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A legalidade do cadastro de reserva nos concursos públicos e o direito à nomeação dos candidatos

A legalidade do cadastro de reserva nos concursos públicos e o direito à nomeação dos candidatos

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Diante da grande competitividade, surgem mais candidatos aprovados que número de vagas, o que dá ensejo à criação de um cadastro de reserva. A legalidade desta modalidade está condicionada a alguns requisitos, que se não seguidos culmina na ilegalidade do certame.

Resumo: O concurso público tem como objetivo selecionar os candidatos que irão desempenhar de melhor forma a função pública inerente ao cargo ou emprego público. Diante da grande competitividade, surgem mais candidatos aprovados que número de vagas, o que dá ensejo à criação de um cadastro de reserva. A legalidade desta modalidade está condicionada a alguns requisitos, que se não seguidos culmina na ilegalidade do certame.

Palavras-chave: Concurso Público; Cadastro de Reserva; Nomeação; Legalidade.

Sumário: 1 – Introdução. 2 – Formas históricas de contração dos agentes públicos. 3 – O direito fundamental de livre acesso aos cargos públicos. 4 – O concurso público. 5 – Fases procedimentais do concurso público. 6 – Do dever de nomeação dos candidatos aprovados. 7 – O cadastro de reserva e o direito à nomeação. 8 – Referências bibliográficas.


1 – INTRODUÇÃO

Por disposição expressa do artigo 37, inciso II, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, o acesso aos cargos ou empregos públicos depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou provas e títulos, oportunizado a qualquer brasileiro ou estrangeiro que preencha os requisitos previstos em lei, condições isonômicas de concorrência a esses cargos, excetuado aqueles dotados de livre nomeação e exoneração, denominados de cargos em comissão.

É fato notório que os concursos públicos tem atraído diversos candidatos, em razão de garantias inerentes aos cargos, não existentes nos empregos da iniciativa privada, a saber, estabilidade no cargo, horário definido da jornada de trabalho, progressão e aumento de salário automáticos de acordo com a lei do cargo, e ainda, os benefícios inerentes aos empregados da iniciativa privada, tais como, férias e 13º salário.

Ademais, a oferta de vagas no serviço público cresce ano a ano, em razão das aposentadorias dos servidores públicos, bem como por motivo de crescimento econômico que se mostra patente no Brasil nos dias de hoje. Estima-se que cerca de 1 (um) milhão de servidores públicos conquistarão os requisitos para aposentadoria até o ano de 2015, ou seja, 40% (quarenta por cento) dos servidores públicos poderão se aposentar no ano de 2015, o que, fatalmente, obrigará os Administradores Públicos promoverem concursos públicos para suprirem as vagas destes servidores.

Nesse contexto, se nota que em quase todos os editais de concursos públicos existem os chamados “cadastros de reserva”, uma vez que em grande parte destes existem mais aprovados do que o número de vagas oferecidas. Esses candidatos, muito embora não tenham classificados dentro do número de vagas, nada impede que um dia venham a ser chamados para ocuparem os cargos ou empregos públicos que disputaram. Isso se deve, pois, esses candidatos foram aprovados no concurso, e, portanto, estão aptos a assumir o cargo ou emprego público, se convocados pela Administração, em razão de situação que garanta a eles esse direito, tais como, as desistências dos aprovados e classificados, vacância de cargos iguais ao disputado, a criação de novas vagas, dentre outras.

 O presente artigo visa elucidar a legalidade destes cadastros de reserva, uma vez que o gestor público não pode utilizá-lo como fonte de captação de verba, desvirtuando o instituto, e, consequentemente, ferindo o princípio da segurança jurídica e da moralidade administrativa, quando realiza certame público sem a convocação de nenhum candidato, montando apenas e exclusivamente um cadastro de reserva.

Por derradeiro, o presente estudo utilizou material bibliográfico e julgados recentes sobre o tema, traçando um paralelo entre os casos levados à apreciação do Poder Judiciário e o posicionamento da doutrina dominante.


2 – FORMAS HISTÓRICAS DE CONTRATAÇÃO DOS AGENTES PÚBLICOS

A forma de o Estado selecionar as pessoas mais aptas para ocuparem os cargos públicos é utilizada desde a Antiguidade, muito embora possuírem critérios e sistemática diferentes no decorrer da História. Os mais conhecidos nos estudos passados foram o sorteio, compra e venda, herança, arrendamento, livre nomeação absoluta, livre nomeação relativa, eleição e concurso.

Segundo os autores Márcio Barbosa e Ronaldo Pinheiro[1], o sorteio vinha das relações divinas e era aplicado com maior frequência aos cargos de mandato político. Foi muito utilizado pelos gregos de Esparta e Atenas, chegando a decidir cargos de muita importância no mundo greco-latino. A referida forma de escolha dos agentes públicos ainda poderia ser de forma simples e pura ou condicionada, sendo que aquela era destinada a qualquer indivíduo dentro da sociedade, enquanto que esta era específica para aqueles candidatos que preenchiam determinadas virtudes, dentre aqueles que poderiam concorrer ao cargo público posto à disputa.

A forma de seleção seguinte, denominada de compra e venda, tinha a sistemática relacionada diretamente ao seu nome. Foi implantada na França durante o reinado de Carlos VII, vindo a se efetivar com a criação do escritório de vendas eventuais, no ano de 1529, no então reinado de Francisco I. Esse sistema de contratação dos agentes públicos transformou os cargos públicos em moeda de negociação, haja vista que qualquer pessoa poderia comprar um cargo, bastando para isso possuir valor econômico suficiente, inclusive esses eram transmitidos por herança. Esse sistema fatalmente comprometia o serviço publico, uma vez que não se escolhia aquele servidor que possuía as melhores condições para realizar as funções inerentes ao cargo posto a venda, mas sim aquele que detinha as maiores riquezas.

Na Idade Média vieram às contratações derivadas de sucessão hereditária, fato que também comprometia a eficiência do serviço público. Isso porque, os herdeiros dos cargos quase sempre não estavam nas mesmas condições de seus antecessores, uma vez que poderiam não apresentar aptidões inerentes a esses cargos para exercê-los com total aproveitamento, o que gerou a possibilidade de delegação por representação ou substituição, resultando nos mesmos defeitos, pelas mesmas razões.

