial ante a previsão do art. 17 do ADCT. Em decisão bastante recente, a Ministra Ellen Gracie reconheceu repercussão geral ao RE nº 600658, que trata do tema, e, sem afetá-lo ao Plenário, proferiu julgamento monocrático (ex vi do art. 325 do RISTF c/c art. 543-B, §3º do CPC), por entender que o STF já havia firmado entendimento semelhante de não ser absoluta a garantia da coisa julgada anterior à CF/88 e que lhe é contrária, conforme julgamento do RE nº 146.331. Ao meu ver, a questão foge do discurso da coisa julgada inconstitucional, pois passa pelas características do poder constituinte originário, que não reconhece limitações e condicionantes, mas não deixa de se inserir no tema da relativização da garantia constitucional da res judicatae. Por esse motivo, reputei necessário o registro do caso em rodapé, em vez do texto principal cujo corte epistemológico é mais específico.

[16]Em nota de rodapé do seu ensaio sobre a relativização da coisa julgada inconstitucional, Barbosa Moreira reconhece a diferença substancial entre os dois casos, com as seguintes palavras: “Mereceria exame em separado o caso do parágrafo único acrescentado ao art. 741 pela Medida Provisória nº 2.180-35, de 24.8.2001 (...). São tantas e tão complexas, porém, as questões suscitadas por esse texto – a começar pelo entendimento que se deve dar ao enunciado legal -, que temos de renunciar aqui a enfrentar semelhante problemática”. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. “Considerações sobre a chamada ´relativização` da coisa julgada material”, Revista dialética de direito processual, nº 22, janeiro, 2005, p. 107, nota de rodapé nº 54.

[17]Exemplo recente que atingiu os quadros da Administração Federal diz respeito ao reconhecimento da repercussão geral ao RE nº 593.068/SC, sob a relatoria do Ministro Joaquim Barbosa, em que se discute a constitucionalidade da cobrança do PSS sobre o 1/3 de férias.

[18]Não é pacífica a opinião da doutrina quanto aos efeitos temporais da resolução senatorial. Para uma corrente, a eficácia da Resolução do Senado que suspende a executoriedade da lei declarada inconstitucional pelo Supremo é prospectiva, pois a lei tida como inconstitucional por via de exceção era, até então, válida e capaz de incidir sobre os casos que se amoldavam ao seu suporte fático. Neste sentido, dentre outros: SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 54. Por outro lado, sectário do efeito ex tunc da Resolução do Senado e traçando um paralelo entre as principais vozes da doutrina sobre o assunto, Cf. CLÈVE, Clemerson Merlin. A fiscalização abstrata de constitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1995, p. 96-97.

[19] O Supremo Tribunal Federal passou a entender, a partir do julgamento da Reclamação Constitucional nº 4335/AC, numa verdadeira mutação constitucional, que a fórmula relativa à suspensão de execução da lei pelo Senado há de ter simples efeito de publicidade, ou seja, se o STF, em sede de controle incidental, declarar, definitivamente, que a lei é inconstitucional, essa decisão terá efeitos gerais, fazendo-se a comunicação àquela Casa legislativa para que publique a decisão no Diário do Congresso.

[20]Exemplo prático bastante corriqueiro dessa última hipóteses ocorre no âmbito da Administração Federal, refere-se à questão da limitação da competência da Justiça do Trabalho para apreciar demandas relativa a servidores até o advento do Regime Jurídico Único dos Servidores Civis Federais, como já consolidou o TST no julgamento da OJ nº 138 da SDBI – 1. Na espécie,  as alíneas “d” e “e” do art. 240 da Lei nº 8.112/91, que permitiam ao servidor civil se valer de negociações coletivas e do ajuizamento de reclamatórias trabalhistas, foram declaradas inconstitucionais pelo STF, ao julgar a ADI nº 492-1/DF, cuja medida cautelar, no mesmo sentido, foi concedida em 01/07/1991. No entanto, não é raro ainda hoje encontrar decisões da Justiça do Trabalho, já na fase da execução, que desconsideram a limitação e condenam o Poder Público a arcar com indenizações vultosas em prol de coisa julgada que desrespeitou, ab ovo, a competência constitucional daquela Justiça especializada. O tema está sendo debatido no STF, no RE  nº 590.880/SP, no qual a Min. Ellen Gracie, em seu voto, sustentou que o art. 884 § 5º da CLT é uma restrição ao direito fundamental da coisa julgada estritamente indispensável o esvaziamento de outro direito fundamental como a segurança jurídica.