No sistema da livre nomeação absoluta, se tinha a escolha do servidor para ocupar o cargo público por meio de ato de uma autoridade sem que qualquer outro Poder pudesse interferir neste ato. Já a livre nomeação relativa, ocorria à indicação de uma pessoa para ocupar o cargo público, só que esta designação dependia de aval de outro Poder. Vale frisar que durante o Brasil Império, quase todos os cargos públicos do Reino eram de livre nomeação e exoneração por pura conveniência estatal. Insta salientar também, que atualmente a livre nomeação se aplica aos cargos em comissão, dentro das limitações impostas pelo inciso V, do artigo 37, da Constituição Federal. Ocorre também a livre nomeação para cargos efetivos, quando permitido pela Constituição, como no caso da escolha dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, sempre após aprovação do Poder Legislativo. Para os cargos em comissão, de regra se tem a nomeação absoluta, contudo pode ocorrer a nomeação relativa, como nos casos de escolha do Presidente do Banco Central do Brasil e dos dirigentes das Agências Reguladoras, tendo escolha definida pelo Presidente da República com o aval do Congresso Nacional.

Os autores citados, ainda sob a influência do administrativista Cretella Júnior, traz a possibilidade de disposição dos cargos públicos por meio de eleição, que não tem a ver com o sistema eleitoral dos parlamentares e Chefes do Executivo. Surgiu com a Revolução Francesa, visando acabar com os abusos e imperfeições dos sistemas já citados, com foco maior na soberania popular. Esse sistema foi adotado nos Estados Unidos, sendo que em quase toda a sua totalidade os cargos públicos eram preenchidos por eleição.

Ocorre que esse sistema de escolha dos servidores do Estado se torna de péssima qualidade, uma vez que todos os defeitos e vícios das campanhas políticas, são reproduzidos, também, nessas eleições. Nesse sentido, os autores citados assim explicam, in verbis:

Cretella Júnior, ao desenvolver esse tópico, dirige severas críticas ao sistema de eleição para o provimento dos cargos públicos, o qual reputa como “um dos piores sistemas que se conhece na atualidade”. Assiste plena razão ao insigne administrativista, na medida em que as mazelas do sistema eleitoral (aspectos polêmicos de financiamento de campanhas, plataforma eleitoral, joguetes políticos, lobbies, injunções de ordem governamental etc.), já tão combatidas na seara política, tenderiam a universalizar-se, comprometendo-se a seriedade das funções permanentes de índole técnico-administrativa e aquelas para as quais são exigidas a imparcialidade ou a independência como condição de seu exercício (v. g., Magistratura, Ministério Público e Tribunais de Contas).[2]

Por fim, surge na França no governo de Napoleão, o processo de seleção por concurso, mesmo sofrendo severas críticas daqueles agentes públicos beneficiários dos outros sistemas de provimento dos cargos públicos. Sua implantação acontece de forma natural, demonstrando ser o sistema que de fato impede que os incapacitados alcancem um lugar no serviço público, o que acaba por beneficiar toda a sociedade real destinatária das prestações públicas. É nesse sentido o ensinamento de Márcio Maia e Ronaldo Queiroz, in verbis:

Realmente, dentre todos os meios de seleção que existem, o concurso público sobressai-se como o melhor processo de recrutamento de agente público e o menos inconveniente, na medida em que não constitui um sistema meramente aleatório como o sorteio; não trata o cargo público como objeto mercantil ou de sucessão hereditária, como o arrendamento, a compra e venda e a herança; não adota como critério de escolha do agente público a valoração puramente discricionária ou de natureza eminentemente político-econômica, como a livre nomeação e a eleição.[3]

Contudo, vale frisar que os concursos públicos devem perquirir os princípios constitucionais insculpidos na Carta Magna, especialmente o da moralidade administrativa, igualdade, razoabilidade, eficiência e segurança jurídica, para que se possa evitar os vícios e abusos das bancas examinadores e do Poder Público, evitando, com isso, a volta da aplicação das seleções antigas aqui demonstradas, e, consequentemente, a banalização do provimento dos cargos públicos, baseado em escolhas políticas e econômicas, fulminando o interesse público primário.


3 – O DIREITO FUNDAMENTAL DE LIVRE ACESSO AOS CARGOS PÚBLICOS

A Constituição Federal de 1988 constituiu o Estado republicano pautado pelo direito do cidadão de participar da Administração Pública, direta ou indiretamente, por meio da possibilidade de acesso aos cargos e empregos públicos, corolário do seu artigo 1º. Ademais, vale lembrar, que o Estado Brasileiro além de um Estado Democrático, é, também, um Estado Constitucional, haja vista que possui como norma maior a Constituição, o que torna em destaque a concretização dos direitos fundamentais, com a mudança da aplicabilidade destes de limitar a atuação do Estado, para garantir a liberdade individual.

Com efeito, o direito de acesso aos cargos e empregos públicos existe desde a Constituição de 1824, que previa este como o princípio da ampla acessibilidade, inclusive, compreendendo-o de forma expressa como direito e garantia fundamental. Da mesma forma, a Declaração Universal dos Direito Humanos, proclamada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, também dispunha o direito de acesso ao serviço público a todas as pessoas do país[4]. Contudo, referido princípio não consta no rol dos direitos e garantias fundamentais trazido pela Constituição de 1988, o que poderia causar falsa impressão de sua inexistência com este status normativo.

Insta salientar, que o artigo 5º, §2º, da Constituição Federal, permite o reconhecimento de outros direitos fundamentais, derivados do regime e dos princípios adotados pela Constituição, ou pelos tratados internacionais que o Brasil faça parte, tornando, por óbvio, o catálogo exposto na cabeça do referido artigo como rol exemplificativo de garantias fundamentais, devendo ser adotado um conceito aberto acerca destes direitos. É nesse sentido o escólio do professor Fabrício Motta, in verbis:

Nas Constituições brasileiras de 1824 e 1937, o princípio da ampla acessibilidade constava expressamente no rol de direitos e garantias fundamentais. Resta-nos investigar, na Constituição Federal de 1988, o assento constitucional do direito fundamental de concorrer, em igualdade de condições, aos cargos e empregos públicos (posições públicas com vocação permanente), em razão da inexistência de referência explícita no rol dos direitos e garantias fundamentais. Inicialmente, calha atentar para a adoção de um conceito materialmente aberto de direitos fundamentais na Constituição brasileira, ao reconhecer a existência desses direitos, mesmo formalmente fora do catálogo, mas decorrentes do regime e dos princípios adotados pela Constituição (art. 5º, §2º).[5]

Destarte, o direito de livre acesso aos cargos e empregos públicos, deriva inicialmente da participação de todos os cidadãos na Administração Pública, corolário do Estado Democrático de Direito previsto no artigo 1º, da Constituição Federal. Como segundo fundamento para esse direito, temos o direito fundamental à igualdade, previsto de forma genérica e expressa no artigo 5º, da CF/88. O princípio da isonomia se aplica a todas as leis e atos administrativos, em razão de derivar do princípio republicano citado, conforme ensinamento do autor Geraldo Ataliba, citado pelo professor Adilson Abreu Dallari, in verbis:

Não teria sentido que os cidadãos se reunissem em república, erigissem um estado, outorgassem a si mesmo uma constituição, em termos republicanos, para consagrar instituições que tolerassem ou permitissem, seja de modo direto, seja indireto, a violação da igualdade fundamental, que foi o próprio postulado básico, condicional da ereção do regime. Que dessem ao estado – que criaram em rigorosa isonomia cidadã – poderes para serem usados criando privilégios, engendrando desigualações, favorecendo grupos ou pessoas, ou atuando em detrimento de quem quer que seja. A res pública é de todos e para todos. Os poderes que de todos recebem devem traduzir-se em benefícios e encargos iguais para todos os cidadãos. De nada valeria a legalidade, se anão fosse marcada pela igualdade.

A igualdade é, assim, a primeira base de todos os princípios constitucionais e condiciona a própria função legislativa, que é a mais nobre, alta e ampla de quantas funções o povo, republicanamente, decidiu criar. A isonomia há de se expressar, portanto, em todas as manifestações de Estado, as quais, na sua maioria, se traduzem concretamente em atos de aplicação da lei, ou seu desdobramento. Não há ato ou forma de expressão do estatal que possa escapar ou subtrair-se às exigência da igualdade.

Nos casos em que as competências dos órgãos do Estado – e estes casos são excepcionais – não se cinjam à aplicação da lei, ainda aí, a isonomia é princípio que impera e domina. Onde seja violado, mistificado, fraudado, traído, há inconstitucionalidade a ser corrigida de ofício ou mediante pronta correção judicial. Toda violação da isonomia é uma violação aos princípios básicos do próprio sistema, agressão a seus mais caros fundamentos e razão de nulidade das manifestações estatais. Ela é como que a pedra de toque do regime republicano.[6]

Portanto, pode-se concluir, que em um Estado Democrático de Direito todos os cidadãos tem o direito de acesso aos cargos e empregos públicos, concorrendo em igualdade de condições com todos os demais interessados. Esse é o entendimento expresso no artigo 37, inciso I, da Constituição Federal, reconhecido, inclusive, pelo Supremo Tribunal Federal, em acórdão assim ementado:

A acessibilidade aos cargos a todos os brasileiros, nos termos da Lei e mediante concurso público é princípio constitucional explícito, desde 1934, art. 168.

Embora cronicamente sofismado, mercê de expedientes destinados a iludir a regra, não só foi reafirmado pela Constituição, como ampliado, para alcançar os empregos públicos, art. 37, I e II.[7]

Sendo assim, o acesso aos cargos públicos é direito fundamental garantido aos cidadãos brasileiros, obedecidos aos requisitos estabelecidos em lei, conforme disposição expressa do artigo 37, I, da Constituição Federal, mesmo não encontrado no rol trazido pelo artigo 5º, uma vez que derivado do próprio sistema do Estado Democrático de Direito, que garante a participação dos administrados na Administração Pública, seja direta ou indiretamente, bem como pela disposição do princípio da igualdade de oportunidades, haja vista a necessidade de se respeitar condições isonômicas de acesso a esses cargos a todos os interessados.


4 – O CONCURSO PÚBLICO

A Constituição Federal de 1988 dispôs no inciso II, do artigo 37, a obrigatoriedade da realização de concurso público de provas ou de provas e títulos, para que qualquer cidadão possa integrar cargo ou emprego público perante a Administração Pública. Essa exigência abarca a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e os respectivos desdobramentos autárquicos e fundacionais, assim como às empresas públicas e sociedades de economia mista, salvo exceções previstas na própria Constituição.

Insta salientar, que a exigência constitucional do concurso público se materializa pelo procedimento aberto a todos os interessados, sendo defeso qualquer forma de concurso restritivo, ou seja, aqueles destinados aos membros já pertencentes à Administração Pública. Por essa razão, perdeu-se o sentido falar em formas de provimento previstas nas legislações oriundas de tempo anterior à Constituição de 1988, tais como, a transposição (ascensão) e a readmissão.[8]

O concurso público é o procedimento administrativo que dispõe a Administração Pública, para escolher seus servidores, obedecendo aos princípios da moralidade e eficiência, haja vista que ao final será contratado aquele interessado que melhor desempenhou as fases do certame público, e, por consequência lógica, melhor desempenhará as funções inerentes ao cargo disputado. Ademais, é pelo concurso público que se preenche, também, os princípios da igualdade de oportunidades e da impessoalidade, uma vez que todos interessados que preencham os requisitos previstos em lei têm o direito de concorrer em igualdade de condições à vaga posta a disputa pública, sem que o Estado possa selecionar qualquer candidato por critério escuso ao exposto no edital do certame.