[21] FURTADO, Paulo. Execução. 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 1991, p. 296.

[22] NERY JR., Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 7ª ed., São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2002, p. 135.

[23] DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil,vol. IV, p. 673.

[24]TESHEINER, José Maria. Pressupostos processuais e nulidades no processo civil. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 283.

[25]ASSIS, Araken. Manual do processo de execução. 8ª ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2002, p. 1194.

[26] NEVES, Celso. Comentários ao código de processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 1999, vol. VII, p. 197.

[27] FABRÍCIO, Adroaldo Furtado. “Réu revel não citado, ´querela nullitatis` e ação rescisória”, Revista do processo, nº 48, out-dezembro, 1987, p. 31-32.

[28] STJ, 2ª T., REsp 445.664/AC, v.u., rel. Min. Peçanha Martins, j. 15.04.2004, DJU 07.03.2005.

[29] MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da existência. 10ª ed., São Paulo: Saraiva, 2000, p. 83.

[30]NEVES, Celso. Comentários ao código de processo civil, vol. VII, p. 195-197. O STJ já esposou o mesmo entendimento em alguns julgados. Cf. STJ, 2ª T., REsp 445664-AC, v.u., rel. Min. Peçanha Martins, j. 15.04.2004, DJU 07.03.2005.

[31] Não é pacífico na doutrina pátria o entendimento acerca da citação como pressuposto processual. Para os corifeus da tese da citação como pressuposto processual de existência, não haveria grandes dificuldades na justificação da desconstituição do título executivo operada pelos embargos, afinal, se falta um dos elementos da essência da relação processual, não há que se falar em existência do processo e, consequentemente, da sentença, muito menos de coisa julgada. Basta, pois, uma simples declaração, a qualquer tempo, para escoimar as dúvidas a respeito da imprestabilidade de tal decisão. Todavia, levada às últimas consequências a tese da citação como pressuposto processual de existência, surgirão sérios inconvenientes para se explicar o porquê da prática de atos reputados existentes, válidos e eficazes antes da citação, como é o caso do indeferimento da petição inicial, da interposição de apelo contra esta decisão etc. Aliás, não se olvide que a decisão que indefere a inicial acarreta a extinção do processo sem exame do mérito e, excepcionalmente, com resolução de mérito, nos casos de improcedência prima facie (reconhecimento da decadência do direito ou da prescrição da pretensão, quando favorecer absolutamente incapaz). Se o processo, para esta corrente, só existe após a citação válida, todos os atos praticados antes dela seria, em verdade, não-atos, atos inexistentes. Como tentativa de contornar essas dificuldades, cunhou-se a ideia de que a citação é pressuposto de existência para o autor e de validade para o réu. Data venia, discordo desse posicionamento. Para mim, como o processo é um ente complexo, a prática de um ato pode irradiar consequências diversas para os sujeitos envolvidos, porém isso não transmuda sua natureza jurídica. A citação, portanto, é pressuposto de validade da relação processual.

[32] NEVES, Celso. Comentários ao código de processo civil, vol. VII, p. 195.

[33] Araken de Assis prefere falar em exequibilidade em vez de exigibilidade. Cf. ASSIS, Araken. Manual do processo de execução, p. 1194.

[34]NEVES, Celso. Comentários ao código de processo civil, vol. VII, p. 197.

[35]Por todos, Cf. ASSIS, Araken. Manual do processo de execução, p. 1195.

[36]STJ, 2ª T., REsp nº 1.015.133/MT. Rel. Minª Eliana Calmon, j. 02.02.2010.

[37]STJ, 2ª T., REsp nº 199.153/GO, Rel. Min. Peçanha Martins, j. 24.10.2000.

[38]   THEODORO JR. Humberto. Curso de direito processual civil. 36ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003, vol. II, p. 280-281

[39] DINAMARCO, Cândido Rangel. Relativizar a Coisa Julgada Material. In: Carlos Valder do Nascimento (coord.) Coisa Julgada Inconstitucional. 2ª ed., Rio de Janeiro: América Jurídica, 2002, p. 61.

[40] ASSIS, Araken. Manual do processo de execução, p. 1209.

[41]NOVOA, César Garcia. El pincipio de seguridad jurídica en materia tributaria. Madrid: Marcial Pons, 2000, p. 21.

[42]NOVOA, César Garcia. El pincipio de seguridad jurídica en materia tributaria, p. 24-25. Para Novoa, um Estado de Direito é eticamente aceitável quando, ao lado do primado da legalidade, estão positivados direitos fundamentais do cidadão. Se um Estado de Direito é um Estado de valores, a segurança – na plenitude de sua dimensão valorativa – não pode ser alcançada sem prescindir do valor justiça, que transparece mediante a positivação de direitos fundamentais do homem.

[43]NOVOA, César Garcia. El pincipio de seguridad jurídica en materia tributaria, p. 40.

[44]SILVA, Virgílio Anfoso da. “O conteúdo essencial dos direitos fundamentais e a eficácia das normais constitucionais”, Revista de Direito do Estado 4 (2006), p. 49

[45]   BARROSO, Luís Roberto. Revista Eletrônica do Direito do Estado n. 2, 2005. In: direitodoestado.com.br.

[46]NOVOA, César Garcia. El pincipio de seguridad jurídica en materia tributaria, p. 75-77. Em seu texto, Novoa aponta que a segurança na previsão (“seguridad de orientación”) abarca, ao menos, quatro facetas fundamentais: 1) a existência da norma jurídica, que pressupõe a positivação do direito; 2) existência das normas positivas com caráter prévio à produção de efeitos; 3) a existência da norma seja de conhecimento público; 4) a norma positiva não se destine à regulamentação de uma situação transitória.

[47]CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 3ª ed., Coimbra: Almeida, 1998, p. 252.

[48]NOVOA, César Garcia. El pincipio de seguridad jurídica en materia tributaria, p. 45.

[49]BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção de um novo modelo. 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2010, p. 364.

[50]A escolha da melhor solução, quando há diversas possibilidades interpretativas, é campo para a teoria da argumentação. De acordo com Barroso, “[e]xistem incontáveis propostas de critérios para orientar a argumentação jurídica. Não é o caso de investigá-los aqui. A matéria, por suas implicações e complexidades, transformou-se em domínio autônomo e altamente especializado. Por ilustração, são observados brevemente três parâmetros que consideram pertinentes e recomendáveis: a) a necessidade de fundamentação normativa; b) a necessidade de respeito à integridade do sistema; c) o peso (relativo) a ser dado às consequências da decisão”. BARROSO, Luís Roberto. “Novos paradigmas e categorias da interpretação constitucional”. In: Marcelo Novelino (org.), Leituras complementares de direito constitucional: teoria da Constituição. Salvador: Ed. JusPodivm, 2009, p. 175.

[51]BARCELOS, Ana Paula de. Ponderação, racionalidade e atividade jurisdicional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 131.

[52]MENDES, Gilmar. Controle de constitucionalidade: aspectos jurídicos e políticos, São Paulo: Saraiva, 1990, p. 209.

[53] CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição, p. 259.

[54]Vide, a propósito, no STF, o voto da Min. Ellen Gracie, no RE  nº 590.880/SP, ainda pendente de julgamento, veiculado no Informativo n. 580.

[55]ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 7ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 117

[56]É possível que, enquanto pendente de julgamento alguma das ações de controle abstrato de constitucionalidade, seja deferida, em sede de ADC ou ADI por omissão, medida cautelar, suspendendo todos os processos subjetivos em curso que versem sobre a norma guerreada.