Insta salientar, o conceito do administrativista José dos Santos Carvalho Filho, a respeito do tema, in verbis:

Concurso público é o procedimento administrativo que tem por fim aferir as aptidões pessoais e selecionar os melhores candidatos ao provimento de cargos e funções públicas. Na aferição pessoal, o Estado verifica a capacidade intelectual, física e psíquica de interessados em ocupar funções públicas e no aspecto seletivo são escolhidos aqueles que ultrapassam as barreiras opostas no procedimento, obedecida sempre a ordem de classificação. Cuida-se, na verdade, do mais idôneo meio de recrutamento de servidores.[9]

Com efeito, qualquer candidato que preencha os requisitos previamente estabelecidos, pode vir a ser convocado para os quadros da Administração Pública, sendo evidente a busca da Constituição pela primazia do mérito de seus servidores, o que configura a excelência do serviço público que será prestado pelos aprovados, afastando com isso qualquer forma de perseguição e favoritismos, assim com expurgando o nepotismo.

Nos dias de hoje não se admite mais concurso apenas com provas de títulos, conforme se extrai da disposição expressa do inciso II, do artigo 37, da Constituição Federal. Isso porque, essa forma de seleção contraria o princípio da igualdade de oportunidades, porquanto a titulação dos candidatos não visa medir os conhecimentos destes, seja porque estejam em início de carreira e não tiveram oportunidade de formar um currículo extenso, seja porque não tiveram interesse em colecionar diversos títulos.

O concurso de provas e títulos a que faz referência a Constituição Federal, é formado por etapas avaliativas que visam medir os conhecimentos dos candidatos no decorrer do certame, não podendo o mesmo se valer de qualificações passadas para galgar espaço na Administração Pública. Por isso que comumente são conhecidas essas provas como provas de conhecimento.

Contudo é perfeitamente possível utilizar a titulação, como fase do certame público que vise classificar os candidatos, mas nunca como fator de reprovação, haja vista que os títulos trazem margem de mérito do candidato, mas nunca fato decisivo para auferir a capacidade do mesmo para desempenhar as funções públicas inerentes aos cargos públicos postos à disputa. Da mesma forma, conferir pontuação desproporcional aos títulos, fere o princípio da proporcionalidade, e, ainda, macula a moralidade administrativa, uma vez que levanta fortes indícios de favorecimento de candidatos, culminando no desrespeito ao princípio da impessoalidade inscrito no artigo 37, da CF/88.

Nesse sentido, vale colacionar o fundamento do instituto pelo doutrinador José dos Santos Carvalho Filho, in verbis:

O concurso público é o instrumento que melhor representa o sistema do mérito, porque traduz um certame de que todos podem participar nas mesmas condições, permitindo que sejam escolhidos realmente os melhores candidatos.

Baseia-se o concurso em três postulados fundamentais. O primeiro é o princípio da igualdade, pelo qual se permite que todos os interessados em ingressar no serviço público disputem a vaga em condições idênticas para todos. Depois, o princípio da moralidade administrativa, indicativo de que o concurso veda favorecimentos e perseguições pessoais, bem como situações de nepotismo, em ordem a demonstrar que o real escopo da Administração é o de selecionar os melhores candidatos. Por fim, o princípio da competição, que significa que os candidatos participam de um certame, procurando alçar-se a classificação que os coloque em condições de ingressar no serviço público.[10]

Vale lembrar, que mesmo com todo o aparato constitucional demonstrado, ainda se verifica com frequência a tentativa da Administração Pública em promover cargos e empregos públicos, por via oblíqua ao concurso pública, na busca de favorecimentos pessoais e apaniguados políticos, que se perpetuam no poder pelo leilão indiscriminado dos cargos e empregos públicos. É por essa razão, que os Tribunais têm desempenhado um papel fundamental na aplicação da obrigatoriedade dos concursos públicos, valendo apresentar os exemplos expostos pela professora Fernanda Marinela, in verbis:

I) a impossibilidade de provimento ou deslocamento de um servidor para cargos de carreiras diversas, antigamente denominadas transposição ou ascensão funcional. Inclusive a matéria é objeto de Súmula do Supremo Tribunal Federal que estabelece: “Súmula nº 685 – É inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie aos servidores investir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido”;

II) a impossibilidade de transformação de cargos ou a transferência de servidores celetistas não submetidos a concurso público para servidores estatutários, o que pressupõe a ocupação de cargos efetivos;

III) a proibição para a criação de novas carreiras com inúmeros cargos para serem preenchidos com antigos servidores de carreiras diversas, independentemente de serem eles celetistas ou estatutários. Nova carreira exige novo concurso público;

IV) ser vedado o aproveitamento de servidores de um ente político em cargos ou empregos de outros entes públicos. A exigência de concurso público se refere à investidura em cargo ou emprego público de carreira de cada pessoa jurídica de direito público, não autorizando o provimento inicial de cargo ou emprego de entidade política diversa;

V) ser proibido o aproveitamento de servidores de cargos extintos em outros cargos em que não haja plena identidade substancial entre eles, compatibilidade funcional e remuneratória e equivalência dos requisitos exigidos em concurso.[11]

Sendo assim, constata-se que o concurso público é a melhor maneira que dispõe a Administração Pública, para preencher o seu quadro de servidores, uma vez que seleciona o candidato que possui as melhores aptidões físicas, psicológicas e de conhecimento a respeito das funções inerentes ao cargo posto a disputa. Ademais, é por meio dos concursos que se garante a moralidade administrativa, a igualdade de oportunidades, impessoalidade e eficiência, pois mesmo com as falhas acima apresentadas, é possível, por meio dos Tribunais, efetivar as prescrições constitucionais inerentes a este instituto.


5 – FASES PROCEDIMENTAIS DO CONCURSO PÚBLICO

Conforme demonstrado em linhas pretéritas, o concurso público é procedimento administrativo composto por etapas, ou seja, é a sucessão ordenada de atos visando à seleção do candidato que possui as melhores aptidões, para ocupar cargo ou emprego público de provimento efetivo, cumprindo a igualdade de oportunidades a todos os cidadãos interessados. Com efeito, esse procedimento é composto por duas etapas, a saber, uma interna e outra externa.

A etapa interna do procedimento do concurso público se configura como verdadeiro planejamento de atos administrativos praticados pela Administração Pública. Nessa fase, avalia-se a viabilidade da abertura do certame público, tendo como base todos os requisitos contidos no ordenamento jurídico. Vale frisar, que não existem normas gerais a respeito da execução do procedimento do concurso público que fixe as etapas obrigatórias, o prazo e as condições para sua abertura, a constituição das bancas examinadoras, dentre outros aspectos, abrindo margem para arbitrariedades e comprometendo a essência do instituto[12].

Nesse diapasão, tem-se que para abertura do concurso público, se faz necessária à existência de cargos vagos com necessidade imediata ou breve de efetivo provimento. Insta salientar, que não basta a mera existência das vagas, mas real necessidade de provimento destas para que se possibilite a abertura do certame público. Portanto, é nesta fase que se analisa o número de servidores comissionados, contratados por prazo determinado e terceirizados, que exercem funções exclusivas de cargos efetivos, justamente para regularizar essas situações ilegais. Vale também frisar, que é esse o momento apropriado para a Administração Pública computar os servidores atuais que estão lotados em cargo idêntico, para verificar a possibilidade de aposentadoria durante a validade do certame público. Isso porque, é justamente esta etapa de planejamento interno, que obriga o administrador público a convocar os candidatos aprovados dentro das vagas publicadas no edital do certame.

Outro ponto crucial para a deflagração do certame público compreendido dentro da etapa interna, é a obrigação de dotação orçamentária para admissão ou contratação de pessoal para o serviço público, conforme prescrito no artigo 169, §1º, I e II, da CF/88.

Após essas análises, passa-se a Administração Pública pela decisão da execução do concurso público, que pode ser por via direta ou indireta. Na primeira alternativa, a própria Administração Pública cuida de estabelecer as condições gerais do concurso público por meio de regulamento, enquanto que para a segunda alternativa, o Poder Público deverá abrir processo licitatório para contratação de serviços relativos à execução do certame. Vale lembrar, que se torna recomendado que a Administração sempre delegue a execução dos processos de recrutamento e seleção do seu quadro de servidores, o que garante maior imparcialidade na sua realização.

Ainda dentro do contexto da fase interna do procedimento do concurso público, ocorre a designação da banca examinadora, que irá elaborar o edital do certame contendo os requisitos para a admissão nos cargos ou empregos públicos, as datas, horários e condições para a inscrição dos candidatos, critérios de avaliação, metodologia para sua aplicação, entre outras formalidades específicas.

A etapa externa do procedimento de deflagração do concurso público tem início com a publicação do edital do certame, convocando todos os interessados para a inscrição no concurso. A inscrição é a manifestação do cidadão em participar da disputa inerente a aquele cargo público. Vale frisar, que a simples inscrição do candidato não gera direito à realização do concurso, que pode ser suspenso ou cancelado por interesse administrativo, cabendo a Administração Pública devolver os valores pagos pelos candidatos, bem como indenizá-los caso se verifique prejuízo material dos administrados. Realizada a inscrição, prossegue-se para a fase das provas, que podem ser objetivas, discursivas, práticas, psicológicas, orais e de títulos, de acordo com a complexidade das atribuições do cargo ou emprego público posto à disputa. Essas são corrigidas e divulgados os resultados, se encaminhando para a homologação deste, constituindo a ordem classificatória do certame público e o fim da etapa externa dos procedimentos do concurso público.

Segundo Márcio Barbosa Maia e Ronaldo Pinheiro de Queiroz:

A homologação, à sua vez, é o ato administrativo de controle e condição de eficácia do concurso público, por intermédio do qual a autoridade máxima do órgão ou entidade verifica a legalidade e a regularidade do seu procedimento e a conveniência e oportunidade de sua realização.[13]

Portanto, caso não advenha a homologação do resultado final da ordem classificatória do concurso público realizado, resta por ineficaz todo o procedimento até aqui descrito, valendo frisar, inclusive, que não ocorre a nomeação dos candidatos, sem que seja expedido referido ato administrativo. Insta salientar, caso isso ocorra, poderá o Poder Judiciário analisar a legalidade da omissão da Administração Pública, culminando, inclusive, em procedimento de improbidade administrativa do agente público responsável, caso haja prejuízo.

Com efeito, todo o planejamento preliminar do certame público compreendido em sua fase interna, é fator fundamental para a concepção do futuro concurso público, pautando o Administrador Público sempre para o preenchimento dos princípios da eficiência, moralidade administrativa e segurança jurídica, na busca evidente pela satisfação do interesse público.


6 – DO DEVER DE NOMEAÇÃO DOS CANDIDATOS APROVADOS

O positivismo jurídico vem sendo substituído na pós-modernidade, para a constitucionalização do Direito. Nesse contexto, o Direito Administrativo, matéria que visa entre outras buscar regulamentar o aparato estatal, se mostra núcleo essencial a ser revisitado, haja vista que o conceito de aplicação automática e exclusiva da lei para as ações da Administração Pública, não foi suficiente a solução dos problemas surgidos na seara pública. Isso porque, as escolas positivistas não conseguiram dirimir os conflitos oriundos da discricionariedade atribuída ao administrador público, porquanto seus atos de gestão desaguavam em verdadeiros atos de império, insuscetíveis, portanto, de controle pelos órgãos judiciários. Nesse sentido, asseverou a Ministra Cármem Lúcia, em voto proferido no julgamento do RE nº 598099, in verbis:

[...] eu não acredito em poder discricionário na Administração, acho isso uma coisa velha, com todo respeito pelos que pensam que ainda existe, mas há algum tempo o direito não comporta mais este tipo de atribuição. Como disse o Ministro Gilmar, entre a tal discricionariedade de outros tempos e o arbítrio praticamente não há diferença. Acho que todo ato administrativo tem algum elemento de discricionariedade, o que é muito diferente de o administrador dispor de um poder discricionário.[14]

Em suma, ante a inexistência de lei específica para o trato da discricionariedade, a Administração Pública detinha o poder de dirimir as questões surgidas mediante um juízo de conveniência e oportunidade, sendo defeso ao Poder Judiciário intervir nesta seara, sob pena de afronta ao princípio basilar da separação dos poderes. Foi nesse contexto que se desenvolveu a ideia de que o candidato aprovado dentro do número de vagas prescritas no Edital do certame, teria mera expectativa de direito à nomeação para o cargo ou emprego público disputado. O candidato aprovado tinha apenas a garantia de não ser preterido, se houvesse convocação.