[57]CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição, p. 241-244. Para este autor, “a Constituição confere à ordem estatal e aos actos dos poderes públicos medida e forma. Precisamente por isso, a lei constitucional não é apenas – como sugeria a teoria tradicional do estado de direito – uma simples lei incluída no sistema ou no complexo normativo-estadual. Trata-se de uma verdadeira ordenação normativa fundamental dotada de supremacia – supremacia da constituição – e é nesta supremacia da lei constitucional que o «primado do direito » do estado de direito encontra uma primeira e decisiva expressão.

[58]CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata de constitucionalidade no direito brasileiro, p. 27. Segundo o autor paranaense, apoiado em Canotilho e Konrad Hesse, somente é possível falar-se em superioridade das prescrições constitucionais, quando à supremacia da Constituição corresponda a eficácia social.

[59]REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 24ª ed., São Paulo: Saraiva, 1999, pp. 112-114. Empregamos o termo efetividade como sinônimo de eficácia social, assim como o faz Miguel Reale. Segundo ele, “a sociedade deve viver e como tal reconhecê-lo. Reconhecido o direito, é ele incorporado à maneira de ser e de agir da coletividade. Tal reconhecimento, feito ao nível dos fatos, pode ser o resultado de uma adesão racional deliberada dos obrigados, ou manifestar-se através do que Maurice Hauriou sagazmente denomina ´assentimento costumeiro`, que não raro resulta de atos de adesão aos modelos normativos em virtude de mera intuição de sua conveniência ou oportunidade.”

[60] MIRANDA, Jorge apud MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de constitucionalidade: aspectos jurídicos e políticos, p. 06.

[61] MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de constitucionalidade: aspectos jurídicos e políticos, p. 6.

[62] A nulidade continua sendo a consequência principal da declaração da inconstitucionalidade de um ato normativo brasileiro, não obstante seja o direito positivo que desenhe a sanção a um ato reputado inconstitucional. Nesta linha, a Lei 9868/99 admitiu, em seu art. 27, a declaração da inconstitucionalidade sem a pronúncia de nulidade, quando razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social recomendarem que a decisão produza efeitos a partir de seu trânsito em julgado (ex nunc) ou de outro momento fixado pelo STF, por maioria de 2/3 dos seus membros. Este dispositivo, cumpre ressaltar, foi alvo de algumas ações diretas de inconstitucionalidade que questionaram, dentre outros aspectos, o quorum estabelecido, que é mais rígido do que a maioria absoluta exigida pelo texto constitucional para outras deliberações do Supremo.

[63] MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de constitucionalidade: aspectos jurídicos e políticos, p. 9-10.

[64] MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de constitucionalidade: aspectos jurídicos e políticos, p. 18-19.

[65]ADI 2325-MC, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 23.09.2004, DJ 6/10/2006

[66]MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição constitucional. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 275

[67]DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil, vol. IV, p. 672.

[68]BARBOSA MOREIRA, José Carlos. “Considerações sobre a chamada ´relativização` da coisa julgada material”, Revista dialética de direito processual, nº 22, janeiro, 2005, p. 91.

[69]CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 9ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2004, vol. II, p. 420.

[70]TALAMINI, Eduardo. “Embargos à execução de título judicial eivado de inconstitucionalidade (CPC art. 741, par. ún.)”, In: DIDIER JR., Fredie (org.). Relativização da coisa julgada: enfoque crítico. Salvador: Ed. JusPodivm, 2004, p. 87.

[71]ASSIS, Araken. “Eficácia da coisa julgada inconstitucional”, Revista dialética de direito processual, nº 4, julho de 2003, p. 25.

[72]PIMENTA, Paulo Roberto Lyrio. “Embargos à execução e decisão de inconstitucionalidade – Relatividade da coisa julgada – CPC art. 741, parágrafo único – MP 2.180”, Revista Dialética de Direito Processual, nº 2, maio de 2003, p. 99.