Ocorre que esse posicionamento se mostra desconforme com o procedimento seletivo inerente aos concursos público. A Administração Pública, conforme demonstrado anteriormente, antes de deflagrar a abertura de certame público, deve realizar diversos atos para verificar a necessidade de provimento de cargos ou empregos públicos, valendo lembrar, que não basta a mera vacância do cargo para a possibilidade de abertura de concurso público, mas que o administrador público verifique a real necessidade do provimento das vagas futuramente ofertadas. Assim, cumprindo todo o procedimento interno para divulgação do edital do certame, a Administração Pública demonstra sua real necessidade de prover os cargos ou empregos inerentes ao seu quadro de servidores.

Nesse diapasão, como os concursos públicos não devem servir como fonte de aumento de receita para a Administração Pública, a deflagração de certame público sem que haja sequer um candidato aprovado e nomeado, se mostra nítido desperdício de tempo, dinheiro e aparato estatal, que deve ser punido nos termos da Lei nº 8.429/92, ofendendo, inclusive, o princípio da moralidade administrativa, haja vista que os aprovados deixam de confiar na boa fé da Administração Pública, que convoca os interessados para fazer parte do seu quadro de servidores, mas, posteriormente, não os nomeia mesmo, comprovadamente, existindo a necessidade da força de trabalho para o serviço público. Nesse sentido, vale citar novamente passagem do voto da Ministra Cármen Lúcia, in verbis:

[...] A Administração tem que ser moral, ética em todos os seus comportamentos, e não acredito em uma democracia que não viva do princípio da confiança do cidadão na Administração. A não nomeação desmotivada é uma quebra da confiança. A gente vive em estado de desconfiança durante todo o período de espera.[15]

Com efeito, a Administração ao tornar pública a existência de cargos vagos e o interesse em provê-los, quando publica o edital contendo todas as regras do certame, após a persecução de toda a fase procedimental do concurso público pelo administrador, pratica ato vinculado, e, portanto, tem o poder-dever de convocar todos os aprovados em conformidade com a ordem classificatória, sob pena de infringir os princípios da moralidade, segurança jurídica, razoabilidade, lealdade e isonomia.

Sendo assim, o Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 598.099 em sede de repercussão geral, afastou o antigo posicionamento de que os candidatos aprovados dentro do número de vagas teriam mera expectativa de direito, reconhecendo verdadeiro direito subjetivo à nomeação destes candidatos, enquanto válido o concurso público. Isso porque, a Administração Pública tem o dever de boa-fé com os seus administrados, está vinculada às regras do edital do certame, inclusive no que se refere às vagas ofertadas, e ainda, deve obediência à segurança jurídica, protegendo a confiança dos administrados na Administração Pública.

Ora, se para publicar edital de convocação de concurso público, deve o administrador verificar a real necessidade do provimento do cargo ou emprego público futuramente ofertado, uma vez publicado esse edital, a aprovação dos candidatos é garantia fundamental de sua nomeação, haja vista ser este ato vinculado, tanto para os participantes do certame, quanto para própria Administração. Logo, pensar de maneira diversa causa o desvirtuamento do instituto do concurso público, negando efetividade ao princípio que obriga sua realização para acesso aos cargos e empregos públicos, o que culminará nas mazelas ocorridas historicamente nas formas de convocação dos agentes públicos, demonstradas no tópico 2 (dois) deste trabalho.

Destarte, a obrigação de nomear os aprovados dentro do número de vagas previsto no edital é a regra a respeito do comportamento da Administração em caso de concurso público. Todavia, podem surgir situações que não obriguem o administrador público a nomear os candidatos aprovados, sendo estas exceções dotadas de forte motivação, bem como superveniência de fato, imprevisibilidade, gravidade, que se configura onerosidade excessiva, dificuldade ou mesmo impossibilidade de cumprimento efetivo das regras do edital, e necessidade, consubstanciada na ausência de outra medida que resolva a situação excepcional e imprevisível.

Além da omissão da convocação dos candidatos aprovados dentro do número de vagas prevista no edital do certame, existem outras hipóteses de reconhecimento do direito subjetivo à nomeação destes candidatos, matéria já discutida nos tribunais brasileiros.

A Súmula nº 15 do Supremo Tribunal Federal preceitua que: “Dentro do prazo de validade do concurso, o candidato aprovado tem o direito à nomeação, quando o cargo for preenchido sem observância da classificação”. Vale lembrar, que a quebra da ordem classificatória pode ocorrer dentro do concurso, ou entre candidatos de concursos diversos para o mesmo cargo ou emprego público. Ou seja, caso ainda válido certame público com candidatos aprovados, aberto novo concurso não pode o administrador público convocar os novos aprovados em detrimento dos antigos. Caso isso ocorra, também surge o direito subjetivo a nomeação daqueles candidatos aprovados no primeiro certame público.

A segunda hipótese se configura quando a Administração deixa de nomear candidatos aprovados e contrata agentes públicos, por via oblíqua ao concurso e, consequentemente, com vinculo precário com o Estado, para desempenhar as mesmas funções inerentes aos cargos ofertados no certame público. Insta salientar, que não obstante a oscilação da jurisprudência quanto ao reconhecimento do direito subjetivo daqueles candidatos aprovados, a doutrina se firma como favorável à convocação dos concursados. Isso porque, conforme demonstrado acima, na deflagração do concurso público já se vincula a Administração na convocação dos aprovados dentro do limite de vagas, abrindo margem de discricionariedade apenas no momento em que se dará essa convocação. Logo, demonstrando a Administração que necessita desta força de trabalho imediatamente, convola-se essa margem de discricionariedade em ato vinculado, obrigando a convocação dos aprovados em concurso público.

Vale dizer, que a mera terceirização da vaga, ou seja, o preenchimento desta, mesmo que de forma precária, por pessoa diversa dos aprovados em concurso público, já configura a preterição dos concursados, surgindo imediatamente o direito subjetivo à nomeação destes, sob pena de abrir margens para contratações reiteradas por diversas vezes, sem a realização de concurso público, o que fulminaria a essência do instituto.

Por fim, caso ocorra qualquer violação que vise impedir o direito subjetivo à nomeação dos candidatos aprovados em concurso público, deve-se buscar o Poder Judiciário, para efetivação deste direito, que configura a verdadeira aplicabilidade do Estado Democrático de Direito.


7 – O CADASTRO DE RESERVA E O DIREITO À NOMEAÇÃO

Diante da guinada jurisprudencial demonstrada no item anterior, qual seja, o reconhecimento a direito subjetivo de candidato aprovado dentro do número de vagas previstas no edital do certame, ocorre no Brasil recentemente à possibilidade de formação de um cadastro de reserva, o que exige do gestor público maior cautela na análise das fases procedimentais internas da realização do certame público.  Isso porque, referida situação pode dar ensejo a demandas judiciais que visem à nomeação destes candidatos, ou até mesmo, de candidatos em número superior ao previsto pela Administração.

Insta salientar, que é comum nos concursos haver candidatos aprovados em número superior ao previsto no edital do certame, o que significa que esses candidatos, mesmo não classificados nas vagas oferecidas, possuem as mesmas aptidões e capacidades para exercerem as funções inerentes ao cargo ou emprego disputado. São esses aprovados excedentes que formam o chamado “cadastro de reserva”.

Trata-se aqui de instrumento utilizado pelo gestor público, para planejar a reposição rápida da força de trabalho da máquina estatal, sem que para isso a Administração tenha que se valer de novo concurso público para novas contratações. Referida situação ocorre com frequência naqueles cargos em que se nota uma maior rotatividade de agentes público, ocasionada, dentre outras, pela baixa remuneração paga aos servidores.

Ocorre que, nem todos os cargos ou empregos públicos de provimento efetivo ofertados pela Administração Pública, comporta a fixação de um cadastro de reserva no momento da realização do concurso público correspondente. Todavia, caso o gestor público opte pela sua formação, deve-se analisar dentro da fase procedimental interna do certame público, 3 (três) situações que norteiem a fixação, ou não, deste cadastro de reserva, a saber, o número de cargos existentes, o prazo de validade do concurso e limitação exata do número deste cadastro[16].

 Por lógica não será possível verificar a rotatividade dos aprovados para os cargos disputados com total precisão, uma vez que se trata de estatística empírica derivada da observação do comportamento dos aprovados de concursos anteriores com igualdade de cargos ofertados. Vale lembrar também, que deve o administrador público ficar atento à possibilidade de criação de novas vagas no decorrer da validade do concurso público, o que pode influenciar diretamente na fixação do quantitativo de vagas ofertadas para o cadastro de reserva.

Entretanto, com o nítido sentido de burlar a obrigatoriedade de nomeação dos candidatos aprovados dentro do número de vagas ofertadas no edital do certame, os gestores públicos têm publicado concursos com o fim exclusivo de formação de cadastro de reserva. Nessa modalidade não se especifica o número de vagas nos cargos ou empregos públicos em que os inscritos eram concorrer, o que se mostra desconforme com o real fundamento lógico do instituto do concurso público.

Segundo Fabrício Motta, “a existência de cargos constitui, em princípio, pressuposto lógico para a realização do procedimento de seleção”[17]. A frase se mostra apropriada, se interpretarmos a escrita da existência de cargos, como existência de vagas. Isso porque, conforme exposto no presente estudo, quando a Administração Pública deflagra certame público, ela manifesta real vontade no provimento daquele cargo ou emprego posto a disputa. Assim sendo, não se poderia valer de concurso público para cargo cuja vaga já esteja ocupada por outro servidor, se mostrando o procedimento seletivo como meio lógico inapropriado para esse fim, ou seja, seria “selecionar alguém para algo que não existe”[18].

Contudo, existem situações de cunho excepcional que podem dar ensejo à deflagração de concurso público exclusivo para formação de um cadastro de reserva, só que de forma temporário. Isso porque, não pode existir concurso com cadastro de reserva sem real necessidade de convocação dos aprovados, mesmo que o edital assim prescreva, sob pena ofensa ao fato gerador da necessidade do concurso público, qual seja, a necessidade real de provimento do referido cargo. Logo, podem-se ter como requisitos para publicação de concurso público com fim exclusivo de formação de cadastro de reserva, a urgência e a precariedade da causa impeditiva. O primeiro ocorre naqueles cargos em que a ausência de servidor possa acarretar a suspensão do serviço público derivado de sua função, ou seja, o não provimento imediato destes cargos, acarreta ofensa ao interesse público, por consubstanciar prestação inadiável da coletividade. O segundo requisito é comprovado quando existe real probabilidade da causa impeditiva de fixação de vagas deixe de existir, ou seja, a situação que impede que o edital preveja todas as vagas que os candidatos irão preencher, é precária tendo fim próximo ao da publicação do edital do certame.

Com efeito, estando ausentes qualquer destes requisitos, se mostra ilegal a publicação de edital com previsão exclusiva de formação de cadastro de reserva, uma vez que falta pressuposto lógico para existência do concurso público. Caso a Administração tenha interesse em contração por via escusa da seleção pública, deve adotar as medidas previstas na Constituição Federal, bem como preencher também seus requisitos, como no caso das contratações temporárias nos termos do artigo 37, IX.

Ocorre que não é essa a situação que se nota hoje em nosso país. Em muitos casos, a Administração publica edital de concurso público com cláusula exclusiva de formação de cadastro de reserva, sem preencher qualquer destes requisitos, deixando os candidatos inseguros quanto à nomeação, o que fulmina os princípios da segurança jurídica e da moralidade administrativa. Nesse sentido, atenta o doutrinador José dos Santos Carvalho Filho, in verbis:

A despeito de considerado legítimo, os candidatos ficam em situação de expectativa e instabilidade por desconhecerem quando haverá (ou mesmo se haverá) a convocação. Além disso, torna-se mais complexo o controle de legalidade da Administração em virtude de ampla liberdade que se lhe concede nesses casos, sendo difícil, inclusive, comprovar eventual arbitrariedade. Pode ser cômodo para a Administração, mas não nos parece seja ele o melhor método de garantir os direito dos candidatos; o melhor é aquele em que o edital já define previamente o número de vagas e o prazo de duração do certame, permitindo que todos possam aferir o comportamento da Administração na integralidade do processo competitivo.[19]

Nestes termos, a publicação de concurso público sem que haja ao menos um candidato aprovado e nomeado, mesmo que este tenha sido feito exclusivamente para preenchimento de cadastro de reserva, se mostra ilegal em razão da desídia do administrador público em observar as etapas de planejamento interno para deflagração do certame público, o que causa dispêndio de dinheiro, tempo, e de todo o aparato estatal, sem que ao fim se tenha conseguido cumprir a finalidade do instituto.