[73]O STF se pronunciou recentemente, limitando a aplicação da regra ao prazo da rescisória, o que não impede, contudo, uma revisão da decisão em plenário, pois pende de julgamento a ADI nº 2418-3. Cf. RE nº 594350/RS. Rel. Min. Celso Mello, j. 25.05.2010, DJ 11.06.2010

[74]É regra porque é possível instaurar-se a atividade executiva, embora de caráter provisório, quando for interposto contra a decisão recurso sem efeito suspensivo.

[75]O STJ adotou essa tese no REsp  nº 1050129/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 11.05.2011.

[76]DIDIER JR, Fredie. “Objeto da cognição judicial”, Revista dialética de direito processual, nº 6, setembro de 2003, p. 13.

[77] TALAMINI, Eduardo. “Embargos à execução de título judicial eivado de inconstitucionalidade ( CPC art. 741, par. ún.)”, In: DIDIER JR., Fredie (org.). Relativização da coisa julgada: enfoque crítico, p. 121.

[78] DIDIER JR, Fredie. “Objeto da cognição judicial”, Revista dialética de direito processual, p. 13.

[79]TALAMINI, Eduardo. Coisa julgada e sua revisão. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005, p. 465.

[80]No mesmo sentido, PIMENTA, Paulo Roberto Lyrio. “Embargos à Execução e Decisão de Inconstitucionalidade – Relatividade da Coisa Julgada – CPC art. 741, parágrafo único – MP 2.180”, Revista dialética de direito processual civil, p. 104. TALAMINI, Eduardo. “Embargos à execução de título judicial eivado de inconstitucionalidade (CPC, ART. 741,PAR. ÚN.)”. In: Fredie Didier Jr. (Coord.). Relativização da coisa julgada: Enfoque crítico, p. 126-127.

[81]A objeção que se faz à utilização dos embargos é que o conteúdo constitutivo negativo de sua sentença impediria a rediscussão em seu bojo dessa questões; quanto à demanda autônoma, o empecilho é a prescrição, já que esta, nos termos do art. 206 do CC, só pode ser interrompida apenas uma única vez. Por último temos a reabertura do processo de conhecimento, invocando-se o regime da exceptio nullitatis que, mesmo assim, peca por falta de previsão legal, por desconsiderar a eficácia preclusiva da coisa julgada formal e por querer atribuir o um aspecto que rege as sentenças inexistentes às sentenças inválidas. Por todos, TALAMINI, Eduardo. Coisa julgada e sua revisão, p. 122.

[82]NEVES, Celso. Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VII, p. 192.

[83]Para Dinamarco, Grinover e Cintra, a instrumentalidade do processo, sob um aspecto negativo, a instrumentalidade das formas, dita que “as exigências formais do processo só merecem ser cumpridas à risca, sob pena de invalidade dos atos, na medida em que isso seja indispensável para a consecução dos objetivos desejados”. Cf. CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 18ª ed., São Paulo: Malheiros, 2002, p. 42.

[84]Sem adentrar a questão da prescrição e de seu termo a quo, o STJ reconheceu, ao declarar a inconstitucionalidade  uma contribuição do Estado de Minas Gerais para o custeio de serviços de assistência médica, hospitalar, odontológica e farmacêutica,a possibilidade de o contribuinte repetir o indébito tributário. Cf. Resp nº 1.194981/MG. Rel. Min Luiz Fux, j. 24.08.2010.

[85] GOMES, Orlando. Contratos. 25ªed., Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 429.

[86]AMORIM FILHO, Agnelo. “Critério Científico para Distinguir a Prescrição da Decadência e para Identificar as Ações Imprescritíveis”, Revista dos Tribunais, out. 1960, vol. 300.


Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Ricardo Marques de. Decisões transitadas em julgado e a inconstitucionalidade declarada posteriormente pelo STF. Seria o art. 741, parágrafo único, do CPC a previsão da coisa julgada inconstitucional?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3453, 14 dez. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23220. Acesso em: 19 abr. 2024.