Em conclusão, pelo lado do candidato administrado, gera insegurança jurídica e desconfiança aos atos praticados pela Administração Pública, porquanto mesmo cumprindo todas as exigências contidas no edital do certame, os aprovados ficam em situação de expectativa e instabilidade por desconhecerem se haverá ou não a nomeação. Logo, os mesmos fundamentos que levaram a jurisprudência firmar o posicionamento do direito subjetivo à nomeação dos aprovados dentro das vagas ofertadas no edital, devem também ser adotados para os aprovados no cadastro de reserva, sob pena de inaplicabilidade deste novo posicionamento dos tribunais brasileiros, fato que macula o direito fundamental de acesso aos cargos públicos e desabona a Administração Pública, uma vez que gera farta desconfiança por parte dos administrados.


8 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 27 de jul. 2011.

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CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional. – 17. ed., ver. atual. e ampl. – Belo Horizonte: Del Rey, 2011.

DALLARI, Adilson Abreu. Princípio da Isonomia e Concursos Públicos. In: Fabrício Motta (org.), Concurso Público e Constituição. Belo Horizonte, Editora Fórum, 2007.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo – 24. ed. São Paulo: Atlas, 2011.

MAIA, Márcio Barbosa ; QUEIROZ Ronaldo Pinheiro de. O regime jurídico do concurso público e o seu controle jurisdicional. São Paulo: Saraiva, 2007.

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MOTTA, Fabrício. Concurso Público: direito à nomeação e a existência de “cadastro reserva”. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado (RERE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº. 24, dezembro, janeiro, fevereiro, 2011. Disponível na Internet: <http://www.direitodoestado.com/revista/RERE-24 DEZEMBRO-JANEIRO-FEVEREIRO-2011-FABRICIO-MOTTA.pdf>. Acesso em: 1 de novembro de 2011.

ROCHA, Francisco Lobello de Oliveira. Regime jurídico dos concursos públicos – São Paulo: Dialética, 2006.


Notas

[1] CRETELLA JÚNIOR, 2002, Apud MAIA, Márcio Barbosa ; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro de. O regime jurídico do concurso público e o seu controle jurisdicional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 3.

[2] MAIA, Márcio Barbosa ; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro de, Op. cit., p. 4.

[3] Ibidem, p. 6.

[4] “Artigo XXI (...) 2 – Toda pessoa tem igual direito de acesso ao serviço público do seu país.”

[5] MOTTA, Fabrício. Concurso Público: direito à nomeação e a existência de “cadastro de reserva”. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado (RERE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº. 24, dezembro, janeiro, fevereiro, 2011. Disponível na Internet: <http://www.direitodoestado.com/revista/RERE-24-DEZEMBRO-JANEIRO-FEVEREIRO-2011-FABRICIO-MOTTA.pdf>. Acesso em: 01 de novembro de 2011, p. 2.

[6] ATALIBA, Geraldo, 1985 Apud DALLARI, Adilson Abreu. Princípio da Isonomia e Concursos Públicos. In: Fabrício Motta (org.), Concurso Público e Constituição. Belo Horizonte, Editora Fórum, 2007, p. 92/93.

[7] MS 21.322-1, Rel. Min. Paulo Brossard, por maioria, DJU 1 de 23.04.1993

[8] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, 24. ed. – São Paulo: Atlas, 2011, p. 540.

[9] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 21ª ed. – Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2009, p. 595/596.

[10] CARVALHO FILHO, José dos Santos, op. cit., p. 597.

[11] MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo, 6. ed. - Niterói: Impetus, 2012, p. 634/635.

[12] A Portaria MP nº 450/2002, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, estabelece normais gerais sobre concursos públicos realizados no âmbito da administração direta, autárquica e fundacional do Poder Executivo da União.

[13] MAIA, Márcio Barbosa ; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro de, Op. cit., p. 136.

[14] RE 598099, STF – Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento: 10.08.2011, DJe 30.09.2011.

[15] RE 598099, STF – Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento: 10.08.2011, DJe 30.09.2011.

[16] Fabrício Motta adota apenas as duas primeiras como indicadores da possibilidade do cadastro de reserva, mas admite a ultima também em momento diverso. (MOTTA, Fabrício. Concurso Público: direito à nomeação e a existência de “cadastro de reserva”. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado (RERE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº. 24, dezembro, janeiro, fevereiro, 2011. Disponível na Internet: <http://www.direitodoestado.com/revista/RERE-24-DEZEMBRO-JANEIRO-FEVEREIRO-2011-FABRICIO-MOTTA.pdf>. Acesso em: 01 de novembro de 2011)

[17] Idem, ibidem.

[18] Idem, ibidem.

[19] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 21ª ed. – Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2009, p. 606.


ABSTRACT: The public tender aims to select the candidates who will best perform the function of inherent public office or public employment. Given the highly competitive, there are more candidates than the number of vacancies, which gives rise to the creation of a register of booking. The legality of this type is subject to certain requirements, which if not followed the exhibition culminates in illegality.

KEY WORDS: Public tender; Master Reserve; Appointment; Legality.


Autor

  • Antônio Rodrigues Miguel

    Advogado integrante do escritório Tayrone de Melo Advogados, pós-graduado em Direito Administrativo e Constitucional pela Puc-GO, pós-graduado em Direito Civil e Processo Civil pela Universidade Cândido Mendes do Rio de Janeiro, pós-graduado em Direito do Consumidor pela Universidade Federal de Goiás. Membro da comissão de Direito Digital e Informática da OAB/GO e da Comissão Direito do Consumidor da OAB/GO, membro do IGDD – Instituto Goiano de Direito Digital.

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MIGUEL, Antônio Rodrigues. A legalidade do cadastro de reserva nos concursos públicos e o direito à nomeação dos candidatos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3535, 6 mar. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23891. Acesso em: 16 abr. 2024.